por Roberto Muggiati (especial para a Gazeta do Povo)
Retratada
brevemente em minisséries e musicais, trajetória artística do produtor musical,
compositor e jornalista Ronaldo Bôscoli é digna de um espetáculo exclusivo
Em 2009, na
minissérie Maysa: Quando Fala o Coração, a figura carismática de Ronaldo
Bôscoli (1928-1994) ressurgiu com força total. O ator que o interpretou, Mateus
Solano, tornou-se estrela da noite para o dia e hoje é um dos maiores ibopes da
tevê, encarnando o vilão Félix da novela Amor à Vida.
Agora, em
Elis, a Musical, Bôscoli também faz sucesso na interpretação esmerada de Felipe
Camargo. Com seu humor cáustico, o Veneno era um personagem que não admitia
meias medidas: ame-o ou odeie-o. E geralmente isso acontecia com o galã de nove
entre dez estrelas da MPB: elas o amavam e depois o odiavam para o resto da
vida. Impiedoso com seus desafetos, trucidava a todos com seus apelidos:
“compota de monstro” (Sérgio Mendes); “eminência parda da MPB” (Antônio Maria).
Nem as namoradas escapavam: Maysa (“La Gorda,” “condessa de araque”), Elis (“a
vesguinha”).
Mateus
Solano encarnou Bôscoli em 2009, na minissérie Maysa: Quando Fala o Coração
Conheci
Ronaldo Bôscoli de raspão: além dos resvalos no Beco das Garrafas nos anos 50,
invadi o seu espaço em 1965, a redação da Manchete na Rua Frei Caneca. Ronaldo
já reinava no Olimpo da bossa nova, mas a poeira da sua lenda ainda pairava na
revista de Adolpho Bloch. Não faltavam anedotas. Um dia, Jaquito, sobrinho do
dono, atende ao telefone: “Mas, minha senhora, o Ronaldo está aqui do meu lado!
Doente!?...” Ronaldo arranca o fone das mãos do Jaquito e dá um esporro na
Velha: “Pô, mãe, vacilou! Essa desculpa era pra amanhã...”
Sobrinho-bisneto
da lendária Chiquinha Gonzaga, sobrinho dos homens de teatro Geysa e Jardel
Bôscoli, primo do ator Jardel Filho e do radialista Héber de Bôscoli, primo em
segundo grau de Bibi Ferreira, se tornou cunhado de Vinicius de Moraes em 1951.
Ronaldo tinha 22 anos e sua irmã, Lila, de dezenove, era obsessivamente
cortejada pelo poeta, que tinha o dobro da idade e era casado. Bôscoli partiu
para dar uma surra em Vinicius, mas se desmanchou ao encontrar o poeta, seu
ídolo. E tudo ficou no melhor dos mundos depois que Vinicius se separou da
mulher e casou com Lila. Foi Bôscoli quem jogou Tom Jobim nos braços de
Vinicius para o início da maior parceria da MPB. Com o palco e a música
correndo nas veias, Ronaldo Fernando Esquerdo e Bôscoli foi, sim, ser gauche na
vida; mas jamais pendeu para a esquerda, ao contrário, ainda jovem ganhou o
apelido de “Véio”, por causa de sua postura ranzinza e reacionária diante de
tudo.
Já no final
dos anos 50, cheio do jornalismo, Ronaldo queria escrever algo menos
descartável. Emplacou um pequeno sucesso, “Fim de Noite”, com Chico Feitosa.
Suas pretensões de letrista o levaram a Tom Jobim, mas Vinicius – apesar de
amigo e cunhado – só admitia outro parceiro para Tom, Newton Mendonça. Foi
quando lhe caiu dos céus o parceiro ideal, Roberto Menescal, nove anos mais
moço. Logo criaram sucessos como “O Barquinho”, “Lobo Bobo”, “Se É Tarde Me
Perdoa”, “Rio”. O sucesso como letrista fez Ronaldo popular entre cantoras e
atrizes.
Tática
Em Ela É
Carioca – Uma Enciclopédia de Ipanema, Ruy Castro traça seu perfil de conquistador:
“Ronaldo fora um dos primeiros psicanalisados do Rio (com a Dra. Iracy Doyle) e
dominava o jargão. Diante de uma mulher por quem estivesse interessado era
capaz de ouvir horas de arenga ‘existencial’. Depois, solidário, falava com
aparente sinceridade dos próprios problemas, um deles a síndrome do pânico que
teve aos 26 anos e o fez trancar-se em casa durante um ano. Isso o tornava tão
diferente dos sólidos machões da época que, ao fim da jornada, a moça estava no
papo. Sua tática era simples: ‘Se me deixar falar, eu como.’ Era um
profissional.”
Caíram nas
garras do Lobo as atrizes Betty Faria, Joana Fomm, Mila Moreira, as cantoras
Nara Leão, Maysa, Sylvinha Telles, Elis Regina, a condessa Mimi de Ouro Preto e
Mônica Silveira. Nara Leão tinha apenas quinze anos quando começou a namorar
Bôscoli, com 28. Em pouco tempo ele se instalou no apartamento da família da
moça, na Avenida Atlântica, que se transformou num ponto de encontro da
nascente bossa nova. Em 1961, Bôscoli acompanha Maysa – então com 24 anos –
numa momentosa excursão a Buenos Aires, onde a conheciam como “La Contessa
Cantante”. Na volta ao Brasil, todos os jornais estampam as declarações
bombásticas da cantora, desmentindo os boatos de que haviam casado, mas
anunciando o casamento na Europa no mês seguinte. Nara cortou Ronaldo de sua
vida para sempre. Surgiu então uma garota do Sul, Elis Regina, que veio fazer o
seu nome no Rio apoiada na dupla Miele e Bôscoli. Entre Ronaldo e Elis nasceu
logo aquela animosidade mútua que é o prenúncio da grande paixão. Depois de uma
briga horrenda, ele disse: “Se ela olhar para mim, eu falo. Se me der bom dia,
eu caso.” Casaram-se em alto estilo, no final de 1967, ele de fraque, ela com
vestido de noiva criado especialmente pelo padrinho, Dener, com dez metros de
cauda. Aos tapas e beijos, foram quatro anos e um filho, João Marcelo, que teve
um difícil começo de vida em meio à guerra conjugal. O Lobo se amansou um pouco
durante o segundo casamento, em meados dos anos 70, com Heloísa de Souza Paiva,
com que teve dois filhos e viveu doze anos. Depois, continuou aprontando.
Fim
Bôscoli
voltou a escrever para a Manchete na virada dos anos 70/80. Como editor da
revista, eu combinava a pauta toda semana com ele. A agressividade dos
primeiros tempos cedera a certa amargura. Sem mais tesão para o jornalismo, ele
voava no piloto automático de suas antigas glórias. Penou os últimos anos com
um câncer de próstata que – não fosse o seu pavor aos médicos – seria
facilmente superado. Recorreu até a poções mágicas, como o chá de cipó do Santo
Daime. Mas seguiu destilando seu veneno, sem poupar nem a si mesmo. Ruy Castro
descreveu: “Muito magro, envelhecido e vencido por um câncer de próstata (que
operou, mas nunca tratou direito), Ronaldo Bôscoli foi visitado no hospital por
seu velho amigo e parceiro Roberto Menescal. Ao entrar no quarto, Menescal
ficou arrasado ao ver Ronaldo no fundo da cama com os braços abertos em cruz —
um deles atado ao frasco de soro e o outro, ao de sangue. Mas a saudação de
Ronaldo, com voz fraca e sumida, o desarmou: ‘Vai de branco ou vai de tinto,
Menescal?’”
Imagino
esse quadro do Lobo Crucificado como o grand finale de um musical ou filme
sobre Ronaldo Bôscoli. Do jeito que vai o festival das “showbios” que assola o
país, logo, logo, chega a vez dele.
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2 comentários:
Histórias sobre o Ronaldo Bôscoli não faltam. Numa das matérias feitas para a Manchete, falando sobre a Maysa, ele deu o título "Ave, Maysa". A CNBB, injuriada, enviou carta para o Adolpho reclamando sobre o título, alegando falta de respeito com a Santa. Adolpho mandou chamar o Ronaldo e o esporro foi inevitável. E o Ronaldo saiu com essa: "Mas seu Adolpho. o que que eu posso fazer? A Maysa era uma santa!"
Para essa mesma matéria, Ronaldo me pediu para procurar no arquivo fotos da Maysa com um véu sobre a cabeça. Revirei o arquivo e não encontrei. Ele disse: "Não faz mal, a cara dela já diz tudo!"
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