Meu termômetro passou a ser o Blog de Beatriz Nassif que ela, com apenas 10 anos. Cada crônica que ela escrevia me aquecia o coração.
Os amigos que me acompanham desde os tempos do Blog do Luís Nassif, certamente se lembram da enorme luta que empreendi – armado apenas de um blog – contra a maior máquina de destruição de reputações que o país conhecera até então: a revista Veja.
Na época, já tinha saído da Folha, depois de acordo dos Frias com o BTG, após eu atrapalhar a compra da Goldman Sachs com matérias mostrando os problemas do banco com o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Veja foi pioneira na introdução da ultra direita no país. Inaugurou a fase com uma capa violentíssima, defendendo a liberação das armas. E prosseguiu com ataques contra tudo, governo, artistas tido como progressistas, o politicamente correto.
Roberto Civita aproveitava o temor infundido pela revista para chantagens claras. Como quando ameaçou o Ministro Tarso Genro com uma capa, se ele não mudasse o novo esquema de venda de livros do Ministério da Educação – uma publicação entregue nas escolas para cada diretor escolher os livros que quisesse – que atrapalhou o sistema de vendas da Abril, com vendedores indo a cada escola.
Para esse mergulho no esgoto, Veja montou as primeiras personas para o novo mercado digital que se formava.
Um deles era o jovem ousado, atrevido, que não respeitava biografias, destruía o politicamente correto, atacava unanimidades – como Mozart, Chico Buarque. O personagem foi entregue a Diogo Mainardi que, até então, era um tímido colunista de cultura.
Copiava o modelo de um filme espanhol que retratava uma disputa comercial para adquirir uma empresa de telecomunicações. No filme, um jovem colunista cultural passa a ser alimentado com dossiês, denúncias, até ganhar musculatura perante a opinião pública. Depois, era utilizado como ferramenta da guerra empresarial, sem comprometer diretamente a emissora.
O segundo personagem foi calçado inteiramente nas ferramentas do fascismo. Era a persona virulento, agressivo. Esse papel foi encenado por Reinaldo Azevedo. Utilizava o chapéu Panamá como marca dos grupos que aderíam a ele. Foi o primeiro ensaio para a formação das milícias fascistas que passaram a atuar na Internet. Em breve havia Grupos do Chapéu atuando nas eleições de vários estados, emulando o guru. Nos lançamentos de seus livros, acorriam dezenas de jovens com chapéu Panamá com seus gritos de guerra contra os “petralhas”.
Aliás, todo esse ferramental, mais as teses defendidas pela revista e seus personas, comprova de modo claro que, naquele fim da década de 2000, a ultradireita – e a geopolítica norte-americana – já tinham suas estratégias claramente definidas.
A revista era dirigida por Eurípides Alcântara e Mário Sabino, mas provavelmente o mentor intelectual era José Roberto Guzzo, diretor editorial, reportando-se a Roberto Civita.
Foram dias e dias do mais puro esgoto. Minha então esposa passava as noites lendo aquele lixo, indignando-se. Tinha um blog de poesia e colocou nele seu desabafo. Descobriram o blog, perceberam que poderia ser o ponto fraco para me desestabilizar, e despejaram toneladas de ódio no blog.
Nesse quadro dantesco, eu tinha dois pontos de sustentação emocional. Uma, os leitores do blog que todos os dias deixavam mensagens de apoio.
Lembro-me até hoje de um deles pedindo “por favor, não desanime” e outro, de Goiás, que me disse que ele e a esposa rezavam todos os dias por mim e ele estava fazendo uma rifa de sua bicicleta para me ajudar.
E havia personagens que surgiam das brumas da Internet, como Stanley Burburinho, misterioso, mas profundo conhecedor de tecnologia, formado no MIT, que trazia as informações mais estratégicas, depois de escarafunchar servidores. Virou uma lenda e até hoje não se sabe de sua identidade e sequer se ainda está vivo.
Ou a moça especialista em Diário Oficial, que trazia periodicamente informações sobre o governo José Serra – como a compra, pelos órgãos do governo do estado, de milhares de assinaturas da Veja e de outras revistas da Abril. De quebra, sua mãe rezava diariamente por mim, da mesma maneira que minhas tias e minha avó.
Eram os apoios. O medo que Veja infundia calava a todos, Federação Nacional dos Jornalistas, Sindicato dos Jornalistas, a então Associação Brasileira de Imprensa, grupos de defesa dos direitos humanos, juristas, e as centenas de vítimas dos ataques da mídia nos anos 90, que tiveram na minha coluna o único ponto de apoio. Condensei os 10 anos de luta contra abusos da imprensa no livro “O Jornalismo dos anos 90”, lançado em 2002.
No início, Veja contratou Reinaldo especificamente para rebater os ataques que sofria. Guardei 500 páginas de ataques, onde pululavam palavras como “ratazana”, “mão peluda”, “achacador”, “frequentador de sauna gay”.
Era uma autêntica antecipação do personagem do futuro filme Coringa. Posteriormente, crônicas futuras dele sobre traumas pessoais de infância confirmariam essa suspeita.
Pelo talento, sobreviveu a esse período de matador profissional e reinventou-se, ao contrário de Mainardi. Mas, a exemplo dos carrascos da ditadura, jamais se desculpou das baixarias. O receio é como se comportará na próxima onda de ódio.
O maior desafio que enfrentei foi não devolver as baixarias. Na época, indignado, o jornalista Nirlando Beirão me contou um episódio que teve com Reinaldo. Já era noite avançada quando Reinaldo bateu na sua porta, fora de si. Tinha entrado em uma briga com o jornalista Pepe Escobar e despejava imprecações, lamentos de forma desconexa, deixando Nirlando em dúvida sobre as motivações da crise.
Poderia maliciar o episódio, devolver os ataques com casos concretos, mas lembrei-me que ele também tinha filhas. E poupei-o – e poupei-me – de baixarias.
A série que escrevi ainda está em um site do Google, O Caso de Veja e o perfil de Reinaldo no artigo A Cara de Veja, no momento em que a revista iniciava uma campanha publicitária tentando mudar sua imagem.
A guerra acabou quando Sidnei Basile, em nome de Roberto Civita, propôs um armistício: se eu parasse de falar da Veja, eles retirariam os 5 processos que abriram em nome de seus jornalistas. Recusei. Os processos permaneceram, mas os ataques cessaram. No meio deles, fui abandonado pelos meus advogados Tais Gasparian e Samuel McDowell Figueiredo.
O levantamento da guerra está no livro “O Caso Veja”
O Blog de Beatriz Nassif
O segundo ponto de sustentação, o ponto focal de equilíbrio, eram as minhas menininhas, as caçulas de 9 e 10 anos.
Quando entrei na guerra, sabia que seria inclemente e eu ficaria só. Antes, fiz uma reunião com as duas filhas mais velhas, e com a então esposa, mostrei o que vinha pela frente, que afetaria a elas também, e pedi sua opinião. A opinião foi unânime:
Pai, se você não entrar nessa guerra, você morre.
Mas e as menininhas?
Todo o arsenal de lixo da ultradireita – com o canhão da Veja na frente – era direcionado a poucos blogs. E eu merecia sua preferência, pelas críticas que fazia à revista. Toda manhã elas saíam para a escola, e não sabia o que chegaria a elas dos ataques recebidos, das baixarias despejadas pela cloaca de Reinaldo.
Meu termômetro passou a ser o Blog de Beatriz Nassif que ela, com apenas 10 anos, montou no WordPress.
Era um refrigério tanto para mim como para a comunidade que se formou em torno do meu Blog, todos sufocados pelo clima lançado no país pelo antijornalismo da Veja, e assumido pelos demais veículos.;.
Cada crônica que ela escrevia me aquecia o coração, por saber que não tinha sido atingida pelo mar de lama.
E me davam grande orgulho pela menininha tornando-se gente.
Como esse poema, escrito aos 11 anos:
Diferenças
Publicado por: Bibi em 14 novembro, 2009
Todos nós temos diferenças
Alguns são bonitos, outros são feios
Alguns são céticos, outros tem crênças
Alguns são implicantes, outros são sensíveis
Alguns são mal humorados, outros são bem humorados
Alguns são fáceis de entender, outros são difíceis
Algumas pessoas podem ter uma vida madura, outros uma vida complicada
Mas todas as pessoas tem a mesma semelhança:
Todas têm diferenças
LEIA A MATÉRIA COMPLETA PUBLICADA NO DIA 27/4/2025 NO JORNAL GGN, DE LUÍS NASSIF
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