CARTA AOS LEITORES E LEITORAS
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CARTA AOS LEITORES E LEITORAS
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Álbum de família da Veja em 1968: Muggiati à extrema esquerda, Mino ao centro. Entre os mortos ilustres, o escritor Caio Fernando de Abreu (3ª fila ao centro), que completava vinte anos naquele dia. |
Pompeu se foi em 2000, aos 61 anos; UIisses em 2011, aos 78; e Tão em 2022, aos 83. Agora foi vez de J.R. Guzzo, aos 82 anos. Mino Carta fará 92 anos em 6 de setembro; este que vos escreve espera chegar aos 88 em 6 de outubro. Ambos aguardam tranquilamente a marcha natural das coisas, pois já noticiava William Shakespeare em 1606 a existência “daquele país desconhecido de cujas fronteiras nenhum viajante jamais voltou...”
Contei aqui há poucos dias como só trabalhei um dia, de graça, no jornal O Globo em 1965 e depois caí nos braços dos Bloch para passar 35 anos na Manchete. Agora, por causa da minha tradução de “O grande Gatsby”, de Scott Fitzgerald, ganhei também uma página no caderno Ela, na superedição de 500 páginas comemorando os 100 anos do jornal. Veja aí
.
Eu estava à toa na vida, no final de 1965, recém-casado, recém-chegado ao Rio e desempregado. Era jornalista há onze anos, mas interrompera a carreira nos dois anos de bolsa em Paris e nos três em que trabalhara na BBC de Londres.
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Rogério Marinho. O Globo/Divulgação |
Embarafustei-me na balbúrdia daquela babel, poucos minutos me bastaram, o repórter ainda não precisava fazer a famosa “apuração”. Nem depuração: a pauta banal não exigia muita criatividade. A volta à redação – aí é que a coisa pegava – envolvia toda uma logística. De um telefone fixo (indisponível no Glória) ou de um orelhão, você ligava para uma central radiofônica, dava suas coordenadas, e uma viatura do Globo vinha te buscar. Bati o texto de uma lauda e meia e deixei na mesa do chefe de reportagem, veterano pé-de-boi que tinha saído para um lanchinho. Virei as costas para a redação soturna da rua Irineu Marinho e nunca mais voltei. A redação da Frei Caneca era ainda mais sinistra, mas um mês depois eu caía nos braços dos Bloch para passar 35 anos na Manchete.
O mundo dá voltas curiosas. Cinquenta anos depois, trabalhei – dessa vez remunerado – para a filha de Rogério Marinho, Ana Luísa, casada com o saxofonista Mauro Senise, que me elegeu como redator oficial dos press releases do marido.
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Um Ozzy de cara lavada à direita |
Lina morreu há muito tempo, Ricky recentemente, agora foi a vez de Ozzy, e a brasileira que se divorciou do americano dono da frota está pagando até hoje aquela corrida de limosine...
"Mistério na Glicério", por Roberto Muggiati. O blog Panis Cum Ovum publica o folhetim noir escrito por Roberto Muggiati, originalmente lançado no República, voz não-oficial da República Independente de Laranjeiras, editado quinzenalmente por Ricardo Linck, do Maya Café.
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Lena Muggiati em frente ao Palácio de Buckingham, em 1986. Depois de cobrir o casamento do príncipe Andrew com Sarah Ferguson, ela aguardava o beijo do casal na famosa sacada da residência real. |
Lena fotografou também grandes nomes da música brasileira, com retratos consagrados de Ivan Lins, Nara Leão, Artur Moreira Lima e Arrigo Barnabé. Um dia, a caminho da casa de Hermeto Pascoal, parou numa loja do Catete e comprou um pano preto que serviu de fundo para uma foto do Bruxo tocando bombardino com um papagaio empoleirado na campana do instrumento.
O casal sofreu um dia insólito episódio de bullying patronal quando Muggiati ia partir com a família para o repouso no chalé de Itaipava antes de encarar mais um fechamento da edição de Carnaval. Toca o telefone, era Adolpho, meio desenxabido queixando-se de que sertanejos não eram matéria para a Manchete. Foi o mago das finanças da Rede Manchete – conhecido como “a raposa escolhida para cuidar do galinheiro” – quem levantou a maledicência de que os Muggiati estavam levando propina para publicar matérias sobre as duplas sertanejas. A nova sensação da música brasileira não precisava da Manchete, essa é que precisava dos sertanejos para vender revistas.
Esta evidência veio à luz quando Jayme Monjardim escolheu a temática sertaneja para a novela que sucederia o fenômeno “Pantanal”: “Ana Raio e Zé Trovão”. O castigo veio literalmente a cavalo com o espetáculo – bizarro e bisonho – de Adolpho Bloch e Anna Bentes fantasiados de vaqueiros distribuindo chapelões no lançamento de gala da novela.
Lena com Tião em 1996. O Macaco morreria em 23 de dezembro, aos 33 anos. |
Lena Muggiati morreu de pneumonia aos 74 anos numa casa de repouso de Correias, RJ, no dia 30 de maio.
Sala de Leitura do Museu Britânico e... |
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...o cartão de admissão de RM |
Em 1963, trabalhando no Serviço Brasileiro da BBC, consegui minha carteira para o lendário Salão de Leitura. Aos 25 anos, as atrações mundanas da grande cidade não me deram muita chance para frequentar devidamente aquele templo do saber. Lembro apenas de uma pesquisa de alguns dias que fiz sobre Joseph Conrad, o escritor que eu mais admirava à época e continuo amando. Tocou-me pessoalmente sua avaliação de Londres: “A visão de uma cidade enorme se impunha, uma cidade mais populosa do que alguns continentes e, em seu poder feito pelo homem, como que indiferente às carrancas e sorrisos do céu: uma cruel devoradora da luz do mundo. Havia bastante espaço aqui para situar qualquer história, profundidade bastante para qualquer paixão, variedade bastante para qualquer cenário, escuridão bastante para soterrar 5 milhões de vidas.” A minha Londres de 1963 soterrava 8 milhões de vidas, entre elas a minha. Com minha cumplicidade...
O blog Panis Cum Ovum publica o folhetim noir "Mistério na Glicério", por Roberto Muggiati, originalmente lançado no República, voz não-oficial da República Independente de Laranjeiras, editado quinzenalmente por Ricardo Linck, do Maya Café.
Clique na imagem para ampliar. Atenção à correção na página 8 ...clorofórmio – conhecida popularmente como Boa Noite, Cinderela.
Cícero Sandroni com o fotógrafo Antonio Rudge na cobertura para a Manchete da assinatura do acordo atômico Brasil-Alemanha em 1975 |
Na ABL |
Sandroni na Manchete em 1969 |
Jaquito, é claro,
vangloriou-se ao Adolpho dizendo que ele mesmo tinha fisgado o bicho. (Recorreu
aos artifícios da prosa hemingwayana em O
velho e o mar, o único livro que leu na vida.) Acertou em cheio na sua
aposta. Orgulhoso da obra do seu chef de
cuisine – requintada como aquelas peças de ourivesaria que Benvenuto
Cellini lavrava para os papas – Adolpho decidiu exibir o prato na redação,
antes que ele fosse devorado no restaurante pela alta direção e pelos editores
da casa. O acepipe, sobre uma travessa de porcelana, foi trazido numa bandeja
de prata. O garçom, mal podendo arcar com o peso do troféu, o depositou no
centro da sala, sobre a mesa do Cícero, que havia se ausentado por alguns
minutos.
Quando se deparou
com aquele espetáculo, o Sandroni ficou profundamente ultrajado. Sempre se
sentira diminuído pelo Adolpho, que o chamava de “O Genro”, pelo fato de ser
casado com a filha do imortal Austregésilo de Athayde, o mais longevo
presidente da Academia Brasileira de Letras. Cícero retirou-se intempestivamente
e encaminhou depois seu pedido de demissão.
O desenlace da
história fere o sagrado sigilo do divã, mas correu que, na manhã seguinte, em
sua sessão de psicanálise diária, ao ouvir o relato do insólito episódio, o
analista teria perguntado ao Cícero: “Senhor Sandroni, não acha que está
exagerando nestas suas fantasias sobre os Bloch? Um peixe na sua mesa de
trabalho!...”
*Cícero Sandroni morreu aos 90 anos na
terça-feira, 17 de junho. Nascido em São Paulo, fez uma carreira bem-sucedida
na imprensa carioca. Entrou na Bloch no final de 1969 como meu chefe de redação
em Fatos&Fotos; foi meu chefe de reportagem e de redação da Manchete
em meados dos anos 1970. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2002,
presidente da Casa entre 2007 e 2009, fez parte do que carinhosamente chamamos
“a Máfia da Manchete na ABL”: R. Magalhães Jr, Josué Montello, Ledo Ivo,
Arnaldo Niskier, Afonso Arinos Filho, Carlos Heitor Cony, Murilo Melo Filho,
Geraldinho Carneiro e Ruy Castro. Viveu ainda um episódio curioso como jornalista
na gestão galhofeira de Raul Giudiccelli na F&F: Cícero escrevia
anonimamente a coluna de Horóscopo e, por uma incrível coincidência, previu o
sequestro de embaixador suíço no Rio.
**Esse texto faz parte do livro a ser lançado
em breve por Arnaldo Niskier e Roberto Muggiati, O humor na Manchete/Histórias do Grande Circo Adolpho Bloch.
Cais do Porto do Rio de Janeiro. Primeiro escalão da FEB pouco antes do embarque para a Itáliaa em 28 de junho de 1944. Foto National Archives. |
Francisco no circuito carioca. Foto L'Osservatore Romano |
"Nunca fui de correr atrás de Papas (ou de celebridades em geral). Minha relação com a Igreja Católica não sobreviveu ao penoso rito da Primeira Comunhão, na paroquia de Santa Teresinha do Menino Jesus, no bairro do Batel, em Curitiba. Aquele bullying todo em torno da confissão – você tinha obrigatoriamente de ter pecados a expiar, ou então estaria mentindo. Os mais espertos inventavam pecados para sair logo daquela roubada. Outros, em pânico, chegavam até a comprar – com bolas de gude ou balas Zequinha – “pecados” a serem sussurrados ao obscuro inquisidor por detrás da treliça. Havia ainda a campanha de terror que cercava a ingestão da hóstia sagrada – o santo-cura histérico o intimidava a não ferir ou morder o corpo de Cristo. Troquei a arejada e solar igreja de Santa Teresinha – obra de mestres-de-obra imigrantes italianos que posavam de arquitetos – pela escura e misteriosa Catedral de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, elevada a Basílica Menor em 1993, ano do seu centenário. Como ainda não conhecera de perto as grandes catedrais medievais da Europa, eu me contentava com aquela cópia em estilo neogótico – ou gótico romano – inspirada na Catedral da Sé de Barcelona. E mais, meu pai, que tocava violino, costumava me levar até o majestoso órgão – era amigo do organista e de membros do coral – a meio caminho, subindo por uma escadaria íngreme e estreita, do campanário, onde eu me sentia o próprio Corcunda de Nôtre Dame (não tinha lido o romance de Victor Hugo, mas me impressionara com o filme em que Charles Laughton interpretava Quasimodo.) Havia ainda na Catedral de Curitiba a vigília do Cristo Morto na Semana Santa, na madrugada de sexta-feira, da qual meu pai participava com a capa solene da confraria – as imagens religiosas da igreja todas cobertas de pano roxo, só o Cristo crucificado do pequeno altar à direita do portão de entrada, com suas chagas sangrentas brutalmente expostas, um dos mais horripilantes que já vi em toda minha vida.
Havia um toque leigo, também: a missa das nove aos domingos na Catedral era conveniente, pois a poucos passos dali, às dez, começava o programa de rádio infanto-juvenil no Clube Curitibano. O apresentador, José Augusto Ribeiro – prenunciando já o fabuloso orador que viria a ser – comandava o show que tinha, entre suas atrações, as fabulosas irmãs catarinenses Van Steen, uma delas a Edla, que ganhou o mundo como atriz e escritora.
Bisneto de anarquista – Ernesto Muggiati veio para o Brasil com mulher, dois filhos e duas filhas para participar da lendária Colônia Cecília em Palmeira, no Paraná – comunista principiante (adentrei 1950 com doze anos de idade no auge da Guerra Fria), não posso omitir que me vi então, paradoxalmente, às voltas com uma tremenda crise mística ao ler, no começo da adolescência, já em inglês, The Seven Storey Mountain/A montanha dos sete patamares, de um dos grandes líderes espirituais da nossa época, Thomas Merton (1915-68), um monge trapista, ordem que cultivava o voto do silêncio.
Mas chega de nariz-de-cera, como se praticava no jornalismo dantanho.
Jesuíta, tanguero emérito, torcedor doente do San Lorenzo de Almagro, Jorge Mario Bergoglio (coincidência, Zagalo também é Jorge Mário) foi um dos raros Papas que não ascendeu ao trono de São Pedro pela morte do antecessor: Bento XVI renunciou e, como Papa Emérito, caminha firme para os 93 anos (não percam o filme Dois Papas, do brasileiro Fernando Meireles, que reconstitui o encontro entre Ratzinger e Bergoglio em Castel Gandolfo em 2013). Pouco depois, Ratzinger renunciava e Bergoglio assumia o papado sob o nome de Francisco, quebrando uma série de recordes pontificais: é o primeiro papa nascido na América, o primeiro latino-americano, o primeiro pontífice do hemisfério sul, o primeiro papa a utilizar o nome de Francisco, o primeiro pontífice não europeu em mais de 1200 anos (o último havia sido Gregório III, morto em 741) e também o primeiro papa jesuíta da história.
Enfim, de volta à nossa história. Eleito Papa em 13 de março de 2013, nosso bom Francisco inicia sua primeira viagem internacional em 22 de julho, justamente para a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Francisco escolheu se deslocar do Aeroporto do Galeão para o Palácio da Guanabara, onde se daria seu primeiro encontro com as autoridades, num carro comum da Fiat, apenas o motorista e ele, no banco traseiro do lado direito com as janelas abertas, Apesar do pânico da segurança e da quantidade de pessoas que se aproximaram dele, num engarrafamento no meio do caminho, Francisco, na viagem toda, não abriu mão dessa rotina, janelas abertas para os apertos de mão do povo.
Como disse, não sou de correr atrás de Papas. Na quinta-feira, 25 de julho, terceiro dia da visita, o Sumo Pontífice veio receber as chaves do Rio de Janeiro no Palácio da Cidade, à rua São Clemente, a menos de uma quadra da vila onde moro, na Real Grandeza. Um instinto natural de curiosidade – e o cacoete de jornalista – me levaram até a frente do Palácio naquela manhã fria e cinzenta, mas o Papa só apareceria ao longe – sei lá quando – na sacada do Palácio, bem afastado da rua. Desisti. Voltei ao meu trabalho de tradução. Liguei automaticamente a televisão, vi o Papa dar uma bênção especial a nossa estrela do basquete, Oscar Schmidt, que lutava contra um câncer. Como disse, tudo aquilo acontecia a um quarteirão da minha casa.
Em 2020, Muggiati ao lado do cartaz que anunciava o lançamento do filme "Dois Papas", de Fernando Meireles, lançado na Netflix em 2019. (Foto: arquivo pessoal) |
Bichon bebê ao chegar em casa, supimpa, em 2001 |
Vaidoso da minha intervenção pontifical, passei a imaginar que a cura da Bichon seria arrolada como um dos primeiros milagres do Papa Francisco no seu futuro processo de canonização. Ledo engano. Exatos sete meses depois – em 25 de fevereiro de 2014 – a Bichon morria e era enterrada no meu “pet cemetery” particular, debaixo da casuarina no canteiro do fundo da vila,
Desculpe, hermano Francisco, fico te devendo esta, mas tenho certeza de que você é tão legal que essas coisas de beatificação e canonização não te fazem a menor falta, Afinal, você já vive e trabalha em estado natural de santidade."
(*) A título de contexto - por José Esmeraldo Gonçalves - Com o mundo mais uma vez voltado para as coordenadas geográficas da Praça de São Pedro e ainda sob o impacto da morte de Francisco, o blog Panis cum Ovum reposta a matéria acima que mostra o quanto a visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro em julho de 2013 tocou a vida, a rotina e a memória de Roberto Muggiati. Na primeira frase, Muggiati diz que "nunca correu atrás de papas". Uma verdade parcial. Como diretor da antiga revista Manchete, ele comandou maratonas jornalísticas no rastro dos pontífices. Como no dia 6 de agosto de 1978, quando morreu Paulo VI. A Manchete se mobilizou para colocar rapidamente nas bancas edições especiais sobre as exéquias e, em seguida, a eleição do novo líder da igreja católica. Foram noites viradas para o diretor e equipe de repórteres e fotógrafos que produziram centenas de páginas sobre o assunto que mobilizava o mundo. João Paulo I foi eleito em 26 de agosto. Em 28 de setembro de 1978, o Vaticano comunicava a morte inesperada e chocante do novo papa. A antiga Manchete, assim como todos os veículos jornalísticos, correu atrás do fato e foi levada a um estranho looping, obrigada a repetir o roteiro de pautas com o novo papa: de novo, especiais com cobertura do velório, da eleição e da posse de João Paulo II...
Vargas Llosa em Paris, anos 1960. Foto: Reprodução Instagram
Quando eu era
bolsista pobre em Paris em 1960, meu amigo Octávio Carneiro Lins – que
trabalhava com o tio, o embaixador Paulo Carneiro, na Unesco – costumava me
convidar para jantar nos melhores restaurantes. Mas Octávio era uma figura
complicada e essa aparente generosidade muitas vezes ocultava surtos perversos
de sadismo.
Duas ou três
vezes ele me levou ao México Lindo, na rue des Canettes, naquele cafofo da rive gauche entre as igrejas de
Saint-Germain e de Saint Sulpice. Na primeira vez cuspi a comida toda no prato
de tão apimentada que era. – Caliente?!
– comentou o garçom, gozando da minha cara. Octávio, macaco velho em culinárias
exóticas e chegado a temperos fortes, por trás de um semblante à Buster Keaton,
também devia estar se divertindo.
Vocês já devem
ter ouvido falar na Maldição de Montezuma, que acomete os incautos que vão ao
México e exageram na comida local. Na segunda vez que fui ao México Lindo, bem
que me esforcei, mas ainda refuguei mais da metade da comida. Da terceira, já
com as papilas gustativas cauterizadas no ferro em brasa, me saí um pouco
melhor, mas pedi ao Octávio que voltássemos, por favor, à boa e velha cuisine française.
Para mim a
história teria morrido aí, não fosse ter lido, 45 anos depois, o romance Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa – o peruano que
ganhou o Nobel de Literatura em 2010. Ele morou em Paris à mesma época que eu.
Cito trechos do livro:
“No meu primeiro
ano em Paris, quando passava apertos financeiros, muitas noites ficava na porta
dos fundos desse restaurante [o México Lindo] esperando que Paúl aparecesse com
um pacotinho de tamales, tortilhas,
carninhas ou enchiladas, que ia
saborear no meu sótão do Hôtel du Sénat antes que esfriassem.”
“Paúl, ao saber
das minhas dificuldades, quis me dar uma força com a comida, porque no México
Lindo era o que sobrava. Que eu passasse pela porta dos fundos, por volta das
dez da noite e ele me ofereceria ‘um banquete grátis e quente’, coisa que já
fizera com outros compatriotas carentes.”
*Do livro de memórias em gestação Paris por um triz.
** Mario Vargas llosa faleceu ontem, em Lima, aos 89 anos. A família não informou a causa da morte. Desde que deixou Madrid em 2022 e voltou a residir no Peru o escritor estava debilitado.
O cantor Paulo Leminski Neto vive um drama nas ruas da Lapa |
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Na foto, o pai, poeta Paulo Leminski (1944-1989) |
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Identidade e semelhança comprovadas |
Paulo Leminski Neto, cantor e professor de música, ficou sem trabalho no final do ano passado, foi despejado do quarto onde morava na Lapa e se viu na rua com a mulher, a figurinista Claudia Tonelli, com quem vive há seis anos. Como se desgraça não bastasse, ela sofreu agressão e tentativa de estupro por um delinquente de 29 anos com 22 passagens na polícia, saindo da emergência hospitalar com stress pós-traumático. O incidente levou ambos a se tornarem pacientes por depressão num Centro de Atenção Psicossocial (CAPs). Disse ela: “Viver e dormir nas ruas é um misto de invisibilidade e visibilidade incômoda.” O casal, em estado extremo de vulnerabilidade, precisa levantar 120 reais diários para pagar o hotel na Lapa onde Cláudia se recupera. Contam com a ajuda de pessoas solidárias, mas sem garantia de continuidade e podem ir parar de novo nas calçadas a qualquer momento.
Paulo Leminski Neto só passou a existir com carteira de identidade em agosto de 2021, depois que ele soube, pela biografia de Toninho Vaz, "O bandido que sabia latim", que era filho do poeta e que Leminski o havia registrado e, de posse da certidão do cartório, obteve o documento, com a data de nascimento de 31 de janeiro de 1968. A primeira mulher de Leminski, o registrou sob outro nome, não tinha sequer a certeza de que o poeta fosse seu pai, pois o casal vivia numa época de relações abertas.
Como sempre, Manchete tem um dedo nessa história. Na ocasião, Paulo Leminski veio tentar a sorte no Rio e hospedou-se no lendário Solar da Fossa, em Botafogo, demolido depois para a construção do Shopping Rio Sul. No casarão de dois andares com 85 quartos moraram, entre 1964 e 1971, intelectuais e artistas como Caetano Veloso, Gal Costa Gilberto Gil, Glauber Rocha, Paulo Coelho, Tim Maia, o jornalista Ruy Castro e os atores Cláudio Marzo e Beth Faria, que se casaram no pátio da pensão. O nome veio da deprê do carnavalesco Fernando Pamplona, que lá se refugiou depois de se separar da mulher. Mas o Solar era tão solar que a fossa não demorou muito, só o nome restou. Leminski ficou pouco e passou em brancas nuvens, assim como nas duas semanas em que trabalhou na antiga revista Manchete, escondido no Departamento de Pesquisa. Seu Grande Salto seria nos anos 1980, em São Paulo.
Não olhe agora, mas Elis Regina faria hoje 80 anos. Nasceu nas águas de um 17 de março. Não posso, e acho que ninguém pode, além da Inteligência Artificial, imaginar nossa "maior cantora" cantando e sacudindo Arrastão com 80 anos. Mas aos 36, quando partiu misteriosamente, não só a imaginei como a vi em pessoa, já sem vida, na maior tragédia da MPB.
Foi no dia 19 de janeiro de 1982 que, pela primeira e última vez em minha carreira jornalística, proferi uma frase-chavão típica dos filmes que têm a imprensa americana como tema: "Parem as máquinas". E eles - os dirigentes da revista Manchete - pararam. Não por mim. Por Elis.
Era uma terça-feira em São Paulo. A revista, fechada na véspera, com Julio Iglesias na capa, já rodava no parque gráfico de Lucas, para ir às bancas na quarta de manhã, como sempre.
Por isso, terça-feira era, para a redação, um dia de transição, de ritmo lento. Jornalisticamente meio parado, improdutivo. A próxima edição, só daqui a oito dias. Mas, espere. Às 11 e meia da manhã daquela terça-feira, eu e o supercolega Júlio Bartolo subíamos a Avenida Rebouças, onde então se localizava a sucursal de Manchete, em direção à Avenida Paulista, para beliscar alguma coisa. No rádio do carro, ao fundo, em volume pouco audível, começamos a detectar fragmentos de uma notícia meio sem sentido: Elis Regina. IML. Dr. Shibata. Velório.
Parei o carro para ouvir melhor e nos demos conta de que nossa maior cantora estava morta. Senti na carne, fã de primeira e última hora. Mas o repórter gritava mais alto diante desse absurdo biográfico. Será que o pessoal da redação no Rio já sabia? A notícia chegou lá, pelo Trem de Prata? Possivelmente, não. Telefone, rápido. Celular? Só se a Rebouças fosse o túnel do tempo, 20 anos adiante. Orelhão, claro.
Apalpados todos os bolsos, nada de um punhado de fichas para o interurbano. A ligação a cobrar era o único meio de comunicação do mundo, como no tempo de nossos pais, naquela circunstância. Mas, para funcionar, era preciso que a redação da Rua do Russel já estivesse semipovoada, para atender e aceitar a ligação – naquele horário, isso não era comum numa terça-feira, pós-fechamento. Dois pra cá, dois pra lá, atenderam a ligação. Fascinação: era o próprio editor, o grande Roberto Muggiati. Então enchi o peito e anunciei: "Parem as máquinas!!!!".
Não, ainda não sabiam de Elis. O Rio não sabia, naquela era pré-Internet. Mas Muggi era um editor de primeira e última hora: mandou parar as máquinas. Que Julio Iglesias esperasse sua vez. Escrevi o texto em duas horas. Sem almoço. Não sei quais foram as providências do ponto de vista gráfico. O fato é que horas depois, na manhã de quarta, como de costume, Manchete com a despedida de Elis estava nas ruas.
Naquele mesmo dia, com Elis provocando um arrastão nas bancas, fui a seu velório, no Teatro Brigadeiro, que ela lotara por mais de ano com o musical “Falso Brilhante”. No féretro, serena, mas ainda Elis.
Incrível: estamos há 44 Marços sem Elis.
P.S - Texto publicado no Facebook de Celso Arnaldo Araújo. Roberto Muggiati compartilhou com o Panis Cum Ovum.
Beatriz Segall era uma pessoa muito elegante, nora do grande pintor Lasar Segall e filha do diretor do Instituto Lafayette, um dos melhores educandários femininos do Rio, onde aprendeu francês, piano e costura. Depois, foi bolsista de teatro e literatura em Paris, onde conheceu o marido. Telefonou para mim, a voz calma e o discurso sóbrio, expondo a grande falcatrua a que fora submetida. Fiquei embasbacado, desconhecia os detalhes da história, e prometi que falaria com os Bloch, pleiteando um ressarcimento que, já sabia de antemão, seria causa perdida. Beatriz e eu costumávamos frequentar os saraus da Ceres Feijó, a partir de então me vi constrangido a ficar sempre à distância dela, praticamente me escondendo de tanta vergonha.
Acabou que, poucos meses depois, a doce Beatriz Segall teve o seu gosto de vingança. A TV Globo estreou o que seria talvez a sua novela de maior sucesso em todos os tempos, Vale tudo. E Beatriz brilhava no papel da arquivilã, Odete Roitman. Durante meses o Brasil inteiro viveu em suspense o enigma “Quem matou Odete Roitman?” A mídia vivia à sua caça. Beatriz/Odete recebia a todos cordialmente, menos aos veículos da Bloch. Manchete e Amiga perderam capas preciosas, obrigadas a recorrer a fotos e informações de segunda mão, sem contato direto com a “dona da notícia”.
PS • O autor de Vale tudo, Gilberto Braga, também vivia dias de glória. Vinte anos antes, amargou um anonimato humilhante como foca na reportagem da Manchete com o sobrenome materno, Gilberto Tumscitz.
1950 - Emilinha Borba - Tomara Que Chova
Mais uma vitória para o nosso cinema, muito antes do Orfeu Negro e de Ainda estou aqui. Plágio inconsciente? Há controvérsias. Nos velhos papos cinéfilos com Carlos Heitor Cony na Manchete, ele lembrou que o Brasil era um fetiche para o diretor de Cantando na chuva, Stanley Donen. Em 1984, Donen filmou aqui Blame it on Rio/Feitiço do Rio, primeiro papel importante de Demi Moore. (Outra vitória para nossas cores: por artimanhas do repórter Tarlis Baptista, a starlet de 21 anos posou seminua para EleEla...) E ainda tem mais Manchete na área: no final dos anos 1970, Tomara que chova foi um número de destaque no musical-besteirol de Wilson Cunha e Flávio Marinho, redator e crítico da Manchete, parodiando o musical transformado em filme Evita. Carnaval também é cultura.