domingo, 31 de março de 2019

Fotomemória: quando repórteres da Manchete levaram o Cristo Redentor para o Polo Sul....

Foto de Sergio Jorge/Reprodução Manchete


Em março de 1969, Manchete publicou um suplemento especial sobre o Polo Sul. Durante 15 dias, o repórter Durval Ferreira e o fotógrafo Sérgio Jorge percorreram o Sexto Continente e registraram a vida na imensidão da Antártida.

Para marcar presença, como exploradores que fincam bandeiras no objetivo conquistado, eles depositaram sobre o gelo um exemplar de outra edição especial da Manchete, esta sobre o Brasil e com o Cristo Redentor na capa.

Deve estar lá até hoje, soterrada em geleiras que o aquecimento global começa a derreter.

Fotojornalismo: com essa imagem, o português Mário Cruz concorre ao World Press Photo 2019. O que isso tem a ver com o Brasil?

Garoto que coleta material aproveitável descansa no colchão que navega sobre o lixo flutuante do Rio Pasig,
em Manila. A foto de Mário Cruz é finalista do World Press Photo 2019.

No próximo dia 11 de abril, o World Press Photo 2019 anunciará os vencedores de um dos mais prestigiados prêmios de fotografia do mundo. Um dos finalistas, o português Mário Cruz concorre com uma imagem que expõe a dramática poluição do Rio Pasig,  hoje uma veia de lixo e veneno que corta Manila, a capital das Filipinas. O Pasig está morto desde os anos 1990. A imagem de uma criança deitada sobre um colchão no berço da imundície concorre ao WPP e já ganhou repercussão mundial. O lixo que mata e adoece é o mesmo que se tornou fonte de renda para a população miserável que sobrevive dos dejetos.

Filipinas faz parte do Eixo da Direita, é governada pelo tosco e autoritário Rodrigo Duterte, líder moralista e populista que domina o país. O programa de Duterte tem pontos de contato com Jair Bolsonaro, que o elogia frequentemente. "Nova política", militarização do governo, perseguição a ativistas, criminalização dos movimentos sociais, imposição dos "valores da família", proximidade com milícias etc.

O país é a vitrine de um paradoxo: ao mesmo tempo em que o Banco Mundial celebra o cresciemento financeiro e as contas das Filipinas, o desemprego e a pobreza alcançam níveis dramáticos. Isso só mostra o abismo entre o mercado especulativo e suas prioridades financeiras, que não têm a ver com os interesses da população e suas necessidades básicas.

Walden Bello, um sociólogo e ativista filipino que conhece o Brasil, escreveu recentemente um artigo onde mostra o risco de o Brasil se transformar nas Filipinas de amanhã. Aqui também o mercado financeiro vai bem, fatura bilhões, e o país vai mal.

A foto de Mário Cruz espelha a desigualdade e a injusta concentração da riqueza que o mercado impõe. Esta é a cena que o Banco Mundial não vê ao colocar o jogo financeiro acima da vida.

Na Time: o oligarca canta na chuva


A alegoria da capa é perfeita. Depois de 22 meses de investigação, Donald Trump obteve uma das maiores vitórias de sua presidência. É o tema da reportagem da Time. O procurador especial Robert Mueller promoveu 2.800 intimações e 500 mandatos de busca e ouviu cerca de 500 testemunhas e não conseguiu provar que Trump e seu staff conspiraram com a Rússia durante a campanha eleitoral.  /na Casa Branca, segundo a Time houve brindes com espumante. Segurem essa: a campanha para reeleição do atual residente americano no ano que vem ganhou impulso. O Partido Democrata, que ainda se divide entre vários postulantes, vai ter que rebolar.

sábado, 30 de março de 2019

Na capa da Carta Capital, a pergunta que não quer calar...


por Flávio Sépia 

A história mostra com fartura que a esquerda nunca teve força para derrubar presidentes no Brasil. E, claro, não vai ser dessa vez. A bola está com a direita.

Até prova em contrário Bolsonaro foi legitimamente eleito, embora ele mesmo tenha levantado hipótese de fraude antes da reta final, é responsabilidade de quem o elegeu e carma geral do país até 2022.

O que analistas políticos levantam, diante da catatonia administrativa em um país paralisado que multiplica seus desempregado e da enorme capacidade de produzir crises, é que o próprio suporte do atrapalhado capitão - mercado, liberais, empresários, exportadores, ruralistas  etc, com os militares na aba - conclua que a parentada que domina o Planalto e suas ameaças insanas podem gerar graves prejuízos para o país.

Se doer no bolso, essa turma pode tirar a escada.

Outra hipótese também levantada seria a desidratação informal dos poderes do presidente que passaria a "chamar o Guedes, o Mourão, os militares"..., com o aumento da influência dos militares, do staff econômico e do Congresso. Nesse caso, Bolsonaro vai até o fim, não perde o crachá mas sua segurança pessoal terá trocar o código. Em vez de chamá-lo de "Águia",passa a apelidá-lo de "Queen". Ela mesma, a Elizabeth.

E aguardar os próximos capítulos ou a série da Netflix que desvendará mais esse "mecanismo" daqui a algumas temporadas.

A mídia em 31 de março: vergonha alheia


Em 1964, a mídia brasileira apoiou o golpe. E não negou suporte à ditadura que se seguiu. O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Diário de Notícias, o Jornal, Tribuna da Imprensa, Folha de São Paulo, Estadão, O Cruzeiro, Manchete, Fatos & Fotos, TV Tupi, TV Rio, TV Record (a TV Globo só entraria no ar em 1965) e, nos estados, a imprensa regional praticamente em peso saudou os militares. Os líderes golpistas passaram a ser tradados como heróis e celebridades. No Rio, o Última Hora foi uma exceção e pagou caro por se opor ao golpe. O jornal foi destruído sem receber qualquer solidariedade dos demais veículos engajados na histeria antidemocrática. O Correio da Manhã, embora conservador e tendo apoiado a "revolução", abriu espaço para as primeiras críticas ao regime militar. Poucas e isoladas vozes de jornalistas tiveram alguns espaço para críticas antes da decretação do AI5 que radicalizou ainda mais o regime. Nos anos seguintes, mesmo com as primeiras evidências de torturas e assassinatos, a grande mídia permaneceu firme lustrando coturnos. Vários editores e repórteres chegaram a desafiar o cerco da censura, mas as corporações que controlavam jornais, revistas, rádios e TV se alinharam à ditadura. Não é só a Democracia, a mídia brasileira não tem o que comemorar no 31 de março. Foi o seu Dia da Vergonha, o marco zero de uma longa noite.

Fotomemória da redação,1961: em torno da mesa de edição da Manchete


Em maio de 1961, a redação da Manchete funcionava na Rua Frei Caneca.  Pouco antes de embarcar para cobrir o Festival de Cinema de Cannes, Justino Martins reúne a redação e deixa instruções para as suas duas semanas de ausência. Entre outros, aparecem na foto em torno do diretor da revista Murilo Melo Filho e Raimundo Magalhães Jr.

Na capa da Veja: o mensageiro do apocalipse da Educação


sexta-feira, 29 de março de 2019

Nossos comerciais...


A pátria desbocada

por José Bálsamo 

Freud classificou o Superego com a instância que guarda os valores morais e culturais de um indivíduo. É aquele setor que cochicha no ouvido da pessoa: "Cara, 'manera', isso não pega bem". O Id é o "bicho solto", o banco de desejos e dos impulsos primitivos.  Não tá nem aí: "Vai fundo", ordena.
Pelo jeito, quando alguns políticos, autoridades e gurus atuais se conectam à internet apertam a tecla do Id e liberam geral.
E pensar que um dia os livros de Henry Miller foram apreendidos no Brasil "por inadequação à juventude auriverde", os palavrões de Dercy Gonçalves já foram reprimidos por "ameaçar a família e os bons costumes" e na famosa entrevista de Leila Diniz ao Pasquim os asteriscos substituíam até palavras triviais como "tesão".

Liguem os fato:

O juiz e o cantor. Reprodução
* Mandado de apreensão - O desembargado Jaime Machado Júnior, de Santa Catarina, em modo deslumbrado ao lado de uma celebridade, o cantor Leonardo, mandou uma mensagem de vídeo para um grupo de juízas e, data vênia, despachou: "Nós vamos aí comer vocês. Ele segura e eu como". O vídeo viralizou na web. AQUI

* Sopradores - Também circulam na rede trechos da entrevista de Nana Caymi à Folha. A pretexto de defender Bolsonaro, em quem votou e apoiou, a cantora ataca Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque: "Tudo chupador de pau do Lula", disse "La Pasionaria" do regime.

* Olha a chuva! -Bolsonaro abalou o carnaval ao chancelar no seu Twitter um vídeo 'pornô onde um rapaz pratica "chuva dourada" em outro. O filme repercutiu e a expressão golden shower foi para os trend topics mundiais. Parece que o tema não saiu da cabeça presidencial. Ele definiu o entrevero que teve com Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, como uma "chuva de verão. A palavra em inglês para o fenômeno climático (que virou sexual) é... "shower".

* Filosofia do brioco - Já o guru do governo, o astrólogo Olavo de Carvalho, deve achar que o cu é uma espécie de sistema planetário que preenche todas as situações. Tem especial apreço verbal pelo orifício, que é seu xingamento preferido. Duvida? Basta acessar as mensagens do Twitter da sumidade bolsonariana.

quinta-feira, 28 de março de 2019

Revista Senhor, 60 anos: quando o jornalismo descobriu a cultura...

Março de 1959: a capa da primeira edição.

Nahum Sirotski deixou a Manchete para editar a Senhor

No primeiro número, Djanira, Portinari, Tarsila. Artigo de Mário de La Parra pregava a paz nas artes. ""No Brasil, as tendências artísticas e seus representantes mais sugerem a CBD e digladiar-se com maior veemência do que é dedicado ao trabalho criador".

Jorge Andrade entrevistado por Flávio Rangel. 

Ray Bradbury traduzido por Ivo Barroso

Ira Etz, a então musa de Ipanema

Miguel de Carvalho alerta sobre os perigos da água.

A edição de aniversário. 

Na edição que comemorou os quatro anos, como um prenúncio do fim, Senhor publicou uma longa lista de agradecimento aos seus colaboradores, entre os quais vários jornalistas que também atuaram na Manchete, como Carlos Heitor Cony, Roberto Muggiati, Ledo Ivo, Ibrahim Sued, Stanislaw Ponte Preta e Antonio Maria,

por José Esmeraldo Gonçalves

A agitação cultural do Brasil na segunda metade dos anos 1950 só podia acabar em revista.

No embalo da modernização do país, artistas e intelectuais refaziam o cinema, o teatro, as artes plásticas e a música popular. O jornalismo não podia ficar de fora e surgiram os cadernos culturais dos jornais. Faltava uma revista.

Nahum Sirotski ainda era diretor do Manchete, em 1958, quando em parceria com Alberto Dines pensou em criar uma publicação semanal na linha do U.S New World Report ou Esquire. A ideia só foi para o papel quando ganhou o apoio de Abraão Koogan e  Simon Waissman, que publicavam a Delta Larousse no Brasil.

Em março de 1959, há exatos 60 anos, Senhor chegou às bancas com um time de peso: Nahum como editor, Paulo Francis era o editor-assistente, Carlos Scliar assinava a Arte da revista e tinha como assistentes Glauco Rodrigues e Jaguar. Entre os colaboradores do primeiro número, Otto Maria Carpeaux, Anísio Teixeira, Carlos Lacerda, Reinaldo Jardim, Flávio Rangel, Clarice Lispector e Fernando Sabino.

A fase original original da Senhor durou menos de cinco anos, entre 1959 e 1964. Os tempos já eram sombrios quando o último número foi impresso.

Um ano antes do fim, ainda otimista e teimosa, Senhor comemorou os quatro anos. O clima no país  não tinha a ver com aquele 1959 que parecia luminoso. A intolerância, que logo virou perseguição, estava nas ruas. A conspiração saía das sombras e a cultura seria uma vítima preferencial.

A Senhor agradeceu a preferência, pediu licença e deixou as bancas.

Fez bem. Foi melhor do que virar "sim, Senhor".

domingo, 24 de março de 2019

Fotomemória da redação - JK e Temer: a diferença entre o legítimo e o ilegítimo...

Ao desembarcar no Galeão, JK é intimado a depor. 

A multidão que o esperava cerca a viatura. 

Depois de duas horas de depoimento, JK deixa o quartel da PE. 

Na frente do prédio onde o ex-presidente morava, o povo fez vigília.

Essas fotos mostram o contraste.

A última semana foi marcada pela prisão de Michel Temer, sob a acusação de corrupção, recebimento de propina, lavagem de dinheiro etc.

Temer chegou à presidente no embalo de um golpe jurídico-parlamentar. Sua prisão, após deixar o cargo, foi acompanhada pelas emissoras de TV a partir de helicópteros. Apenas uma imagem repetida à exaustão mostrava o político na rua, em um carro, ao ser abordado por policiais.

Uma solidão que a ilegitimidade explica.

Temer pegou carona em um golpe. Não havia multidões a defendê-lo. Nem mesmo aquelas que foram às ruas apoiar sua posse envergonhada.

Em 1965, outro ex-presidente, este legítimo, era vítima e não beneficiário de um golpe.

A quartelada de 1964 cassou Juscelino Kubitschek. Apesar disso, os militares não se conformavam com a sobrevivência política do ex-presidente e decidiram processá-lo. Alegavam que JK tinha responsabilidade na "deterioração do sistema de governo" e o acusavam em Inquérito Policial-Militar, vagamente, de corrupção. Nada foi provado, mesmo assim ele foi silenciado e perseguido pela ditadura até o fim da vida. Nos seus últimos anos, JK foi acolhido na Manchete em cujo edifício mantinha um escritório cedido pelo velho amigo Adolpho Bloch. Ao morrer, em 1976, deixou um patrimônio considerado modesto.

Mas naquele outubro de 1965, JK voltava de Paris, onde se refugiara após a cassação e ameaças, quando soube que ao desembarcar seria conduzido para depor no quartel da Polícia do Exército. Uma multidão o esperava à saída do Galeão. O depoimento durou pouco mais de duas horas. Ao sair, JK foi recebido por amigos e admiradores. No dia seguinte, seria novamente ouvido pelos funcionários da ditadura.




Sua detenção motivou protestos que repercutiram internacionalmente. O povo fez vigília na frente do prédio onde ele morava e volta e meia exigia sua presença à janela. Em um desses momentos, foi feita a capa da edição.

A Manchete publicou uma grande reportagem sobre o assunto, parcialmente reproduzida acima. Murilo Mello Filho era o repórter. Jáder Neves, Gervásio Baptista, Hélio Santos, Orlando Abrunhosa e Eveline Muskat formavam a equipe de fotógrafos.

JK não estava sozinho.


Sabia disso? Forrest Gump morreu no atentado às Torres Gêmeas


por Ed Sá

Uma revelação 25 anos depois.

"Forrest Gump", do diretor Robert Zemeckis e com Tom Hanks como protagonista, foi o grande sucesso em 1994. No filme, o personagem viaja por vários países, testemunha eventos históricos e interage com líderes e personalidades mundiais. Indicado para 13 categorias do Oscar 1995, levou seis prêmios, incluindo os Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator.

Era previsível que a Paramount em algum momento produzisse uma sequência. O site Moviehole conta que o roteiro do Forrest Gump 2 chegou a esboçado por Eric Roth, também ganhador do Oscar de Melhor Roteiro pela adaptação do romance homônimo de Winston Groom.

Ironicamente, "Forrest Gump 2" foi atropelado por um evento que mudou o mundo como tantos focalizados no filme. Ainda sob o choque dos atentados de 11 de setembro, em 2001, quando a sequência estava em preparação, Tom Hanks, Roth e o diretor Robert Zemeckis concordaram que um "Forrest Gump 2" não fazia mais sentido.

No novo roteiro esboçado Gump apareceria em muitos momentos dos anos 1990: teria um filho com Aids rejeitado na escola, pegaria carona no jipe Bronco de O.J.Simpson sob perseguição policial, dançaria com a princesa Diana em festa beneficente e seria visto em frente ao prédio do governo, em Oklahoma, implodido em atentado terrorista que matou 168 pessoas e feriu cerca de 700, em 1995.

"Nós nos reunimos no mesmo dia 11 de setembro, eu, Tom e Bob, comentamos sobre a vida na América, nos entreolhamos e dissemos: 'Esse filme não tem mais sentido', recorda o roteirista Eric Roth ao site Moviehole.

E assim morreu Forrest Gump, a vítima esquecida das Torres Gêmeas.

LEIA A MATÉRIA NO MOVIEHOLE, AQUI

sábado, 23 de março de 2019

Bar do Novo Mundo: o último brinde ...

O barman Martins, do bar do Novo Mundo, ontem, às vésperas do fechamento do hotel. Foto: J.E.Gonçalves
O penúltimo show. Foto bqvManchete


Amanhã, domingo, quando o último hóspede do Novo Mundo quitar a conta fechará também um dos mais tradicionais hotéis do Rio de Janeiro. Hoje, esse cidadão dormirá no único dos 227 quartos ainda ocupado. Talvez ele não saiba, mas estará cercado de memórias de um Rio que aos poucos troca de cenários.

Ontem, o bar do Novo Mundo foi lotado pelo público que costuma frequentar os shows semanais que o espaço recebeu nos últimos anos. A cantora Fernanda Fernandes e artistas convidados interpretaram MPB, bossa nova e alguns clássicos do samba-canção. Um repertório, principalmente o último item, adequado para um local que foi uma referência dos Anos Dourados quando o Rio era a capital e o poder morava ali ao lado, no Palácio do Catete. O clima era de despedida. Foi a penúltima sessão. Hoje à noite, o pianista e compositor Osmar Milito fará o último musical do velho bar.

Este blog já citou o Novo Mundo, inúmeras vezes, como uma referência para os jornalistas, fotógrafos e funcionários do setor administrativo da extinta Bloch também ali ao lado.

O bar, aquele pequeno território administrado durante décadas pelo barman Francisco Martins, o lendário Martins, era o posto avançado etílico da Manchete onde o estresse do dia podia ser rapidamente diluído on the rocks, mas ontem, os drinques diluíram lembranças.

No restaurante do Novo Mundo: José Rodolpho, Carlos Heitor Cony, Esmeraldo, Alberto, Orlandinho, Daisy Prétola, Barros, Maria Alice, Roberto Muggiati e Alvimar: almoço comemorativo dos 20 anos do lançamento da Revista Fatos,
em março de 2005.
Foto de Jussara Razzé

No bar do hotel, esticada após o almoço: Maria Alice, Daisy, Esmeraldo, Alberto,
José Rodolpho e Barros. Foto de Jussara Razzé.

Como a de 17 de março de 2005 quando um pequeno grupo se reuniu para recordar o dia em que foi às bancas a primeira edição de uma revista semanal de informação e análise - a Fatos - que circulou durante um ano e quatro meses, não deu certo por vários motivos, inclusive políticos, mas fracassou com dignidade. Depois do almoço comemorativo no restaurante do hotel alguns remanescentes da revista esticaram no bar. Era inevitável que "causos" folclóricos fossem rememorados.  Ali surgiu a ideia de se organizar uma coletânea que reunisse tantas histórias dos bastidores das redações das revistas da Bloch. É assim foi feito. O livro "Aconteceu na Manchete- as histórias que ninguém contou", que nasceu no bar do Novo Mundo, foi lançado pouco mais de três anos depois, em novembro de 2008.

Na coletânea estão vários desses "causos", alguns deles acontecidos exatamente no bar do Novo Mundo e testemunhados pelo onipresente Martins a quem um pequeno grupo ex-Manchete levou um abraço de saideira em nome dos presentes e dos saudosos ausentes.
   

sexta-feira, 22 de março de 2019

Disputa de herdeiros abala a Folha de São Paulo. Passaralho à vista...

O racha na Família Frias, com a destituição de Maria Cristina Frias pelo irmão Luiz Frias, expõe uma séria disputa de poder na Folha de São Paulo.

A morte recente de Otávio Frias Filho foi o gatilho para mudanças que afetam especialmente a edição impressa do jornal.

Luiz Frias, executivo com origem no meios digitais do Grupo Folha (UOL e Pagseguro), não teria muitas expectativas quanto ao futuro da mídia fora da internet. Nem boa vontade com papel. O clima na redação é de voo rasante de passaralhos nas próximas semanas, com redução de pessoal e muitas mudanças no corpo de colunistas e colaboradores.

Em jogo também a linha editorial e a integridade do chamado Projeto Folha, que prega jornalismo crítico frente a governos e grupos políticos.

terça-feira, 19 de março de 2019

Publimemória - A aviação voa de costas?

por Ed Sá

Os aviões são mais seguros - apesar do computador pirado do tal Boeing Max 8 - mais rápidos, têm mais autonomia, há mais rotas e muito mais cidades dispõem de aeroportos. Então ficou mais prático e confortável viajar de avião? Nem sempre. As cabines já não são tão confortáveis (primeira classe à parte), o serviço a bordo é precário quando não caro, protocolos de segurança exigem tempo e paciência dos passageiros, paga-se passagem, direito de escolha de assento, bagagem, taxa de embarque, espaço pra perna se o freguês quiser, transferência de voo, pra remarcar, pra cancelar etc.

Isso sem falar nas companhias de low cost, também conhecidas como Sadô-Masô Airways.

Então é isso: em termos de conveniência, a aviação até parece voar de costas.

Veja o anúncio acima publicado na Manchete no começo da década de 1960: a Real Aerovias, empresa brasileira que nunca figurou entre as grandes, oferecia voo direto de Constellation do Rio para Los Angeles com escala em Bogotá e Cidade do México, mas sem conexão. Ou seja, o cidadão não precisava trocar de avião.

Não há, hoje, voos diretos do Rio para Los Angeles. As frequências que ainda existem exigem troca de avião e horas de espera em aeroportos. Parece-me que ainda há uns poucos voos sem escala São Paulo-Los Angeles. A situação do Rio de Janeiro é pior. A cidade vem perdendo voos diretos do Galeão para as principais capitais do mundo. Em seis anos, segundo O Globo, o Rio perdeu 25% dos voos domésticos e internacionais. Até Rio-Orlando, abastecido pelos mickeymaníacos e sacoleiros nutella, já foi cancelado. O último Rio--Nova York direto decola em abril próximo.

Sinal dos tempos: para pegar esse voo da Real que o anúncio promove os paulistas tinham que vir para o Rio. Hoje, em algumas rotas internacionais, os cariocas têm que fazer um pit stop na Paulicéia.

Visita de um presidente aos Estados Unidos. Não é quem você está pensando...

Washington: Jango discursa ao lado de Kennedy. Roberto Campos, à esq., observa. 

Nova York: o presidente brasileiro desfila em carro aberto 

Jango e Kennedy.
Jango saúda operários em Nova York.




Em abril de 1962, o presidente João Goulart visitou os Estados Unidos. Foi recebido com pompa e circunstância, desfilou em carro aberto em Nova York, com direito a chuva de papel picado, discursou na ONU. 

Em Washington, hospedou-se na Blair House, discursou no Congresso, reuniu-se mais de uma vez com John Kennedy, recebeu na embaixada brasileira autoridades americanas, diplomatas, empresários e figuras da sociedade local. 

Mas não foi à CIA

Murilo Mello Filho e o fotógrafo Jáder Neves fizeram uma extensa cobertura para Manchete (reproduções acima). Adolpho Bloch acompanhou a comitiva como convidado. Ibrahim Sued cuidou do relato dos eventos sociais. 

Os repórteres brasileiros tiveram acesso praticamente irrestrito à agenda do presidente João Goulart. Nas fotos ao lado, Murilo Mello Filho e Jáder Neves cumprimentam John Kennedy. 

Jango e equipe - Walther Moreira Salles era o ministro da Fazenda, San Tiago Dantas o do Exterior, Roberto Campos o embaixador em Washington -, defenderam interesses brasileiros, principalmente tentaram renegociar dívida externa. Não tiveram muito sucesso, até obtiveram alguma ajuda financeira, mas Kennedy queria que o Brasil se submetesse ao FMI e decretasse medidas fiscais rigorosas com forte impacto social, o que não foi aceito. 

Os Estados Unidos insistiam para que o Jango indenizasse as subsidiárias das empresas americanas Bond & Share e ITT, encampadas pelo governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola. O presidente não condenou Brizola. Jango defendeu a não intervenção em Cuba, mas criticou em regimes marxistas. Em discurso no Congresso norte-americano, o presidente brasileiro falou sobre a situação na América Latina e alertou sobre as graves consequências das relações comerciais desiguais entre os sul-americanos e os Estados Unidos. 

sábado, 16 de março de 2019

Memória da redação - Contaram para você que Pelé nunca pensou em ser vendido para a Europa? Errado. Manchete revelou que ele quis ir para o Real Madrid



por Niko Bolontrin

Pelé passou sua vida profissional como jogador quase inteiramente no Santos. Só foi para o Cosmos, de Nova York, oito meses depois de pendurar as chuteiras como jogador da Vila Belmiro.

E nós sempre lemos por aí que Pelé jamais cogitou em jogar por um clube europeu. Uma antiga matéria da Manchete mostra que a história não é bem essa.

Apesar de ter jogado apenas no Brasil, Pelé ganhou dinheiro com o futebol e, principalmente, com publicidade. Mas nada que se compare ao que fatura qualquer jogador mediano que se firma no milionário futebol europeu de hoje. Os bens de Pelé em 1959, como relata a  matéria da Manchete (trecho reproduzido acima) seriam quase risíveis para um Neymar, um Philippe Coutinho, um Tiago Silva e outros que jogam nas ligas europeias. Olha só a qualidade da "lanchinha" que ele ganhou de presente!

Naquele dia, às vésperas de viajar em excursão com o Santos para Espanha, França e Itália, Pelé falou sobre uma proposta que o Real Madrid vinha fazendo ao Santos: levar o craque, então com 18 anos, por Cr$ 80 milhões, na moeda da época.

"Nesse caso, acho que vou ter de deixar o Brasil por algum tempo. Oitenta milhões não é brincadeira. Acabando o serviço militar, se o negócio estiver de pé, vale a pena fazer o sacrifício" - disse o jogador que ganhava Cr$120 mil mensais quando o salário mínimo era então de Cr$3.800.

O Santos recebeu essa e teria recebido muitas outras propostas, mas nunca fechou negócio. Talvez porque, na época, não havia um desequilíbrio econômico tão avassalador entre o futebol brasileiro e o mundo encantado da Liga dos Campeões. Atualmente, se quiser, qualquer clube médio da Europa leva qualquer jogador brasileiro e ainda pode importar, de brinde, o cartola presidente, sua mulher, sogra, o cachorro, o papagaio e o cunhado-problema. 

Na capa da Carta Capital, a guerra dos mundos...


O que muitos omitiram está na Superinteressante: Boeing 737, o avião engatilhado...


Quando a China botou os Boeing 737 Max 8 no chão, após a queda do jato da Ethiopian Airlines, com 149 passageiros a bordo, jornais ocidentais atribuíram a decisão a uma "guerra comercial" com os Estados Unidos. Logo depois, dezenas de países e companhias aéreas cancelaram todos os voos com aviões do mesmo modelo. Os Estados Unidos, não por acaso porque a Boeing é empresa poderosas. foram um dos últimos a levar seus 737 Max para os hangares.

O acidente com o avião da Ethiopian é o segundo em apenas seis meses com o novo modelo: em outubro do ano passado 189 pessoas morreram na queda de um aparelho da Lion Air.

Sobre o assunto, os principais veículos da mídia brasileira se limitaram a reproduzir reportagens internacionais. Coube à revista Superinteressante publicar uma matéria, assinada por Rodrigo Ribeiro, que recria a carreira dos modelos 737 que vêm sendo reconfigurados há cerca de 50 anos e mostra que a decolagem para os dois recentes acidentes começou há muito tempo. Conheça o vilão MCAS... e boa viagem.
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A mídia brasileira adotou a expressão infantilizada "bumbum" por ter vergonha de "bunda". Já os portugueses são mais criativos: vão de rabiosque.



por José Bálsamo 

A mídia brasileira, em geral, prefere usar a palavra "bumbum", com essa conotação infantiloide. Uns poucos veículos assumem o "bunda" para falar de... bunda, que é palavra de origem africana. Como donos do rico idioma do qual o Brasil é apenas franqueador, os portugueses usam no dia a dia muito mais palavras do que os ex-colonos. Para definir glúteos ou nádegas, também empregam "traseiro", que adotamos por aqui, e "cu", que para os brasileiros é vocábulo de uso restrito ao próprio. Lá eles usam tranquilamente a frase "tomar uma pica no cu” para dizer que tomaram uma injeção na bunda, sem provocar histeria em facções religiosas.

O portal Sapo, português, noticia hoje uma dessas polêmicas em torno de celebridades. A modelo e atriz Emily Ratajkowski publicou no Instagram a foto de um par de bundas, a de uma amiga mais robusta e a dela. A atriz foi acusada de, com isso, tentar humilhar a amiga. Ela respondeu às críticas, falou que não existe apenas um padrão de corpo bonito e chamou os haters de malucos.

Mas o que importa aqui é a bunda. No título da matéria, o Sapo usou uma palavra que a mídia brasileira bem que podia adotar e que é menos tatibitade do que "bumbum", que aliás é exclusiva do Brasil. Para os portugueses, bumbum é "estrondo repetido", "som de bombo". Alguns dicionários da terrinha registram "bumbum" como bunda, mas advertem que é uma forma brasileira.

O Sapo tem razão: todo o poder ao vocábulo rabiosque devidamente consagrado nos dicionários lusos. É mais sonoro, dá ideia de curva, de sinuosidade.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Internet contra o crime - Elementar, meu caro nerd


por Ed Sá 

O Globo de hoje publica uma boa matéria (de Gabriela Goulart e Lucas Altino) sobre o desdobramento das investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

É sobre o rastreamento de emails, históricos de navegação, sites, aplicativos, arquivos na nuvem e análise de localização e movimentação de celulares dos suspeitos Ronnie Lessa e Élicio Queiroz. A investigação feita pelo Núcleo de Busca Eletrônica da Delegacia de Homicídios levanta uma vasta quantidade de pistas virtuais.

Ao comprometer a privacidade dos usuários, todos nós, a tecnologia também joga uma rede digital implacável sobre os criminosos. Além da internet, a malha de câmeras urbanas associada aos softs de reconhecimento facial pode criar armadilhas para o crime. No mesmo Globo, a repórter Vera Araújo mostra como a imagem de uma câmera levou a polícia a identificar um dos acusados, Ronnie Lessa, através de uma tatuagem que apareceu em uma fração de segundos.

Esse tipo de pista digital encurrala suspeitos, mas, indiretamente, fará algumas vítimas improváveis: os autores de livros policiais.

Obras clássicas do gênero levam o leitor, devagar e sutilmente, a seguir pistas que só se revelam aos detetives que têm aguçado senso de observação. O personagem Sherlock Holmes era capaz de dizer em que parque londrino um suspeito passou apenas ao ver a coloração da lama em botas. Usava a lógica dedutiva.  Agora, com um smartphone e alguns cliques na nuvem e uma investida no Google Maps, qualquer nerd pode revelar em segundos muito mais do que isso.

Escritores policiais terão que apurar a técnica? Talvez, mas por falar em técnica, sempre haverá honrosas e clássicas exceções. Os livros de George Simenon, por exemplo, nem sempre investigam se o acusado é culpado, preferem levar o leitor, por páginas e páginas, a se perguntar do que o acusado é culpado.

De qualquer maneira, os novos autores não poderão ignorar que a busca eletrônica vai dispensar muitas das voltas que o romance policial dá. Que o digam os suspeitos do assassinato de Marielle e Anderson. Resta saber se o mandante da execução também deixou suas pistas no vasto universo digital.

Suzano: o choque e a tristeza...

O massacre de Suzano, ontem, chocou o Brasil. As primeiras sondagens em redes sociais mostraram que os assassinos Guilherme Monteiro e Luiz Henrique participavam de fóruns virtuais nos porões da internet, em sites de extrema direita que fornecem tutoriais sobre violência e terrorismo, pregam nazismo, racismo etc. A informação foi publicada no portal R7. Monteiro era declarado fã de armas, de pena de morte e outros "valores" de "homens de bem" atualmente em voga no Brasil.

O segundo choque, que veio no rastro da tragédia, foi constatar que importantes autoridades brasileiras, conforme não se negaram a demonstrar em comentários à mídia, têm uma lado a defender na chacina da Escola Raul Brasil: o das armas.

O que só aumenta a tristeza diante do massacre que deixou dez mortos.

Doodle faz justa homenagem a Carolina de Jesus. Alô Google, ainda dá tempo lembrar Marielle Franco...

O doodle do Google faz hoje uma justa homenagem aos 105 anos de Carolina Maria de Jesus, autora de "Quarto de Despejo: diário de uma favelada". Publicado em 1958, o livro é de uma atualidade chocante. O Google só perdeu a oportunidade de duplicar a homenagem para incluir a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, vítima de um atentado político há um ano - ao lado do seu motorista Anderson Gomes - -  por defender causas sociais, incluindo a luta das mulheres negras contra as injustiças, muitas das quais expressas por Carolina de Jesus no seu dramático diário.

quarta-feira, 13 de março de 2019

Fotomemória da redação: quando Gervásio Baptista "assediou" Miss Universo. Calma aí! Para a capa da Manchete, naturalmente.

Gervásio Baptista combina com a Miss Universo, Akiko Kojima, a capa da Manchete

por José Bálsamo 

Em tempo de mercado de trabalho precário, a jornalista Júlia Horta se reinventou Miss Brasil. Foi eleita no último sábado e representará o país no Miss Universo. Tem remotas chances de ser capa de revista.

As misses já deram mais ibope. Estampavam publicações nacionais e internacionais e saíam das passarelas já com carteirinha de celebridade e jet-set. Atualmente, a maioria desponta para o anonimato. O próprio concurso de Miss Universo desgastou-se tanto que já foi até propriedade do Donald Trump. Perdeu status na grande mídia, mas a empresa que organiza o concurso diz que a audiência na TV ainda é expressiva.

Akiko Kojima na Manchete ao lado da brasileira Vera Ribeiro, 5ª colocada. 

Nas décadas de 1950 e 1960 era um acontecimento para a "imprensa escrita, falada e televisada", como se apregoava na época. Que o diga Gervásio Baptista, o fotógrafo da Manchete que cobriu muitas edições.

Em julho de 1959, Gervásio estava em Long Beach quando a japonesa Akiko Kojima foi eleita Miss Universo. Em meio à correria de fotógrafos de todo mundo, Gervásio tirou partido dos olhos ligeiramente puxados, herança de índios baianos, e ganhou antes a atenção da japonesa. Apresentou-se como um brasileiro nissei e mais por gestos do que por palavras garantiu a pose exclusiva para a capa da Manchete.

Na Conversa com o Leitor, a revista vibrava com a logística montada para a cobertura ao informar  que entre o momento em que Gervásio jogou conversa na miss e a chegada da revista às bancas do Rio de Janeiro e São Paulo transcorreram pouco mais de 70 horas. "É evidente que os aviões de hoje são ultra-rápidos. Mas o que dizer das oficinas gráficas de Manchete que nos possibilitam a transposição quase instantânea de fotografias em cores? A foto de Akiko e Verinha representa uma vitória técnica admirável, da qual nos orgulhamos e para qual chamamos a atenção dos leitores" - escreveu o diretor Justino Martins.

terça-feira, 12 de março de 2019

Futebol - Coutinho, o maior parceiro de bola que Pelé já teve, foi também um dos craques mais discretos do futebol brasileiro.

Sob o olhar de Pelé, Coutinho marca contra o Nacional, do Uruguai.


Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe


Um ataque que só pensava naquilo: o gol. Eram "os tarados da pelota", no dizer de Nelson Rodrigues em crônica para a Manchete Esportiva. 
Fotos: Manchete Esportiva

por José Esmeraldo Gonçalves 

Ele era a outra extremidade da tabelinha mais poderosa da história do futebol. Na ponta mais famosa estava Pelé.

Aos 75 anos, Coutinho morreu em Santos, ontem.

Foi o atacante que formou ao lado de Dorval, Mengálvio, Pelé e Pepe aquele que é tido como o mais forte ataque já montado por um time de futebol. Para os adversários, eram os imperdoáveis.

Não há registro de queixas de Coutinho à hegemonia de Pelé naquele ataque. Que jogador não gostaria de trocar passes com um gênio e de fazer parte de um quinteto que era reconhecido como lenda em tempo real, enquanto a bola rolava, sem esperar o aval da história? Você já ouviu algum craque do Barcelona se queixar por ter Messi ao lado? Pois é. Coutinho apenas reclamava, dizem, quando nos jogos noturnos em estádios de luz de boate os locutores davam como de Pelé alguns gols que ele fazia. E não foram poucos. Não apenas fez história no Santos: fez gols, 368 ao longo da sua carreira no clube, sem deixar de dar incontáveis os passes para Pelé, que só no Santos goleou 1091 vezes. E, bom lembrar, Pepe, ali ao lado esquerdo, fez mais de 400 gols pelo Santos e também recebeu muitas bolas de Coutinho.

Ele tinha apenas 16 anos quando estreou na seleção brasileira em 1959. Foi convocado para a Copa de 1962, estava em grande fase, provavelmente seria o titular, mas uma contusão o tirou de campo ainda no período preparatório. Foi substituído por Vavá, o experiente centro-avante campeão na Suécia.


Em 1959, Coutinho foi o Personagem da Semana de Nelson Rodrigues na Manchete Esportiva, após o jogo Santos 3 X 0 Vasco, que deu o título do Torneio Rio-São Paulo ao time da Vila Belmiro. O Santos começava a escalada irresistível que o levaria a conquistar quase todos os títulos que disputou entre 1958 e 1967, nacionais e internacionais, incluindo os Mundiais de clubes de 1962 e 1963.

Leia um trecho da crônica de Nelson Rodrigues

"E, além de Pelé, o ataque do Santos tem o Coutinho. Lembro-me que ao ouvir falar em Coutinho, pela primeira vez, tomei um susto. Comentei, então de mim para mim. ‘Coutinho não é nome de jogador de futebol’. De fato, o nome influi muito para o êxito ou para o infortúnio. Napoleão, se tivesse outro nome, já seria muito menos napoleônico. Outro exemplo: por que é que Domingos da Guia foi o que foi? Porque esse “Da Guia” dava-lhe um halo de fidalgo espanhol, italiano, sei lá. Ainda hoje o sujeito treme ao ouvir falar em ‘Da Guia”. Mas o Coutinho tem contra si o nome. O sujeito que se chama apenas Coutinho dá logo a ideia de pai de família, de Aldeia Campista, Vila Isabel, Engenho Novo, com oito filhos nas costas e a  simpatia pungente de um barnabé. Pois bem. Apesar de chamar-se liricamente Coutinho, o meu personagem da semana é um monstro, um Drácula, um “Vampiro da Noite” de futebol. Eu não sei se me entendem a imagem. Mas o Coutinho não sugere outra coisa, senão o sujeito que come a bola de uma maneira, por assim dizer, material, física. Ao sair de campo, parece-lhe escorrer dos lábios o sangue, ainda vivo, ainda efervescente da bola recém-vampirizada.
As inteligências simples, bovinas, atrevo-me mesmo a dizê-lo, vacuns, hão de rosnar. “Literatura!”. Parece, amigos, parece. Mas o povo, com seu instinto agudo, sua vidência terrível, reconhece e aponta os jogadores que “comem” a bola, como se a estraçalhassem nos dentes, fazendo esguichar o sangue da redonda. E se, na verdade, existem os “tarados” da pelota, Pelé ou Coutinho há de ser um deles. Com o doce e inofensivo nome de Coutinho, o meu personagem da semana fez, ontem, contra o Vasco, barbaridades sem conta. A um confrade que veio, de avião, do Pacaembu, eu perguntei: “Que tal o Coutinho?” O colega baixa a voz: “Bárbaro!” Insisti: “E o Pelé?” Resposta; ‘Bárbaro” Fui adiante; “E Dorval? Pepe?” A tudo o sujeito respondia, de olho rútilo; “Bárbaro!” Então eu me convenci, de vez, que o ataque do Santos se constitui, realmente, de sujeitos que não respeitam, pelo contrário, brutalizam a bola e cravam, nela, seus caninos de vampiro. Só o Coutinho fez, contra a velhice genial e quase imbatível de Barbosa, dois gols. Dizem que nas bolas altas ele e tornava elástico, acrobático, alado. O seu salto era realmente um voo.
Guardem esse nome de pai de família e de barnabé: Coutinho. Ou muito me engano ou estará ele no escrete brasileiro que, se Deus quiser, vai ser bicampeão, no Mundial do Chile."

Nelson quase acertou a previsão feita com três anos de antecedência. O Brasil foi bicampeão no Chile. Coutinho, que ele saudou na Manchete Esportiva, não jogou.

A contusão o tirou da seleção, mas não o eliminou da história do futebol.

Foi um dos grandes e, talvez, o mais discreto entre os craques brasileiros. 

segunda-feira, 11 de março de 2019

Fotomemória: Cartola, mais um herói do povo brasileiro - por Guina Araújo Ramos

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História)

No Rio de Janeiro, a absoluta campeã do Carnaval 2019, com um desfile consagrador, foi a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.
O enredo História Pra Ninar Gente Grande, dentro do tema "História que a História Não Conta", apresentado pelo samba “Eu quero um Brasil que não está no retrato”, destacou a participação, com uma postura decididamente política, de heróis negros, indígenas e pobres na História do Brasil, a maioria desconhecidos da população brasileira.
Na história da própria Mangueira, há muitos exemplos, além dos que estão no enredo.
Um deles, foi, durante alguns anos no início da idade adulta e por quase dez anos na maturidade, apenas mais um herói anônimo do povo brasileiro, vivendo de biscates, como guardador de carros etc., até ser “redescoberto” pela intelectualidade carioca...
Só que se trata de um dos fundadores da Mangueira, um dos seus maiores compositores, e que, mais tarde, já na velhice, atingiria a máxima glória como sambista e cantor, com a obra reverenciada por críticos e público: Cartola.


Cartola - Rio, 1979 - Foto Guina Araújo Ramos

Ao me que lembrava, fotografara Cartola uma única vez, e por conta própria. Comprara todos os seus discos, cantarolava suas canções, mas ainda não tivera, fotojornalista profissional, a chance de fotografá-lo, muito menos assisti-lo cantar.
Na época, 1979, ele fez alguns shows individuais. Quando eu soube de um, que foi muito simples, no auditório do Colégio Bennett, no Flamengo, peguei a Nikon que usava na Bloch, fui até lá resolver minha carência, tanto a de assistir quanto a de fotografar Cartola. Daquela noite, guardei esta e mais algumas poucas fotos.


Cartola canta - Rio, 1979 - Foto Guina Araújo Ramos

E já me esquecera disso, mas descobri no meu sofrido acervo que, em algum outro momento dessa fase final de sua vida (que Cartola morreu no final de 1980), eu o fotografei em outro show, só que a trabalho, para as revistas da Bloch, talvez a Manchete, que fiz em cor.
Restaram-me apenas dois slides manchados e descorados, e, deles, publico o melhorzinho...

E não há deixar de citar, da própria história do herói, as suas heroínas (que também são nossas), as paixões de Cartola, mulheres que o salvaram (quando não arrasaram), sustentaram, inspiraram e o estimularam a produzir sua bela obra. No final da adolescência, órfão de mãe, expulso pelo pai, encontrou, doente, a salvação nos braços de Deolinda, sete anos mais vivida do que ele. Com a sua perda, o abandono com Donária. E na maturidade, a nossa D. Zica, antiga conhecida que o resgatou das ruas, levou-o de volta à Mangueira, onde viveram na casa verde e rosa, vizinha à de Carlos Cachaça, outro herói local.

E nem se pode dar um merecido crédito a Sérgio Porto, o instigante Stanislaw Ponte Preta, o autor da redescoberta de Cartola, mais um herói do povo brasileiro. Um bom exemplo de como a integração (e a superação de barreiras socioeconômicas) faz um grande bem ao país, o que parece, mas não é outra história...