quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Mistério nas artes plásticas: o que Gorbachev fez com o quadro pintado por José Sarney? Em 1988, esse foi o presente que o então presidente do Brasil levou para o líder soviético

 Sarney presenteou Gorbachev com um quadro 
de sua própria autoria. 

por José Esmeraldo Gonçalves 

Mikhail Gorbachev morreu ontem, aos 91 anos. Ele entrou para a história na década de 1980 como o político que promoveu as reformas de abertura que levaram ao fim da União Soviética. Por isso, o Ocidente lhe concedeu o Nobel de 1990. 

Gorbachev provavelmente mantinha na estante, em lugar de honra, a medalha que os vencedores do ambicionado prêmio recebem. O que não se sabe - e deverá se tornar um mistério das Artes - é o que foi feito de um presente que Gorbachev recebeu do Brasil. 

Em 1988, quando visitou a URSS agonizante, o então presidente José Sarney levou um mimo especial para o então Secretário-Geral do Partido Comunista. Talvez pela grave crise econômica que o Brasil enfrentava no mandato do maranhense, o Itamaraty não comprou um presente especial -  a cortesia que faz parte do cerimonial que rege encontros de chefes de Estado -  para o criador da perestroika e da glasnost. Sem modéstia, Sarney deu ao líder soviético um dos seus quadros. Poucos sabem que Sarney, que presidiu a Arena,  partido que fazia a cenografia "democrática" da ditadura para fingir que não era ditadura, era dado à pintura. Soube-se que ele criava suas obras na varanda do Sítio São José de Pericumã. Inicialmente, pintava paisagens que só a família via. Quando foi morar no Alvorada e, talvez, entre um intervalo e outro da elaboração do desastrado Plano Cruzado, ele concluiu que seus pincéis poderiam ser mais ousados e transmudou-se para a escola impressionista. Em um ponto Sarney lembra Van Gogh: ele não vende quadros em vida.  

A foto da obra levada a Moscou foi publicada na Manchete, em 1988, mas o redator que escreveu a legenda deve ter ficado na dúvida e cravou que o estilo do então presidente estava "entre o figurativo e o abstrato". Quer dizer, situava-se em um limbo artístico. A mesma matéria informava que Sarney passara a pintar obras sacras, como um Botticelli de São Luís. 

A mulher de Gorbachev, Raissa, morreu em 1999. Ele deixa ums filha, Irina Mikhailovna Virganskaya, e uma neta. Formalmente, são as herdeiras da obra do pintor José Sarney, caso Gorbachev tenha guardado o quadro. 


Moscou, 2021: Gorbachev, em casa. Foto Divulgação


Em 2021,  o documentário “Gorbachev. Céu”, do diretor russo Vitaly Mansky, foi exibido no Brasil durante o festival “É Tudo Verdade”. O filme mostrava o solitário ex-líder russo em sua mansão em Moscou. O quadro do Sarney não estava na parede. No Kremlin, como turistas podem ver em algumas salas, também não é visível. Registre-se que o Kremlin tgem salas subterrâneas secretas escavadas para guardar obras de arte. 
Uma delas fica no porões da Catedral da Anunciação. Vai ver o quadro de Sarney está lá devidamente preservado para as gerações que sobreviverem à hecatombe nuclear.

Memórias da redação: O dia em que Gorbachev leu Manchete em russo • Por Roberto Muggiati




Moscou, outubro de 1988, Adolpho Bloch entrega a Mikhail Gorbachev a Edição Especial da Manchete, em russo. Foto Gervásio Baptista 


Durante uma das reuniões com José Sarney, Gorbachev folheia a Manchete, em russo, e recebe outras edições internacionais da revista, também sobre o Brasil, em inglês e francês. Foto Gervásio Baptsta






Outubro de 1988, madrugada no Rio de Janeiro. Uma lua fraca banha o Aterro do Flamengo. Nas areias  dos campos de futebol, peladeiros se imaginam craques em pleno Maracanã e trocam caneladas furiosas em busca do gol. Seus gritos não são ouvidos pela jornalista Miriam Malina. Na sala de fotocomposição da revista Manchete, ela digita textos em russo. Percebe vultos que passam de vez em quando às suas costas. Adolpho Bloch e seu sobrinho Pedro Jack Kapeller, preocupados, perguntam se está faltando algo: água gelada, um cafezinho? Miriam prossegue seu solo no teclado em que caracteres cirílicos foram colados sobre o nosso rotineiro qwertyuiop. Adolpho Bloch queria (porque queria) fazer uma Manchete em russo para distribuir em Moscou durante a visita do Presidente Sarney. E assim foi feito. As fontes de tipologia russa foram importadas das máquinas de impressão Mergenthaler, na Alemanha. Os textos para a revista – uma espécie de vitrine do Brasil, no melhor papel couché – foram escritos pelos principais redatores da casa. Coube a Miriam Malina passar tudo para o russo. Ela havia estudado direito internacional na Universidade Patrice Lumumba, em Moscou, de 1961 a 1968. De volta ao Brasil, foi submetida  a torturas que a obrigaram a sofrer várias cirurgias e a andar de muletas por muito tempo. Depois da abertura política, Mirim encontrou um lugar na Manchete. Adolpho Bloch nunca deixou que raça, credo ou ideologia o impedissem de contratar os jornalistas que queria. E Miriam foi uma peça fundamental na revista que ele acabaria entregando pessoalmente a  Mikhail Gorbachev, o político que – com a sua Perestroika – operou uma das maiores mudanças na política global do século 20.

O lançamento em Moscou de uma Manchete escrita inteiramente em russo envolveu outras peripécias. Adolpho Bloch e sua mulher Anna Bentes estavam em Brasília com os pacotes de revistas, prontos para embarcar no avião presidencial que os levaria a Moscou, quando um diplomata russo apontou um erro de digitação na página de abertura em que aparecia o texto do Presidente Sarney. Em vez de “Mensagem ao povo soviético” lia-se “Mensagem ao povo brasileiro”. Adolpho pensou em imprimir tudo de novo, mas não havia tempo. A solução foi imprimir a frase correta em etiquetas autoadesivas que seriam coladas manualmente sobre a frase errada. A tarefa acabou sobrando para Anna Bentes. As etiquetas foram mandadas da gráfica de Parada de Lucas para a sucursal de Paris. No hotel, durante a escala da viagem até Moscou, Anna pacientemente colou as etiquetas exemplar por exemplar. O trabalho continuou em Moscou. Valeu a pena. Adolpho entregou a revista na primeira audiência que Sarney teve com Gorbachev. O líder soviético ficou tão impressionado que, durante o jantar que ofereceu no Kremlin, saiu do seu caminho e rompeu o protocolo para conversar com Adolpho. O empresário brasileiro contou que tinha nascido em Jitomir, na Ucrânia, em 1908, e relatou como seu pai, dono de uma tipografia, havia impresso dinheiro para o governo provisório de Kerenski, pouco antes de os comunistas tomarem o poder. Gorbachev comentou: “Seu russo continua perfeito.”

Como de praxe, o líder soviético também tinha o seu apelido entre nós: “Gorba o russo”, para fazer pendant (outro de nossos francesismos) com “Zorba o grego”. Essa piada Adolpho não pôde contar a Gorbachev. A maioria dos apelidos na Manchete era exclusividade da redação.


Pedro I é pop • Por Roberto Muggiati


Primeiros Sons do Hino da Independência, também conhecida como Hino da Independência, óleo sobre tela de Augusto Bracet (1922), 250 x 190cm. Museu Historico Nacional.  

Mais do que o Grito do Ipiranga – que só seria mitificado 66 anos depois na tela triunfalista de Pedro Américo – o ato de real importância que D. Pedro I praticou no dia 7 de setembro de 1922 foi compor a música do Hino da Independência. O imperador, que entrou para a história com um perfil distorcido de aventureiro e mulherengo, possuía na verdade múltiplos talentos intelectuais, entre os quais se destacava o de músico. Ele compôs o hino quando voltava à tarde para São Paulo, vindo de Santos. 

Uma tela de Augusto Bracet pintada em 1922, no quadro das comemorações do centenário da Independência, retrata realisticamente o momento: D. Pedro sentado ao cravo, assistido pelo autor da letra, o jornalista e político Evaristo da Veiga (1799-1837).

Por algum tempo o “Hino Constitucional Brasiliense” foi executado com a música de  Marcos Portugal, que veio para o Rio de Janeiro em 1811 convocado pelo Príncipe Regente D. João, sendo recebido como uma celebridade e nomeado compositor oficial da Corte e Mestre de Música de Suas Altezas Reais, os Infantes. Trazia na bagagem «seus punhos e bofes de renda, com os seus sapatos de fivela de prata e as suas perucas empoadas, a sua ambição e a sua vaidade. » Sua música para o hino reflete seu gosto pelos cacoetes operísticos da época. Embora Marcos Portugal fosse seu professor, D. Pedro I não hesitou em trocar, em 1824, a partitura saltitante do mestre por sua própria versão, com uma melodia que exaltava e dignificava o hino (ao final deste texto, uma comparação das duas versões). A letra de Evaristo da Veiga casava admiravelmente com a música de Pedro I e tocava fundo no emocional. Cito alguns trechos notáveis:

Já podeis da Pátria filhos,

Ver contente a Mãe gentil!

Já raiou a Liberdade

No Horizonte do Brasil.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


Brava Gente Brasileira

Longe vá, temor servil;

Ou ficar a Pátria livre,

Ou morrer pelo Brasil.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


Não temais ímpias falanges,

Que apresentam face hostil:

Vossos peitos, vossos braços

São muralhas do Brasil.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


D. Pedro I completou 24 anos em 12 de outubro de 1822. Era jovem demais para a sobrecarga política e pessoal a que seria submetido nas questões subsequentes à declaração da Independência. A situação conflituosa o obrigou a abdicar em 1831 e a voltar a Portugal a fim de retomar militarmente o trono, que na sua ausência fora usurpado pelo irmão mais moço, Miguel. 

Transcrevo da Wikipedia: 

“Pedro invadiu Portugal em julho de 1832 no comando de um exército maioritariamente composto por mercenários estrangeiros. Inicialmente seu envolvimento parecia ser em uma guerra civil portuguesa, porém logo o conflito ficou maior e englobou toda a Península Ibérica em uma disputa entre defensores do liberalismo e aqueles que queriam a volta do absolutismo. Pedro acabou morrendo de tuberculose em 24 de setembro de 1834, poucos meses depois de ele e os liberais terem saído vitoriosos. Ele foi considerado por contemporâneos e pela posteridade como uma figura importante que auxiliou na propagação dos ideais liberais que haviam permitido que o Brasil e Portugal deixassem os regimes absolutistas para formas mais representativas de governo.”

D. Pedro I (Pedro IV de Portugal) morreu no mesmo palácio de Queluz onde havia nascido, dezoito dias antes de completar 36 anos. 

Cauã Reymond em A Viagem de Pedro

Somente agora, dois séculos depois da declaração da Independência, a figura de D. Pedro I começa a ter a reavaliação histórica que sempre mereceu. No dia 1º de setembro entra em cartaz o filme de Laís Bodanski A viagem de Pedro, estrelado e produzido por Cauã Reymond. Filmado em grande parte a bordo do Cisne Branco, o navio-escola da marinha brasileira, trata daquela fase crítica de transição em que o imperador deixa o Brasil e retorna a Portugal para encarar o seu destino. Ao contrário do pseudo-patriotismo dos filmes do sesquicentenário, no período da ditadura militar, este Pedro I versão 2022 (na verdade, o filme levou nove aos para ser concluído), promete trazer uma versão mais verossímil e humana do principal agente da nossa independência.  

OUÇA NOS LINKS

HINO DA INDEPENDÊNCIA - PRIMEIRA VERSÃO, POR MARCOS PORTUGAL

https://www.youtube.com/watch?v=ybLw0WSS37E


HINO DA INDEPENDÊNCIA, VERSÃO DEFINITIVA DE D.PEDRO 

https://www.youtube.com/watch?v=zEG1vLmeW30

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Votar é preciso: 67 anos de urnas • Por Roberto Muggiati

“Dá teu voto inteiro, não uma simples tira de papel, mas toda tua influência. “ 

HENRY DAVID THOREAU (1817-1862)


No protetor plástico do título guardo 31comprovantes das últimas eleições:
de 1986, quando Moreira Franco foi eleito governador, até 2020, quando
Eduardo Paes venceu para prefeito do Rio de Janeiro. Foto Arquico Pessoal


A cédula única (1955) foi o protótipo analógico da urna eletrônica,
que entraria em ação 41 anos depois.


Na foto da campanha de JK, aparecem em primeiro plano o líder do PSD
almirante Amaral Peixoto e o deputado estadual gaúcho Leonel Brizola.
Foto: CPDOC

A primeira vez que votei foi na segunda-feira 3 de outubro de 1955. Votei em JK. Ganhou com 35,68% dos votos, seguido do general Juarez Távora (30,27%), de Adhemar de Barros (25,77%) e Plínio Salgado (8,28%). Foi a primeira vez que se usou a cédula única eleitoral. Uma tentativa de golpe em novembro contra a posse de JK, orquestrada por Carlos Lacerda, foi rechaçada pelo Ministro da Guerra, general Lott, que garantiu a posse do presidente eleito em 31 de janeiro de 1956.

Em 1962, trabalhando na BBC de Londres, fui prestar justificativa eleitoral no Consulado do Brasil. Excetuando o pessoal diplomático, apenas 60 brasileiros moravam então em Londres, uma diferença brutal para as hordas que invadiriam na década seguinte a London, London de Caetano e Gil.

De volta ao Brasil em 1965, transferi meu título do Paraná para o Rio de Janeiro. Fiz isso num posto eleitoral instalado num galpão da PM na Avenida Presidente Wilson, que logo seria derrubado para a construção do majestoso prédio anexo à Academia Brasileira de Letras. A eleição de Negrão de Lima – político vinculado a Getúlio Vargas e JK – para governador do estado da Guanabara desagradou a ditadura. Novamente Lacerda tentou instigar um golpe contra a posse de Negrão. Foram suspensas as eleições diretas para cargos mais importantes, como presidente, governador, prefeito e senador. Mesmo assim, todo cidadão continuou obrigado a votar nas eleições menores, manipuladas pela ditadura militar, de deputados federais, estaduais e vereadores, para não incorrer nas rigorosas penas aplicadas aos faltosos. Uma das sanções era a proibição de viajar para o exterior, um risco que – como jornalista profissional – eu não poderia correr.

Em 1982, depois da anistia, o país voltou a votar para governador e o Rio de Janeiro elegeu, no turno único de 15 de novembro, Leonel Brizola. Em segundo ficou Moreira Franco, o preferido dos militares. A vitória de Brizola, cunhado de Jango Goulart, que tinha como vice Darcy Ribeiro, foi um recado inequívoco de protesto contra a ditadura.

Mesmo com a volta dos militares para as casernas 21 anos depois do Golpe de 64, o primeiro presidente civil da Nova República, Tancredo Neves, foi escolhido por um Colégio Eleitoral em 1985. O Brasil só voltaria a ter votações diretas para Presidente em 1989, 29 anos depois da infeliz eleição de Jânio Quadros em 1960. Fernando Collor de Mello foi eleito na disputa com Lula no segundo turno. Outra escolha malograda: Collor sofreu impeachment e renunciou sem completar três anos de um governo amaldiçoado, que começou por confiscar a poupança do povo brasileiro. 

A era do "confirma". 
Foto : TSE
Nas eleições municipais de 1996 foram introduzidas as urnas eletrônicas. No Rio, no segundo turno, Luiz Paulo Conde elegeu-se prefeito derrotando Sérgio Cabral Filho. 

Nasci sob o signo das eleições. Em 6 de outubro de 2007 completei 70 anos de idade. Liberado do dever do voto, jamais abdiquei do direito ao voto. Segui comparecendo às urnas em cada eleição, como pretendo fazer no próximo 2 de outubro, às vésperas dos meus 85 anos. Mesmo descrente da política e dos políticos – neste país que ainda tem muito a amadurecer em matéria de democracia – podemos, através do voto consciente, buscar sempre o melhor caminho. Parafraseando a letra (“Aux armes, citoyens!”) da Marselhesa, “Às urnas, cidadãos!”

domingo, 28 de agosto de 2022

Bolsonaro despreza 33 milhões de brasileiros. Quem vota nesse elemento, também

Reprodução Twitter 

 

Os sapatos vermelhos do Mágico de BOZ

Renata durante a entrevista de Lula: ilusão de ótica.


Para as pessoas que acreditam que a terra é chata, é fácil também acreditar que os comunistas comem criancinhas. E atribuir poderes demoníacos ao vermelho. 
Foi essa a cor que muitos terraplanistas enxergaram nos sapatos da âncora do Jornal Nacional da TV Globo Renata Vasconcellos durante a entrevista que ela e William Bonner fizeram com o presidenciável Luís Inácio Lula da Silva.  Ficou depois comprovado que, longe disso, a cor dos sapatos era um bege caramelo. 
A verdadeira cor dos sapatos de Renata.


Um par dos sapatos de rubi de O Mágico de Oz em exposição no Smithsonian Institution,
em Washington.

Poderes mágicos só existem mesmo no mundo ilusório dos filmes, como nos sapatinhos cor de rubi de Dorothy (Judy Garland) em O Mágico de Oz, um dos itens mais valorizados nos leilões de adereços cinematográficos.

Quanto à terra não ser um geoide, temos de admitir que ela se tornou, realmente, muito mais chata, por causa das crendices destas pessoas retrógradas. (José Bálsamo)

sábado, 27 de agosto de 2022

E Bolsonaro debocha dos brasileiros famintos...


 

Efeito Ucrânia - Elas estão de volta - Conheça a história da espiã treinada para seduzir oficiais da OTAN

Espionagem: a russa Olga Kolobova, nesta foto
em versão loura, atuava na...
 

...Europa e frequentava festas oficiais. 


Ela usava o nome de MarialAdela, de falsa ascendência
peruana e alemã. Fotos extraídas de redes sociais.




por Ed Sá

A mídia internacional divulga hoje a surpreendente descoberta de um espiã russa infiltrada em eventos da OTAN. 

Uma socialite e designer de joias que se identificava Maria Adela Kuhfeldt Rivera, filha de alemão com peruana, seria na verdade Olga Kolobova, agente da GRU, órgao da inteligência militar da Rússia. Atuado na Itália, ela teria se aproximado de oficiais de uma base da Otan e partipado de festas da organização. Rivera circulava na alta sociedade e teve um romance com um funcionário da organização militar ocidental. A história foi levantada pelo Bellingat, consórcio de investigação europeu. Kolobova atuava na Itália desde 2012. Ela foi secretária do Lions Club em Nápoles, através do qual desenvolveu ligaçoes sociais com oficiais americanos, alemães, belgas e italianos. A cidade do Sul da Itália sedia o comando naval da OTAN. Kolobova teria suspeitado da investigação e deixou Nápoles. Seu destino é ignorado.

Não é o primeiro caso descoberto após a deflagração da Guerra na Ucrânia. Em junho último, a polícia holandesa deteve um espião russo Sergey Vladimirovich Cherkasov, também do GRU, infiltrado no Tribunal Penal em Haia, que atualmente investiga crimes de guerra na Ucrânia. Cherkasov usava passaporte brasileiro sob o nome Viktor Muller Ferreira. Suspeita-se que adotou essa identidade desde 2010. Ele foi deportado para o Brasil e, em São Paulo, a Justiça Federal o condenou há 15 anos por uso de documento brasileiro falso.

Jennifer Lawrence
em Red Sparrow .
Foto Divulgação

 
Por coincidência, uma série no streaming do FX, chamada The Americans, conta a história de uma espiã russa que se passava por peruana e trabalhava nos Estados Unidos. 

O caso de Olga Kolobova também lembra trama do filme de 2018, Operação Red Sparrow, com a bela Jennifer Lawrence, que interpreta uma jovem bailarina recrutada pela espionagem soviética. Ela participa de um programa da KGB destinado a treinar jovens russas como espiãs capazes de usar a manipulação psicológica e, especialmente, a sedução, para envolver agentes inimigos. Dominika Egorova, a personagens de Jennifer Lawrence no filme, participa de um intenso workshop sexual voltado para habilidades que a KGB considerava irresistíveis como arma para descobrir segredos militares da Otan e dos Estados Unidos.

Para quem imaginava que a internet e os hackers haviam aposentado os espiões no estilo Guerra Fria, essa nova onde de espionagem na Europa mostra que nem todos os 007 adotaram o home office. 


A "Maria Antonieta" do Planalto

De Maria Antonieta ao saber que os pobres não podiam pagar pelo pão:

"QUE COMAM BRIOCHES!"



De Bolsonaro ao negar que haja fome no Brasil:

"JÁ VIU ALGUÉM PEDINDO PÃO NA PADARIA?  VOCÊ NÃO VÊ, PÔ!"


Mídia - Não deletaram o 'expletivo' do boca-suja.

por José Esmeraldo Gonçalves 

Bolsonaro inaugurou ontem o auditório da Associação Comercial de São Paulo com um tosco discurso onde falou sete palavrões em poucos minutos. 

A informação é da Folha de São Paulo. Entre outros xingamentos, ele  disse que ocupar a cadeira de presidente é uma "merda", depois afirmou que todos os ministros dos governos anteriores "não sabiam porra nenhuma".

O recorde de palavrões presidenciais permanece com a famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Foram 29 xingamentos: só "porra" ele falou oito vezes; bosta, merda e putaria foram quatro vezes cada um. Mãe de reporter, então, já foi mais xingada pelo sujeito do que genitora de juiz de futebol. Em janeiro de 2021, quando jornalistas perguntaram sobre um gasto de R$ 15 milhões em leite condensado, o elemento subiu no saltos. "Vai para p*** que p***. É para enviar no rabo de vocês da imprensa". 

Há alguns anos, foram reveladas gravações secretas de telefonemas e reuniões do ex-presidente americano Richard Nixon. Havia um microfone que registrava o som ambiental do Salão Oval. Muitos palavrões ecoavam no gabinete. Nixon mandou substituí-los nas fitas por um sinal sonoro. E, nas transcrições, no lugar dos palavrões, havia uma expressão plantada por algum burocrata pedante: "Expletivo deletado". Lembrando que "expletivo" é a palavra que serve para realçar a frase, sem ser indispensável ao sentido.

Provavelmente ninguém entre os que cercam Bolsonaro sabe que porra é a palavra expletivo e não há informação se outras reuniões como aquela de 2020 foram gravadas e um dia virão a público, mas imaginem, só imaginem, como é um jantar do Bolsonaro para ministros no Alvorada. . "Passa o sal, car4lho". "Desliga a mer4a dessa TV, é a pesquisa com o cu4ão do Lula na frente". "Não basta o STF querendo me fu4er, esse jantar está uma bo4ta".  "Quem fez a po44a desse café, kct". "Acabou o jantar, vão trabalhar seus pu4os".

Tudo "expletivo não deletado".

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Para o Charlie Hebdo, a França volta à idade da lenha

 


Fora de sintonia...

Reprodução Jornalistas & Cia

 

Do G1, hoje: Globo também não quer dar reajuste que recupere a inflação.

São muito raras as greves de jornalistas. No passado, quando tinham apois dos gráficos, algumas paralisações eram capazes de afetar os veículos. São, também, quase invisíveis. As empresas de comunicação noticiam greves de metrô, de caminhoneiros, de  Correios etc, mas historicamente não informam sobre manifestações de jornalistas. 

A nota acima é do Jornalistas & Cia. Informa que jornalistas da Globo e Globo News no Rio, São Paulo e Brasília, protestaram diante das sedes da empresa em meio a uma dura negociação salarial. Os jornalistas pedem a reposição da inflaçao (10,75%), a Globo oferece 7%. A programação dos canais segui incólume. 

Uma consequência inesperada da Guerra na Ucrânia: vai faltar papel higiênico na Alemanha.

por Ed Sá

Vai dar merda. Literalmente. A crise do fornecimento de gás para a Alemanha provocada pelas sanções à Rússia em reação à guerra na Ucrânia vai obrigar o país a reduzir dramaticamente a produção de... papel higiênico.

Cada alemão consome 134 rolos por ano, e a ordem será racionar. Usar jornal está complicado: os veículos impressos estão em extinção. As embalagens são, na maioria, de plástico. Melhor não arriscar esse substituto.

A informação é da Die Papierindustrie, a associação que reúne fabricantes de papel higiênico. "Nós dependemos do gás. Sem essa energia não podemos garantir o suprimento. Por isso estamos alertando os consumidores para economizarem a importante commoditie", diz um executivo da indústria. 

Comer menos batata, farelo de trigo, hortaliças, nozes, amêndoas, amendoim pêra e maçã com casca são conselhos valiosos. Usar mais água para a higiene poderia ser uma alternativa, mas o inverno está chegando e o gás também será racionado para aquecimento. O cidadão deverá fazer o sacrifício de usar água gelada. Além disso, são raros os bidês na Alemanha. 

Os banheiros costumam ter as waschlappen, mas, atenção, são toalhinhas para banho e não para substituir o papel higiênico. Provavelmente, bares e restaurantes não mais oferecerão o produto aos clientes, que deverão levar sua cota de casa mesmo. É possível que apareça um mercado negro de papel higiênico contrabandeado do Casaquistão, mas o produto é muito áspero. É outra coisa a que os alemães terão que se acostumar. Paciência. Ir para o matinho está descartado: leis ambientais multam quem usar esse quebra-galho. Não há informação sobre a situação em outros países europeus. Recomenda-se aos viajantes brasileiros que levem suas provisões ou passarão vexame em praça pública.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Memórias da redação: Adolpho Bloch esnobou Collor e paparicou Lula • Por Roberto Muggiati


1989: à véspera do segundo turno - Adolpho Bloch, Luís Inácio Lula da Silva,
Osias Wurman, Carlos Heitor Cony, Roberto Muggiati e Jaco Bittar


Antes do segundo turno - Pedro Collor, Mauro Costa, Oscar Bloch Sigelmann,
Fernando Collor de Mello, Pedro Jack Kapeller, Arnaldo Niskier,
Daniel Tourinho e Roberto Muggiati. Fotos Acervo Pessoal


Era o segundo turno das eleições de 1989, o duelo no Sarney Curral, opondo o Caçador de Marajás e o Sapo Barbudo. Fernando Collor de Mello jantou na Bloch numa segunda-feira depois do fechamento da revista. Adolpho Bloch inventou uma desculpa e não deu as caras, Jaquito e Oscar recepcionaram o futuro presidente. A Bloch teve uma mãozinha nessa história. Collor concorreu por uma legenda menor, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), antes Partido da Juventude, fundado por Daniel Tourinho, que trabalhou na área de recursos humanos da Bloch Editores entre 1974 e 1985. 

Num gesto impulsivo, Adolpho Bloch convidou Lula para almoçar na sede da Manchete no Rio na véspera do segundo turno, sábado, 16 de dezembro. Lula e comitiva vieram naquela manhã de São Paulo num jatinho. Adolpho recebeu calorosamente o líder sindicalista e o levou a visitar o escritório do ex-Presidente Juscelino Kubitschek no prédio do Russell, que havia se tornado uma peça de museu depois da morte de JK em 1976. Lembro de um episódio engraçado durante o almoço. A certa altura, Adolpho desconcertou Lula com uma pergunta a queima roupa:

– E o senhor gostaria de ter um mais moço que o senhor?

O líder petista titubeou:

– Não entendi, sêo Adolpho! Ter um o quê? Mais moço?...

– Um sogro, porrraa!

Ele não se conformava de ter um sogro quatro anos mais moço: o general Abraham Ramiro Bentes, pai de sua segunda mulher, Anna Bentes.

Um trunfo que Collor usou em sua propaganda no segundo turno foi apresentar na TV uma ex-namorada de Lula, Míriam Cordeiro, com a qual ele teve uma filha, Lurian. A ex acusou Lula de “racista” e de ter exigido que ela abortasse a filha. Collor também espalhou que, se eleito, Lula confiscaria a poupança, medida que ele próprio, Collor, adotou assim que foi empossado. Houve ainda o sequestro “cenográfico” do empresário Abílio Diniz, libertado no domingo das eleições, com os sequestradores apresentados pela polícia vestindo camisetas do PT. Ainda assim, Lula não se saiu tão mal e reduziu a vantagem de Collor do primeiro turno (66,05% contra 33,95%) para o segundo (53,03% contra 46,97%).

Vamos voltar ao “adolphês”, o linguajar críptico (e típico) do empresário que só os mais próximos conseguiam captar (Cony era mestre nisso). Por ter morado em Paris e em Londres, Adolpho sempre me requisitava como interprete para seus encontros internacionais. Mas muitas vezes me levava a tiracolo mesmo quando se reunia com brasileiros. Não esqueço seu primeiro encontro em 1979 – à cabeceira da longa mesa de jantar do prédio do 804 no Russell – com Leonel Brizola, que acabara de voltar do exílio. 

Com os olhos brilhando, Brizola abriu o diálogo:

- Bloch, o socialismo é uma coisa tão bonita!

Adolpho desviou o rosto para o lado, naquele seu cacoete judaico-ucraniano de cuspir no chão. O Engenheiro não notou – ou fingiu que não notou. 

Eleito governador do Rio de Janeiro em 1982 – nas primeiras eleições livres e diretas para governador desde 1965 – Brizola seria uma mãe para a Bloch. Não só abriu crédito ilimitado para a empresa, como, no primeiro Carnaval do Sambódromo, em 1984 – também o primeiro Carnaval da Rede Manchete – concedeu direitos exclusivos de transmissão a Adolpho, chutando para escanteio a TV de Roberto Marinho. 

Dá para imaginar as benesses que cairiam sobre a Bloch caso Brizola fosse eleito presidente, mas ele chegou em terceiro, depois de Collor e Lula. Mas a Manchete sempre soube cativar o poder. Colocou Leopoldo Collor de Mello, irmão mais velho do Presidente, na chefia da Rede Manchete em São Paulo. Na presidência de Fernando Henrique Cardoso, o Primeiro Filho, Paulo Henrique Cardoso, ganhou um importante cargo na Rede Manchete, com direito a um luxuoso escritório privado.

Lula não chegou a pegar a Manchete – ou vice-versa – mas se a Bloch ainda sobrevivesse em 2002 com toda a certeza seria tratada a pão de ló pelo presidente petista, em reconhecimento ao apoio que recebeu de Adolpho – na contramão do poder – no segundo turno de 1989.


terça-feira, 23 de agosto de 2022

Empresários bolsogolpistas são alvos de operação da PF

Empresários formando facção para conspirar contra a democracia não é novidade no Brasil. O livro "1964- a Conquista do Estado", de René Dreyfus, expôs, com nomes, a conspiração no meio fomentada pelo Ibad e outras instituições. Durante a ditadura, um grupo de empresários também amplamente conhecidos financiou a instalação de centros de tortura e assassinatos de opositores do regime militar. 

Uma das mensagens dos bolsogolpistas


O bolsogolpísta acima lamenta que o golpe não tenha acontecido em 2019.  

Por isso, não foi surpresa a revelação do jornalista Guilherme Amado, do site Metrópoles, sobre a discussão em um grupo do WhatsApp, chamado Empresários & Política, de um golpe de Estado, caso Lula vença as eleições. Obviamente, sentem-se amparados pelo bolsogolpismo. Ontem, durante entrevista ao Jornal Nacional, Jair Bolsonaro não se comprometeu a respeitar o resultado das urnas se não for reeleito.  

Por solicitação do ministro Alexandre de Moraes, do STF e do TSE, a PF abriu investigação sobre alguns dos bolsogolpistas, que atacam o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal. São alvos da operação desta terça oito empresários que fazem parte da citada facção do zap: Afrânio Barreira Filho (Coco Bambu); Ivan Wrobel (W3 Engenharia);José Isaac Peres (Multiplan); José Koury (Barra World); Luciano Hang (Havan); Luiz André Tissot (Sierra); Marco Aurélio Raymundo (Mormaii); Meyer Joseph Nigri (Tecnisa).

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

A 'motociata' do coração de Pedro I


Reprodução Folha de 22/8/2022

Reprodução O Globo - 1972

por Flávio Sépia 

Em 1972, o período mais violento e infame da ditadura, Garrastazu Médici celebrava o Sesquicentenário da Indepêndencia do Brasil. Portugal, também sob uma ditadura, era governado por Marcelo Caetano, herdeiro político do ditador Antonio Salazar. E foi assim, com um pacto entre autocratas, que os restos mortais de Pedro I foram importados pelo Brasil. 

Aqui, o governo militar organizou uma longa peregrinação da ossada pelo país. Pedro I não teve descanso: passou cinco meses entrando e saindo de aviões e, pior, ouvindo discursos ufanistas de prefeitos e governadores. 

Meio século depois, a República continua a perturbar o imperador: o governo protomilitar de Jair Bolsonaro mandou vir de Portugal o coração do imperador acomodado em formol e guardado em algo parecido com um vidro de picles de luxo. O propósito: comemorar os 200 anos da Independência. 

A história registra muitos casos parecidos, todos mórbidosExpor o coração de alguém é o auge da invasão de privacidade? Talvez não. O Museu do Erotismo, em São Petersburgo guarda um vidro com álcool ou, quem sabe,  vodca, com o suposto pênis de Rasputin dotado de 28 cm. Tal medida e não seus poderes sensoriais podem explicar o sucesso do bruxo entre todos os gêneros da corte dos Romanov.

Lênin repousa embalsamado na Praça Vermelha, em Moscou. Repousa não é bem o termo. O mausoléu é visitado diariamente por milhares de turistas. É um paradoxo, mas o único período em que Lênin descansou foi durante a Segunda Guerra Mundial quando, por precaução, diante da ameaça nazista às portas de Moscou, o corpo foi levado para a Sibéria. 

Visitar o túmulo de Napoleão Bonaparte, em Paris, na igreja da Cúpula dos Inválidos, é também um progama turístico. O que nem todos os visitantes sabem é que falta algo aos restos mortais do "pequeno corso". Quando ele morreu no exílio, em 1821, o médico que fez a autópsia teria retirado o pênis, com o qual presenteou um padre da paróquia local. Desde então, o órgão percorreu roteiro impreciso. O padre, provavelmente, gostou do presente tanto que o guardou até a morte.  Só em 1916, a partícula napoleônica chegou a um colecionador britânico e entrou em um bizarro mercado de compra e venda. Em 1977, um urologista teria adquirido a "bimba', que tem literalmente em repouso apenas 4 cm. 

Comentaristas políticos supõem que Bolsonaro usará o resquício de D. Pedro como peça da campanha eleitoral. É possível. Entre os apoiadores do sujeito estão os monarquistas. Espera-se, pelo menos, para não extrapolar a bizarrice, que Bolsonaro não leve o coração para a anunciada motociata de 7 de setembro. 

O "bonde" dos codinomes: "Tchutchucas", "gato angorá", "sapo barbudo", "queijo palmira"...

por Ed Sá

O termo tchutchuca, como todos sabem, bombou na internet. 

Não foi a primeira vez que a gíria carioca foi usada para classificar um integrante do governo. Em 2019, o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) mandou essa em fala na Câmara: "Paulo Guedes é "tigrão" com aposentados, professores e agricultores e "tchutchuca" com a turma mais privilegiada do país e os amigos banqueiros", mas foi o youtuber de direita Wilker Leão, um apoiador de Bolsonaro momentaneamente descontente, que colou o apelido no "mito".  Wilker o chamou de "tchutchuca do centrão", em alusão à atração fatal do presidente pelo Centrão, a facção de políticos predadores de dinheiro público. 

Tchutchuca é um termo popularizado por um sucesso do Bonde do Tigrão, grupo do funk carioca. Originalmente era um elogio às meninas bonitas dos bailes nos subúrbios do Rio, mas logo ganhou o sentido pejorativo de "vulgar", "fácil", "biscate" "vaca" e "cachorinha". Obviamente, o sentido que Wilker quis dar foi o das variações. 

A velocidade com que o rótulo foi pregado na testa de Bolsonaro lembrou o efeito demolidor dos apelidos que Brizola, mesmo em tempos anteriores às redes sociais, dava aos seus adversários. Moreira Franco era o "gato angorá", cuja carascterística é "passar de colo em colo". Em 1989, Lula ganhou de Brizola o apelido de "sapo barbudo" em referência ao "sapo" que a elite brasileira poderia engolir: “A política é a arte de engolir sapos. Não seria fascinante fazer agora a elite brasileira engolir o Lula, este sapo barbudo?”, disse ele. Brizola chamava Garotinho, cujo nome já é um apelido, de queijo palmira", aquele vendido em formato de bola. “Garotinho é como uma bola, não tem lado e é oco por dentro“. O gaúcho também criou uma expressão que passou a ser muito usada para nomear a geração de políticos que apoiou o regime militar: "filhote da ditadura", como Paulo Maluf era chamado. 

Para quem não conhece, aí vão trechos dos versos de "Tchutchuca". 

Eu quero colo/Quero ver quem vai em dar colinho (...)

Vem, tchutchuca linda/Senta aqui com seu pretinho

Vou te pegar no colo/ E fazer muito carinho (...)

Vem, vem, tchutchuca/Vem aqui pro seu tigrão/

Vou te jogar na cama/E te dar muita pressão


Ouça AQUI

 

A cesta chique da Tchutchuca da Centrão

 

Reprodução Twitter 

sábado, 20 de agosto de 2022

Cony e a Montanha dos Sete Patamares • Por Roberto Muggiati

O lançamento do romance póstumo de Carlos Heitor Cony A Paixão segundo Mateus (Nova Fronteira) me levou a revisitar meus fantasmas religiosos da adolescência. Cony costumava dizer: “Sou ateu com nostalgia de uma fé que nunca tive”. Seminarista até os 19 anos, largou a batina antes de ser ordenado padre. Teve, portanto, uma convivência com o claustro, ao contrário de mim: abandonei a religião depois da Primeira Comunhão, traumatizado com aquela experiência atroz, na paróquia de Santa Teresinha em Curitiba. Primeiro, a confissão: você era obrigado a fornecer à entidade oculta por trás da treliça um cartel mínimo de pecados. Que noção de pecado pode ter uma criança de oito anos? Um menino mais esperto se forrou de balas Zequinha e bolas de gude “traficando” pecados para os menos imaginativos. Depois, o clima de pavor que cercava a ingestão da hóstia sagrada (“Muito cuidado para não morder o corpo do Senhorrrr!”...) Terminada a cerimônia sequer fui para o desjejum, apesar do convidativo Toddy com biscoitos. Saí atordoado para a rua, para o sol da liberdade, e passei muitos anos sem botar os pés numa igreja.


Foto Thomas Merton Center
Aos dezesseis anos, quando comecei a ler meus primeiros livros em inglês, caiu em minhas mãos The Seven Storey Mountain,  em que Thomas Merton (1915-68), um enfant du siècle, filho de neozelandês e norte-americana nascido nos Pirineus franceses, relata sua busca inquieta por um sentido da vida nos agitados anos 1930. Resume o escritor Clifton Fadiman: “De uma próspera família da classe média, Merton passou a infância na Inglaterra, França e nos Estados Unidos. Aluno da Universidade de Columbia, era popular e bem-sucedido. Interessado por literatura e arte moderna, entusiasta de sessões de jazz, viu-se de repente tomado por uma inquietante preocupação com os problemas sociais do seu tempo e com sua salvação pessoal. Isso o levaria a abandonar totalmente a excitação e confusão do mundo.”

Em dezembro de 1941, ele se tornou monge trapista na Abadia de Nossa Senhora de Gethsemani, no Kentucky, da ordem cisterciense, conhecida pelo voto do silêncio. Ao longo de três décadas, Merton escreveu mais de setenta livros, a maioria sobre espiritualidade. Poeta, ativista social e estudioso de religiões comparadas, defensor do pacifismo e do ecumenismo, é considerado o construtor da ponte unindo as doutrinas do Ocidente e do Oriente.

Foi em Bancoc, na Tailândia, durante uma conferência ecumênica, que Merton morreu, em 10 de dezembro de 1968, aos 53 anos. Sua morte foi atribuída ao curto circuito de um ventilador, encontrado sobre seu corpo. Como não houve autópsia, ficou sem explicação o ferimento na base do crânio, com forte sangramento. Ironicamente, o pacifista Merton teve seu corpo transportado para os Estados Unidos num avião militar que voltava do Vietnã. 

A década foi marcada por uma série de assassinatos políticos: o líder revolucionário do Congo Patrice Lumumba (61), John Kennedy (63) Malcolm X (65), o líder revolucionário marroquino Ben Barka (65), Carlos Marighela (69). O Secretário Geral da ONU, Dag Hammarskjöld, morreu em 1961 em Zâmbia num desastre aéreo – seu avião teria sido abatido a tiros. Em 1968, foram assassinados Robert Kennedy e Martin Luther King; o pintor Andy Warhol quase morreu depois de levar três tiros de uma feminista radical. A Teoria da Conspiração acabaria encampando a “eletrocussão acidental” de Thomas Merton entre os assassinatos políticos de 1968 no livro de Hugh Turley e David Martin O martírio de Thomas Merton: uma investigação (2018). 


Voltando ao livro que abalou meus alicerces na adolescência. A capa é notável, pintada por James Sante Avati (1912-2005), o “Rembrandt das capas de paperbacks”, que também assinou a famosa capa da edição de bolso de O apanhador no campo de centeio. Com um monge embuçado em primeiro plano, temos, num estilo realista bruto, uma visão social panorâmica da América do entreguerras, uma vintena de pessoas espalhadas por uma paisagem caótica de pedras e sombras.

O texto da quarta capa, naquela linguagem vívida e atraente dos paperbacks, me atraiu irresistivelmente à leitura:

O Coração de um Homem

Cândida, reveladora e extremamente honesta, esta é a impressionante biografia de um jovem bem preparado que levava uma vida emocionante e sofisticada até os 26 anos de idade, quando ingressou num mosteiro trapista. Sua história se desloca de Paris ao Harlem, de células comunistas a uma cela de monge, de sessões de jazz até o silêncio da Abadia de Nossa Senhora de Gethsemani no Kentucky, de James Joyce a Duke Ellington. Sua revelação sensível e exuberante de uma profunda experiência espiritual fez dele um dos livros mais vendidos do nosso tempo.

“É para um livro destes que os homens se voltarão daqui a cem anos a fim de saber o que se passava no coração dos homens neste século cruel.”  Clare Booth Luce, jornalista, fundadora da revista Time. 

O mundo me levou para outros caminhos e a tentação da vida monástica ficou para trás. Só recentemente fiquei sabendo que existe um mosteiro trapista no Brasil. No pós-guerra, cinco monges da Abadia de Genesee, no estado de Nova York, partiram para fundar um mosteiro em nosso país. A comunidade começou no município da Lapa, Paraná, mudando-se em 1983 definitivamente para a cidade de Campo do Tenente. Veja o site oficial, 

AQUI http://www.mosteirotrapista.org.br/

Thomas Merton teve uma relação especial com o Brasil. Sua biografia no site da Wikipedia reserva um capítulo especial, que transcrevo aqui:

 No Brasil Thomas Merton tinha vários amigos e publicou um grande número de livros. Muitas são as pessoas, leigas ou religiosas, que consideram as leituras de seus livros marcos importantes das suas vidas espirituais. Foram lançados mais de 40 livros em português, graças ao envolvimento de intelectuais – como Alceu Amoroso Lima – e de monjas e monges beneditinos – como Dom Basílio Penido, Dom Timóteo Amoroso Anastácio, Dom Estêvão Bettencourt e, principalmente, da irmã Maria Emmanuel de Souza e Silva.

A história sobre o início de uma relação de trabalho e de uma amizade é contada no livro Thomas Merton: o homem que aprendeu a ser feliz, pela Ir. Maria Emmanuel. Ao longo de 13 anos trocaram mais de uma centena de cartas, cartões postais, "santinhos" e livros. Parte das cartas de Merton enviadas à Ir. Maria Emmanuel estão registradas no livro The Hidden Ground of Love: Letters on Religious Experience and Social Concerns (Letters, I).

Merton se correspondeu com outros brasileiros como Alceu Amoroso Lima, Dom Hélder Câmara, abades beneditinos, religiosas e religiosos e simples leitores, ao longo de sua vida. Ele também se interessava por vários autores brasileiros - em especial pelos poetas Manuel Bandeira e Jorge de Lima.

O continuado interesse por Merton, sua vida e suas ideias, levou à fundação, em 10 de dezembro de 1996, da Sociedade dos Amigos Fraternos de Thomas Merton - SAFTM.

Após ter cessado por longos anos a publicação de suas obras no Brasil, existindo apenas dois títulos em 1996, foram reeditados em 1999 os livros A Montanha dos Sete Patamares, Novas Sementes de Contemplação e Ascensão para a Verdade logo seguidos pela publicação de outros títulos nos anos subsequentes. Hoje já são 16 os títulos disponíveis, tendo se estabelecido um novo interesse em dar continuidade à publicação de antigas e novas obras. Além desses existem quatro livros sobre Thomas Merton. Os quase 30 outros títulos esgotados podem ser encontrados em sebos de todo o país.

Bem mais recentemente, fiquei sabendo que outro redator de Manchete, Irineu Guimarães – um défroqué (sem batina) que levou a experiência do claustro muito mais a fundo do que Cony – também se voltou para os trapistas. Foi ele quem traduziu o livro francês Les Mystères de la Trappe, edição bilíngue em latim e português, uma obra-prima da paciência, fruto do seu conhecimento do latim, publicada no Brasil em 1997 com o título Os Cistercienses. 

Veja aqui a vida no mosteiro trapista de Campo do Tenente, no Paraná, num documentário da TV Estado.

https://www.youtube.com/watch?v=8bhFoienNss


Morte e vida Janaína • Por Roberto Muggiati

 

Janaína Araújo.
Reprodução TV
O governo brasileiro continua inovando. Criou agora o "Benefício de Prestação Descontinuada", uma espécie de Assistência Funeral muito eficiente. Destina-se a pessoas deficientes, de baixa renda (ou sem renda), incapacitadas de trabalhar. São colocadas numa fila em módulo “Esperando Godot” (Godot nunca chega...) até que morrem, desobrigando o governo do pagamento de um salário mínimo, dinheiro que será desviado sabe-se lá para onde...

Quem inaugurou o sistema no CRAS do Paranoá, DF – foi Janaína Nunes Araújo, 44 anos. Hipertensa, obesa, sofrendo de ansiedade, depressão e síndrome do pânico, ela não resistiu a oito dias sem atendimento na fila.

Janaínas não costumam morrer tão cedo, elas só passaram a existir depois que Leila Diniz deu esse nome a sua filha, nascida em 19 de novembro de 1971. A partir daí o nome que homenageia Iemanjá se tornou um favorito no Brasil.  Entre as Janaínas que se destacaram está Janaína Conceição Paschoal, nascida em São Paulo em 1974, jurista, política e uma das autoras do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mas nem todas alcançarão o sucesso como ela, que foi até convidada para vice de Bolsonaro. Muitas, provavelmente, são vítimas potenciais de feminicídio e outras podem até estar reservadas para o extermínio na fila, como a pobre da Janaína Nunes Araújo.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Trocadilho visual só para cinéfilos • Por Roberto Muggiati

 

Woody Allen. Foto CBS


Em Cul-de-sac/Armadilha do destino, Donald Pleasence e Françoise Dorleac. A irmã de Catherine Deneuve caiu sob a Maldição de Polanski. No ano seguinte, morreu carbonizada
ao volante de seu carro a caminho do aeroporto de Nice. Foto Divulgação

Depois de um longo e tenebroso inverno cinematográfico, voltei à alegria e ao humor cáustico dos filmes de Woody Allen. Do descolado Sweet and Lowdown/Poucas e boas, em que Sean Penn protagoniza um guitarrista de jazz muito doido; e de Scoop/O grande furo, em que a foca Scarlet Johansson, partindo de uma dica do além, incrimina como improvável assassino o filho de um lorde inglês, passei para o soturno Shadows and Fog/Neblina e sombras (1991), com uma constelação que inclui Woody Allen e sua então mulher Mia Farrow. (É o penúltimo dos treze filmes que fez com Woody nos seus doze anos de casamento.) A história, literalmente nebulosa, trata de um serial killer que sai estrangulando gente a granel numa cidadezinha anônima. 


Em Neblina e sombras, Donald Pleasence na mira do estrangulador;
ao fundo, parte do letreiro Cul-de-sac. Foto Divulgação



Uma das vítimas é o legista, interpretado por Donald Pleasence, encurralado pelo assassino numa viela. Woody aproveita a cena para homenagear Roman Polanski, que dirigiu em 1966
Cul-de-sac/Armadilha do destino, com Pleasence num dos papeis principais. Num close do apavorado Donald, prestes a ser estrangulado, aparece ao fundo na parede o aviso cul-de-sac, beco sem saída. Uma citação muito sutil, endereçada e a meia dúzia de cinéfilos encardidos. 

A marca registrada de Woody Allen: a fonte Windsor. Quase sempre ele escreve
e dirige seus filmes; muitas vezes, atua também.

E um brinde aos fãs de um cineasta tão detalhista que, a partir de 1977, com Annie Hall/Noivo neurótico, noiva nervosa, - o sétimo dos seus 50 filmes – passa a usar exclusivamente a fonte Windsor de Benquiat nos títulos e créditos, assim como nos cartazes e nas capas de seus DVDs.

Cena de Match Point: filme de Walter Salles em cartaz no Curzon Mayfair.
Foto Divulgação

Woody gosta de homenagear colegas de profissão. Em sua obra-prima Ponto final: Match Point ele exibe na marquise de um cinema londrino THE MOTORCYCLE DIARIES, o título do filme de Walter Salles. Outro de seus favoritos é Ingmar Bergman, e Woody não escondeu isso, clonando o estilo do mestre sueco em filmes como Interiores, Stardust Memories e Setembro

O cineasta também tem seus escritores de estima. Em Match Point é Dostoievski de “Crime e castigo”, com a diferença de que o filme poderia se chamar Crime sem castigo. O romance do russo é citado também no mais recente Homem irracional: Joaquin Phoenix, um professor de filosofia especializado nos existencialistas, comete um “assassinato moral”, eliminando um juiz cruel especializado em desgraçar a vida alheia. Namora uma aluna – a única pessoa a saber que ele é o assassino. Quando outro homem é acusado do assassinato, namorada exige que o professor se entregue, ou ela o denunciará. Phoenix tenta jogar a jovem no poço do elevador, mas quem acaba caindo é ele, ao escorregar na lanterna de pilha que ele ganhou para ela na roleta de um parque de diversões em tempos mais felizes. 

Os filmes de Allen estão cheios de discussões filosóficas e falam muito sobre o papel da sorte, ou do acaso, na vida ou na morte das pessoas. Tudo pode dar certo é outro filme que trata do tema. Cita até o Princípio da Incerteza de Heisenberg, mas Woody sabe lidar tão bem com o discurso intelectual (ou pseudointelectual) que nunca afasta o espectador, ao contrário, o atrai. Consegue se safar também quando cita a Melancolia de Ozymandias em Para Roma com amor. Esse filme, aliás, é parte de uma série de produções que fazem descaradamente a propaganda de cidades turísticas, como Meia-noite em Paris e Vicky Cristina Barcelona. Já chamaram Woody de o Midas do Celuloide: tudo em que ele toca vira ouro, sem comprometer o mérito do produto como obra de arte. 

Foram 50 filmes nos últimos 54 anos, um presente anual para sua multidão de admiradores. Nos últimos tempos, ele se viu arrastado pelo tsunami moral do #metoo e injustamente cancelado. Mas Allan Stewart Könibsberg, nascido em 1º de dezembro de 1935 no Bronx e criado no Brooklyn, em Nova York, é osso duro de roer. Vamos torcer para continuar com ele por muito tempo mais.