terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Bola murcha...

 


por Niko Bolontrin

A noite de gala da FIFA, que apontou os Melhores de 2022, mostrou o momento crítico do futebol brasileiro e da maioria dos brasileiros que jogam no exterior. Apenas Casemiro salvou a pátria ao integrar a seleção do ano. Richarlyson concorreu ao prêmio Puskás de gol mais bonito, mas perdeu para   Mesmo Vini e Rodrygo, apesar da excelente fase no Real Madrid, foram ignorados. Antony também é uma boa exceção entre o exportados. Neymar há muito deixou a elite do futebol na fase do "regional" PSG, time que tem Mbappé e Messi, dois dos melhores do mundo, mas consegue a proeza de praticar futebol medíocre. 

A festa da FIFA foi dominada pela Argentina, que emplacou o melhor treinador (Lionel Scaloni), o melhor goleiro (Emiliano Martinez ), o melhor jogador (Lionel Messi) e até a melhor torcida. Méritos da seleção campeã do mundo. 

A propósito, a premiação se refere à performance dos escolhidos em todo o ano passado. O jornalismo esportivo brasileiro em geral exaltou a suposta qualidade da seleção brasileira esquecendo que bons jogadores precisam funcionar coletivamente e mostrar estratégia. Coisa que não aconteceu. Para muitos, a Copa já estava ganha. Tite era o máximo na face da terra. A Croácia, por exemplo, não concordou com o ufanismo dia coleguinhas. 

"Livramento" 171

Reprodução Twitter 

 

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Sábado de campeões

 


Ontem, um grande grupo de amigos se reuniu para saudar o editor Dirley Fernandes que nos deixou em 15/2, e o fotojornalista Berg Silva, que faleceu em fins de 2022. Como eles certamente  gostariam, a tarde foi de samba, cerveja, cachaça, feijoada e a bandeira da Portela. O encontro aconteceu no Baródromo, na Tijuca. Alex Ferro fotografou o brinde. 

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Na capa da Carta Capital: a corrupção privatizada

 




IstoÉ: revista mostra que a República dos Canalhas acabou ...

 


Mídia: "corta o nome do mito aí, tá oquei".

Reprodução Twitter 


 A TV Record não faz jornalismo: responde aos interesses da indústria religiosa. Por isso, não chega a ser surpresa a edição de um matéria sobre a chacina de Sinop. O editor manipulou a imagem para eliminar o nome de Bolsonaro no boné de um dos assassinos. Com vasta folha corrida, o bolsonarista e CAC era um seguidor do anormal homiziado em Orlando (FL.). A Record, também adepta de Bolsonaro, quis preservar o elemento que lhe repassou tantas verbas públicas. 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Dirley Fernandes: uma triste notícia

Dirley Fernandes (1968-2023). Foto:Reprodução Twitter

por José Esmeraldo Gonçalves 

16 de fevereiro, Dia Nacional do Repórter. Mas, hoje, é o dia de um repórter especial: Dirley Fernandes, que nos deixou sem aviso prévio, aos 54 anos. 

Com mais de 30 anos de profissão, Dirley passou por vários veículos, como é comum na nossa profissão. Trabalhou em O Dia, Extra, Jornal do Brasil, Jornal do Commércio, Revista História Viva, Seleções do Readers Digest e nas revistas Conhecer, Manchete e Caras. Foi editor em algumas dessas publicações.

Em cada uma experiência qualificou-se como um profissional de reconhecida competência. 

Quando o jornalismo impresso tradicional entrou em crise, Dirley se reinventou - a palavra hoje gasta nem era tão usual - e se tornou produtor de conteúdo, editou livros, revistas corporativas, administrou sites, redes sociais de empresas e dirigiu um documentário - "Devotos da Cachaça" - como parte de um projeto voltado para o setor, que incluiu revistas, livros e palestras. Com o filme, ele  mostrou a "profunda relação da cachaça com a alma brasileira, a bebida nacional na música, na literatura e nas artes plásticas". Falava com paixão sobre o assunto do qual era um expert.  Com certeza, em contato com muitos produtores, contribuiu para a evolução e aprimoramento desse mercado.  

2020: Dirley, José Esmeraldo, Mauro Trindade, Jussara Razzé, Alex Ferro e David Junior: chope no Estação Largo do Machado para comemorar lançamento de uma revista. Foto de Gabriel Nascimento 

Trabalhei com Dirley na Caras em 1996. Ele colaborou com a revista durante quase um ano antes de ser chamado pela Manchete, mas a foto acima está relacionada a um projeto que surgiu em plena pandemia. O amigo David Ghivelder apresentou à Tupi a ideia de lançar uma revista com a cobertura do carnaval de 2020, com escolas de samba e blocos do Rio de Janeiro. A publicação também comemoraria os 85 anos da rádio. Creio que David procurou uma equipe com o DNA carnavalesco da Manchete e foi isso que nos reuniu. Eu, Dirley, Mauro Trindade, David Júnior, Alex Ferro, Jussara Razzé e o Sidney Ferreira, o editor de Arte que não está no registro feito no Estação Largo do Machado pelo fotógrafo Gabriel Naacimento e que trabalhou com o Dirley em muitas revistas e livros nos últimos anos.  

Na ocasião da foto, no Estação, comemorávamos o lançamento da edição Carnaval Total. A revista acabou se desdobrando em mais duas edições ao longo do ano. Uma sobre os comunicadores da Tupi e outra, um número especial de Natal e Ano Novo. Para essas edições extras, Roberto Muggiati, Tania Athayde e Daniele Maia se incorporaram à equipe. Foi um trabalho bem realizado, não sem dificuldades, mas com o mérito de nos reunir. Em 2021, o grupo se reencontrou para um chope no Baródromo, na Tijuca. Foi a última vez que eu e Jussara vimos o Dirley, que depois se transferiu para São Paulo, com a sua querida Anna. 

No fim do ano passado nos falamos rapidamente por telefone. Ele estava animado com as perspectivas que São Paulo oferecia. Ontem, Tania Athayde nos deu a notícia. Dirley fora vítima de um acidente e estava hospitalizado em estado grave. Não havia esperanças e o triste desfecho se confirmou. Inacreditável. Tinha muito a viver. Ficamos com a tristeza e as lembranças do seu humor, inteligência, a facilidade de fazer amigos, o bom papo e deixamos aqui nosso abraço à família.      


Mídia: o bunda lelê das siglas

por Ed Sá 

Os jornalistas baseados em Brasília, de tanto subir e descer rampas, são contaminados pelos jargões do poder. Muitos repetiram à exaustão a expressão popularizada por Bolsonaro: "quatro linhas da Constituição". Meio que referendavam os argumentos do anormal. 

Na época da Lava Jato, coleguinhas que seguiam o trêfego Moro como se fosse o Antônio Conselheiro reencarnado adotaram a expressão "no âmbito".  

Tudo era no "âmbito". "No âmbito do processo", "no âmbito da operação", "no âmbito da decisão". Quando foram abertas as mensagens da Vaza Jato vimos o quanto era sujo o "âmbito" juridicamente corrompido daquela força-tarefa. 

Agora, seguindo o jargão dos corredores e salões federais, jornalistas baianizam a pronúncia de siglas. O Conselho Monetário Nacional (CVM) virou CêMêNê. Este teria o DeNêA da Faria Limer paulistana adotado por bancadas financeirias. 

Provavelmente, a onda vai se estender para outras editorias. CBF pode ser CêBêFê. CPF passará a CêPêFê. Segundo o baião ABC do Sertão na voz  de Luiz Gonzaga, o S é "si" no alfabeto baiano. STF poderá passar a ser SiTêFê e INSS vira INêSiSi. IR será IRê. CLT igual a Cêlêtê. A lista é grande: CêNêPêQuê, BêRêTê, GêNê (Globo News), GêNêTê (GNT), CêNêNê (CNN). IML é IMêLê. O JN, de Jornal Nacional, é JiNê.


Veja e ouça o ABC do Sertão 

https://youtu.be/6CSTAaVREtg

A culpa é da nomenclatura


 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Urubuzando o Fla: a pergunta que não quer calar

Por que o Flamengo trocou o sábio e vitorioso Dorival Jr por um luso obtuso que não sabe escalar o time e não vai aprender nunca?

Vamos torcer pelo Al Ahly para que a disputa do 3º lugar dê Fla x Real Madrid...

domingo, 5 de fevereiro de 2023

A Arte da Biografia - Por Roberto Muggiati

 


“As exigências aumentaram drasticamente e as últimas biografias de Goethe, Schopenhauer, Wittgenstein, Thomas Mann, Virginia Woolf, Nabokov, Joyce e Beckett levam a pensar se a biografia não deveria ser enfim alçada a uma forma autônoma de arte literária.”

Quem levanta a questão é Reiner Stach na introdução à sua biografia Kafka: os anos decisivos (Todavia, 2022). Comecei a ler o livro de 650 páginas e na minha cabeça, já há muito tempo, nunca houve a menor dúvida de que a biografia é “uma forma autônoma de arte literária”. 


Devo passar alguns meses agarrado a esse volume, mas outro lançamento recente me atiçou o interesse: Pessoa: uma biografia (Companhia das Letras), do americano Richard Zenith, 66 anos. Aos 20 anos, estudante em Chicago, ele leu pela primeira vez, em espanhol, alguns versos do português e encontrou sua vocação. Ao longo de quase meio século, Zenith (fiel ao carisma do sobrenome), dedicou-se a pesquisar sobre a vida do misterioso e múltiplo Pessoa, com todos seus heterônimos. Numa visita a Durban, na África do Sul – onde Pessoa morou dos oito aos treze anos de idade – Zenith descobriu o heterônimo Karl P. Effield num jornal da cidade onde Pessoa publicou seu primeiro poema em inglês. Com 1116 páginas, essa nova biografia faz jus ao esforço e tempo investidos no trabalho.


Ainda não li por inteiro a biografia de James Joyce por Richard Ellman, de 880 páginas, mas percorri várias vezes os trechos dedicados a suas três estadias em Trieste, entre 1905 e 1919, buscando alguma citação a Muggia, a cidade que originou meu sobrenome. Sua peculiaridade é que não se situa na “bota” italiana, mas na extremidade norte da península Ístria e seu acesso é feito por barco a partir de Trieste. Em contrapartida, encontrei uma menção que Sigmund Freud faz, em carta a um amigo, de um domingo que passou em Muggia. 

Aluno destacado da Faculdade de Medicina de Viena, ganhou uma bolsa em 1876 (aos 20 anos) para fazer uma pesquisa sobre o sexo das enguias na Estação Experimental de Biologia Marinha de Trieste. Freud aproveitou a folga de um domingo para visitar Muggia e, entre outras coisas, comentou que as mulheres da cidade eram “ruivas em sua maioria, o que não coincidia com características da raça italiana nem da raça judia.”


Ainda Freud: outro dia comprei num sebo de rua aqui no Baixo-Glicério sua renomada biografia por Peter Gay (Uma vida para a história), edição em capa dura e bom estado, 720 páginas por vinte reais. Por dez reais levei de outro buquinista de calçada O Livro de Jô, com suas 480 páginas imaculadas. Interessam-me sua rica vida e personalidade, nos encontramos várias vezes em meus tempos de Manchete e fomos contemporâneos, nasci três meses antes dele.

No mesmo vendedor de rua, encontrei o inventivo Eu, Júlio Verne, de J.J. Benitez. Verne (1828-1905) foi um dos maiores contadores de histórias e viveu num momento histórico de invenções e transformações admiráveis. Revi há pouco tempo o maravilhoso filme A volta ao mundo em 80 dias, vibrando com as aventuras de Phileas Fogg (David Niven) e seu valete Passepartout (Cantinflas).

Minha irmã emprestou-me a autobiografia de Woody Allen, seu nome estampado na fonte favorita, Windsor, que usa sempre nos créditos de seus filmes. O cineasta abre o livro “Como Holden [o anti-herói do Apanhador no campo de centeio] não gostaria de entrar nessa bobajada de David Copperfield”, criticando a abertura clássica de romances do século 19, como o de Dickens. O escritor Woody soa bastante convencional, melhor seria contar sua vida na forma de um filme.

Traduzi algumas grandes biografias nos vinte anos que se seguiram à falência da Manchete em 2000. John Lennon, Chet Baker, Charles Mingus. A autobiografia do grande contrabaixista, Saindo da sarjeta, foi um desastre editorial. A pessoa que recebia meus arquivos traduzidos na Zahar e os encaminhava à diagramação e impressão sumiu com um dos capítulos inteiros (o de número 22) e o livro saiu incompleto. A emenda, pior que o soneto, foi disponibilizar o texto pela internet. Não importa, dois anos antes, em 2003, fiz a parceria perfeita com a Zahar ao traduzir uma nova versão da autobiografia de Billie Holiday, Lady Sings the Blues. Publicado em 1956, o livro omitia os três anos finais – e trágicos – da grande cantora. Escrevi um capítulo adicional, descrevendo o trágico fim de Lady Day.  Os 24 capítulos anteriores levavam o título de canções do repertório de Billie, o meu se chamou “Please Don’t Talk About Me When I’m Gone”. Acusada de porte de drogas, Billie, em condições de saúde críticas, foi hospitalizada em Nova York com dois policiais em guarda permanente à sua porta. A causa da infecção que acabaria causando sua morte foram quinze notas de 50 dólares enroladas com fita adesiva e escondidas na sua vagina. Eram os 750 dólares que William Dufty – o jornalista que escreveu sua autobiografia – tinha conseguido para ela por uma matéria publicada na revista Confidential. Eram amicíssimos, Billie madrinha do filho de Dufty. Curiosamente, conheci William Dufty quando veio em 1975 lançar seu livro Sugar Blues, uma condenação dos males do açúcar. Visitou a redação da Manchete com sua nova mulher, nada menos do que a atriz Gloria Swanson. Tive o privilégio de apertar a mão da divina Norma Desmond do Crepúsculo dos Deuses. Infelizmente, não houve contato pele a pele, a musa vestia luvas brancas.

Outra tradução que exigiu uma atualização pontual foi Polanski – Uma Vida, publicado pelo jornalista inglês Christopher Sandford em 2009. Quando comecei a traduzir o livro para a Nova Fronteira em 2010, Polanski, os 76 anos, vivia um drama terrível. Sugeri uma atualização num posfácio, a editora topou, e o resultado foram oito páginas adicionais sob o título O fantasma da liberdade, tomado emprestado do filme de Buñuel e aludindo também ao novo filme de Roman, O escritor fantasma.  Relatei no meu texto como, para rodar esse filme lançado em 2010, Polanski teve de fazer uma autêntica maquiagem de cenário, filmando as cenas de Londres num estúdio de Berlim, e aquelas de Martha’s Vineyard, no Maine, na ilha alemã de Sylt, no Mar do Norte.

Mesmo assim, o longo braço da justiça americana, que o caçava desde 1977, quase o alcançou. Citando do meu posfácio: “Em 26 de setembro de 2009, a convite do Festival de Cinema de Zurique, Polanski viajou à Suíça para receber um prêmio por sua carreira cinematográfica e acabou detido pelas autoridades sob a alegação de que estava em vigor um mandado internacional de prisão contra ele por causa da condenação, em janeiro de 1978, no caso da jovem Samantha Gailey. A detenção foi feita a pedido de autoridades dos Estados Unidos, que queriam a extradição de Polanski. Ele passou 67 dias num centro de detenção. Depois, o tribunal suíço aceitou o pedido dos advogados de Polanski, que ofereceram seu apartamento de Paris, na Avenue Montaigne, no valor de sete milhões de reais, como fiança. [Não está no posfácio, mas, Panis oblige: no mesmo prédio funcionava a Sucursal da Manchete em Paris no final dos anos 1960; e tem mais: Marlene Dietrich ocupava a cobertura, onde costumava tomar banho de sol nua.] Feito o acordo, Polanski ficou em prisão domiciliar no seu chalé em Gstaad, conhecida estação de esqui. Lá ele pôde supervisionar a pós-produção de O escritor fantasma. Só dez meses depois, em julho de 2010, Polanski teve o pedido de extradição rejeitado pelas autoridades suíças, que o liberaram da custodia e o declararam um ‘homem livre’”.

Aproveitei o posfácio para consignar em ata meus três insólitos encontros com Polanski:

“• Em março de 1969, no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, que eu cobria para a revista Veja, Polanski – ao empurrar Jane Birkin de roupa e tudo na piscina do Copacabana Palace – quase me jogou n’água com a atriz. Nesse festival Polanski apresentou O bebê de Rosemary, um filme apavorante na época e, sustento, ainda hoje. Cinco meses depois sua mulher Sharon Tate (grávida de seu filho) e quatro amigos foram trucidados num banho de sangue em sua casa em Los Angeles.[Polanski deveria estar lá, mas ficou retido em Nova York para assinar um contrato na segunda-feira.]

• Em 1973, Polanski visitou a redação da Manchete, no Rio, com Jack Nicholson, que seria seu ator principal no premiado Chinatown (1974). Mal sabia o cineasta que, quatro anos depois, na casa de Nicholson em Los Angeles, teria um encontro sexual com uma menor de idade que faz dele, até hoje, um criminoso procurado pela justiça em território norte-americano e em países que tenham tratado de extradição com os Estados Unidos.

•  Em 1988 Polanski veio ao Brasil para promover Busca frenética e visitou de novo a Manchete, com a atriz do filme, Emmanuelle Seigner, 33 anos mais moça que ele, já sua mulher de fato; eles se casariam oficialmente em 1989 e estão juntos até hoje, com dois filhos. Adolpho Bloch convidou Polanski para um chá com um grupo seleto de dez pessoas. O cineasta passou meia hora discutindo com a mulher diante do prédio da Manchete, antes de entrar. Arrebanhado pelo Marechal, acabou subindo para o restaurante do 12º andar e, sentado à mesa de jacarandá maciço, diante de um serviço de chá britanicamente impecável. Polanski disse que preferia uma boa vodca polonesa. Adolpho atendeu imediatamente a seu desejo e o dois se puseram a falar em russo – para decepção dos outros convidados.  Na ocasião entreguei a Polanski uma cópia de sua foto com Jack Nicholson na visita que fizera 15 anos antes à Manchete.”

A última tradução que fiz foi da autobiografia de Michael Jackson, Moonwalk. Estranho que o livro, publicado em 1988, no rastro do megassucesso de Thriller, nunca tenha sido lançado no Brasil. Os direitos foram comprados pela editora Estética Torta, de Contagem, MG, e a tradução feita a partir da reedição de 2009, pouco depois da morte de Jackson. Foram respeitados todos os detalhes da diagramação original, recheada de fotos, e com a filigrana das pernas dançantes de Michael com a clássica meia branca em cada pé de página. Tal rigor editorial não admitia nenhum acréscimo, por isso não pude contar num posfácio meus três encontros com Michel Jackson.

• Em 1974, na primeira visita ao Brasil, Michael e irmãos se apresentaram na TV Tupi

JACKSON FIVE em Especial da Rede Tupi de Televisão em 1974 - YouTube

O Jackson Five pertencia mais ao universo da revista Amiga do que da Manchete, estranhamos quando Moyses Weltmann adentrou a redação com aqueles ETs de imensas cabeleiras afro. Michael, 15 anos, dotado de um tremendo narigão, já fazia sucesso com a canção da trilha do filme Ben. 

• Em julho de 1984, reintegrado à direção da Manchete depois de um breve interregno da dupla Hélio Carneiro-Janir de Holanda, ganhei um presente de grego do Jaquito, um daqueles que o Justino batizava voos-piscina: vai, bate na borda oposta e volta. Saí do Galeão na sexta à noite num avião com jornalistas e radialistas convidados e executivos da Sony para assistir no sábado à noite à apresentação da turnê Victory em Jacksonville, no extremo Norte da Flórida – terceira cidade na excursão de quatro meses pelos Estados Unidos e Canadá. O esquema de segurança, por excesso de zelo, quase provocou um acidente fatal para os irmãos Jackson, incluindo Michael, que vivia o auge da fama após o lançamento do álbum Thriller. Depois de um chá de cadeira no aeroporto  e Miami, madruguei no Galeão para fechar a Manchete no Russell.

• Em 1996, a um quarteirão da minha casa na Rua Real Grandeza, presenciei a gravação do clipe da canção "They Don‘t Care About Us", na favela Santa Marta. O local foi transformado numa escola de música para crianças carentes. Uma estátua de bronze do astro pop foi erguida ali em 2010, um ano após sua morte. A obra, do artista plástico Estevan Biandani, retrata o cantor com o mesmo visual do clipe, velando pela comunidade do morro. 

Com todas essas biografias e autobiografias me cercando, preciso abrir mão da curiosidade pela vida dos outros e me concentrar nas minhas próprias memórias porque –  já diziam os sábios latinos – Tempus fugit.... 


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Gim no café da manhã com Vinicius de Moraes (*) - Vida de repórter também tem desses privilégios, mesmo quando foca - Por Walterson Sardenberg Sº

Bráulio, Vinicius, Helô e Berg (Foto de Orípides Ribeiro)


No começo de 1979 eu era um repórter iniciante da sucursal paulista da revista Manchete e, como costuma ocorrer com os novatos, só me davam carne de segunda. O filé — ainda não se falava em bife ancho no Brasil — ficava para os experientes. Por isso, levei um susto quando Júlio Bartolo, o chefe de reportagem, me incumbiu de entrevistar ninguém menos que Vinicius de Moraes. Tremi. Era o primeiro entrevistado de peso da minha brevíssima trajetória.

Logo descobri que a entrevista estava marcada para um dia e horário ingratos: sábado pela manhã. Eis um dos motivos para a matéria ter caído nas mãos de um foca. Fiquei imaginando como estaria o humor do Poetinha, homem de notórias aptidões noturnas, em indigesta missão matutina.

Cheio de dedos, o Júlio Bartolo me instruiu que a reportagem não seria um perfil de Vinicius. Muito menos um papo solto sobre suas peripécias como poeta e compositor. Nada disso.

A matéria tinha uma pauta bem definida: seria um encontro do poeta com sua musa, Helô Pinheiro. Exatamente: aquela que inspirou Tom Jobim a compor a melodia e Vinicius de Moraes a escrever a letra de “Garota de Ipanema”, no ano de 1962. Eis aí uma segunda razão para a incumbência ter parado nas mãos de um neófito.

Quando a canção foi feita, Helô era apenas uma bela garota morena de olhos verdes, com 17 anos, que ia ao Bar Veloso, na esquina das ruas Prudente de Moraes e Montenegro, em Ipanema, comprar cigarros para a mãe. Na época, nem chegou a papear com a dupla de boêmios e compositores. Não teve, portanto, a importância de outras musas, como Beatriz para Dante, Marília para Tomás Antônio Gonzaga, Matilde Urritia para Pablo Neruda ou Carlos Alberto Brilhante Ustra para Jair Messias Bolsonaro.

Ainda assim, em virtude da canção, Helô Pinheiro acabou conhecida em todo o país e tornou-se amiga de Vinicius e Tom — que com a primeira mulher, Tereza Hermanny, seriam, mais tarde, padrinhos de casamento da musa. Isso ocorreu quando Sérgio Alberto, jornalista da Manchete, descobriu que ela era a doce, linda e bronzeada inspiração para “Garota de Ipanema”. Daí em diante, reportagens e mais reportagens foram escritas — e fotografadas — sobre o assunto. Sobretudo, na própria Manchete. Só o repórter Tarlis Batista deve ter feito umas quinze.

Em geral, essas matérias eram publicadas, com mais justificativas, quando a “Garota de Ipanema” fazia aniversário. Não a musa, veja bem — mas a canção. Assim foi em 1972, quando “Garota de Ipanema” fez dez anos, e em 1977, quando completou quinze. Mas naquele ano de 1979 não havia efeméride para celebrar. Por que então a encomenda?

Não foi difícil descobrir. Àquela altura, Helô Pinheiro estava morando com o marido, Fernando, em São Paulo, onde criava os filhos — chegariam a quatro, no total. Ainda assim, mantinha amigos das antigas na redação na Manchete, incluindo não só o Tarlis Batista mas, sobretudo, o mandachuva Justino Martins. A eles pedira uma forcinha para divulgar sua carreira artística.

Sim, porque em sua recente temporada paulistana, Helô decidira que ser musa não bastava. Estava atacando de atriz, fazendo uma ponta na telenovela Cara a Cara, da Bandeirantes. Queria divulgar seus esforços cênicos. Por isso, também recorrera a um outro velho amigo: Vinicius, a quem chamava de Vininha.

Fazer novela na Bandeirantes era mais do que um esforço cênico. Era um esforço de sobrevivência. Lembro-me que, dois anos depois, fui entrevistar Benedito Ruy Barbosa, autor da telenovela Os Imigrantes em seu sobrado, no bairro da Vila Mariana. Uma curiosidade: ele escrevia na copa, “para sentir o cheirinho do café e do bolinho de chuva sendo feitos”. Na ocasião, Benedito, chateadíssimo, se queixara, em off (ou seja, fora da entrevista), da falta de apoio financeiro da emissora à logística da empreitada.

João Saad, dono da Bandeirantes, gostava de bois, de vacas, de plantação, de fazenda. Ao casar-se com a filha do governador Adhemar de Barros, no entanto, recebera do sogro o encargo de comandar rádio e televisão. Desse conflito de ideais, desse confronto entre os anseios urbanos e rurais, nascera uma particularidade da Bandeirantes, muito antes de adotar o econômico nome Band: ao planejar uma atração, os Saad caprichavam na escolha do elenco, dos cenários, do figurino — mas só no começo.

De início, investiam com qualidade o dindim dos patrocinadores. À medida que os meses se passavam, contudo, os Saad, mais preocupados com a colheita ou a pecuária no latifúndio da família no Vale do Paraíba, deixavam a produção do programa à míngua. Por serem longas, as telenovelas, sobretudo, sofriam com essa carência de recursos. Cara a Cara, por exemplo, se estendeu de 16 de abril a 30 de dezembro de 1979.

Escrita por Vicente Sesso, a novela tinha uma trama rocambolesca e detalhes que, aos olhos de hoje, parecem surrealistas. Fernanda Montenegro, ela mesma, fazia o papel da milionária Ingrid, que vinha ao Brasil para tentar localizar seu filho, nascido em um campo de concentração nazista, na Alemanha. O rapaz era vivido por David Cardoso. Exatamente. O responsável pelo casting achou muito natural Fernanda Montenegro bancar a mãe de David Cardoso, o Rei da Pornochanchada.

Por essas e por outras, a Bandeirantes acabou abandonando — de vez — as novelas, embora tivesse os melhores estúdios do país para o métier. Àquela altura, no entanto, ainda havia muita esperança nessa investida. Não sem razões, portanto, Helô andava entusiasmada e esperou uma vinda de Vinicius de Moraes, quer dizer, Vininha a São Paulo para promover o encontro.

Sábado pela manhã, como ficara combinado, um Chevette azul marinho da reportagem da Manchete passou na minha casa. Era dirigido pelo querido amigo Orípides Ribeiro, mais tarde promovido de motorista a fotógrafo. Já estava então refestelado a bordo o fotógrafo Bráulio Iório, um tipo boa-praça e curioso, então sessentão, que merece algumas linhas.

Bráulio era a cara do Zé Trindade, com bigodinho e tudo. À maneira dos personagens do comediante baiano, vivia se metendo em enrascadas, uma vez que trabalhava em São Paulo e morava na Praia Grande, na Baixada Santista, distante 90 quilômetros — e isso, no mínimo, provocava atrasos constantes no expediente. Não bastasse essa extravagância, Bráulio, saudosista, ainda era adepto das câmeras “caixotinho” Rolleiflex, em detrimento das máquinas de 35 milímetros, mais ágeis e modernas. As Rollei exigiam mudanças de filme mais constantes, uma vez que cada rolo permitia apenas 12 chapas, contra as 36 exposições das câmeras 35 milímetros. A principal excentricidade de Bráulio, seja como for, era manter um cigarro no canto da boca, como o ator Humphrey Bogart. Só que apagado.

Ele conseguira parar de fumar. Mas não se livrara do hábito de portar o cigarrinho à boca. Sempre o trazia amassado, carcomido, no bolso da camisa. No meio de uma conversa, sem muitas vezes sequer se dar conta, passava o cigarrinho para o canto dos lábios e continuava papeando.

Se, nesse momento, alguém cometesse a gentileza de estender um isqueiro, Bráulio cortava o oferecimento com uma fala sucinta, que cairia bem na boca do baixinho invocado Zé Trindade:

— Obrigado, eu não fumo.

Por usar uma câmera de 12 chapas, o folclórico Bráulio também costumava recorrer a uma velha gíria dos jornalistas de sua geração. Quando o entrevistado, para sua contrariedade, insistia em posar para uma foto que não lhe era do agrado, ele avisava ao repórter, no código cifrado dos portadores de Rolleiflex:

— Vou fazer a chapa 13.

Ato contínuo, disparava o flash Frata — mas sem apertar o obturador.

Foi com Orípides e Bráulio que cheguei ao condomínio Ilhas do Sul, no Alto de Pinheiros, onde Helô Pinheiro morava. Tínhamos a recomendação de apanhá-la e levá-la conosco, não muito longe, à casa de Zequinha Marques da Costa, amigo de Vinicius, onde o Poetinha estava hospedado. No entanto, o porteiro nos avisou que Helô requisitava a alguém subir para ajudá-la “com a bagagem”. Como assim? Que bagagem seria aquela?

Subi. Helô já estava à porta do apartamento, à espera. Deslumbrante e simpática. Tinha agora os cabelos pintados de louro, dispostos em um penteado semelhante ao da atriz americana Farrah Fawcett-Majors, sucesso naqueles idos. Aos 34 anos, a ex-Garota de Ipanema não era mais a garotinha que comprava cigarros para a mãe no botequim a uma quadra da praia, mas uma mulher feita, com um corpo esbelto e atraente — que, não sei a que custo, entrara em uma roupa amarela inteiriça e justíssima, confeccionada em algum tecido elástico e tecnológico.

O traje era chamado à época de léotard, mas, pelo visto, não contentara de todo à musa. Numa mesinha da sala, ela separara não só uma compreensível frasqueira, mas também portentosas valises e sacolas com outras roupas, chapéus, sapatos de salto alto, botas. Pensei comigo: caso todo o figurino fosse utilizado naquele sábado, não haveria sequer tempo para a entrevista. Talvez para algumas chapas 13.

A bagagem foi acomodada no porta-malas do Chevette azul marinho pelas mãos hábeis de Orípides, enquanto Bráulio se esmerava em salamaleques com a ex-Garota de Ipanema. Logo chegamos à casa onde Vinicius estava hospedado.

— Deixem que eu chamo — incumbiu-se, ansiosa, Helô na campainha.

Quem atendeu foi uma senhora alinhada, que, soubemos pouco depois, era uma espécie de governanta da casa. Ela levou Helô para um canto, de forma a conversar em particular. Da calçada, pudemos notar o desencanto da nossa estrela.

Resumindo: Vinicius pedia reiteradas desculpas a Helô e aos jornalistas, mas, adoentado, não teria condições de nos atender. Clamava que adiássemos a reportagem.

Vinicius, aos 65 anos, padecia então de um gravíssimo diabetes, que o mataria um ano mais tarde. Era inevitável, porém, a troca de olhares entre eu, Orípides e Bráulio, insinuando que o adiamento da reportagem era resultado direto, digamos, de uma destruidora ressaca.

De qualquer maneira, Helô não se conformou com a negativa. Pediu que a governanta insistisse com Vinicius. Educadíssima, a tal senhora disse que tentaria novamente, mas, uns dez minutos depois, retornou, confirmando que Vinicius sentia muito, pedia desculpas, mas não tinha mesmo condições de dar a entrevista.

Resoluta, Helô tomou para si a missão.

— A senhora me dê licença, mas preciso falar com o Vininha.

E entrou casa adentro. Acendi um cigarro, enquanto Bráulio acomodava o dele — apagado — no canto do bigodinho. Daria tempo de fumar um segundo, tamanha a demora.

Até que Helô, sorriso pleno, voltou — triunfal. Vininha, enfim, topara nos receber.

Helô, no entanto, fez a ressalva:

— Vamos ter que ser rápidos, porque ele não está mesmo muito bem.

Entramos na sala ampla, tomamos o bom café oferecido pela governanta e esperamos Vinicius se aprontar.

O Poetinha era chegado a longuíssimos banhos de banheira. Para aproveitar melhor os momentos de imersão, costumava levar ao banheiro papel, caneta, telefone, uísque e copo — não necessariamente nessa ordem. Sabedor dessa preferência, seu amigo Zequinha Marques da Costa, industrial, proprietário das Tintas Cil, mandara instalar uma jacuzzi capaz de ser outorgada, graças às dimensões, pelo comitê olímpico de natação.

Quem desceu primeiro a escadaria foi Gilda Mattoso, a nona e derradeira mulher de Vinicius. Apresentou-se e confirmou:

— Olha, já já ele vai descer.

De fato, pouco depois o Poetinha entrou na sala. Trajava uma camisa marrom de seda, aberta no peito, onde balançava uma guia branca de candomblé, ainda um legado dos tempos em que morara em Itapuã, em Salvador, sob a égide da ex-mulher Gessy Gesse, que não dava um “bom dia” sem consultar os orixás.

Se não estava de cara amarrada, tampouco emulava simpatia. Tinha a pele macilenta, o rosto pesado de uma noite mal dormida. A barba por fazer em nada ajudava nessa aparência.

— Vocês me perdoem a demora. Mas ando adoentado — disse o poeta, tomando o cafezinho que a governanta lhe oferecera.

Liguei o gravador e comecei dizendo que “Garota de Ipanema” era a segunda canção mais gravada no mundo. Perdia apenas para “Yesterday”, de Lennon e McCartney — na verdade, só de McCartney.

Vinicius animou-se:

— Pois é, esta canção é uma galinha dos ovos de ouro. Projetou todo mundo.

Falou mais um pouco sobre o sucesso internacional de “Garota de Ipanema”, agora já com interrupções de Helô. Mas o papo não engrenava. Um tanto pelo meu nervosismo de iniciante — reconheço. Mas sobretudo pela dispersão do entrevistado.

Sem maiores razões, Vinicius começou a falar sobre a fama — para ele injusta — de que não gostava de São Paulo. A pecha começou com uma frase infeliz, proferida havia mais de uma década. Ele teria dito que “São Paulo é o túmulo do samba”, ao ver Johnny Alf ser recebido com desprezo na casa noturna Cave, na rua Augusta.

— Gosto de São Paulo desde que a conheci, ainda na década de 30. Era muito bonitinha — suspirou, sempre adepto dos diminutivos carinhosos. — Fazia muito frio, mas era muito bonitinha.

À essa altura, a governanta voltou à sala, preocupada com o fato de que Vinicius ainda estava em jejum. Em seguida, veio Gilda. Queriam saber o que ele gostaria de comer. Tratavam-no quase como criança — e Vinicius parecia gostar disso.

— Ainda tem aqueles canapés de ontem a noite? — perguntou.

Era pão preto cortadinho, coberto com fatias de copa, rosbife ou presunto de Parma — não me lembro mais. Tinha também uma pasta de mostarda.

— Dá para trazer também aquela garrafa de gim e um pouco de água tônica, em separado? — completou o pedido, com um tom de voz persuasivo e quase infantil.

Voltando-se para nós, retomou:

— Vocês também bebem um gim tônicazinho, não?

Helô quis um suco. Bráulio preferiu água gelada. Eu e Orípides aceitamos o gim. Ajudaria a descontrair o ambiente. Além disso, que jornalista em sã consciência rejeitaria dividir um trago com Vinicius de Moraes?

A surpresa era o gim. Sempre imaginei Vinicius como um adepto incondicional do uísque. Em uma entrevista, chegou a bradar que se tratava do “melhor amigo do homem, o cão engarrafado”. Não bastasse, em “Mais um Adeus”, parceria com o paulistano Toquinho, recomendava a uma das inúmeras amadas: “Olha, benzinho, cuidado/ com seu resfriado/ Não pegue sereno, não tome gelado/ o gim é um veneno/ Cuidado, benzinho, não beba demais”.

Contrariando a letra da canção, iria de gim — embora talvez insulina fosse mais recomendável a um diabético em alto grau. Pouco depois, uma bandeja foi depositada com denodo numa mesinha da sala. Trazia os canapés, o balde de gelo, uma jarra d’água, água tônica, copos altos e a tão aguardada garrafa de gim. Evidentemente, não era o “gim das selvas” — como a minha roda costumava tratar o gim nacional, então perfumado em demasia e de pífia qualidade. Mas um gim Gordon’s, de benquista procedência britânica.

Vinicius preferiu o copo dele com muito gim e pouca tônica. Copiei-lhe o gesto e retomei a entrevista. Puxei a conversa lembrando-lhe o dia em que conheceu Tom no bar Vilariño, no centro do Rio de Janeiro, apresentado por um amigo comum, o jornalista Lúcio Rangel.

Agora mais animado com o gim restaurador, o poeta começou a lembrar de amigos e histórias do Vilariño. Fez um nostálgico passeio pelas mesas boêmias do Rio de Janeiro das décadas de 40 e 50. À medida que renovávamos o gim e o gelo nos copos altos, ele foi se soltando.

Helô, por sua vez, mostrou-se frustrada com os rumos que a conversa tomava. Pudera. Não era personagem do Vilariño ou do centro do Rio, fincados a extensa distância das areias de Ipanema — não só na geografia, como também no tempo.

Achei que a bela loura me fuzilou com os faiscantes olhos verdes. A meu ver, culpava-me por não tomar as rédeas da conversa e encaminhá-la para o bar Veloso, na esquina da Montenegro com a Prudente de Moraes, onde “Garota de Ipanema” foi gerada. Não a musa. Mas a canção.

Decerto, já nem pensava em trazer do porta-malas do Chevette azul os sortidos figurinos que escolhera com capricho. Queria apenas voltar ao assunto que, afinal, nos trouxera até ali — e eliminara a folga do sábado de todos.

Devia estar irada com a incompetência do jovem repórter que, não bastasse, acompanhava Vininha no gim com admirável constância.

De minha parte, embora a ansiedade de voltar ao tema da canção me impelisse a tentar retomá-lo — em nome ao menos do cumprimento da pauta jornalística —, havia, pulsando firme, outro sentimento: o deslumbre de ouvir Vinicius, enfim, se soltando.

Já em tom de pura camaradagem, ele oferecia mais gim, e completava o meu copo e o dele. Orípides também não se acanhou. E foi já sem qualquer resquício infantil na voz, que Vinicius pediu:

— Dá para trazer aquela outra garrafa de gim?

Curiosamente, não requisitou um refil dos canapés. Tampouco da tônica. Só do gelo. E continuou a conversa lembrando histórias do Vilariño, bar em que frequentava uma mesa grande, composta, entre outros, por Emiliano Di Cavalcanti, Dorival Caymmi, Dolores Duran, Otto Lara Resende, Ary Barroso, Aracy de Almeida, Antônio Maria, Cândido Portinari, Fernando Sabino, Lúcio Rangel, José Medeiros e Fernando Lobo — que escreveu as memórias do botequim em À Mesa do Vilariño, publicado pela Editora Record, em 1991.

Por farra, cada frequentador escrevia ou desenhava na parede. Inclusive visitantes, como Pablo Neruda. Até que o dono se cansou daquela “sujeira” e, em nome da assepsia, mandou passar três demãos de tinta sobre poemas de Vinicius, frases de Dolores Duran (escritas com batom) e desenhos de Di Cavalcanti e Portinari.

Do Vilariño, Vinicius pegou um avião imaginário e bandeou-se para as memórias de Los Angeles, onde morou, e Nova York, para onde voou nas asas da Panair — e agora do gim Gordon’s. Lembrou-se até das tardes na piscina da casa de Carmen Miranda, em Hollywood.

E nada de “Garota de Ipanema”.

Foi quando Gilda Mattoso voltou à sala. Parecia preocupada com o copioso consumo daquela bebida incolor, preparada a partir de um fruto chamado zimbro, originário da Toscana e adotada com veneração pelos britânicos — incluindo a Rainha-Mãe, que morreu aos 101 anos, ainda ardorosa fã de um esquenta-peito.

Gilda esticou os olhos para mensurar a quantas andava a segunda garrafa. O tom escuro e poroso do vasilhame, é bem verdade, não facilitava a medição. Talvez em virtude do constrangimento da inspeção, Vinicius passou a tecer loas à Gilda e nos contou que fizera uma canção em homenagem a ela.

Quem visse o começo daquela travada entrevista, não poderia imaginar que, agora bem soltinho, o poeta resolvesse até cantar.

E cantou:

— Nos abismos do infinito uma estrela apareceu/ E da terra ouviu-se um grito/ “Gilda! Gilda!” / Era eu maravilhado, ante a sua aparição/ Que aos poucos fui levado nos véus do bailado pela imensidão/ Aos caprichos do seu rastro como um pobre astro/ Morto de paixão.

De fato, ele sabia tratar as mulheres. Não só Gilda. Mas também Helô, a quem, a partir daí, passou a elogiar, embevecido. Só então a reportagem ganhou o que os jornalistas de hoje chamariam de “foco”. O Poetinha, enfim — para alívio e alegria de Helô —, passou a falar de “Garota de Ipanema” e suas circunstâncias, mais uma vez negando que a canção tenha sido elaborada no Bar Veloso.

— Fiz a letra em Petrópolis. A melodia o Tom já tinha feito. Foi no inverno de 62. Eu me sentei e a letra saiu de uma vez só.

Depois de enaltecer a beleza de Helô e de Ipanema no começo dos anos 60, Vinicius revelou que estava escrevendo um livro de crônicas, relatando o surgimento da Bossa Nova.

— Se você não descreve, a coisa desaparece. Como aconteceu com tantos sambistas. Só recentemente surgiram sujeitos estudiosos, sérios, tentando preservar nossa memória musical, como o Sérgio Cabral, por exemplo. Ou mesmo o Tinhorão, que é um idiota, um imbecil como crítico, mas um historiador importante, não se pode negar. Além desse livro de crônicas, estou terminando dois de poesia: Roteiro Lírico e Sentimental da Cidade do Rio de Janeiro, Onde Nasceu, Vive em Trânsito e Morre de Amores o Poeta Vinicius de Moraes, iniciado há 25 anos, e o Deve e Haver, iniciado depois de 1960. Os dois estão presos pelo cordão umbilical, só falta cortar. Estão praticamente prontos. O problema é que não tenho tido tempo de dar aquela revisada geral, aquela parafusada que eu gosto de dar. Esses livros seriam, digamos assim, uma limpeza geral da casa.

Enfim, eu tinha a reportagem. Faltavam as fotos. Foi quando Bráulio Iório, até então impaciente, interveio. Disse que não poderia fotografar Vinicius com aquela barba por fazer. Não era o padrão Manchete. Não ficaria bem. Bráulio era bom fotógrafo — e experiente. Mas já tomara altas duras do chefe do departamento, Mituo Shiguihara. Como na ocasião em que foi incumbido de clicar o time do São Paulo posado para um pôster da revista Manchete Esportiva. Sim, a clássica foto dos jogadores da defesa em pé, com os braços cruzados, e os do ataque ajoelhados, um deles com a mão na bola.

Era uma partida no estádio do Morumbi contra o Botafogo de Ribeirão Preto, que traja o mesmo uniforme do clube da capital. Bráulio não entendia bulhufas de futebol. Inadvertidamente, em vez da equipe do São Paulo, fotografou o time posado do Botafogo que, naquele dia, usava a camisa branca com a listra preta e a vermelha na horizontal, idêntica ao uniforme principal do Tricolor do Morumbi.

Escaldado, Bráulio insistiu que Vinicius fizesse a barba. Era imperioso. Barba por fazer ainda não era moda — mas desleixo. A governanta, dona de rápido expediente, resolveu o impasse. Trouxe duas pequenas bacias metálicas, uma toalha quente e fez, ela mesma, a barba do Poetinha. Ali na sala.

A reportagem saiu na semana seguinte ou na posterior. Três páginas da Manchete.

Trazia uma única foto de Bráulio e sua Rolleiflex: o poeta empunhando o violão e abraçado pela musa. As outras três imagens eram de moças de biquíni, bem ao estilo da revista: Helô na praia, ainda adolescente; Márcia Rodrigues, que viveu a Garota de Ipanema no filme homônimo, de Leon Hirzman (em 1967); e a curvilínea Rose de Primo, com sua tanga.

Até hoje, não sei se Vinicius de Moraes enrolou a mim e a Helô Pinheiro ao longo de horas de propósito, antes de “focar” (tá bom, cabe o verbo) em “Garota de Ipanema”. Talvez estivesse, de início, bronqueado com a insistência da musa em um pleno sábado de manhã. Ou quem sabe tenha notado a falta de traquejo do repórter iniciante; e resolvido, de farra, sacaneá-lo.

Ou vai ver era só mesmo uma destruidora ressaca, amenizada pelo Gordon’s, panaceia matutina.

Sei que Vinicius de Moraes morreu em 9 de julho de 1980, pouco mais de um ano depois. Estava na banheira quando se deu o desenlace.

Pouco depois de sua morte, o nome da rua Montenegro foi trocado. Virou rua Vinicius de Moraes. “Garota de Ipanema”, portanto, teve sua inspiração na esquina da rua Prudente de Moraes com a rua Vinicius de Moraes.

 Millôr Fernandes, que também frequentara o Bar Veloso, escreveu:

“Em Ipanema/ Numa das esquinas mais legais/ Foram se encontrar o Prudente/ E o imprudente de Moraes”.

(*) Matéria enviada ao Panis por Nilton Muniz, ex-Manchete, um atento colaborador deste blog,  originalmente publicada em Berg Textos 

https://textosdoberg.wordpress.com/2020/09/16/gim-no-cafe-da-manha-com-vinicius-de-moraes/

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Formas insólitas de energia autossustentável • Por Roberto Muggiati

Reprodução You Tube

Gosto de observar os animais e de fantasiar soluções cientificas aparentemente impossíveis – pelo menos em nosso atual estágio tecnológico. O abano da cauda do cão, o ronronar dos gatos, o bater de asas do beija-flor, a buzina das cigarras, o coaxar dos sapos, o estridular dos grilos: se pudéssemos canalizar todos esses mecanismos da vida animal teríamos solucionado para sempre nosso problema energético.

Para se sustentar no ar enquanto suga o néctar de uma flor, o beija-flor bate as asas até 88 vezes por segundo, tão rápido que não conseguimos ver as asas, apenas escutamos o ruído das penas ao vibrarem contra o ar. Seu coração bate 1260 vezes por minuto, contra a média humana de 60 a 120 vezes por minuto. O beija-flor respira 250 vezes por minuto para injetar uma quantidade suficiente de oxigênio nos músculos, que oxidam açúcares 10 a 12 vezes mais rápido do que nossos melhores atletas.

E os vaga-lumes, ou pirilampos? Há quarenta anos eu ainda via ocasionalmente suas luzinhas piscando em meu chalé de Itaipava. Hoje talvez ainda apareçam só nas regiões mais ermas. Uma explicação para o seu sumiço:  assim como pesquisas já comprovaram que a presença excessiva da luminosidade na vida humana está afetando os ciclos do sono de aves e mamíferos, há indícios de que a quantidade de luz, principalmente durante a noite, estaria criando uma “poluição luminosa” que afeta os vaga-lumes.

Lembro-me da cena de um romance do paraguaio Augusto Roa Bastos (1917-2005) que muito me impressionou.  Um escritor se isola numa cabana no meio do mato para terminar um livro. Um temporal provoca um apagão que vai durar vários dias. Para ter alguma luz que lhe permita escrever de noite, ele enche um grande vidro de compota de vaga-lumes vivos e assim prossegue na sua empreitada, à custa do sofrimento dos pobres insetos.

Citei apenas alguns exemplos. Aceito novas sugestões para minha usina fantástica.

* Segundo o jornal Washington Post, um estudo publicado na revista da Royal Society B: Biological Sciences demonstrou que as formigas podem ajudar a detectar câncer precocemente. Para os pesquisadores, tais insetos podem atuar como eficientes biodetectores de câncer. Embora ainda não possam ser utilizadas como  meio de diagnóstico em humanos, as formigas foram capazes de identificar tumores em camundongos através da urina das cobaias. Apesar de não possuirem narizes, elas têm antenas dotadaas de receptores olfativos. Os cientistas treinaram os insetos para identificar certos compostos orgânicos presentes em tumores.     

* Em tempo: acabo de receber uma bela contribuição da seguidora paulistana do Panis, Thereza Cavalcanti Vasques:

*ABELHAS DA MINHA VIDA*


🐝🐝🐝🐝🐝🐝🐝


Você sabia que uma das primeiras moedas do mundo tinha o símbolo de uma abelha?

Você sabia que existem enzimas vivas no mel?

Você sabia que em contato com uma colher de metal essas enzimas morrem? A melhor forma de comer mel é com uma colher de pau, se não encontrar, use uma de plástico.

Você sabia que o mel contém uma substância que ajuda o cérebro a funcionar melhor?

Você sabia que o mel é um dos raros alimentos na terra que é o único que pode sustentar a vida humana?

Você sabia que as abelhas salvaram o povo da África da fome?

Uma colher de sopa de mel é suficiente para sustentar a vida humana por 24 horas?

Você sabia que a própolis produzida pelas abelhas é um dos mais poderosos ANTIBIÓTICOS naturais?

Você sabia que o mel não tem prazo de validade?

Você sabia que os corpos dos grandes imperadores do mundo foram enterrados em caixões de ouro e depois cobertos com mel para evitar a putrefação?

Você sabia que o termo "LUA DE MEL" vem do fato de os noivos consumirem mel para fertilidade após o casamento?

Você sabia que uma abelha vive menos de 40 dias, visita pelo menos 1000 flores e produz menos de uma colher de chá de mel, mas para ela é uma vida inteira.

Obrigado ABELHAS!

Mídia - Jornalistas devem ouvir calados os políticos que usam o acesso a veículos de grande audiência para atacar a democracia e difundir fake news?

por José Esmeraldo Gonçalves

Três jornalistas em momentos e veículos diferentes - Globo News e CBN - entrevistavam políticos bolsonaristas quando decidiram reagir às mentiras e fake news que os tais sujeitos veiculavam. Deram um basta e mostraram aos ouvintes e assinantes, com firmeza, que os seus entrevistados, os senadores Rogério Marinho, Eduardo Girão e Carlos Viana, estavam mentindo descaradamente. 

Andréia Sadi, Camila Bomfim e Cássia Godoy cumpriram seus papéis de jornalistas. Que a postura das três mulheres alcance alguns coleguinhas mais cordatos com fake news ditas e repetidas diante deles, no ar. 

É simples: se o jornalista detém a informação confirmada de que o entrevistado está mentindo e falsificando os fatos, deve levar ao leitor a correção ou pontuar claramente a manipulação desonesta do seu entrevistado. Se não o fizer estará contribuindo para difundir fake news. Será cúmplice.

Outra questão em discussão é a "regra" de "ouvir os dois lados". E aí estão em questão fatos e também opiniões. 

O jornalismo deve mesmo dar espaço a políticos que defendem golpes ou atacam a democracia? Deve dar crédito a um imbecil que ataca a Constituição? É válido ouvir uma pessoa que põe em dúvida o resultado de uma eleição sem que apresente provas de fraude?

Não. 

Na Alemanha dos anos 1930, Hitler tinha apoiadores e oposicionistas. Em um exercício de imaginação, transportando a situação para os dias de hoje, a mídia brasileira seria capaz de "ouvir os dois lados" e assim legitimar o debate do nazismo? 

Talvez, se insistisse em aplicar o modelo que pratica atualmente. No auge da pandemia, a mídia deu espaço para políticos que contestavam a vacinação. Promoveu debates entre cientistas respeitados e os confrontou com idiotas fascistas. Muitas vezes foi constrangedor ver homens e mulheres da ciências colocados frente a frente, como se fosse uma acareação, a conhecidos lixos da política bolsonarista.

E, sim, essa "jabuticaba" dos "dois lados" é muito mais comum no Brasil do que em democracias desenvolvidas. Um dos grandes jornais do mundo, o New York Times, não tem como regra "ouvir os dois lados". O jornal é suficientemente consciente das suas posições para saber quando um debate em torno de determinadas questões é legítimo e honesto e quando, por exemplo, é prudente não dar voz a golpistas ou terroristas que ameaçam a democracia. Ao mesmo tempo, o NYTimes é obrigatoriamente bem informado para saber quando dois pontos de vista diferentes e éticos podem se colocados na mesma mesa. 

O discurso golpista, no Brasil, não se esgotou no triste episódio do 8/1. Está entre nós e vai permanecer. A vigilância deve ser permanente e a mídia tem um papel relevante a desempenhar diante dessa ameaça. 

Se todos condenam a invasão terrorista das sedes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo, porque permitir que gente que defende abertamente os ataques à democracia e que é conivente com acampamentos, bloqueios e atentados invada a mídia para atacar as instituições democráticas? 

Você, como jornalista, acharia normal entrevistar um dos políticos que deram declarações desacreditando o drama dos ianomâmis e debochando da tragédia  dos indígenas? Sério? Acolheria seus argumentos?  

Com a ultra direita ameaçando democracias em vários países nem a famosa frase atribuída a Voltaire se sustenta. "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o último instante o teu direito de dizê-la".

Depende. 

O jornalista deve posar de vacilão e dar moral para os ataques à democracia?    

Deu capa no mercado