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domingo, 11 de dezembro de 2022

Mídia - Quando Telê perdeu a sua segunda Copa, a Fatos fez essa capa. Tite também é bi-perdedor. Mas, hoje, colocá-lo no alvo seria um risco. É se um CAC leva a sério e usa seu AR-15?


Uma velha capa, o mesmo desfecho. Em 1982, o Brasil perdeu a Copa do Mundo. OK, tínhamos um timaço com Zico, Sócrates, Falcão, Júnior... mas a Itália jogou muito melhor. O técnico era Telê Santana. Em 1986, novamente com Telê Santana, a seleção sucumbiu na Copa do Mundo do México com Zico, Sócrates, Júnior, Branco, Careca, Muller, Mauro Galvão, Falcão, Edinho....

Em 2018, Copa da Rússia, o futebol brasileiro fracassou sob o treinador Tite. Em 2022, com Tite de novo, veio o vexame da desclassificação para a Croácia. 

Repetir treinador perdedor não dá certo? Talvez. Com a derrota, Tite está recebendo as suas primeiras críticas. Desde que assumiu, a mídia não o havia contestado, ao contrário. 

Aliás, só duas pessoas podem se orgulhar de, nos últimos anos, não terem sido alvo dos jornalistas da grande imprensa:Tite e Paulo Guedes. O primeiro passou ao largo de qualquer contestação; o segundo tinha apoio por personificar uma política econômica inteiramente aprovada pelo "mercado" e pela mídia.  Os enormes esqueletos no armário do Guedes surgem podres e ele começa a receber as primeira críticas do baronato da comunicação. Tite entregou a rapadura no Catar e também virou alvo. 

Por falar em alvo, quando Telê desembarcou no Galeão, em 1986, deu de cara com essa capa da revista Fatos. Hoje, uma montagem dessas, além de politicamente incorreta, seria impensável. Com tanto maluco bolsonarista nas ruas, vai que um marginal CAC (sigla para Colecionador, Atirador Desportivo, Caçador) leve a ilustração a sério e descarregue a frustração e impotência no centro do alvo? Melhor ninguém arriscar.    

sábado, 27 de março de 2021

Paulo Stein (1948-2021) : o adeus a um companheiro da Manchete e Rede Manchete

 

Paulo Stein, 1990, em um dos momentos marcantes da sua carreira, apresenta, ao lado de Adolpho Bloch, parte da equipe escalada para cobrir a Copa da Itália. Na foto, no terraço da sede na Rua do Russell, vê-se Adolpho, Stein, Osmar Santos, Falcão, Mylena Ceribelli e Márcio Guedes. O time Manchete ainda contou com João Saldanha, Alberto Leo. Halmalo Silva e Osmar de Oliveira. Naquela Copa, Paulo Stein viveu o drama da perda de João Saldanha, que sofria de problemas respiratórios e faleceu durante a cobertura.  Foto Manchete


Na Rede Manchete, o narrador Paulo Stein juntava duas das maiores paixões dos brasileiros: o futebol e o carnaval. Ele narrava a bola e o samba nas apoteóticas coberturas da emissora no Sambódromo carioca. Mas muito além disso, o jornalista e apresentador tinha um longa estrada, mais de 50 anos de carreira. Paulo Stein morreu hoje aos73 anos. A Covid leva mais um brasileiro. Até 2019, ele fez o que mais gostava: narrar futebol. No caso, despediu-se naquele ano como integrante do Sportv. Paulo Stein deixa a filha jornalista Natasha Stein e a viúva Viviane Stein. Deixa também um nome na história do jornalismo esportivo, tendo atuado nos principais veículos, como Jornal dos Sports, Manchete Esportiva e Placar. rádios Tupi e Nacional e nas TVs Bandeirantes, Manchete, Record e TVE Brasil, ESPN Brasil, Sportv e Premiere. A Associação dos Cronistas Esportivo do Rio de Janeiro divulgou lamentando a morte do companheiro. Os amigos da Rede Manchete , revistas Manchete e Fatos, para as quais ele cobriu a Copa de 1986, no México, abraçam a família do inesquecível Paulo Stein. 


terça-feira, 26 de novembro de 2019

Fatos: o Brasil rebobinado...

por José Esmeraldo Gonçalves (*)

Dê uma olhada nessa edição da Fatos. Você provavelmente vai achar que lembra o filme Feitiço do Tempo, quando o dia da marmota se repete como farsa.

Na capa, o general Newton Cruz era apresentado como "o guru da nova direita". A ditadura acabara de ser enterrada, a viuvada não queria largar o osso e tentava influir na política. Conseguiram, de certa forma. Mas levaram exatos 34 anos. O guru não foi o Cruz de ontem e atende pelo nome do Bolsonaro de hoje. A matéria de Luiz Carlos Sarmento e Carlos Eduardo Beherensdorf vinha com um título premonitório; "Direita: por dentro do ovo da serpente". Um "manifesto" lançado por aquela ultra direita, reproduzido pela revista, poderia ser divulgado pelo Planalto hoje. Veja o trecho sobre a ameaça do "dragão do comunismo": "Liberais oportunistas, populistas embusteiros, assessores da desordem, minorias vociferantes, idealistas do ódio, vingativo vorazes e aliciadores das massam tentam encetar uma campanha de desmoralização das Forças Armadas".

Um assassinato também assombrava o governo. Apesar das tentativas de arquivar a investigação, o delegado Ivan Vasques insistia em ouvir agentes do SNI supostamente envolvidos no caso Alexandre von Baumgarten, ex-colaborador da ditadura. A suspeita era que sua morte tinha carimbo oficial: queima de arquivo.


De Brasília, vinha uma matéria sobre a desintegração dos partidos políticos. Não, o PSL de Bolsonaro ainda não existia. As siglas em crise eram PMDB, PFL, PDS.



Em entrevista às repórteres Lenira Alcure e Maria Luíza Silveira, Jair Menegueli, presidente da CUT, profetizava: "Trocamos a ditadura militar pela ditadura econômica". E o neoliberalismo nem era a palavra da moda.


A editoria de Cultura da Fatos publicava a crítica da peça "A Filha do Presidente", assinada por Marli Berg. Patricia Pillar fazia Paula, a filha, e Ari Leite encarnava o presidente Bermudez, descrito como "rico em  palavrões e grosserias estereotipadas". Não, o autor Hersch Basbaum nem sonhava com o atual clã que manda no país.

O repórter Rodolfo de Bonis visitou prisões do Rio de Janeiro. a matéria é dramática. Superlotação, falta de assistência jurídica, violência etc. E abordava um tema que os diretores dos presídios evitavam admitir: a separação de presos. Falange Vermelha de um lado Falange Jacaré de outro e celas para protestantes, gays, "faxinas" e "alienígenas", como a direção classificava os estrangeiros. Um preso também deu uma declaração premonitória ao se referir a um tipo de criminoso que, segundo ele, deveria estar na cadeia e não está: "São os bacanas das contas na Suíça".


Na editoria de Economia, o destaque era uma matéria de Rosângela Fernandes sobre as "moedas" que os abonados usavam para escapar da inflação enquanto o populacho sofria com o cruzeiro debilitado e corroendo salários. Eram "moedas" que não faziam parte do dia a dia das pessoas, mas compravam apartamentos, carros, terrenos e passagens para Miami. ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), UPC ( Unidade Padrão de Capital) só frequentavam bolsos de fino trato. O dólar no câmbio paralelo também era o seguro contra a inflação adotado da classe média alta pra cima e longe do alcance da geral do Maracanã. Esta tinha que se virar com o cruzeiro desvalorizado diariamente. Um dos entrevistados para a matéria foi Paulo Guedes. Ele mesmo, o atual ministro da Economia, então vice-presidente do Ibmec (Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais). Ontem, Paulo Guedes impulsou a alta do dólar - extremamente lucrativa para os especuladores - ao sonhar com o AI-5 e declarar que não se preocupa com o câmbio que, não por acaso, está fazendo Brasil queimar reservas. Quem sabe, além do ato institucional ditadura, Guedes queira o Brasil, mais adiante, de volta ao controle do FMI.


A última página da Fatos era da seção Hip Hop, de Cláudio Paiva, que fazia uma bem-humorada crítica dos acontecimentos. O Congresso estava polarizado, então, em torno da discussão sobre a adoção ou não do segundo turno para as eleições. Entre as fotocharges, uma era sobre o clima de briga no plenário; a outra sobre a entrada a la Patton do general Newton Cruz na política. Era piada. Mas o dia das armas como argumentos estava para chegar.

Não parece que é hoje?

(*) Fui editor-executivo da Fatos e atesto que todas as referências acima foram colhidas de uma mesma edição da revista, a de número 12, que foi para as bancas em 10 de junho de 1995. 


sábado, 23 de março de 2019

Bar do Novo Mundo: o último brinde ...

O barman Martins, do bar do Novo Mundo, ontem, às vésperas do fechamento do hotel. Foto: J.E.Gonçalves
O penúltimo show. Foto bqvManchete


Amanhã, domingo, quando o último hóspede do Novo Mundo quitar a conta fechará também um dos mais tradicionais hotéis do Rio de Janeiro. Hoje, esse cidadão dormirá no único dos 227 quartos ainda ocupado. Talvez ele não saiba, mas estará cercado de memórias de um Rio que aos poucos troca de cenários.

Ontem, o bar do Novo Mundo foi lotado pelo público que costuma frequentar os shows semanais que o espaço recebeu nos últimos anos. A cantora Fernanda Fernandes e artistas convidados interpretaram MPB, bossa nova e alguns clássicos do samba-canção. Um repertório, principalmente o último item, adequado para um local que foi uma referência dos Anos Dourados quando o Rio era a capital e o poder morava ali ao lado, no Palácio do Catete. O clima era de despedida. Foi a penúltima sessão. Hoje à noite, o pianista e compositor Osmar Milito fará o último musical do velho bar.

Este blog já citou o Novo Mundo, inúmeras vezes, como uma referência para os jornalistas, fotógrafos e funcionários do setor administrativo da extinta Bloch também ali ao lado.

O bar, aquele pequeno território administrado durante décadas pelo barman Francisco Martins, o lendário Martins, era o posto avançado etílico da Manchete onde o estresse do dia podia ser rapidamente diluído on the rocks, mas ontem, os drinques diluíram lembranças.

No restaurante do Novo Mundo: José Rodolpho, Carlos Heitor Cony, Esmeraldo, Alberto, Orlandinho, Daisy Prétola, Barros, Maria Alice, Roberto Muggiati e Alvimar: almoço comemorativo dos 20 anos do lançamento da Revista Fatos,
em março de 2005.
Foto de Jussara Razzé

No bar do hotel, esticada após o almoço: Maria Alice, Daisy, Esmeraldo, Alberto,
José Rodolpho e Barros. Foto de Jussara Razzé.

Como a de 17 de março de 2005 quando um pequeno grupo se reuniu para recordar o dia em que foi às bancas a primeira edição de uma revista semanal de informação e análise - a Fatos - que circulou durante um ano e quatro meses, não deu certo por vários motivos, inclusive políticos, mas fracassou com dignidade. Depois do almoço comemorativo no restaurante do hotel alguns remanescentes da revista esticaram no bar. Era inevitável que "causos" folclóricos fossem rememorados.  Ali surgiu a ideia de se organizar uma coletânea que reunisse tantas histórias dos bastidores das redações das revistas da Bloch. É assim foi feito. O livro "Aconteceu na Manchete- as histórias que ninguém contou", que nasceu no bar do Novo Mundo, foi lançado pouco mais de três anos depois, em novembro de 2008.

Na coletânea estão vários desses "causos", alguns deles acontecidos exatamente no bar do Novo Mundo e testemunhados pelo onipresente Martins a quem um pequeno grupo ex-Manchete levou um abraço de saideira em nome dos presentes e dos saudosos ausentes.
   

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Na revista Fatos, em 1985, o jornalista Flávio de Aquino ironizou as "mordomias". O tempo passou e as castas privilegiadas continuam cantando a melô do deboche: "me dá um auxílio aí".

Charge de Cândido publicada na revista Fatos n°15. 
Reprodução da matéria de Flavio de Aquino na revista Fatos n° 15, julho, 1985.
Clique na imagem para ampliar. 

Reprodução  revista Fatos n° 15, julho, 1985. Clique na imagem para ampliar. 

A matéria acima, assinada por Flávio de Aquino, foi publicada na revista Fatos N° 17, de 15 de julho de 1985, ilustrada com charges de Cândido e Leon Kaplan.

Bem antes de Collor de Mello assumir a bandeira de "caçador de marajás" - e com ela enganar o Brasil -, os privilégios das castas públicas, do Judiciário ao Legislativo, passando pelo Executivo, suas autarquias e estatais, e contaminando estados e municípios, incomodavam os mortais comuns, os  infelizes pagadores de impostos.

Flávio de Aquino mostrou a origem histórica das "mordomias", desde os estelionatos funcionais da Colônia, chegando à mudança da capital para Brasília, que impulsionou os jabaculês federais, e à ditadura civil-militar que deitou e rolou na criação de privilégios.

Mais de trinta anos depois a safadeza resiste em todos os poderes e mais institucionalizada do que nunca. O Brasil tem o Judiciário e o Legislativo, para exemplificar, entre os que pagam maiores salários e penduricalhos no mundo. Os seus equivalentes no Primeiro Mundo morrem de inveja dos contra-cheques caboclos.

Não há sinais de que isso vá mudar tão cedo: as facções beneficiadas resistem.

E as mordomias sem partido, incluindo aí as intensas coreografias bancárias que movimentam as tais "verbas de gabinete", encontram sempre formas e maneiras criativas de burlar as poucas leis que tentam, se não acabar, pelo menos conter e organizar a suruba financeira dos privilegiados às custas dos cofres públicos. De lá pra cá, as castas criaram os mais variados modelos disfarçados de leis para "se dar bem"; auxílio aluguel, auxílio paletó, auxílio educação, auxílio refeição, auxílio viagem, diárias, incorporações, prêmios por triênio, quinquênio, decênio.

Só falta criar o auxílio cara de pau pra continuar justificando tudo isso.       

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Da revista Fatos: Nova República na máquina do tempo

As urnas de 2018 fecham um ciclo político e, para alguns analistas, marcam o fim da Nova República.

O jornal Libération publicou agora, em 12 de outubro, o artigo "Brésil: la fin de la nouvelle République (1985-2018)" reforçando essa tese.

Para as novas gerações, Nova República deve ser algo tão ficcional quanto o foi na época. Ao discursar durante sua campanha para o colégio eleitoral, Tancredo Neves usou a expressão criada por seus marqueteiros para para dar uma griffe à era pós-ditadura. Tancredo se foi, Sarney pegou a cadeira e bastaram alguns meses para ficar claro que a "nova" política não era nova nem republicana.

Em dezembro de 1985, nove meses depois de instalado, o governo paria a censura. Assim como o governo militar havia proibido a exibição do filme "O Último Tango em Paris", de Bernardo Bertolucci, aquela república que se pretendia nova fechou o ano vetando "Je Vous Salue, Marie", de Jean-Luc Goddard.  O slogan de Tancredo era "Muda Brasil". Não vingou. A proibição ditada por Sarney ficou como uma espécie de símbolo do que não mudou. Outro foi a política de "esquecimento" efetivada com a destruição de documentos dos órgãos de segurança da ditadura. A economia também reeditava figurinos anteriores, adulterava a inflação, falsificava os índices de remuneração da caderneta de poupança e fantasiava a economia (como mostrava o artigo abaixo, o ministro Dilson Funaro alterou, na época, o sistema de indexação da economia, evitando que a correção monetária fosse calculada pela média ponderada dos três meses anteriores, passando a refletir a inflação, sempre mais baixa, "prevista" para o mês seguinte). Tal qual o regime anterior, praticava-se a manipulação de índices.

A Nova República não morre agora. A Nova República não existiu.

O que está de vela na mão e rabecão na porta, de novo, é a Democracia.

Clique na imagem para ampliar

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Memórias da redação - O melhor fracasso das nossas vidas

Hotel Novo Mundo, 2005, almoço comemorativo dos 20 anos de lançamento da Revista Fatos.
A partir da esquerda, José Rodolpho, Cony, Esmeraldo  Alberto, Orlandinho, Daisy Prétola, Barros, Maria Alice, Roberto Muggiati e Alvimar Rodrigues. Foto de Jussara Razzé

por José Esmeraldo Gonçalves 

Em março de 2005, um animado almoço no Hotel Novo Mundo celebrou um fracasso.

Aquele mês marcava os 20 anos do lançamento de um projeto no qual nos envolvemos sob o comando de Carlos Heitor Cony: a revista semanal Fatos, lançada em 17 de março de 1985, como  uma tentativa de adicionar ao portfólio da Bloch uma publicação de informação e análise.

Com Carlos Heitor Cony na Livraria da Travessa,
Leblon, 2008. Foto Alex Ferro
A crise econômica dos anos 1980, a falta de investimento e o desgaste do modelo editorial haviam exaurido a Fatos & Fotos, semanal ilustrada de variedades. Não apenas a revista, mas nós, o próprio Cony, que era o diretor, eu, editor, e o J.A.Barros, diretor de Arte.

Em fins de 1984, ao cair da tarde, após um fechamento quase protocolar tão precário era o conteúdo da revista, concluímos os três que não dava mais. Alguma coisa teria que ser feita.

Na época, Cony estava bem próximo de Tancredo Neves. O mineiro fazia a campanha para a eleição indireta via colégio eleitoral e costumava consultá-lo sobre slogans e outras peças de propaganda. Após a frustração nacional com a derrota da Emenda das Diretas Já no Congresso, a eleição de um presidente civil, mesmo pelas regras da ditadura, abria algumas perspectivas para o Brasil.

Com Barros, na casa do Cony, em uma das "reuniões de pauta"
para o livro "Aconteceu na Manchete". Foto Jussara Razzé
Cony acreditava que os novos tempos teriam um impacto no jornalismo após mais de 20 de chapa branca ou chapa verde-oliva e via o momento como ideal para uma revista de informação. Começamos a esboçar um projeto, definir editorias e colunas. A revista Panorama, da Itália, era uma inspiração inicial por somar o texto informativo a um bom aproveitamento de fotos. Barros desenhou modelos de páginas. A publicação pretendia enfatizar os textos, mas sem romper inteiramente com a tradição e o know how da casa em jornalismo ilustrado.

E assim foi dada a largada. Cony obteve junto a Adolpho Bloch a aprovação para o projeto, incluindo o aval para a contratação de jornalistas e colunistas. Fizemos um número zero e o apresentamos às agências de publicidade. A primeira edição iria para as bancas no dia 17 de março, com a cobertura da posse de Tancredo, uma grande matéria sobre sua trajetória política e pessoal, o novo ministério, os rumos da Nova República, além dos demais acontecimentos da semana em todas as áreas.

Cony contou na Folha como recebeu a informação exclusiva que atropelou o fechamento da primeira Fatos. 
Tudo planejado, menos a fatalidade que iria atropelar o fechamento da nova revista. Quando o Brasil e toda a mídia acompanhavam Tancredo na expectativa da posse, Cony soube por uma fonte exclusivíssima que o mineiro não subiria a rampa do Planalto. Vivemos a situação insólita de começar a refazer páginas da revista, enquanto a TV ainda mostrava os preparativos para a solenidade.

O resto é história. Tancredo foi internado, Sarney virou capa da primeira Fatos, vieram o Plano Cruzado, os "fiscais do Sarney", a euforia seguida da depressão, mais do mesmo, o caos, o clientelismo, a "transição" que preservava muito da força do regime anterior.

Ao longo de 1985, a Fatos seguiu em frente e publicou várias capas e matérias investigativas com relativa repercussão, mas só resistiu a um ano de meio de vida. Nomes e assuntos até então vetados pelo regime ganharam espaço na revista: D.Helder, Prestes, Capitão Sérgio Macaco, a reabertura do Caso Baumgarten, as "casas de tortura" da ditadura, arquivos dos órgãos de segurança destruídos por militares etc. Tais pautas consolidaram internamente a senha para uma campanha Delenda est Fatos. A Bloch, como a França sob as botas nazistas, tinha seus colabôs, que era o termo usado para quem apoiava a ocupação. Assim, a empresa abrigava algumas figuras subalternas perfeitamente identificadas como colabôs do regime militar. E o que era, no início, conversa de corredor, logo ganhou força de boicote que atingiu os setores publicitários, a tiragem, a distribuição e até o pagamentos de frilas e colunistas. Cony resistia, tentava contornar os problemas e se colocava como um escudo a preservar a equipe e o foco no trabalho.

Adolpho Bloch, diga-se, nunca retirou o seu apoio à revista e era através dele que Cony ia conseguido sobrevida para a Fatos. O problema estava nos escalões abaixo, até com um ativismo de alguns colegas jornalistas que trabalhavam em outras publicações da empresa. Adolpho chegou a receber telegramas de falsos leitores que denunciavam a Fatos como um "covil de comunistas" e perguntavam como isso era permitido na empresa. Tais telegramas eram postados por um desses jornalistas em uma agência dos Correios, em Copacabana. O tom era mais ou menos como o das "mensagens de ódio" das redes sociais de hoje.

Aos poucos, a revista foi se tornando inviável, não evoluiu editorialmente como era previsto e teria potencial para isso. Os pagamentos aos frilas e colunistas, obviamente essenciais, ficavam retidos por meses. Em fins de maio de 1986, Cony me convocou e ao Barros, detalhou a situação e perguntou se não achávamos que a Fatos havia chegado ao limite. Não havia como negar, o cerco se estreitava. As mínimas condições de trabalho estavam comprometidas. Foi decidido ali o fechamento definitivo da revista. Cony avisou Adolpho, a quem pediu dois meses para tentar recolocar em outras publicações da Bloch o maior número possível de funcionários. O que foi feito, a operação resgate liderada pelo próprio Cony deu certo. A maioria dos editores comprou a ideia e ajudou a absorver os expatriados da Fatos. De uma equipe que na fase final tinha pouco mais de 20 pessoas alguns optaram por pedir demissão, a maioria foi remanejada para Manchete, Ele Ela, Geográfica etc, três ou quatro foram demitidos. Eram outros tempos, outros "modelos de gestão", e houve quem conseguisse vagas no O Dia, no Jornal do Brasil e no Globo.

O fim da revista foi melancólico. No penúltimo número, com o então ministro Dilson Funaro na capa, aproveitamos as circunstâncias e cravamos na chamada, em destaque, o nosso recado cifrado para o público interno: Sabotagem. O último número, já descaracterizado e fora do nosso controle, trazia Antonio Ermírio na capa como personagem de uma insólita matéria paga. O empresário tinha pretensões eleitorais e ensaiava se lançar na política. A Fatos terminal teria sido usada como veículo para desovar uma permuta comercial pendente com o poderoso dono do grupo Votorantim.

Um desfecho nada honroso. 

Dois dos mais notórios colabôs abriram champanhe para comemorar o fim da Fatos. Dificilmente, até o fim das suas vidas, as duas lamentáveis figuras tiveram algo mais a festejar.


Cony e alguns dos demais autores da coletânea "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou": da esq. para a dir. Alberto Carvalho, Lenira Alcure, Jussara Razzé, Bia Lajta Cony, Daisy Prétola, Maria Alice Mariano, Roberto Muggiati, Esmeraldo, José Rodolpho e, à frente, J. A. Barros. Foto de J. Egberto

Reencontro em junho de 2010, quando Cony lançava o livro  "Eu, aos pedaços": Daisy, Cony, Barros, Lenira, Esmeraldo e Jussara. 

Quanto a nós, no Novo Mundo, brindamos à Fatos, o melhor e mais inesquecível fracasso das nossas vidas.

E foi durante aquele almoço de 20 anos da revista mais loser do jornalismo brasileiro (com toda a honra, obrigado), que surgiu e ganhou corpo, em meio a 'causos' que relembravam as redações da velha Bloch, a coletânea "Aconteceu na Manchete - As histórias que ninguém contou". O que começou como uma conversa à mesa tornou-se um livro de 500 páginas e mais de 200 imagens. Mais uma vez, com a participação decisiva de Cony.


A Folha de São Paulo prestou uma tocante homenagem a Carlos Heitor Cony. Deixou em branco o seu tradicional espaço na página 2.

Para os leitores, simboliza a ausência.

E retrata - para todos nós que por bons tempos convivemos com o amigo - o vazio que fica. 

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Tancredo e as capas: aconteceu na Manchete



Por Roberto Muggiati

Esta história vai longe no tempo e tem muito parêntese, mas vale ser conhecida. 



Foto de Gervásio Baptista

Em 1954, com apenas dois anos de vida, a revista Manchete enfrentava seu batismo de fogo na guerra das bancas – e se saía muito bem, graças à qualidade gráfica e à importância que dava ao fotojornalismo. A capa da edição extra sobre a morte de Getúlio Vargas trazia uma foto em preto-e-branco de Gervásio Baptista e tinha como foco central o deputado Tancredo Neves tomado por uma crise convulsiva de choro, cobrindo o rosto com as mãos. Tancredo quase não conseguira se eleger em 1950 para seu primeiro mandato federal. Graças àquela foto, Tancredo singraria vitorioso nas urnas vida afora.. Por isso, seria eternamente grato a Gervásio. Quando foi eleito para Presidente da República em 1985, Tancredo imediatamente convidou Gervásio para ser o fotógrafo oficial da Presidência.

Nas horas que antecederam a cerimônia de posse do primeiro Presidente pós-ditadura militar, no período batizado de Nova República, os acontecimentos se precipitaram. Na segunda-feira, 13 de março, na Casa da Manchete em Brasília, Adolpho Bloch recebeu Tancredo e dona Risoleta para um grande jantar. Para a ocasião, o chef da Bloch, Severino Ananias Dias, deslocou-se até a Capital Federal com uma equipe de cozinheiros e garçons e a fabulosa coleção de panelas de cobre da cozinha do Russell. Na manhã seguinte, durante uma missa de Ação de Graças, fotógrafos e câmeras de TV flagraram o Presidente apalpando insistentemente o estômago. (Nenhuma relação de causa e efeito entre o banquete da Manchete e o mal-estar de Tancredo, embora inimigos da Bloch – e não eram poucos – tenham espalhado que a cuisine do Severino foi fatal para Tancredo.).

Às 22:15 de 14 de março, véspera da posse, o Presidente era internado às pressas no Hospital de Base do Distrito Federal para receber soro. Com o diagnóstico de apêndice supurado, os médicos disseram à família que Tancredo precisava ser operado com urgência. A família preferia que ele fosse removido para São Paulo, tinha até um jatinho à disposição. Mas os médicos de Brasília não cederam. O próprio Tancredo se meteu na discussão: “Deixem-me tomar posse e depois façam comigo o que quiserem.”

Na antessala do centro cirúrgico, uma plateia seleta de parlamentares-médicos e ministros de Estado nomeados aguardava. O pesquisador médico Luís Mir, autor do livro O Paciente - O Caso Tancredo Neves (2010) (*) , descreve: "A certa altura, houve a possibilidade de invasão da sala de cirurgia até por médicos do próprio Hospital de Base de Brasília. Era impossível impedir a entrada das pessoas. Entre médicos e não médicos, chegaram a circular, no Centro Cirúrgico e dentro da sala de cirurgia, cerca de 60 pessoas. Quando se iniciou a operação, havia dentro da sala 25 pessoas. Um show, ruinoso para os médicos e para o paciente". Ao abrirem o peritônio do (im)paciente, os cirurgiões não encontraram nenhum “apêndice supurado”, o órgão estava perfeito. Inventaram então um novo diagnóstico, de “diverticulite”, doença de que a maioria dos brasileiros nunca tinha ouvido falar. Soube-se depois que Tancredo tinha um leiomioma benigno, mas infectado. Os facultativos ocultaram a existência de um tumor, receando o impacto que a palavra “câncer” poderia provocar.

No dia seguinte, o vice José Sarney assumiu a Presidência. Sarney manteve Gervásio como fotógrafo oficial. O “Calvário” de Tancredo (a imprensa brasileira adora um clichê) durou 38 dias, mas quem carregou a cruz foram os jornalistas, principalmente aqueles dos jornais diários, numa época em que a mídia impressa ainda não fora totalmente esvaziada pela TV e pela internet. Os fechamentos dos matutinos varavam a madrugada, colocando os editores e redatores à beira de vários ataques de nervos, minando sua saúde física e emocional. Pior ainda: a primeira fase do tratamento de Tancredo foi muito mal conduzida. O Hospital de Base do Distrito Federal estava com a Unidade de Tratamento Intensivo demolida, em obras – o estado de saúde do Presidente se agravou e ele teve de ser transferido em 26 de março para o Hospital das Clínicas de São Paulo. No período em que ficou internado, Tancredo sofreu sete cirurgias, que não surtiram efeito. Em 21 de abril, o porta-voz oficial da presidência , Antônio Britto, anunciava oficialmente a morte de Tancredo Neves por infecção generalizada, aos 75 anos.

Foto de Gervásio Baptista

Foto de Gervásio Baptista

Foi justamente na transferência de Tancredo de Brasília para São Paulo que vivemos um momento crucial na cobertura da Manchete. No dia 25 de março, segunda-feira, recebemos para o fechamento da edição as primeiras fotos de Tancredo Neves desde que fora internado – seriam também as últimas fotos do Presidente em vida. Tancredo e dona Risoleta, cercados pela grande (só em tamanho) equipe médica do Hospital de Base, posaram para Gervásio Baptista, que nos mandou as fotos com exclusividade. Essa atitude foi criticada; como fotógrafo da Presidência, ele deveria disponibilizar as imagens para todos os veículos. Mas a fidelidade do bom baiano para com a Bloch reinava acima de tudo. Como editor da revista, escolhi uma foto mais fechada de Tancredo com Dona Risoleta para a capa, com a chamada TANCREDO/A VOLTA POR CIMA. Estávamos eufóricos por fazer chegar aos brasileiros, quarta-feira em todas as bancas, uma mensagem de esperança: o Presidente de bom aspecto, elegante em seu robe de seda, um foulard bem transado em volta do pescoço, e a Primeira Dama, com uma roupinha esperta, de aparência rejuvenescida, ambos sorridentes.

Uma foto diz mais do que mil palavras. Ledo e ivo engano, como diria o Cony. Às seis da manhã de terça-feira toca o telefone em minha mesinha de cabeceira. Era o chefe de reportagem, Cesarion Praxedes: “Muggiati, deu merda. O Tancredo passou mal e está sendo levado para São Paulo.” Cabeça fria, raciocinei na hora: “Cesarion, nós temos o principal que é a capa exclusiva. Liga agora mesmo pra Lucas [a gráfica da Bloch] e manda trocar a chamada de capa e o título da abertura para TANCREDO/O DRAMA DO PRESIDENTE e vamos à redação para atualizar o texto. Dito e feito.
Já a revista de informação da Bloch, a Fatos, daria na capa a chegada de Tancredo ao Hospital das Clínicas em São Paulo, aquela em que o cotovelo do padioleiro passou como sendo a cabeça do Presidente (vejam post de quarta-feira, 6 de dezembro). Aqui o grande parêntese da história. Embora sua glória maior fosse uma revista semanal ilustrada, a Manchete, a Bloch sempre ambicionou ter uma revista semanal de informação, nos moldes da Time americana. Não por acaso, a Bloch deteve os direitos para o Brasil dos textos da Time de 1973 até quase a derrocada da empresa, em 2000. Mas fazer uma revista de opinião na Bloch era uma tarefa problemática, levando em conta os comprometimentos políticos da empresa. Houve até uma primeira tentativa, nos anos 70. Como a semanal, também ilustrada, Fatos&Fotos, era o primo pobre da Manchete, Jaquito – prevalecendo-se da exclusividade dos textos da Time – incumbiu Carlos Heitor Cony, editor da F&F, da transformação pioneira. Cony, macaco velho, sabia muito bem a roubada em que ia se meter. Mas Jaquito, não tendo coisa melhor para fazer na época, resolveu insistir. Voluntariou-se até a trabalhar como chefe de reportagem do Cony e instalou-se, um estranho no ninho, na redação de F&F, vociferando um dos bordões clássicos da Bloch: “Não quero que lhe falte nada!...” Cony não teve outra opção senão entrar no jogo. Um belo dia, ordenou ao seu “chefe de reportagem”:

Jaquito, precisamos fazer urgente uma entrevista com o Paulo César Caju!
– Mas quem é Paulo César Caju? –  replicou Jaquito. E Cony, incontinenti:
– Se você, como chefe de reportagem, ignora quem é Paulo César Caju, então se considere demitido!
Jaquito, abatido, o rabo entre as pernas, foi saindo pelo corredor, quando teve um repente e voltou:
– Peraí, Cony! Você não pode demitir um dos donos da empresa. Quem está demitido é você!

Um episódio que, de todas as redações do mundo, só poderia acontecer na Bloch, à beira-mar plantada. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos – e tudo terminou, não em pizza, mas na macunaímica feijoada das sextas no restaurante do terceiro andar à beira da piscina. A revista tipo Time da Bloch foi sepultada definitivamente quando Cony, tendo acompanhado Adolpho Bloch ao aeroporto do Galeão – o velho ia fazer uma cirurgia do coração nos Estados Unidos – disse ter lido nos olhos do Adolpho que ele não queria aquele tipo de revista...

Corte rápido. Passaram-se dez anos e, surpreendentemente, agora é o Cony quem proclama a necessidade absoluta de se criar na Bloch uma revista semanal de texto. Pragmático, acima de tudo, o nosso Cony. Em janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves para a Presidência da República, dando fim a 21 anos de ditadura militar, com cinco presidentes fardados. As relações de Tancredo com a Bloch sempre foram as melhores possíveis e Cony viu nisso a oportunidade de capitalizar circulação e prestígio para uma revista sintonizada com o peregrino da Nova República. Adolpho não vacilou: Tancredo seria para Fatos o que JK tinha sido para a Manchete. Um clima febril tomou conta da nova redação. Ney Bianchi, escolhido como chefe da sucursal da Fatos em Brasília, logo estabeleceu suas condições: uma casa na Península dos Ministros, com um mordomo juramentado; uma polpuda verba de representação para receber políticos e autoridades; dez ternos cortados pelo melhor alfaiate de Brasília; limusine com chofer e por aí vai.

O lance maior da Fatos só não contava com as rasteiras do destino e a vulnerabilidade da carne: a revista foi às bancas na sexta-feira, 17 de março, com a foto da posse do vice José Sarney na capa; mas, sem a estrela de Tancredo, não tinha gás para ir muito longe. Vale lembrar que na época existia uma profusão de semanais de informação no Brasil, mais até do que nos Estados Unidos ou na Europa. Havia a Veja, que depois de um começo incerto em 1968, graças à estratégia de assinaturas acabou se tornando uma potência (toda grande empresa usava Veja como uma ferramenta para seus executivos); havia a IstoÉ de Mino Carta, o editor-fundador da Veja; a Visão, do empresário Henry Maksoud, que tinha seu peso; e a Afinal, que durou de 1984 a 89. Na inflação desvairada do governo Sarney, Fatos foi se arrastando – hostilizada até dentro da própria Bloch como um estranho no ninho e uma fonte de prejuízo – até fechar em julho de 1986, um ano e quatro meses depois do seu lançamento.

Quanto ao Brasil e à sua Presidência, é outra história, tão tortuosa como a da Bloch: Washington Luiz deposto, Getúlio suicidado, Jânio renunciado, Jango deposto, Tancredo morto sem assumir, Collor impedido, Dilma impedida e Temer isso que todos estão vendo aí...

Só resta fechar com o humor mineiro do velho Tancredo Never: certa vez, numa roda de amigos no Senado, ele definiu seu epitáfio, que não chegou a ser gravado na lápide do cemitério ao lado da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei:

“Aqui jaz, muito a contragosto, Tancredo de Almeida Neves!”

(*) O diretor Sérgio Rezende lançará no dia 14 de junho de 2018, o filme O Paciente, que focaliza os últimos dias de Tancredo. O ator Othon Bastos representará o político mineiro. 

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Lição grátis de jornalismo: cotovelos em capas sempre dão problema...

Reprodução Mashable

por José Esmeraldo Gonçalves 

A Time divulgou sua tradicional capa de "Pessoa 2017": é dedicada às mulheres que quebraram o silêncio e revelaram casos de assédios sexuais. Para representar a reação feminina aos abusos, a revista reuniu Ashley Judd, Taylor Swift, Susan Fowler, Adama Iwu e Isabel Pascual, cujo nome foi alterado para proteger sua identidade.

Mas o que está intrigando os leitores é o cotovelo aparentemente aleatório que aparece no canto direito da capa. A informação é do Mashable.

O editor do TIME, Edward Felsenthal, diz que o detalhe simboliza mulheres e homens que ainda estão calados e no anonimato diante das violências que sofreram.

Mas nas redes sociais também há quem especule que o cotovelo fantasma pode ter sido uma falha no corte da foto.

O DIA EM QUE A REVISTA FATOS CONFUNDIU 
O COTOVELO DE UM ENFERMEIRO COM 
A CABEÇA DE TANCREDO NEVES


O cotovelo da Time remete a um certo cotovelo na revista Fatos, em 1985. Como todas as redações do país, a Fatos estava mergulhada até o pescoço na exaustiva cobertura da agonia de Tancredo Neves, que durou mais de um mês.

A cada fechamento, a revista atualizava em texto e fotos a luta dos médicos para salvar o presidente eleito, mas semana após semana corria o risco de chegar às bancas 48 horas depois - tempo gasto em preparação e impressão - desatualizada e com Tancredo Neves já morto.

Em um desses complicados fechamentos, quase no minuto final, chegam de Brasília fotos que  mostrariam o presidente eleito, deitado em uma maca, a caminho da ambulância que o levaria em emergência ao aeroporto de onde seguiria para São Paulo. A foto da inesperada transferência do paciente era a mais atual e exclusiva, segundo Brasília. Apenas o fotógrafo da Fatos havia invadido o acesso à garagem do Hospital de Base e obtido um ângulo favorável. Claro, iria para a capa.

Já era quase meia-noite quando a redação inteira, já exausta, foi para a sala de projeção participar da escolha da melhor imagem da sequência da maca. Decepção total: nenhuma foto mostrava o rosto ou sequer a cabeça de Tancredo. A cena era muito confusa, médicos, enfermeiros e policiais cercavam o paciente. Mas a projeção de slides continuava, as fotos eram vistas e revistas. Em vão. A redação já estava quase desistindo de trocar a capa paginada antes quando uma voz não identificada, em plena escuridão da cabine de projeção, quebrou o silêncio e decretou:

- Olha a cabecinha dele ali, gente!
- Que cabecinha? - alguém duvidou.
- Ali - insistiu a voz -, no canto, a carequinha dele e um travesseiro!

Deu-se então um caso típico de alucinação coletiva, quase uma hipnose. A partir do momento em que a voz viu Tancredo, todos na cabine também tiveram a mesma visão. Era aquilo mesmo, lá estava a cabecinha de Tancredo. Como a foto era confusa, alguém sugeriu que a Arte fizesse um círculo vermelho em torno da tal carequinha para que os leitores identificassem mais rapidamente o que a redação levou mais de uma hora para perceber. E assim foi feito.

Fechamento concluído, todos foram para casa.

Um dia e meio depois, a revista impressa foi colocada na mesa do diretor. A capa estava perfeita, as chamadas idem. Só tinha um problema. O círculo vermelho não destacava nada que parecesse a cabecinha de Tancredo. Até porque não havia cabecinha coisa nenhuma. O que a capa mostrava claramente era o cotovelo de um dos enfermeiros, um cara tão parrudo que de fato a popular conexão do braco com o antebraço parecia mesmo um cabeção.

J.A. Barros, diretor de Arte da Fatos, colaborador deste blogé testemunha daquela noite fatídica. É justo dizer que ele foi um dos mais resistentes a acreditar que via a ilustre cabecinha do presidente eleito. Mas, como todos os demais zumbis que passaram mais de um hora naquela sala de projeção, ele também foi induzido a ver a luz: a foto exclusiva de Tancredo na maca.

A cabecinha de Tancredo que dez ou doze pessoas viram naquela noite mística no escurinho da cabine tinha sido apenas produto de uma ocasional alucinação coletiva. Mas rendeu capa!.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Terremoto no México na capa da Fatos em 1985. O mundo era outro? Nem tanto, mestre, nem tanto...




Em setembro de 1985, a capa e a matéria principal da revista Fatos traziam uma catástrofe. O México sofrera no dia 19 o pior terremoto da sua história. Oficialmente, 10 mil pessoas perderam a vida. Mas as equipes de resgate estimaram o número de mortes em cerca de 40 mil. Milhares de corpos jamais foram encontrados.

Na Cidade do México, que tinha então 18 milhões de habitantes, ruíram 420 edifícios de oito a 18 andares, outros 3 mil e 200 foram parcialmente destruídos.

Exatos trinta e dois anos depois, os mexicanos enfrentam mais um terremoto. Não tão devastador - até agora, o número de mortos está em torno de 200 - mas igualmente trágico.

Ao folhear aquela edição da Fatos, fica a impressão de que o Brasil e o mundo se repetem e dão razão a Nietzsche. O filósofo prussiano ensinou que o eterno retorno é uma das afirmações da vida que, em ciclos, sempre liga o fim ao começo.



Na janela de capa da Fatos, está Sarney, então presidente e tão inexpressivo quanto o atual. Como Temer, ontem, Sarney estava na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, que tal qual hoje dividia com o México as primeiras páginas dos jornais. Como o atual e ilegítimo, Sarney não foi levado a sério, falou algo sobre a dívida externa, tema em evidência, e garantiu que faria um ajuste fiscal e um superávit para pagar 50 bilhões de dólares de juros nos anos seguintes. No mais, abriu o discurso citando um poeta do Maranhão, Bandeira Tribuzzi - na plateia os delegados devem ter feito "hã?", "who" - e mandou goela abaixo um discurso genérico, pleno de literatices, com pérolas como essa: ""O Brasil acaba de sair de uma longa noite. Não tem olhos vermelhos de pesadelo. Traz nos lábios um gesto aberto de confiança e de um canto de amor à liberdade". Puro "marimbondos de fogo".


Kim Jong-un tinha pouco mais de dois anos de idade, a Coreia do Norte nem sonhava com a bomba e Donald Trump nem imaginava que um dia faria um discurso ameaçador na ONU, mas a Assembleia Geral também mostrava preocupação com ameaças à paz. A Fatos narrava o encontro entre o ministro do Exterior soviético Eduard Chervardnadze e o secretário de Estado americano George Schultz para discutir uma tema que preocupava o mundo: o programa militar "Guerra nas Estrelas" com o qual o presidente republicano da vez, Ronald Reagan, ameaçava militarizar o espaço e acelerar a corrida armamentista.

Artur da Távola, um dos colunistas da Fatos, escrevia sobre o Brasil "dividido", outro tema recorrente. "Vai-se fazer necessária um hábil costura política para remover resistências de ambos os lados".  E defendia um "pacto social": "Pacto, porém, que não seja feito à custa de quem mais tem pago, tanto os preços do desenvolvimento quanto os resultados desastrosos da incompetência e da corrupção".







Corrupção? Para quem pensa que o ataque de políticos e empresários aos cofres públicos é novidade, a Fatos dedicava ao assunto três matérias. Uma sobre um esquema de fraude nas compras da Cobal. Além de superfaturamento em aquisições de feijão, os acusados estavam com dificuldade de explicar a compra de 100 mil calcinhas que, teoricamente, não eram produtos revendidos pela Companhia Brasileira de Alimentos. Outra reportagem abordava o caso de um tal réchaud de prata que virou polêmica e por causa disso o Congresso discutia um projeto que previa punição para autoridade que recebesse presentes caros. Outra notícia era a prisão de um banqueiro libanês que tinha muito a delatar sobre um caso de venda de vistos e passaportes brasileiros que envolvia o ex-ministro da Justiça ainda no governo do general João Figueredo, Ibrahim Abi-Ackel.


Uma notícia da semana era o terrorismo. Não se falava em Estado Islâmico nem em "lobo solitário' mas, segundo a Fatos, o terrorismo internacional tinha uma nova sigla: ORMS (Organização Revolucionária dos Muçulmanos Socialistas. Naquela semana, o alvo mais uma vez  foi Roma, que já sofrera cinco atentados em poucos meses. Um solitário palestino de apenas 16 anos, ainda sem a alcunha de "lobo", entrou em uma agência da British Airways acionou uma granada e saiu (terroristas suicidas ainda não estavam em moda). A bomba feriu 15 pessoas.

No mais, a Fatos falava de um arremedo de reforma política que não vingou, tema que o nosso Congresso discute hoje. A proposta de uma Constituinte ganhava força. O Banco Central colocava em circulação a nota de maior valor na época - Cr$100 mil - com a efígie Juscelino Kubitschek. Geddel seria grato ao BC se uma nota desse valor existisse hoje em reais:  ele ia precisar de menos malas para guardar seus 51 milhões. E a guerra em cartaz era a do Irã-Iraque, que fazia aniversário de seis anos. Exatamente, a duração da guerra atual: a da Síria.

Como os dias e as estações, os fatos parecem se repetir. Às vezes como jornalismo, às vezes como farsa.

sábado, 14 de janeiro de 2017

A edição número 12 da revista Fatos foi para as bancas em 10 de junho de 1985. Pelos títulos das matérias poderia circular amanhã. Confira: o Brasil e o mundo parecem estar em looping...














Reproduções de títulos da revista Fatos, junho de 1985. 

por José Esmeraldo Gonçalves

Looping, você sabe, é a configuração que faz um vídeo repetir-se ao infinito. Chega ao fim e retorna ao começo, como um incansável Sísifo digital. O Brasil parece dar voltas nesse modo replay. E o mundo, em parte, idem.

A Fatos foi uma tentativa da Bloch, ou melhor, na Bloch, de produzir uma revista semanal de informação e análise. Por desafiar, de alguma forma, a cultura e os interesses da empresa, durou apenas um ano e meio. Carlos Heitor Cony era o diretor, J.A. Barros, o diretor de Arte e eu o editor-executivo. Projetamos e enterramos a revista ao perceber, em meados de 1986, que já estava combalida por problemas políticos, pressões corporativas e, em consequência, falta de  investimento e contenção de circulação. Mas essa é outra história.

Vamos ao que interessa: aquela edição da Fatos poderia até ser digitalizada e postada hoje na web.

Em 1985, Ronald Reagan era o presidente americano. Aqui, o PMDB assumia a presidência com José Sarney. Neste 2017, a dobradinha repete a coincidência partidária e a incerteza política: o republicano Trump lá, o peemedebista Temer aqui. Reagan implantava política que ficou conhecida como Reaganomics, de redução de gastos, desregulamentação etc, algo parecido com a atual Temernomics.

O Brasil tentava deixar para trás a ditadura militar, mas a direita civil se articulava intensamente para não perder o poder. Naquela semana, a Fatos pôs nas capa "o novo guru da direita", o general Newton Cruz. Sob o título "Direita: por dentro do ovo da serpente", os repórteres Luiz Carlos Sarmento e Carlos Eduardo Behrendorf foram a campo ouvir os políticos e fizeram uma entrevista exclusiva com Newton Cruz.

Alguma semelhança com a atualidade? Viu o Bolsonaro por aí?

Ainda na rubrica Política, uma reportagem da sucursal de Brasília destacava o esfacelamento dos partidos em nome de interesses pessoais. Também da Capital Federal, o repórter Gilberto Dimenstein mostrava que o Congresso queria discutir uma Lei de Greve liberalizante mas o SNI, ainda atuante, e militares de alta patente "ponderavam" contra o projeto. Nesse contexto, as repórteres Lenira Alcure e Maria Luíza Silveira entrevistaram o presidente da CUT, Jair Meneguelli, que via ameaça aos direitos do trabalhadores e avaliava que o país trocara uma ditadura militar por uma ditadura econômica.

A repórter Sandra Costa ouvia o então ministro da Reforma Agrária e Desenvolvimento, Nelson Ribeiro, e a própria entrevista deixava claro que aquela reforma dificilmente sairia do papel.

No Rio, o repórter Rodolfo de Bonis, fora do tempo e a quilômetros do espaço das prisões de Manaus, entrava nas unidades do Instituto Penal Lemos de Brito para mostrar o inferno do sistema prisional.

Na editoria internacional, a União Soviética era acusada de utilizar detetives particulares americanos para colher informações estratégicas. Ainda não se especulava sobre os cyber espiões da Rússia e a prova encontrada era uma prosaica sacola de lixo com documentos sobre movimentação da frota americana.

No Kwait, terrorista suicida da organização Jihad Islâmica explodia uma bomba no centro da capital do país matando dois guarda-costas do alvo do atentado, que escalou ileso, o xeque Al Sabah.

O terrorismo não estava entre as preocupações da Bélgica, naquele momento, mas uma grande tragédia abalava a Europa. Em Bruxelas, durante um jogo do Liverpool, da Inglaterra, e do Juventus, da Itália, brigas de torcedores levaram pânico à multidão e o tumulto resultou em 41 vítimas fatais.

Em apenas uma edição, essa de referência, a de número 12, a Fatos analisava inflação e juros altos, como os jornais de hoje.

E tal qual hoje, o "medo" do comunismo gerava histeria. Sarney recebia comunistas no Palácio do Planalto pela primeira vez em 40 anos e era criticado pela direita e por religiosos. Alíás, a comitiva do PCB era liderada por Roberto Freire, atual ministro da Cultura de Temer. O partido levava seu apoio à primeira Nova República - há quem apelide o atual governo de segunda Nova República -  ao mesmo tempo em que lutava pela legalização.

Assim como João Dória está varrendo São Paulo, o prefeito da cidade a ser eleito em fins de 1985 era também da vassoura; Jânio Quadros. E se Dória hoje está apagando os grafites de São Paulo, em 1985, no Rio, a polêmica eram os painéis que alunos pintaram no muro do Solar Grandjean de Montigny, na PUC. O arquiteto Lúcio Costa protestou e o Patrimônio Histórico mandou apagar os murais.

Trecho de abertura do artigo de Alberto Tamer,
na Fatos, em 1985. 
A Previdência era notícia na Fatos, não ainda pela reforma mas por fraudes.

Mick Jagger, que hoje é apontado como um "símbolo" do trabalhador brasileiro do futuro, aquele que terá a obrigação de ser longevo, lançava seu disco solo - "She's the boss".

A tentativa não deu muito certo e ele permanece nos Rolling Stones até hoje, sem se aposentar como Temer gosta.

Por falar em Temer, desculpe, Tamer, isso mesmo, Alberto Tamer, jornalista de economia, escreveu naquela Fatos artigo que falava em déficit público, cortes, recessão e autoridades batendo cabeça.

Parece que foi hoje.