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Ana Lúcia, Martins e Muggiati, no Novo Mundo, no dia da Happy Hour que o bar do hotel oferece às terças, quintas e sábados. Foto de Raquel Feferbaum |
por Ana Lúcia Bizinover
Dia de Santo Antônio, 13 de junho de 1935. Festa na cidade de
Barcelos (norte de Portugal) e em especial para a família Martins Loureiro, com
a chegada do bebê António. Que outro nome poderia ter? Antônio Martins Loureiro
está há 57 anos no Rio de Janeiro. Há 57
anos trabalha no Hotel Novo Mundo, na Praia do Flamengo. Nasceu destinado a ser o MARTINS, querido, guardião
da moral e dos maus costumes de redações inteiras de Bloch Editores. Martins, como se imagina, é um livro
discreto, fechado, mas com boas brechas, das muitas sapequices dos jornalistas
da Manchete & Cia. Em junho, Martins completa 80 anos, em plena e elegante
forma, agora não mais como o nosso garçom favorito do bar do Novo Mundo, mas
como maître executivo do hotel. E adianta: em breve será inaugurado um bistrô
com vista deslumbrante no 12º andar.
Martins conversou com a reportagem do Panis cum Ovum nos intervalos dos sets do show do trio do pianista Osmar Milito (Pascoal Meirelles
à bateria, Sérgio Barrozo, ao contrabaixo e a crooner Leila Maria), atração da
Happy Hour que o bar Grand Prix de um Hotel Novo Mundo renovado e chique, oferece
às terças, quintas e sábados. Outros grandes instrumentistas fazem fila para
dar canja com o trio. Categórico, Martins afirmou: “Eu vi a Manchete nascer,
crescer, viver e morrer”. Muito antes da sede do Russell ser inaugurada, ele acompanhou,
com amigos que moravam nas cercanias da Rua Frei Caneca, a expansão da editora.
Muito, mas muito antes mesmo que o Lairton ligasse para o Martins lá no bar, aflito,
porque “tio” Adolpho estava furioso dando por falta de um ou outro funcionário
na redação. Enquanto falava com Lalá,
Martins apontava para o dito cujo que o patrão convocava dizendo: “Ai, cá ele
não está, vamos a ver se está no banheiro”, para dar tempo do sumido voar
direto pro oitavo andar. Em questão de um ou dois minutos o faltante surgia perante
o “titio” com a cara mais santa e . . . o santo bafo de uísque. A maioria das
vezes, Adolpho clamava pelo Irineu Guimarães, Narceu de Almeida, Cesarion
Praxedes, Alberto de Carvalho, Ney Bianchi, Ivanildo Sampaio (hoje diretor de
redação do Jornal do Commercio, do
Recife), Orlandinho Abrunhosa, Hélinho Santos – aquele que andava de costas e
tinha como bicho de estimação um dromedário imaginário. A turma de “residentes”
do bar foi crescendo com a adesão do Luis Carlos Cabral, Pindé, Alberto Rajão e
muitos mais. Chico Augusto e Expedito
Grossi, “sempre elegantes no trajar”, como observou Martins, davam sua “passadinha”
diária por lá. A ala feminina era bem representada por Ana Maria Abreu, Martha
Alencar, Regina d’Almeida. Eu mesma cheguei a descontar um cheque com Martins. Certa vez, conta Martins, Ubirajara (não lembra o sobrenome), muito bêbado, adormeceu com o cigarro acesso e queimou feio o colchão de casa.
Para que ele não apanhasse da patroa, o bom Martins surrupiou um colchão do
hotel, que o Bira saiu arrastando. Numa
das greves de jornalistas, a turma levou um mimeógrafo (alguém se lembra desse
treco?) para o bar “do Martins”. E tasca a imprimir panfletos. Entraram uns
bacanas anti-grevistas e disseram: “Ué aqui é a administração da Bloch?” “Não senhores,
aqui é a redação da revista Manchete”, retrucou calmamente nosso Alberto. Amores? Paixões? Namoricos? Martins assistiu de camarote a muitas relações, feitas e desfeitas às vezes num apagar de velas. Discreto,
prefere não nomear os pares (ou, excepcionalmente, os triângulos), mas garante
que viu coisas de deixar os cabelos em pé. Presidentes e políticos. A maioria, em algum momento,
hospedava-se no Novo Mundo. “Servi desde os presidentes Jânio Quadros, Tancredo
Neves e Luiz Inácio Lula da Silva, aos governadores Adhemar de Barros Carvalho
Pinto, Leonel Brizola, ao ministro Hélio Beltrão (desse eu gostava muito). E
revela algo conhecido de poucos: “Eu fazia uns bicos lá na Manchete, chamado
pelo maître Severino Ananias Dias,
que acho que foi a pessoa em que mais o Senhor Adolpho confiou. E, é claro, fiquei
amigo também do ex-presidente Juscelino Kubitschek. “Antonio Martins Loureiro, viúvo desde 1994, duas filhas e uma
neta, mora em Alcântara (São Gonçalo, Niterói). Vai e volta de ônibus todos os
dias. Tem família na Alemanha e na França. Martins ficou 48 anos sem ir à
terrinha. Visitou Lisboa em 2005 e 2011. Planos? “Viajar à Portugal para, no
dia oito de outubro, comemorar os cem anos da minha mãe, D. Isaura. Ela é carioca, sabia?”
PS:
Minha
história preferida do Admirável Novo Mundo da Manchete (por Roberto Muggiati)
Nos bons tempos – idos dos anos 70 – os repórteres das sucursais vinham
fechar suas matérias na redação do Russell e se hospedavam no Hotel Novo Mundo,
quase ao lado da MANCHETE. Um destes, um jovem repórter de São Paulo – dou a
dica: era enteado de um famoso dublê de biólogo e sambista – foi almoçar num
restaurante do Catete com o colega carioca, Luiz Carlos Sarmento, pinguço
juramentado, e apagou de tanto beber. Na ocasião a rua do Catete, com a
construção do Metrô, se transformara numa vala enlameada a céu aberto.
Sarmento, apesar de meio alterado, não vacilou. Acostou um operário do metrô, confabulou
com ele e alugou um carrinho-de-mão, incorporando o peão como piloto. Botaram o
repórter paulistano na caçamba e o desovaram na portaria do Novo Mundo.
Imaginem a cena, um peão e um carrinho de mão enlameados adentrando o
sacrossanto espaço de mármores e cristais do hotel. Sarmento ainda gritou ao
pessoal atônito da recepção: "Paga o nosso amigo aí e bota os dez paus do
carreto na conta do 703!"