“Se a vida lhe der as costas, passe a mão na bunda dela.”
(Do livro “Flor de obsessão: as 1000 melhores frases de Nelson Rodrigues - Companhia das Letras)
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
“Se a vida lhe der as costas, passe a mão na bunda dela.”
(Do livro “Flor de obsessão: as 1000 melhores frases de Nelson Rodrigues - Companhia das Letras)
Nélson Rodrigues na Manchete. Reprodução Foto de Paulo Scheuensthul |
Nélson Falcão Rodrigues (1912-1980) – o yin e o yang de nossa literatura.
Por que trago Nelson à cena nesta altura do campeonato? Porque, com a reedição dos seus romances pela HarperCollins, ele se tornou um de nossos ficcionistas mais publicados. Depois, porque encontrei no camelô da esquina por dez reais uma edição nova em folha de A cabra vadia/Novas confissões, 470 páginas de um Nelson-por-ele-mesmo. Vou dar só uma amostra, que é a primeira das 85 confissões, intitulada “O ex-covarde”, onde ele desfia o rosário de tragédias da família Rodrigues:
“Sofri muito na carne e na alma. Primeiro foi em 1929, no dia seguinte ao Natal. Às duas horas da tarde, ou menos um pouco, vi meu irmão Roberto ser assassinado. Era um pintor de gênio, espécie de Rimbaud plástico, e de uma qualidade humana sem igual. Morreu errado ou, por outra, morreu porque era ‘filho de Mário Rodrigues’. E, no velório, sempre que alguém vinha abraçar meu pai, meu pai soluçava: – ‘Essa bala era para mim.’ Um mês depois meu pai morria de pura paixão. Mais alguns anos e meu irmão Joffre morre. Éramos unidos como dois gêmeos. Durante 15 dias, no Sanatório de Corrêas, ouvi a sua dispneia. E minha irmã Dorinha. Sua agonia foi leve como a euforia de um anjo. E, depois, foi meu irmão Mário Filho. Eu dizia sempre: – ‘Ninguém no Brasil escreve como meu irmão Mário.’ Teve um enfarte fulminante. Bem sei que, hoje, o morto começa a ser esquecido no velório. Por desgraça minha, não sou assim. E, por fim, houve o desabamento de Laranjeiras. Morreu meu irmão Paulinho e, com ele, sua esposa Maria Natália, seus dois filhos, Ana Maria e Paulo Roberto, e sua sogra, D. Marina. Todos morreram, todos, até o último vestígio. Falei do meu pai, dos meus irmãos e vou falar também de mim. Aos 51 anos, tive uma filhinha que, por vontade materna, chama-se Daniela. Nasceu linda. Dois meses depois, a avó teve uma intuição. Chamou o Dr. Sílvio Abreu Fialho. Este veio, fez todos os exames. Depois, desceu comigo. Conversamos na calçada do meu edifício. Ele foi muito delicado, teve muito tato, mas disse tudo. Minha filha era cega.”
Nelson não menciona outro drama imenso. Ele, que gostava, de se proclamar o Reacionário e cutucar as esquerdas, teve o filho Nelsinho, militante opositor da ditadura militar, preso e torturado e, só então, depois de obter a soltura do rapaz junto aos generais de plantão, reviu suas posições e passou a defender a “anistia ampla, geral e irrestrita”.
Guimarães Rosa. Reprodução |
Nélson Rodrigues também morreu num domingo, três dias antes do Natal de 1980, de complicações cardiorrespiratórias, e foi enterrado também no cemitério de São João Batista – onde sepultaram Guimarães Rosa no mausoléu da Academia. Detalhe: no fim da tarde daquele domingo, o falecido Nélson fazia treze pontos na Loteria Esportiva, num "bolão" com seu irmão Augusto e colegas de O Globo.
Tive o privilégio de conhecer Nélson Rodrigues em carne e osso. Quando adentrava a redação da Manchete, bradava no seu vozeirão abaritonado:
“Salve, Adolpho Bloch, o Cêcil B. de Maille (sic) do jornalismo!”
Era generoso nos apelidos. Um de nossos colegas, o bronzeado e atlético Cláudio Mello e Souza, foi contemplado com dois: O Remador do Ben Hur e O Havaiano de Ipanema. Numa de suas últimas matérias para a revista Manchete, sobre sua peça A serpente, em 1978, um Nélson já adoentado submeteu-se pacientemente a posar para uma foto com uma ridícula cobra de pano enrolada no pescoço.
por Ed Sá
Imagine o sujeito, o Nelson Rodrigues, um jornalista naquelas redações sórdidas, fumacentas e barulhentas dos anos 50, produzindo uma coluna por dia para o jornal do Samuel Wainer ao longo de onze anos. Uma tarde ele senta à máquina mal humorado, com dor-de-barriga, endividado, o telefone não para de tocar, a mulher liga de casa, problemas com as crianças, e de repente escreve esta obra-prima que só poderia ter saído da sua cabeça...
Filmado há 55 anos, quase uma década depois de Nelson Rodrigues criar sua fogosa Solange, A Bela da Tarde estreou nos cinema em 1967 com a recém-casada Séverine, interpretada por Catherine Deneuve, também aprisionada por desejos sexuais mal resolvidos, e que decide se tornar uma prostituta "temporária" que dá expediente em um bordel de Paris.
Belle de Jour foi dirigido por Luís Buñue. O diretor espanhol também assinou o roteiro, em parceria com Jean-Claude Carrière, inspirado em um romance de Joseph Kessel, escrito em 1928.
Felizes coincidência literárias e cinematográficas.
Uma diferença é que Nelson criou Solange do calorão da redação da Última Hora respirando cigarros Continental, para os mais abonados, ou Senador para o pessoal que estava na pior. Já Kessel imaginou Séverine ao caminhar bordes de la Seine, onde ficavam muitos... bordeis do começo do século passado. Outra é que a sensualidade da belíssima Catherine Deneuve é um macio magret de canard enquanto o fogo de Sonia Braga é feijoada "estupidamente quente" e com pimenta. Duas musas, dois estilos, dois clássicos.
A DAMA DO LOTAÇÃO - CONTO DE NELSON RODRIGUES
Às dez horas da noite, debaixo de chuva, Carlinhos foi bater na casa do pai. O velho, que andava com a pressão baixa, ruim de saúde como o diabo, tomou um susto:
— Você aqui? A essa hora?
E ele, desabando na poltrona, com profundíssimo suspiro:
— Pois é, meu pai, pois é!
— Como vai Solange? – perguntou o dono da casa. Carlinhos ergueu-se; foi até a janela espiar o jardim pelo vidro. Depois voltou e, sentando-se de novo, larga a bomba:
— Meu pai, desconfio de minha mulher.
Pânico do velho:
— De Solange? Mas você está maluco? Que cretinice é essa?
O filho riu, amargo:
— Antes fosse, meu pai, antes fosse cretinice. Mas o diabo é que andei sabendo de umas coisas… E ela não é a mesma, mudou muito.
Então, o velho, que adorava a nora, que a colocava acima de qualquer dúvida, de qualquer suspeita, teve uma explosão:
— Brigo com você! Rompo! Não te dou nem mais um tostão!
Patético, abrindo os braços aos céus, trovejou:
— Imagine! Duvidar de Solange!
O filho já estava na porta, pronto para sair; disse ainda:
— Se for verdade o que eu desconfio, meu pai, mato minha mulher! Pela luz que me alumia, eu mato, meu pai!
A SUSPEITA
Casados há dois anos, eram felicíssimos. Ambos de ótima família. O pai dele, viúvo e general, em vésperas de aposentadoria, tinha uma dignidade de estátua; na família de Solange havia de tudo: médicos, advogados, banqueiros e, até, ministro de Estado. Dela mesma, se dizia, em toda parte, que era “um amor”; os mais entusiastas e taxativos afirmavam: “É um doce-de-coco”. Sugeria nos gestos e mesmo na figura fina e frágil qualquer coisa de extraterreno. O velho e diabético general poderia pôr a mão no fogo pela nora. Qualquer um faria o mesmo. E todavia… Nessa mesma noite, do aguaceiro, coincidiu de ir jantar com o casal um amigo de infância de ambos, o Assunção. Era desses amigos que entram pela cozinha, que invadem os quartos, numa intimidade absoluta. No meio do jantar, acontece uma pequena fatalidade: cai o guardanapo de Carlinhos. Este curva-se para apanhá-lo e, então, vê, debaixo da mesa, apenas isto: os pés de Solange por cima dos de Assunção ou vice-versa. Carlinhos apanhou o guardanapo e continuou a conversa, a três. Mas já não era o mesmo. Fez a exclamação interior: “Ora essa! Que graça!”. A angústia se antecipou ao raciocínio. E ele já sofria antes mesmo de criar a suspeita, de formulá-la. O que vira, afinal, parecia pouco, Todavia, essa mistura de pés, de sapatos, o amargurou como um contato asqueroso. Depois que o amigo saiu, correra à casa do pai para o primeiro desabafo. No dia seguinte, pela manhã, o velho foi procurar o filho:
— Conta o que houve, direitinho!
O filho contou. Então o general fez um escândalo:
— Toma jeito! Tenha vergonha! Tamanho homem com essas bobagens!
Foi um verdadeiro sermão. Para libertar o rapaz da obsessão, o militar condescendeu em fazer confidências:
— Meu filho, esse negócio de ciúme é uma calamidade! Basta dizer o seguinte: eu tive ciúmes de tua mãe! Houve um momento em que eu apostava a minha cabeça que ela me traia! Vê se é possível?!
A CERTEZA
Entretanto, a certeza de Carlinhos já não dependia de fatos objetivos. Instalara-se nele. Vira o quê? Talvez muito pouco; ou seja, uma posse recíproca de pés, debaixo da mesa. Ninguém trai com os pés, evidentemente. Mas de qualquer maneira ele estava “certo”. Três dias depois, há o encontro acidental com o Assunção, na cidade. O amigo anuncia, alegremente:
— Ontem viajei no lotação com tua mulher.
Mentiu sem motivo:
— Ela me disse.
Em casa, depois do beijo na face, perguntou:
— Tens visto o Assunção?
E ela, passando verniz nas unhas:
— Nunca mais.
— Nem ontem?
— Nem ontem. E por que ontem?
— Nada,
Carlinhos não disse mais uma palavra; lívido, foi no gabinete, apanhou o revólver e o embolsou. Solange mentira! Viu, no fato, um sintoma a mais de infidelidade. A adúltera precisa até mesmo das mentiras desnecessárias. Voltou para a sala; disse à mulher entrando no gabinete:
— Vem cá um instantinho, Solange.
— Vou já, meu filho.
Berrou:
— Agora!
Solange, espantada, atendeu. Assim que ela entrou, Carlinhos fechou a porta, a chave. E mais: pôs o revólver em cima da mesa. Então, cruzando os braços, diante da mulher atônita, disse-lhe horrores. Mas não elevou a voz, nem fez gestos:
— Não adianta negar! Eu sei de tudo! E ela, encostada à parede, perguntava:
— Sabe de que, criatura? Que negócio é esse? Ora veja!
Gritou-lhe no rosto três vezes a palavra cínica! Mentiu que a fizera seguir por um detetive particular; que todos os seus passos eram espionados religiosamente. Até então não nomeara o amante, como se soubesse tudo, menos a identidade do canalha. Só no fim, apanhando o revolver, completou:
— Vou matar esse cachorro do Assunção! Acabar com a raça dele!
A mulher, até então passiva e apenas espantada, atracou-se com o marido, gritando:
— Não, ele não!
Agarrado pela mulher, quis se desprender, num repelão selvagem. Mas ela o imobilizou, com o grito:
— Ele não foi o único! Há outros!
A DAMA DO LOTAÇÃO
Sem excitação, numa calma intensa, foi contando. Um mês depois do casamento, todas as tardes, saia de casa, apanhava o primeiro lotação que passasse. Sentava-se num banco, ao lado de um cavalheiro. Podia ser velho, moço, feio ou bonito; e uma vez – foi até interessante – coincidiu que seu companheiro fosse um mecânico, de macacão azul, que saltaria pouco adiante. O marido, prostrado na cadeira, a cabeça entre as mãos, fez a pergunta pânica:
— Um mecânico?
Solange, na sua maneira objetiva e casta, confirmou:
— Sim.
Mecânico e desconhecido: duas esquinas depois, já cutucara o rapaz: “Eu desço contigo”. O pobre-diabo tivera medo dessa desconhecida linda e granfa. Saltaram juntos: e esta aventura inverossímil foi a primeira, o ponto de partida para muitas outras. No fim de certo tempo, já os motoristas dos lotações a identificavam à distância; e houve um que fingiu um enguiço, para acompanhá-la. Mas esses anônimos, que passavam sem deixar vestígios, amarguravam menos o marido. Ele se enfurecia, na cadeira, com os conhecidos. Além do Assunção, quem mais?
Começou a relação de nomes: fulano, sicrano, beltrano… Carlinhos berrou: “Basta! Chega!”. Em voz alta, fez o exagero melancólico:
— A metade do Rio de Janeiro, sim senhor!
O furor extinguira-se nele. Se fosse um único, se fosse apenas o Assunção, mas eram tantos! Afinal, não poderia sair, pela cidade, caçando os amantes. Ela explicou ainda que, todos os dias, quase com hora marcada, precisava escapar de casa, embarcar no primeiro lotação. O marido a olhava, pasmo de a ver linda, intacta, imaculada. Como e possível que certos sentimentos e atos não exalem mau cheiro? Solange agarrou-se a ele, balbuciava: “Não sou culpada! Não tenho culpa!”. E, de fato, havia, no mais íntimo de sua alma, uma inocência infinita. Dir-se-ia que era outra que se entregava e não ela mesma. Súbito, o marido passa-lhe a mão pelos quadris: — “Sem calça! Deu agora para andar sem calça, sua égua!”. Empurrou-a com um palavrão; passou pela mulher a caminho do quarto; parou, na porta, para dizer:
— Morri para o mundo.
O DEFUNTO
Entrou no quarto, deitou-se na cama, vestido, de paletó, colarinho, gravata, sapatos. Uniu bem os pés; entrelaçou as mãos, na altura do peito; e assim ficou. Pouco depois, a mulher surgiu na porta. Durante alguns momentos esteve imóvel e muda, numa contemplação maravilhada. Acabou murmurando:
— O jantar está na mesa.
Ele, sem se mexer, respondeu:
— Pela ultima vez: morri. Estou morto.
A outra não insistiu. Deixou o quarto, foi dizer à empregada que tirasse a mesa e que não faziam mais as refeições em casa. Em seguida, voltou para o quarto e lá ficou. Apanhou um rosário, sentou-se perto da cama: aceitava a morte do marido como tal; e foi como viúva que rezou. Depois do que ela própria fazia nos lotações, nada mais a espantava. Passou a noite fazendo quarto. No dia seguinte, a mesma cena. E só saiu, à tarde, para sua escapada delirante, de lotação. Regressou horas depois. Retomou o rosário, sentou-se e continuou o velório do marido vivo.
Sob o olhar de Pelé, Coutinho marca contra o Nacional, do Uruguai. |
Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe |
Um ataque que só pensava naquilo: o gol. Eram "os tarados da pelota", no dizer de Nelson Rodrigues em crônica para a Manchete Esportiva. Fotos: Manchete Esportiva |
Reprodução Twitter |
A histórica capa dupla da Manchete Esportiva em 1958 |
Uma rara foto do famoso gol de Nilton Santos contra a Áustria, quando ele conduziu a bola de área a área. Foto de Jáder Neves |
A crônica especial de Nelson Rodrigues. Reprodução Manchete Esportiva |
Gol de Vavá contra a Rússia. Fotos de Jáder Neves |
Reprodução Manchete Esportiva |
O gol de Pelé contra País de Gales. Reprodução Manchete Esportiva |
Vavá vence Yashin, o lendário goleiro da então URSS. Foto de Jáder Neves |
Pelé e Garrincha em Hindas, a concentração da seleção brasileira na Suécia. Foto de Jáder Neves |
Nilton Santos e Garrincha. Foto de Jáder Neves |
Em contraste com os treinadores engravatados de hoje, a larga informalidade do técnico Vicente Feola. Reprodução Manchete Esportiva |
Didi em missão difícil: falar como Brasil ao telefone usando as conexões de 1958. |
Didi no lago de Hindas e... . |
... cumprimentando o Rei da Súécia, Gustavo Adolfo, após a conquista da Jules Rimet.. Foto Jáder Neves |
A emoção do menino Pelé entre Djalma Santos e Garrincha. Foto Jáder Neves |
Gilmar, Orlando, Garrincha, Zito. |
O massagista Mário Américo dispara no gramado para tomar a bola do jogo que o juiz queria levar para casa.. Foto de Jáder Neves |
Foto Getty Images-Fifa - Divulgação |