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quarta-feira, 3 de abril de 2024

Fotomemória: Em 2 de abril de 1964, a última imagem de Jango antes da longa e trágica noite que subjugou o Brasil


Foto Revista Manchete

A coletânea "Aconteceu na Manchete - As histórias que ninguém contou", organizada pelo jornalista José Esmeraldo Gonçalves com o saudoso designer J.A.Barros, lançada em 2008, recuperou essa foto que a Manchete publicou com exclusividade mas, infelizmeente, sem crédito. Foi feita no dia 2 de abril de 1964. Adolpho Bloch teria sido avisado que João Goulart deixara o Palácio Laranjeiras e se dirigia ao Santos Dumont, protegido por uns poucos aliados, rumo a Brasília, e enviou uma fotógrafo ao aeroporto carioca. Em Brasília, o golpe já se consolidava. Havia no Planalto quem defendesse uma resistência com apoio de militares legalistas. Jango observou que a situação era irreversível, quis evitar derramamento de sangue, e partiu para Porto Alegre, sua última escala no Brasil, antes do longo exílio no Uruguai.





O Diário de Notícias noticiou que um grupo de oficiais da Marinha
queria empreender uma caçada ao presidente João Goulart.

Jango permaneceu em Brasília durante menos de quatro horas. Naquele momento, circulou uma informação de que comandos da Marinha estariam organizando uma caça feroz ao ainda presidente.
Os capítulos seguintes, a história registra. Jango não voltaria mais ao seu país. Faleceu na Argentina no dia 6 de dezembro de 1976. Causa oficial da morte: infarto. Trinta e sete anos depois foi iniciada uma investigação para apurar a suspeita de que ele poderia ter sido assassinado pela Operação Condor, um esquadrão de execuções de líderes democratas da América Latina montado pelas ditaduras do Chile, Brasil, Argentina e Uruguai. Para a família, dado o longo tempo desde o falecimento do ex-presidente, a exumação não foi cientificamente conclusiva. Um perito contratado pelos Goulart continuou defendendo a continuação da investigação, mas o processo foi encerrado.

Pouco mais de doze anos após a foto histórica no Santos Dumont, Jango foi enterrado em São Borja, como era seu desejo, mas até isso exigiu uma negociação com o governo. O carro que trazia o caixão do ex-presidente foi barrado em Uruguaiana por tropas do 3º Exército. Temendo a repercussão internacional do episódio, o ditador Ernesto Geisel mandou liberar a entrada e o serviço fúnebre, desde que não houvesse público, manifestações de familiares, de políticos, do povo em geral e cerimônia religiosa. Cerca de 10 mil soldados ocuparam São Borja. Apesar disso, calcula-se que mais de 30 mil pessoas ocuparam as ruas da pequena cidade gaúcha. Desafiando as ordens dos militares, o povo exigiu que o caixão fosse levado antes à igreja. No cemitério, Pedro Simon e Tancredo Neves fizeram discursos de despedidas. Sobre o caixão havia uma bandeira com a palavra Anistia, mas esse processo político, decretado em agosto de 1979, não mais alcançou João Goulart.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Livro retrata a música brasileira em 100 fotografias

 

Reprodução O Globo. Clique na imagem para ampliar


Na terça-feira, 16 de novembro, O Globo publicou no Segundo Caderno uma matéria sobre o lançamento do livro "A história da música brasileira em 100 fotografias" ((Ed.Bazar do Tempo), com curadoria de Hugo Sukman e Rodrigo Alzuguir. A foto destacada na página é de Paulo Scheuenstuhl, da Manchete. Ele foi cobrir para a revista, em 1967, uma reunião de cantores e compositores da MPB que lideravam um movimento para resgate das marcinhas de carnaval. Apesar do esforço, as marchinhas não mais emplacaram, mas ficou a foto histórica. A Manchete publicou essa foto inúmeras vezes, inclusive mapeando os nomes e posições dos presentes. A reprodução abaixo é do livro "Aconteceu na Manchete -as histórias que ninguém contou" (Desiderata)



domingo, 16 de junho de 2019

Franco Zefirelli foi personagem da ópera da Rua do Russell

Zefirelli em 1987, com Bambina: passageiros da Kombi de reportagem da Manchete.
Foto de Rauf Tauile. Reprodução

Em 1978, Manchete levou Zefirelli ao Theatro Municipal. Foto de José Moure. Reprodução

O diretor ficou fascinado pelo Municipal onde, um ano depois, encenou A Traviata.
Foto de José Moure. Reprodução

Zefirelli na mesa de luz da redação, ao lado Roberto Mugiatti e Carlos Heitor Cony. O diretor era figurinha fácil na Manchete onde ganhou um apelido irreverente e para consumo interno: "Tia Zefa". 

por Ed Sá 

Durante alguns anos, Franco Zefirelli foi figurinha fácil nos corredores do prédio da Manchete, no Russell.

Essa aproximação se deu a partir de 1978, quando Adolpho Bloch foi presidente da Funterj e convidou o diretor o italiano para montar A Traviata no Theatro Municipal. Desde então, sempre que vinha ao Rio, Zefirelli visitava a Manchete.

No livro Aconteceu na Manchete - as histórias que ninguém contou, a coletânea lançada por jornalistas e fotógrafos que trabalharam na Bloch, Roberto Muggiati conta que uma das vindas do cineasta provocou um pequeno incidente no Russell. "A nova mulher de um grande empresário do ramo editorial italiano tinha pretensões de tornar-se diva e veio ao Rio para assediar Zefirelli, que rodava pela cidade com sua cadelinha Bambina na Kombi da reportagem da Manchete. A aspirante a Callas conseguiu finalmente um teste, mas precisava de um piano para ensaiar. Adolpho, que se encantou menos pela voz da moça do que pelo "conjunto da obra", pôs à sua disposição o piano do décimo andar, um Steinway de cauda. Era um pretexto para encontrá-la a sós, ao redor do piano, onde havia uma profusão de almofadas e sofás. Deu instruções precisas para que o avisassem quando a jovem chegasse ao prédio. O chefe da portaria na época era um português baixote, seu Álvaro, um dos muitos enjeitados da Revolução dos Cravos que Adolpho adotou. Apelidado de Topo Giggio, Álvaro, metido a conhecer mil e uma línguas, não teve dúvidas quando chegou uma gringa falando arrevesado: mandou-a subir e avisou Adolpho. Ao chegar ao décimo andar, ele teve um choque: a estrangeira era uma professora sessentona de Milwaukee que queria conhecer a Pinacoteca de Arte Brasileira da Manchete no segundo andar. A gafe valeu ao Topo Giggio a destituição do posto", escreveu o ex-diretor da revista Manchete.

Voltando a Zefirelli, ele não frequentava apenas os corredores do prédio, como era personagem recorrente de muitas matérias na revista, especialmente entre 1978 e 1987.

Para os redatores da Manchete, em tempos nada politicamente corretos, o diretor de "Romeu e Julieta", "Jesus de Nazaré", "Amor sem Fim", entre outros filmes, era a Tia Zefa, Claro que esse apelido era pronunciado apenas nas "internas" - "lá vem Tia Zefa", "cadê o texto da Tia Zefa",  "Adolpho que ver as fotos da Tia Zefa"...

O florentino Franco Zefirelli morreu ontem, em Roma, aos 96 anos, sem desconfiar da alcunha caroca e muito menos de que os loucos bastidores da Manchete que frequentou teriam rendido a ópera que ele não fez.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Memória da redação: quando a fotógrafa Annie Leibovitz fez um frila para a capa da Manchete

Jerry Hall na capa da Manchete, fotografada por Annie Leibovitz



Nas páginas internas, entrevistada por Daisy Prétola, com fotos de Carlos Humberto TDC. Reproduções. 


Ao chegar à suíte do Copacabana Palace, no Rio, em 1984, para uma entrevista com a modelo Jerry Hall, a jornalista Daisy Prétola, da Manchete, admirou-se ao ser recebida pelo próprio Mick Jagger, sorridente, falando português.

Quando o fotógrafo Carlos Humberto TDC concluiu a sessão, eis que chega uma outra equipe, comandada por uma mulher, dando ordens em inglês para todo o seu grupo. Ia também fotografar Jerry Hall.

Enquanto a modelo se preparava para posar, a fotógrafa se dirigiu a Daisy Prétola e perguntou se a Manchete não gostaria que ela mesma fizesse as fotos de capa. Prontificava-se também a fazer a produção das fotos e não cobraria nada.

Foi feita a proposta ao diretor da revista, Roberto Muggiati, que quis saber quem era a tão "prestimosa" fotógrafa.

Era Annie Leibovitz, já famosa mundialmente, foram dela as últimas fotos de John Lennon, em 1980, pouco antes do assassinato do beatle. Ela estava no Brasil exclusivamente para trabalhos com Jerry Hall, para as revistas Vogue e Vanity Fair, e com Mick Jagger para a Rolling Stone.

Annie Leibovitz pedia apenas que a revista pagasse a revelação de todo o material em um laboratório especificado por ela.

E assim foi feito. E a capa está lá na edição 1.706 da Manchete.

(do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" (Desiderata). 

sábado, 23 de março de 2019

Bar do Novo Mundo: o último brinde ...

O barman Martins, do bar do Novo Mundo, ontem, às vésperas do fechamento do hotel. Foto: J.E.Gonçalves
O penúltimo show. Foto bqvManchete


Amanhã, domingo, quando o último hóspede do Novo Mundo quitar a conta fechará também um dos mais tradicionais hotéis do Rio de Janeiro. Hoje, esse cidadão dormirá no único dos 227 quartos ainda ocupado. Talvez ele não saiba, mas estará cercado de memórias de um Rio que aos poucos troca de cenários.

Ontem, o bar do Novo Mundo foi lotado pelo público que costuma frequentar os shows semanais que o espaço recebeu nos últimos anos. A cantora Fernanda Fernandes e artistas convidados interpretaram MPB, bossa nova e alguns clássicos do samba-canção. Um repertório, principalmente o último item, adequado para um local que foi uma referência dos Anos Dourados quando o Rio era a capital e o poder morava ali ao lado, no Palácio do Catete. O clima era de despedida. Foi a penúltima sessão. Hoje à noite, o pianista e compositor Osmar Milito fará o último musical do velho bar.

Este blog já citou o Novo Mundo, inúmeras vezes, como uma referência para os jornalistas, fotógrafos e funcionários do setor administrativo da extinta Bloch também ali ao lado.

O bar, aquele pequeno território administrado durante décadas pelo barman Francisco Martins, o lendário Martins, era o posto avançado etílico da Manchete onde o estresse do dia podia ser rapidamente diluído on the rocks, mas ontem, os drinques diluíram lembranças.

No restaurante do Novo Mundo: José Rodolpho, Carlos Heitor Cony, Esmeraldo, Alberto, Orlandinho, Daisy Prétola, Barros, Maria Alice, Roberto Muggiati e Alvimar: almoço comemorativo dos 20 anos do lançamento da Revista Fatos,
em março de 2005.
Foto de Jussara Razzé

No bar do hotel, esticada após o almoço: Maria Alice, Daisy, Esmeraldo, Alberto,
José Rodolpho e Barros. Foto de Jussara Razzé.

Como a de 17 de março de 2005 quando um pequeno grupo se reuniu para recordar o dia em que foi às bancas a primeira edição de uma revista semanal de informação e análise - a Fatos - que circulou durante um ano e quatro meses, não deu certo por vários motivos, inclusive políticos, mas fracassou com dignidade. Depois do almoço comemorativo no restaurante do hotel alguns remanescentes da revista esticaram no bar. Era inevitável que "causos" folclóricos fossem rememorados.  Ali surgiu a ideia de se organizar uma coletânea que reunisse tantas histórias dos bastidores das redações das revistas da Bloch. É assim foi feito. O livro "Aconteceu na Manchete- as histórias que ninguém contou", que nasceu no bar do Novo Mundo, foi lançado pouco mais de três anos depois, em novembro de 2008.

Na coletânea estão vários desses "causos", alguns deles acontecidos exatamente no bar do Novo Mundo e testemunhados pelo onipresente Martins a quem um pequeno grupo ex-Manchete levou um abraço de saideira em nome dos presentes e dos saudosos ausentes.
   

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Memórias da redação - O melhor fracasso das nossas vidas

Hotel Novo Mundo, 2005, almoço comemorativo dos 20 anos de lançamento da Revista Fatos.
A partir da esquerda, José Rodolpho, Cony, Esmeraldo  Alberto, Orlandinho, Daisy Prétola, Barros, Maria Alice, Roberto Muggiati e Alvimar Rodrigues. Foto de Jussara Razzé

por José Esmeraldo Gonçalves 

Em março de 2005, um animado almoço no Hotel Novo Mundo celebrou um fracasso.

Aquele mês marcava os 20 anos do lançamento de um projeto no qual nos envolvemos sob o comando de Carlos Heitor Cony: a revista semanal Fatos, lançada em 17 de março de 1985, como  uma tentativa de adicionar ao portfólio da Bloch uma publicação de informação e análise.

Com Carlos Heitor Cony na Livraria da Travessa,
Leblon, 2008. Foto Alex Ferro
A crise econômica dos anos 1980, a falta de investimento e o desgaste do modelo editorial haviam exaurido a Fatos & Fotos, semanal ilustrada de variedades. Não apenas a revista, mas nós, o próprio Cony, que era o diretor, eu, editor, e o J.A.Barros, diretor de Arte.

Em fins de 1984, ao cair da tarde, após um fechamento quase protocolar tão precário era o conteúdo da revista, concluímos os três que não dava mais. Alguma coisa teria que ser feita.

Na época, Cony estava bem próximo de Tancredo Neves. O mineiro fazia a campanha para a eleição indireta via colégio eleitoral e costumava consultá-lo sobre slogans e outras peças de propaganda. Após a frustração nacional com a derrota da Emenda das Diretas Já no Congresso, a eleição de um presidente civil, mesmo pelas regras da ditadura, abria algumas perspectivas para o Brasil.

Com Barros, na casa do Cony, em uma das "reuniões de pauta"
para o livro "Aconteceu na Manchete". Foto Jussara Razzé
Cony acreditava que os novos tempos teriam um impacto no jornalismo após mais de 20 de chapa branca ou chapa verde-oliva e via o momento como ideal para uma revista de informação. Começamos a esboçar um projeto, definir editorias e colunas. A revista Panorama, da Itália, era uma inspiração inicial por somar o texto informativo a um bom aproveitamento de fotos. Barros desenhou modelos de páginas. A publicação pretendia enfatizar os textos, mas sem romper inteiramente com a tradição e o know how da casa em jornalismo ilustrado.

E assim foi dada a largada. Cony obteve junto a Adolpho Bloch a aprovação para o projeto, incluindo o aval para a contratação de jornalistas e colunistas. Fizemos um número zero e o apresentamos às agências de publicidade. A primeira edição iria para as bancas no dia 17 de março, com a cobertura da posse de Tancredo, uma grande matéria sobre sua trajetória política e pessoal, o novo ministério, os rumos da Nova República, além dos demais acontecimentos da semana em todas as áreas.

Cony contou na Folha como recebeu a informação exclusiva que atropelou o fechamento da primeira Fatos. 
Tudo planejado, menos a fatalidade que iria atropelar o fechamento da nova revista. Quando o Brasil e toda a mídia acompanhavam Tancredo na expectativa da posse, Cony soube por uma fonte exclusivíssima que o mineiro não subiria a rampa do Planalto. Vivemos a situação insólita de começar a refazer páginas da revista, enquanto a TV ainda mostrava os preparativos para a solenidade.

O resto é história. Tancredo foi internado, Sarney virou capa da primeira Fatos, vieram o Plano Cruzado, os "fiscais do Sarney", a euforia seguida da depressão, mais do mesmo, o caos, o clientelismo, a "transição" que preservava muito da força do regime anterior.

Ao longo de 1985, a Fatos seguiu em frente e publicou várias capas e matérias investigativas com relativa repercussão, mas só resistiu a um ano de meio de vida. Nomes e assuntos até então vetados pelo regime ganharam espaço na revista: D.Helder, Prestes, Capitão Sérgio Macaco, a reabertura do Caso Baumgarten, as "casas de tortura" da ditadura, arquivos dos órgãos de segurança destruídos por militares etc. Tais pautas consolidaram internamente a senha para uma campanha Delenda est Fatos. A Bloch, como a França sob as botas nazistas, tinha seus colabôs, que era o termo usado para quem apoiava a ocupação. Assim, a empresa abrigava algumas figuras subalternas perfeitamente identificadas como colabôs do regime militar. E o que era, no início, conversa de corredor, logo ganhou força de boicote que atingiu os setores publicitários, a tiragem, a distribuição e até o pagamentos de frilas e colunistas. Cony resistia, tentava contornar os problemas e se colocava como um escudo a preservar a equipe e o foco no trabalho.

Adolpho Bloch, diga-se, nunca retirou o seu apoio à revista e era através dele que Cony ia conseguido sobrevida para a Fatos. O problema estava nos escalões abaixo, até com um ativismo de alguns colegas jornalistas que trabalhavam em outras publicações da empresa. Adolpho chegou a receber telegramas de falsos leitores que denunciavam a Fatos como um "covil de comunistas" e perguntavam como isso era permitido na empresa. Tais telegramas eram postados por um desses jornalistas em uma agência dos Correios, em Copacabana. O tom era mais ou menos como o das "mensagens de ódio" das redes sociais de hoje.

Aos poucos, a revista foi se tornando inviável, não evoluiu editorialmente como era previsto e teria potencial para isso. Os pagamentos aos frilas e colunistas, obviamente essenciais, ficavam retidos por meses. Em fins de maio de 1986, Cony me convocou e ao Barros, detalhou a situação e perguntou se não achávamos que a Fatos havia chegado ao limite. Não havia como negar, o cerco se estreitava. As mínimas condições de trabalho estavam comprometidas. Foi decidido ali o fechamento definitivo da revista. Cony avisou Adolpho, a quem pediu dois meses para tentar recolocar em outras publicações da Bloch o maior número possível de funcionários. O que foi feito, a operação resgate liderada pelo próprio Cony deu certo. A maioria dos editores comprou a ideia e ajudou a absorver os expatriados da Fatos. De uma equipe que na fase final tinha pouco mais de 20 pessoas alguns optaram por pedir demissão, a maioria foi remanejada para Manchete, Ele Ela, Geográfica etc, três ou quatro foram demitidos. Eram outros tempos, outros "modelos de gestão", e houve quem conseguisse vagas no O Dia, no Jornal do Brasil e no Globo.

O fim da revista foi melancólico. No penúltimo número, com o então ministro Dilson Funaro na capa, aproveitamos as circunstâncias e cravamos na chamada, em destaque, o nosso recado cifrado para o público interno: Sabotagem. O último número, já descaracterizado e fora do nosso controle, trazia Antonio Ermírio na capa como personagem de uma insólita matéria paga. O empresário tinha pretensões eleitorais e ensaiava se lançar na política. A Fatos terminal teria sido usada como veículo para desovar uma permuta comercial pendente com o poderoso dono do grupo Votorantim.

Um desfecho nada honroso. 

Dois dos mais notórios colabôs abriram champanhe para comemorar o fim da Fatos. Dificilmente, até o fim das suas vidas, as duas lamentáveis figuras tiveram algo mais a festejar.


Cony e alguns dos demais autores da coletânea "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou": da esq. para a dir. Alberto Carvalho, Lenira Alcure, Jussara Razzé, Bia Lajta Cony, Daisy Prétola, Maria Alice Mariano, Roberto Muggiati, Esmeraldo, José Rodolpho e, à frente, J. A. Barros. Foto de J. Egberto

Reencontro em junho de 2010, quando Cony lançava o livro  "Eu, aos pedaços": Daisy, Cony, Barros, Lenira, Esmeraldo e Jussara. 

Quanto a nós, no Novo Mundo, brindamos à Fatos, o melhor e mais inesquecível fracasso das nossas vidas.

E foi durante aquele almoço de 20 anos da revista mais loser do jornalismo brasileiro (com toda a honra, obrigado), que surgiu e ganhou corpo, em meio a 'causos' que relembravam as redações da velha Bloch, a coletânea "Aconteceu na Manchete - As histórias que ninguém contou". O que começou como uma conversa à mesa tornou-se um livro de 500 páginas e mais de 200 imagens. Mais uma vez, com a participação decisiva de Cony.


A Folha de São Paulo prestou uma tocante homenagem a Carlos Heitor Cony. Deixou em branco o seu tradicional espaço na página 2.

Para os leitores, simboliza a ausência.

E retrata - para todos nós que por bons tempos convivemos com o amigo - o vazio que fica. 

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Memórias da redação: Há 40 anos, morria JK. Ficaram a história e dois grandes mistérios ligados à Manchete...

Há 40 anos, no dia 22 de agosto de 1976, um domingo, todos os repórteres da Manchete e Fatos & Fotos foram convocados às pressas para ir às redações, na Rua do Russell, onde diretores e editores das revistas iriam distribuir pautas para a cobertura da morte, velório e enterro de Juscelino Kubitscheck. Tudo era urgente, estavam previstas edições especiais que deveriam ir para as bancas em cerca de 48 horas.
Com o país sob o impacto da morte do ex-presidente em um acidente na Via Dutra, as tiragens se esgotaram. Quatro décadas depois, em tempo de Rio 2016 e turbulências políticas, a data não foi registrada pela mídia. JK é história, seu legado político já foi visto e revisto.
O que não se desvendou foram certas e misteriosas circunstâncias que cercaram seu velório no antigo prédio da Manchete. Os jornalistas Carlos Heitor Cony e José Esmeraldo Gonçalves descrevem, abaixo, os estranhos e insondáveis compassos da marcha fúnebre do ex-presidente na madrugada de 23 de agosto no hall do prédio da Manchete. São dois os mistérios: um envolve um surpreendente terceiro caixão que chega à rua do Russell mas se perde na madrugada. O outro levanta a suspeita de uma inesperada troca de caixões.


A edição especial da Fatos & Fotos e as equipes que cobriram o acidente, velório e enterro de JK.
(Clique na imagem para ampliar)



JK: O MISTÉRIO DO RABECÃO SEM RUMO

por Carlos Heitor Cony (*)


No dia 22 de agosto de 1976, fui com o Murilo Melo Filho ao Instituto Médico Legal no Rio de Janeiro, levar o recado de Sarah Kubitscheck, que desejava que  o velório do seu marido acontecesse no hall do edifício da Manchete, uma vez que o Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo, fora o local prévia e e apressadamente escolhido. No carro da empresa, ao passarmos pelo MAM, Murilo e eu vimos pessoas varrendo o enorme hall do térreo e cuidando dos primeiros preparativos para o velório.
Chegamos ao IML O carro com o logotipo da Manchete chamou a atenção da reportagem. Queriam saber o que dois diretores da revista estariam fazendo ali. Evidente que não estávamos ali como jornalistas, mas como emissários de Sarah às autoridades do Instituto sobre as últimas providências a respeito do velório e do traslado no corpo de JK para Brasília.
O repórter Tarlis Batista, o mais furão e devastador que conheci, valeu-se da condição de colega, afastou-se dos demais repórteres e quis saber o que nos levara até lá. Pertencendo a uma revista semanal, não furaria ninguém, nem rádio, TV e jornais que sairiam no dia seguinte. Se fôssemos raptar o corpo de JK ou verificar se ele havia mesmo morrido, Tarlis só poderia dar o furo depois de toda a mídia ter furado o furo dele.
Para resumir, disse que Sarah pedira que o corpo de JK e do motorista, Geraldo, fossem levados ao hall da Manchete, apenas isso. Até aí, a responsabilidade desse relato é minha, Carlos Heitor Cony, brasileiro, portador da carteira de identidade número tal etc.
Entra agora o espírito de porco do vidente cego Allan Richard Way. Ao ouvir o que lhe comunicara, Tarlis disse o famoso "deixa comigo", expressão generalizada em todo o mundo ocidental, mas que parece ter sido inventada por ele. E sumiu na multidão que se espremia na calçada do IML.
Subimos, Murilo e eu, atravessamos corredores sinistros, embaciados por lâmpadas mortiças que iluminavam corpos e pedaços de corpos. Fomos à sala onde estavam o genro do ex-presidente, Rodrigo Lopes, e o médico Guilherme Romano, cuja presença ali me causou tamanha estranheza que, anos depois, me levaria a escrever um livro com a repórter Anna Lee (O Beijo da Morte, Objetiva, 2004). Neste livro, colocamos em questão as diversas versões sobre a morte de JK, embora não assumindo nenhuma delas por falta de provas realmente comprovadas.
Demoramos no IML cerca de 15 ou 20 minutos.Ao sairmos e entrarmos no carro da Manchete que nos esperava, notei que o rabecão do próprio IML descia por uma das rampas laterais que dão para a Avenida Mem de Sá. Espantei-me ao ver Tarlis na boleia, ao lado do motorista. Com largos e enérgicos gestos, batendo com a mão na lataria da porta do veículo, como se marcasse o compasso imaginário de uma ordem policial, ele mandava que o pessoal ali aglomerado abrisse passagem para a viatura, tinha pressa: ele só realizava grandes missões e todas elas tinham pressa.
Na manhã de 23 de agosto de 1976, filas se formam
em frente ao prédio da Manchete para
o adeus a JK.
Reprodução da edição especial de Fatos & Fotos.
Nâo dei importância a Tarlis estar na boleia do rabecão. Já o vira em condições e situações mais transcendentes. Conhecia todo mundo em todos os lugares, diziam que ele comera a atriz Bo Derek e que o Julio Iglesias só fazia o que ele mandava, fora o único jornalista brasileiro que tivera acesso a Frank Sinatra na suíte ocupada pelo cantor no Rio Palace, hoje da rede de hotéis Sofitel. Nada demais que arranjasse carona num rabecão que ia para onde ele desejava ir naquela noite.
Murilo e eu voltamos a Copacabana para dar conta a d. Sarah de que havíamos transmitido sua vontade ao genro, que ali representava a família de JK. Ao passarmos pela Manchete, cerca de 3 horas da manhã, mesmo estando numa pista distante da portaria, vi que havia um rabecão e movimento de caixões. Confesso que não vi Tarlis, mas o adivinhei nas proximidades, ele sempre se anunciava à distância, como os tornados e as baterias das escolas de samba.
Confesso também que tive uma suspeita cruel, uma suspeita formidável, mas nada disse ao Murilo, que estava tenso e comovido com os últimos acontecimentos, que mexiam tão de perto com ele, amigo íntimo de longa data de JK.
Horas depois, voltei sozinho para a Manchete, levando dinheiro para comprar panos pretos a fim de montar no hall alguma coisa parecida com aquilo que os franceses chamam de les pompes funèbres. Dei o dinheiro ao Marechal, continuo especial do Adolpho, que percorreu as lojas da Rua do Catete, que esgotaram todos os estoques de panos pretos.
Armaram duas urnas simples, sem qualquer suntuosidade, cobriram com os panos pretos, que também foram espalhados aleatoriamente pelo hall, e o velório já estava em processo, com pessoas chorando junho aos caixões, inclusive Tarlis, que a lenda garante que estava chorando no caixão errado (era o único que não podia fazer isso).
Por volta das 5 ou 6 horas da manhã, o dia amanhecendo já com bastante gente espremida no hall e outras chegando, inclusive Elio Gáspari, vi entrar, em marcha lenta, um rabecão do IML Por Júpiter! Poucas vezes vi tamanhas caras de estupefação. Tanto o motorista quanto o ajudante que ia ao lado dele olhavam pasmos o velório em marcha, os dois caixões sendo pranteados, tudo nos modos e cômodos de um velório pungentemente sofrido e chorado.
O rabecão quase parou na porta principal, mas os funcionários do IML vendo, como Cristo, que tudo estava consumado, decidiram ir embora, levando a carga não sei para onde - acredito que nem eles sabiam. Pegaram o retorno da Rua Silveira Martins com a praia, junto ao Palácio do Catete, passaram em marcha lenta do outro lado da pista, vi ainda a cara pasmada do motorista olhando para o hall e não querendo acreditar no que via. Como os motoristas de ônibus que atropelam transeuntes e se evadem. O rabecão tomou rumo ignorado.
Não ouso acrescentar mais nada, tampouco concluir. Perdi contato com o vidente cego Allan Richard Way, de maneira que no momento em que lembro esses fatos não posso consultá-lo.


Os caixões de JK e Geraldo Ribeiro eram absolutamente iguais. Reprodução da edição especial de Fatos & Fotos


SURGE A DÚVIDA: QUEM GARANTE QUE O CAIXÃO 
DA ESQUERDA É MESMO  O DE JK? 


por José Esmeraldo Gonçalves (**)


Morre Juscelino Kubitschek no famoso acidente de carro da Rodovia Dutra. Domingo, fim de tarde, João Luiz Albuquerque, chefe de Reportagem da Manchete, convoca todos os repórteres. A notícia acabara de ser confirmada. Estavam previstas edições especiais da Manchete e da Fatos&Fotos. Cheguei à Redação, ouvi as instruções e logo fui às ruas conversar com políticos, gente que trabalhou com JK e alguns dos seus melhores amigos, como Oscar Niemeyer. Creio que já passava da meia-noite quando voltei ao Russell. Era madrugada de 23 de agosto de 1976. Havia uma agitação no hall do prédio. Tudo estava sendo preparado para o velório de JK e de seu motorista, Geraldo Ribeiro, que também morreu ao volante do Opala, mas logo ouvi que tinha uma pedra no meio do caminho. Niomar Muniz Sodré queria que o velório fosse no Museu de Arte Moderna, instituição que presidia. Briga de foice na madrugada pela honra de sediar as exéquias de JK. A Manchete tinha um repórter que, em campo, era um trator. Era Tarlis Batista, que tinha uma característica: era “entrão” e, pelo seu temperamento, desempenhava as missões mais difíceis. Se o acesso a determinado evento era proibido, melhor escalar Tarlis. Ele dava um jeito de furar esquemas e resistências. Era brigão também. Bom repórter. Claro que o saudoso Tarlis foi enviado ao IML, onde o corpo de Juscelino era preparado. Àquela altura, a disputa pelo velório já chegara às portas do Instituto Médico Legal. Pressões políticas, uma palavrinha de amigos influentes, valia de tudo. Murilo Melo Filho, então um dos mais importantes diretores da Bloch, contou recentemente ao repórter Timóteo Lopes do antigo site No Mínimo, que naquela madrugada teve até que subornar funcionários para apressar a liberação do corpo de JK. Adolpho Bloch que, no período em que JK era persona non grata dos poderosos, o recebeu e o abrigou no prédio do Russell, montando um gabinete onde o ex-presidente pudesse se dedicar a escrever e receber amigos, fazia questão de se despedir do velho amigo na casa que foi sua referência derradeira. Tinha razão. Se Murilo e Cony, que também foi ao IML, se encarregavam do trabalho, digamos, diplomático, usando luvas e persuasão para resolver o impasse, cabia a Tarlis meter o pé na porta. E foi o que ele fez, atropelando os procedimentos e convencendo uns e outros a queimar etapas no ritual legal. Na madrugada, com o Russell ainda com pouca gente, praticamente só os funcionários da Bloch, uma Kombi estaciona na porta principal do prédio. Sentado ao lado do motorista, Tarlis dava as ordens. “Encosta mais e vai mais à frente, meu irmão, assim fica melhor para desembarcar o caixão”, comandava. Esse era Tarlis. Na Kombi, vinha o corpo de JK. Não sei se havia um segundo veículo trazendo o caixão do Geraldo ou se os dois vinham juntos. Sob as ordens de Tarlis, os caixões de pinho envernizado, absolutamente iguais, foram desembarcados e dispostos lado a lado. JK à esquerda, seu motorista e fiel amigo à direita. O impacto atingira bastante a parte superior dos corpos. Os dois caixões estavam cobertos de cravos vermelhos que formavam desenhos idênticos. A Fatos&Fotos publicou uma foto de d. Sarah e de Márcia Kubitschek ao lado do caixão fechado. As fotos, na época, não mostram os rostos, nem de JK nem de Geraldo. A manta de flores que cobria os caixões também tinha um detalhe semelhante: uma cruz de cravos brancos. Aparentemente, não havia como distingui-los. A dúvida era pertinente. Quem garantia que o caixão da esquerda era mesmo o de JK e o da direita, do Geraldo? Só o afoito e competente Tarlis, que comandara a ruidosa expedição de resgate desde o IML. Daí nasceram a hipótese e a especulação jamais esclarecidas. O próprio Cony já levantou essa bola em uma das suas crônicas na Folha de S.Paulo sob o título Coisas que Acontecem, publicada em 4 de junho de 2005.
Estou levantando outra. O posicionamento dos caixões semelhantes e sem clara identificação foi aleatório? Apenas convencionou-se, na pressa, ali no Russell ou à saída do IML, qual era o ataúde que abrigava JK? Do prédio da Manchete, o corpo de JK foi levado ao Aeroporto Santos Dumont, de onde, com escala no Galeão para troca de avião, foi transportado ao Campo da Esperança, em Brasília. Anos depois, os restos mortais tidos como os de JK foram exumados e levados para o Memorial, onde permanecem em uma urna de mármore negro. Curiosamente, nenhum membro da família Kubitschek, segundo apurou o jornalista Timóteo Lopes, esteve presente à exumação. Já o corpo de Geraldo foi enterrado no Cemitério São João Batista, no Rio, e, depois, exumado e levado para Belo Horizonte. Eis o mistério. Como diz Cony na sua crônica, “quem quiser que acredite”. Quem cobriu ou acompanhou o enterro de JK sabe que a pressa e o afobamento marcaram a cerimônia.
À ditadura não interessava que o enterro de um líder cuja influência já parecia ter sido contida pelas fórmulas autoritárias - incluindo-se aí o exílio, a cassação e as ameaças de morte - se transformasse em manifestação política contra o regime. De fato, policiais fardados e à paisana, infiltrados no meio da multidão no percurso entre o prédio da Manchete e o Aeroporto Santos Dumont apressavam ostensivamente o cortejo. A ordem, assim parecia, era fazer o séquito bater algum tipo de recorde de velocidade e chegar logo ao aeroporto rumo a Brasília. Para os militares, o perigo era o Rio, o tambor que repercutiria bem mais que qualquer protesto político na capital federal. Foi tamanha a pressa que não foi permitido aos funcionários da Manchete estender sobre o caixão a Bandeira Nacional. Acabei tendo uma participação casual nesse episódio. O cortejo saiu, ou disparou, e à altura do Hotel Glória um dos motoristas da Manchete me pediu que entregasse ao sobrinho de Adolpho, Pedro Jack Kapeller, o Jaquito, um envelope pardo.
Cortejo de JK. Reprodução

Era a bandeira. Por várias vezes, tentei me aproximar do caixão. Um cordão policial e a multidão compacta me impediram. Além disso, era impossível naquelas condições localizar Jaquito.
Quando o cortejo já se aproximava do Aterro do Flamengo, decidi furar o cordão de policiais de qualquer jeito ou JK chegaria ao aeroporto desbandeirado. Foi o que fiz. Rasguei o envelope, desdobrei a auriverde e lancei-a sobre o caixão. O que era para ser um simples favor ganhou pompa e circunstância. O cortejo parou e a multidão cantou o Hino Nacional.
A cena virou notícia dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo. Para quem tem uma biografia que cabe em poucas linhas, como este que vos fala, o episódio já é alguma coisa. É isso: se a História não me registra, nem deve, eu deixo registrado aqui esse episódio. A morte e o enterro de JK resultaram em uma edição especial da Fatos&Fotos que nos custou pouco mais de vinte e quatro horas de trabalho ininterrupto. Saímos cansados do Russell, com a satisfação de colocar uma revista nas ruas, e fomos parar no bar do Novo Mundo, point de incontáveis happy hours.

(*) (**) Textos extraídos do livro Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou - Desiderata, 2008)

domingo, 28 de agosto de 2016

Escultor sugere que estátua de Vinícius seja erguida ao lado da escultura de Tom Jobim, no Arpoador, completando a cena da foto clássica de Carlos Kerr para a revista Manchete, publicada em 1958...

A matéria do Globo sobre a foto da Manchete que inspirou a estátua de Tom Jobim, no Arpoador. Creditada como "Arquivo", a foto hoje clássica é de autoria de Carlos Kerr.

A escultora Christina Motta revelou em entrevista que se baseou em foto da Manchete para homenagear Tom Jobim.
Foto de Ricardo Cassiano/PMRJ

Há cerca de dois anos, o Rio homenageou Tom Jobim com uma estátua no Arpoador.
Na época, a escultora Christina Motta ressaltou em entrevistas que se baseou em uma foto da Manchete.
Na imagem, com o violão ao ombro, Tom parece caminhar no  calçadão de um dos seus locais preferidos na cidade que tanto amou.
No Globo de hoje, na coluna Gente Boa, outro escultor, Edgar Duvivier sugere que Vinicius de Moraes, ao lado de Tom, na foto, também deveria ser lembrado em uma escultura que o mostraria andando, tal qual a cena original da Manchete.
De autoria do fotógrafo Carlos Kerr, essa imagem já clássica foi publicada na Manchete inúmeras vezes. A edição especial Manchete 45 anos destacou e o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" reproduziu a encontro.
O Globo, infelizmente, credita a foto ao "Arquivo". Embora "Arquivo" seja um "fotógrafo" muito atuante e, provavelmente, um dos que mais assinam mais fotos na mídia e em livros, registre-se que Tom e Vinícius posaram para Carlos Kerr em Brasília, em 1958, nas imediações do Catetinho, uma construção em madeira que era a casa e escritório de JK quando o então presidente visitava a capital em obras.
Em fevereiro de 1958,  JK havia encomendado a Tom e Vinícius uma peça musical em homenagem a Brasília. Logo depois, Oscar Niemeyer convidou a ambos para conhecer a cidade em construção, que seria a fonte de inspiração de "Brasília - Sinfonia da Alvorada".
Manchete cobriu com exclusividade o tour do músico e do poeta, que gravaram a sinfonia em 1960. A peça deveria ter sido apresentada na solenidade de inauguração de Brasília em uma grandioso espetáculo de som, luzes e efeitos especiais. Às vésperas da festa, o espetáculo foi cancelado. Conta-se que JK já acossado pela oposição por denúncias de corrupção durante as obras da nova capital recusou-se a pagar o alto preço cobrado pelos produtores franceses do megashow de "son et lumière".
O público só viria a conhecer trechos da "Sinfonia de Brasília durante um programa na TV Excelsior, em São Paulo, em 1966.
Com o golpe que implantou a ditadura militar, JK e tudo o que a ele se referia caíram no limbo da intolerância política.
Só em 1986, com a saída dos generais-ditadores, Brasília conheceu sua música em um concerto na Praça dos Três Poderes.
Assim aconteceu e assim viraram história Tom, Vinícius e a foto de Carlos Kerr.

Segundo a nota do Globo, o escultor Edgar Duvivier sugere que uma estátua de Vinícius seja colocada ao lado de Tom, completando a cena da foto original e histórica de Carlos Kerr para a Manchete

Em outra foto de Carlos Kerr publicada pela Manchete (reproduzida a edição especial Manchete 45 anos) Vinicius e Tom, na mesma ocasião, recostados em uma árvore do cerrado do Planalto Central. 

sábado, 30 de abril de 2016

Memórias da redação: há 30 anos, a imprensa esportiva já discutia se a seleção brasileira devia formar um time-base de "locais" ou se era melhor insistir nos "estrangeiros" não liberados pelos seus clubes para treinar

(do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou")
Em 2007, a imprensa esportiva debatia: a seleção brasileira deveria convocar os jogadores que atuavam na Europa e que raramente são liberados para um período mínimo de treinamento ou se seria melhor formar um time-base com os craques que estavam aqui e que, por isso, podem treinar mais?
A discussão não era nova. Às vésperas da Copa do México, em 1986, o colunista da Fatos, Sandro Moreyra, escreveu:
"Voltou, então, Telê, para dirigir as Eliminatórias e sob aplausos gerais convocou os "italianos", base do seu time em 1982: Zico, Falcão, Sócrates, Edinho, Cerezo, Júnior. 
Da convocação para a Copa do México em fevereiro e até agora, Telê só fez esperar que o joelho de Zico se comportasse bem, que Falcão, Oscar e Sócrates voltassem à forma. Como nada disso aconteceu, a seleção, a duas semanas da estréia, só tem um jeito: é apelar para um milagre".
Sandro Moreya estava certo na sua previsão: o milagre não veio e o Brasil perdeu a Copa nos pés da "geração perdida", na definição do cronista aquele grupo de craques que embora excepcional não foi campeão do mundo.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Memórias da redação - Acredite... houve um dia em que a censura da ditadura resolveu encher o saco da Fatos & Fotos. Olha o documento aí...

A advertência à Fatos & Fotos. Reprodução (clique na imagem para ampliar)
por José Esmeraldo Gonçalves
A revista Fatos & Fotos não era, obviamente, um alvo da censura da ditadura. Mas a paranoia do regime era tanta que até mesmo a F&F, como revista de variedades, comportamento e entretenimento, mexia na TPM do censor, como se vê na advertência acima enviada a Adolpho Bloch, em 1977, e repassada ao então diretor da revista, Justino Martins.
Um decreto-lei de 1970 havia instituído a censura prévia. Na época, a Bloch encaminhou um requerimento à Polícia Federal solicitando que suas revistas fossem dispensadas da aprovação prévia de matérias. Um representante da Divisão de Censura de Diversões Públicas foi ao prédio da Manchete conversar com Adolpho para fechar o "acordo". Não há registro do teor da conversa, mas a PF, como expressa a advertência acima, firmou o compromisso de manter apenas a EleEla sob censura prévia. A revista masculina já era obrigada a cumprir algumas regras do tipo nada de genitais, um peito só visível por foto etc e zero de entrevistas com personagens opostos ao regime. Ainda assim, a Bloch incorporou aos seus corredores um coronel, uma espécie de "consultor",  que era convocado a opinar sobre as consequências de uma ou outra matéria.
Nessa fase, as reportagens políticas da Manchete chegavam à mesa do editor tão assépticas que jamais deram problema. Em outra ponta, a revista exaltava o "Brasil Grande" e as obras do governo, o que certamente agradava aos milicos. Com tudo isso a Manchete teve pelo menos um atrito no item "agressão à moral e aos bons costumes" - acho que uma edição chegou a ser apreendida - por causa de uma foto em página dupla de uma matéria sobre "amor livre" que mostrava trocentos casais nus, deitados na grama. Até a Pais & Filhos teve uma edição recolhida em função de fotos de amamentação que provavelmente ativaram a libido de algum censor.
A advertência reproduzida acima enquadrava a F&F e ameaçava a revista de censura prévia por matérias sobre lesbianismo, Esquadrão da Morte e um chocante assassinato de uma menina. Em outra ocasião - como revela o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" - Justino Martins e o repórter Geraldo Lopes foram convocados à sede da PF, no Rio. Um bandido, que estava preso na Frei Caneca mas que era "liberado" para praticar assaltos, foi morto em um tiroteio supostamente após um desentendimento na partilha do produto do assalto. O repórter descobriu que um delegado, também morto na troca de tiros, participaria do esquema. A revista publicou uma extensa matéria sobre o crime, incluindo a denúncia do envolvimento da polícia. Tão logo a Fatos & Fotos chegou às bancas, Adolpho Bloch recebeu um telefonema do próprio ministro da Justiça, o notório Armando Falcão. Acontece que o policial citado era agente federal. Falcão disse ao Bloch, segundo este revelou, que não se responsabilizava pela reação dos colegas do acusado.
Essa versão - a do suposto envolvimento do policial - sumiu dos jornais e das "suites" do caso.
A convocação de Justino e Geraldo à PF foi pura intimidação, eles logo retornaram à redação. Mas o Ministério da Justiça exigiu que, na semana seguinte, a F&F publicasse uma "biografia" exaltando o perfil e a honestidade do delegado. O que foi feito. E foi assim que o "acusado" de uma semana virou "gente boa" na edição seguinte.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Memórias da redação: o censor que avisou "vou ali e volto já"...

(do livro "Aconteceu na Manchete: as histórias que ninguém contou")
Na sua crônica na Manchete n°2.258, em 1995, o jornalistas Fernando Morais conta o "causo" do "Fantasma do Ataliba". Para os velhos jornalistas, a historia não é nova, mas é bom que a rapaziada da mídia atual conheça a outra metade da missa: "Em 1945, o apurado olfato de Assis Chateaubriand farejou que a ditadura do Estado Novo estava nos estertores. Um belo dia, ele acordou e, sem consultar ninguém, deu a ordem a todos os jornais da sua rede para enxotar das redações os censores do DIP. Secretário do "Estado de Minas", em Belo Horizonte, Carlos Castelo Branco chegou ao jornal e transmitiu a ordem do chefe a Ataliba, o censor que por oito anos decidiu o que o jornal podia ou não publicar: 'Ataliba, hoje você não vai ler o jornal na redação. Se quiser ler o "Estado de Minas" vai ter que comprá-lo na banca amanhã de manhã'. No que o censor respondeu: 'Não tem importância, seu Castelo. Eu vou embora mas qualquer dia eu volto'".

domingo, 10 de janeiro de 2016

Memórias da redação: Mensalão de Mendigo

Jardim em frente ao prédio onde funcionou a Manchete era a "casa" do mendigo Pernambuco
por Jileno Dias (do livro Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou")
Vida de pedinte sempre foi difícil mesmo quando sobreviver nas ruas parecia menos complicado do que hoje. Um mendigo foi certamente grato à excentricidade de Adolpho Bloch. Pernambuco, como era conhecido, "morava" no jardim em frente ao prédio do Russell. Dormia em um velho colchão, encarava chuva, mas fome não passava. Por ordem de Adolpho, Pernambuco era "cliente" do almoço e do jantar da Bloch. Com acesso ao menu variado e de qualidade, o mendigo muitas vezes provava da mesma comida que fora servida a ministros e governadores em visita ao Russell. E a mordomia não ficava aí. Sempre que avistava Pernambuco, Adolpho perguntava: "Como está a vida". "Joinha", respondia Pernambuco, já com a mão estendida para angariar alguns trocados. Ao morrer, anos depois, o mendigo teve as despesas do enterro no cemitério São João Batista custeadas pela Bloch.

domingo, 4 de outubro de 2015

Memórias da redação: um caubói em Copacabana

Reprodução
(do livro Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou")
Anos 50, anos dourados. John Wayne visita o Rio e Manchete o entrevista no apartamento 34 do Anexo do Copacabana Palace. Em sua primeira noite na cidade, Wayne conhece as principais casas noturnas cariocas: Golden Room, Vogue, Casablanca, Acapulco, Monte Carlo. "As meninas são ótimas", diz o caubói. Manchete pergunta:
- "Não acha que o cinema americano está abusando da violência?"
- "Se não fosse a violência, onde estaria eu?" - devolve Wayne.
Antes de se despedir o repórter pergunta ao ator se ele conhecia o idioma português.
- Gostaria de saber o seu idioma, mas até agora só aprendi a dizer 'primo, você é foda".
Curioso, o próprio Wayne pergunta, em seguida:
- O que é foda?
- "É feliz", completa o repórter

sábado, 4 de julho de 2015

Memórias da redação: o dia em que Hebe Camargo viu a coisa ruça na Manchete

(do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou")
O então presidente Sarney preparava-se para ir à União Soviética e a Bloch viu na visita uma oportunidade de lançar uma edição promocional da Manchete, em russo, mostrando as capitais, a indústria, o potencial econômico, a Amazônia, o agronegócio, enfim, o Brasil desenvolvido. Um exemplar da revista - que repercutiu pelo inusitado, foi o primeiro veículo da imprensa brasileiro a lançar uma edição em russo - foi entregue a Hebe Camargo para que ela fizesse uma referência no seu programa semanal. Hebe exultou com a ideia. Abriu o programa com a Manchete na mão, chamando a atenção de todos para a mensagem do presidente Sarney, escrita em russo. O país atravessava uma fase conturbada com as medidas econômicas adotadas em duas versões do Plano Cruzado, Plano Verão, Plano Bresser, que resultaram em congelamento de salários e preços, sumiço de produtos das prateleiras, badernaço etc. A inflação galopava em picos altíssimos. "Que pena!", foram as primeiras palavras da apresentadora ao folhear a revista. "Não estou entendendo a mensagem do nosso presidente. Está escrita em russo. O que será que ele está dizendo aos soviéticos? Porque pra nós, brasileiros, mesmo ele falando português não está dando para entender nada". O auditório caiu na gargalhada.

domingo, 24 de maio de 2015

Memórias da Redação: "Olha o milho abençoado! Quem comprar leva de graça uma medalha do Papa!"

(do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou") 
Entusiasmado com as técnicas de irrigação em Israel, Adolpho Bloch cria a Bloch Agricultura. Em Minas, planta, entre outras coisas, milho selecionado. A primeira colheita é um sucesso. Adolpho se sente "aquele" agricultor. Chega a encher um caminhão de espigas de milho, leva para o Russell e manda distribuir para alguns funcionários. A exemplo da revista especial da Manchete com a visita do Papa João Paulo II ao Brasil, quando um dos contínuos, o Charuto, saiu às ruas com um punhado de revistas para venda avulsa, Adolpho resolve aplicar a mesma técnica ao estoque de milho. Só que as revistas tinham como brinde uma medalha com o rosto do Papa e no verso a N.S Aparecida. Charuto vendeu mais de mil exemplares, plantado no Centro do Rio, oferecendo a revista aos transeuntes. "Chama o Charuto! Ele vai vender tudo! ele sabe!", diz o Adolpho, ao lado da carga de milho, em frente ao prédio da Manchete. Dito e feito. Charuto vai com o caminhão rumo à Praça XV, mas não vende nada. Ao voltar, argumenta: "Mas seu Adolpho, a revista tinha medalhinha do Papa". "Não seja por isso. Manda vir da gráfica as medalhas do Papa que sobraram", comanda Adolpho. Charuto volta às ruas. "Olha o milho abençoado pelo Papa! Quem comprar leva de graça uma medalha do Papa"!!! Resultado: o caminhão voltou vazio. Milagre?

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Memórias da Redação: Na Fatos&Fotos, o mistério da camisa ensanguentada e um quase-crime passional...

(do livro Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" - Desiderata) 
Um repórter namorou uma colega de trabalho. A moça era forte, criada em fazenda, acostumada a correr atrás de cavalo manga-larga. Na época, não era moda fazer musculação, mas aquela jovem era naturalmente "bombada". Já o namorado era um intelectual, dado a mesa de botequim, sem resquício de um Rambo. Uma noite, o casal se desentendeu. Ele, ao volante, ousou ordenar à menina que saísse do carro. A moça aceitou o "convite" para ser largada no meio da rua, já madrugada, mas ao sair, usando os braços como duas alavancas, arrastou o repórter pelo colarinho. Na calçada, deu uns tabefes no rapaz, que botou um pouco de sangue pelo nariz, ensopando a camisa. Sem poder ir para casa, ele voltou ao Russell, guardou a camisa no armário da Redação, conseguiu uma muda de roupa emprestada e foi embora. Anos depois, a revista mudou de sala. Entre livros e papeis recolhidos pela turma da mudança apareceu uma camisa ensanguentada. A notícia se espalhou pela empresa e, como sempre, o telefone sem fio foi multiplicando a história. Oito andares abaixo, o mistério já ganhava outras proporções. "Esfaquearam alguém na Redação da Fatos & Fotos?", perguntava um motorista, de olhos arregalados.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Memórias da redação: dólar furado...

(do livro Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou - Desiderata)
Era uma brincadeira bem-humorada, mas houve quem a levasse a sério. Durante um jantar de comemoração do seu aniversário, Adolpho Bloch distribuiu entre os amigos e funcionários uma nota de 1 dólar. Só que no lugar da efígie de George Washington estava lá, sorridente, a foto do velho Adolpho. Fora isso, a nota era quase perfeita, obviamente sem os detalhes de segurança da cédula americana.
Para Adolpho, era um enfeite inocente de aniversário, como língua-de-sogra e chapéu de cone. No amplo salão do terceiro andar do prédio da Manchete, na Rua do Russell, todos se divertiram com a brincadeira. Até que alguém ainda lúcido mesmo diante do uísque e champanhe da festa alertou para o fato de que a piada poderia ser mal interpretada. Afinal, a Casa era uma gráfica. Caiu a ficha: rapidamente, a nota foi recolhida antes que Washington reclamasse.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Elis Regina, 70 anos, ontem. Relembre a cantora neste texto de Renato Sérgio: "A última vez que vi Elis"

POR RENATO SÉRGIO 
(do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" - Desiderata)

Foto: Reprodução Fatos & Fotos
-“Olha só, Renato, como a minha linha da vida é longa”!
Graças à MANCHETE, eu estava revendo Elis, um ano, cinco meses e sete dias antes daquela triste manhã de 19 de janeiro de 1982, quando ela pediu a nota, mandou fechar a conta e partiu para o outro lado do mistério.
A gente não se esbarrava por aí há 17 anos. Um vacilo mútuo, de parte a parte, por conta de equívocos gerados por um desentendimento profissional e artístico ocorrido em agosto de 1964, quando aconteceu o primeiro show noturno, profissional, da vida dela, num barzinho chamado Bottles, no histórico Beco das Garrafas, berço esplêndido da bossa-nova, numa ruela da Rua Duvivier, em Copacabana.
(Eu era o autor do roteiro e um dos dois produtores-diretores da encenação, embora conste, até em livros, que foram Miele e Bôscoli. Não foram.  Eles fizeram o segundo, não o primeiro, no vizinho Little Club).
Nunca mais nos falamos, nunca mais tinha nem sequer visto Elis. Pois, tanto tempo depois, já estrelíssima, naquele apartamento alugado com móveis e utensílios na Rua Francisco Otaviano, Posto Seis de Copacabana, pousada improvisada durante a temporada do show ‘Saudades do Brasil’ no Canecão, ela reatava nosso papo com toda tranqüilidade, como se não tivesse havido nada além do que um pequeno malentendido que já havia ficado pra trás, na poeira do caminho. E, meio indecifravelmente para quem iria morrer da forma que morreu, dizia-se “uma pessoa que adorava viver”. Foi a última vez que vi e ouvi Elis. Confessando acreditar em todas as coisas naturais e garantindo que a quiromancia sempre foi uma coisa natural. Espalmava a mão, apontava com o dedo indicador da outra e chamava minha atenção:
-“Olha só, Renato, como a minha linha da vida é longa”!
As linhas da mão dela eram umas ignorantes, não sabiam de nada, Elis não chegou nem à pressentida esclerose aos 56, parou nos 36.  Personificação de uma contradição,.pouco depois ela virava as costas e ia embora sem nem dizer adeus. Dos quatro coveiros que fizeram o enterro, Domingos José da Silva, 31 anos, salário-mínimo, nunca teve um disco dela. Quando desceu o esquife ao túmulo número 2.199 da quadra 7 do setor 5 do cemitério do Morumbi, em São Paulo, ele apenas sepultava mais um corpo. Mas calava um canto. E botava um ponto final na carreira turbulenta, porém marcante, de um dos maiores mitos da música popular brasileira.
Era o inesperado fim de um furacão desfeito em pó.
Estava encerrada uma dura caminhada que começou quando ela chegou ao Rio, cantora ainda meio amadora, os aplausos como pagamento, com uma carta de apresentação do PTB gaúcho na mão, pleiteando emprego na Cibrazem. Entre essa carta e o atestado de óbito, uma guerra nada santa, cantando como uma diva, batalhando como um dragão. Deusa e diaba na terra do som. Ficou a voz, em algumas (poucas) gravações. A fala, os ventos levaram.
-“Não preciso de muletas, tenho prazer em me danar e me recompor sozinha”!
 Precisava, sim. Tanto que uma delas a derrotou.
Ela não me parecia a mesma que eu conhecia, naquela horinha meio indefinida em que a tarde começa a  entrelaçar-se  com  a  noite.  João Marcelo em  cambalhotas no sofá da sala ensolarada, o menino Pedro em um braço, a pequena Maria Rita, (de óculos redondos, enormes, para estrabismo), reclamando de qualquer coisa no corredor.  E Elis, impaciente:
- “Ritáaa ... páaara de gritar ... mas que saaaaco!”
Naquele autêntico quadro de família, uma típica dona-de-casa comum, de classe média, em seu cotidiano. Nada a ver com o que se esperava de uma das maiores cantoras populares que este país já teve. Elis tinha razão, quando dizia:
-“É bem mais provável me encontrarem na frente do fogão fazendo a comida dos meus filhos, do que recostada numa ‘chaise-longue’ fazendo caras e bocas de Barbra Streissand em ‘A star is born’ ...”
Nossa longa conversa seria publicada na MANCHETE daquela semana:
“Sei lá, aconteceu tanta coisa em função dessa conquista toda, tanta coisa boa e tanta coisa ruim ao mesmo tempo! E eu tinha uma tremenda insegurança. Agora menos, tanto que já não tenho mais problema de admitir -e de dizer- que a coisa mais importante pra mim é a minha casa. Às vezes você fica com vergonha de assumir uma porção de verdades que, no entanto, têm tudo a ver com nossas vísceras mesmo. Certos tipos de valores que foram importantes pra gente e hoje em dia andam esquecidos. Porque a selvageria está solta, então a competição nos obriga a sermos os melhores e a gente perde muita coisa, mesmo que ganhe essa briga. (...) Comecei a trabalhar com 14 anos de idade, por isso perdi, por exemplo, reunião-dançante. Então, eu já tinha 16 anos e fui correndo comprar uma boneca, quando recebi o primeiro dinheiro, do primeiro disco, ‘Viva a Brotolândia’. Era um boneco grandão chamado Paulinho, de mais de um metro de altura, que dormia comigo toda noite, na cama. Começar cedo a luta tinha me arrancado dos brinquedos. Eu ainda era criança, mas tinha de ser adulta. (...) Só que não tive um avô plantador de azeitonas e uma avó pastora de ovelhas, por parte de mãe, nem dois avós índios, por parte de pai, à toa. E passei minha infância e pré-adolescência morando na periferia de Porto Alegre, onde havia muito verde e tinha cavalo pastando em frente de casa. Eu não me ligo nesse negócio de mar, não, meu referencial é outro, lagoa, rio, mato. Tenho muito a ver com verde, muito mesmo, demais, então quando dizem que eu me escondi na Serra da Cantareira, respondo que estou é me encontrando. Não estou fugindo de ninguém, nem de nada, estou é buscando a mim mesma. Porque, de repente, tive cortados meus primeiros 20 anos de vida sem o ‘degradée’ do desligamento daquilo para uma vida mais urbana e perdi o prumo buscando coisas que não eram tão importantes assim. (...) Por exemplo, cantar é importante, mas implica numa série de situações paralelas que não têm nada a ver com nada!. (...) O importante é estar bem na jogada, tirar o máximo de você mesmo, mas sem que isso tenha que necessariamente nos obrigar a lidar com o paetê, a lantejoula e a tietagem. Melhor é ir deixando o supérfluo na beira da estrada, dali pra diante é só simplificar tudo, sempre. (...) E tem mais: em cena, a gente não canta a mesma coisa exatamente igual, todos os dias, não. Tem o clima geral, eu, os músicos, a platéia, o que aconteceu com cada um de nós, e até o que deixou de acontecer, tem a rapaziada ao redor, os circundantes e os circunstantes, tem tudo que faz  com  que  a  coisa  em  si  se  diversifique.
Do contrário, não haveria quem agüentasse. Tem dia que você faz bem, tem dia que você faz melhor, tem dia que você faz maravilhosamente, e tem dia que você quer se matar de ódio por ter feito uma bela porcaria. Quem está sentadão lá na frente acha  que toda noite é a mesma coisa, sempre. E não é. Nada é tão mecânico quanto parece ser ...”          
(O relógio de parede bate oito horas).  
“Ihhhh, o papo tá bom, mas daqui a pouco tenho de estar no Canecão ... (bocejando) ... tem dias que eu gostaria de ficar em casa, sossegada, emburrecendo diante da televisão ... (risadinha) ... eu não consigo ver mais do que 10 minutos, ficam aquelas figurinhas passando, meu olho vai amolecendo, amolecendo e fim de papo, já estou nos braços do nosso amigo Morfeu. Televisão é ótima, pra dormir! Mas, ligo a máquina de fazer doido no camarim, pra ouvir o som da novela. É que sou do tempo do rádio, tevê só pintou em minha vida quando eu tinha 16 ou 17 anos, os hábitos já estavam consolidados, tricô, crochê ... (irônica) ... trata-se de uma pessoa antiga, sou moça prendada, faço tapetinho de retalho, planto chuchu ...”

Em cada frase uma lição
Se a voz de Elis transmitiu tudo (ou quase tudo) que podia (e deu tempo) de cantar e de repente se calou numa overdose etílico-alcalóide, nada mais a fazer senão recortar pedaços de tanta coisa maravilhosa que ela disse, pipocando, aqui e ali. Em cada frase, acima de tudo, uma lição. 
(Psiu ... silêncio ... Elis vai falar. Ouça).
“As coisas andam tão esquisitas hoje em dia que a gente fica ressabiada de dizer que gosta das pessoas, então inventamos desculpas, compromissos,   só que de repente a gente se toca que não há mais nada a ser feito e que é tarde paca.” * “Tem lances desvirtuados do ser humano que realmente me assustam. Não entendo e talvez morra sem entender as pessoas.” * “O que me abriu os olhos foi o lance do Vinícius. O sorriso dele, morto, me deu a sensação de alguém que estava plenamente satisfeito, porque havia feito tudo o que podia, tinha vontade e capacidade de fazer. E eu daqui a pouco tenho um infarto e danço desta vida sem fazer nada do que gostaria de ter feito!” * “Quando comecei a me gostar, tudo começou a dar certo”  * “Alguma alegria é fundamental. É preciso pelo menos conservar o bom humor, senão a gente se flagra comprando um 22 e dando um teco na cabeça.” * “Os seres criativos são solitários, mesmo se rodeados pelo resto da Humanidade.” * “Tenho pânico de solidão, tanto que já estou aprendendo a jogar paciência comigo mesma” * “Olha, ninguém é imutável, tá? Também faço minhas besteiras, sim. É que, aos 36 anos, de vez em quando me sinto como duas de 18.” * “Estou mais cínica. E perder a ingenuidade é muito ruim. Ainda bem que na hora em que abro a boca fica tudo diferente.” * “Eu sou músico, com letra ‘o’. E não aceito discriminação: meu instrumento é a voz aliada à palavra.” * “Cantar é sacerdócio. Nem ter filho é mais importante do que cantar.” * “Medo? Só de câncer, de avião, de diabetes e de morrer afogada.” * “A gente chega a um ponto da carreira que tem de tomar muito cuidado com o que faz. E com o que diz.” * “Sou mais petulante e impertinente do que eles todos.” * “Por que exigem de mim tanta coisa? Sou boa cantora e  ainda  tenho  de  ser  bem-educada,  pô?”  *  “Estava completamente desequipada para a  vida  e  levei  o  maior  susto.  Não  sabia  que  tinha  tanta sujeira por baixo dos panos, então me  veio  uma  espécie  de  amargura, de ceticismo.” * “Prefiro jogar no ataque, baixinha e folgada. Já se foi o  tempo  em que era escoteira, sempre alerta. Melhor ser Macunaíma.” * “Quero ver o circo pegar fogo, eu de lira na mão, morrendo de dar  risada.  Num  sistema  desses, cheio de contradições, eu é que vou pagar o pato? Só porque Freud achou eu também tenho de achar? Aqui, ó!” * “Não dá pra ficar acomodada, contesto todos os valores que me foram impostos. E não estou aqui pra semear ventos, prefiro que os outros colham tempestades.” * “Já transei análise, mas não quero mais mexer nessas feridas. Não tenho nem estrutura, nem saco. E, depois, quem procura a análise nega a proposta da vida em grupo.”  * “Difícil é descasar, porque, além de tudo, a Justiça é machista.” * “Se seguisse o rumo natural da minha vida, eu seria uma operária têxtil, mas carrego uma anomalia, a de ser boa cantora numa terra em que poucos cantam bem.” * “Pode escrever aí: Elis Regina é uma mulher atenta.“ * “Desde a velha Rádio Nacional que somos um ‘bye-bye Brazil’ sem fim, na base da ‘caravana rolidêi’. Minha idéia era sair num ‘trailer’ por aí, antes que tudo vire Estados Unidos.” * “Sou apenas o meu tipo inesquecível. Apesar de que às vezes me ache uma bela porcaria!” * “Como alguém com um metro e 55 de altura pode se achar bonita? Eu apenas me esforço!” * “Minha cara não está mais quadrada, tipo cara de cavalo. Depois que tive a Maria Rita meus traços deram uma arredondada. Deve ser o equilíbrio da energia.” * “Há cinco anos só uso homeopatia, alimentação natural e acupuntura.” * “Rita Lee é a pessoa mais parecida comigo que eu já encontrei. Mas quem mexeu com as minhas entranhas, balançou meu coreto, foi Caetano.” * “Não consigo mais passar despercebida na multidão e isso é um peso.” * “Aprendi que na ponta da faca não se consegue nada. Tem mais é que ser malandro, chiando o menos possível.” * “As pessoas jamais perdoaram meu sucesso.” * “Não tenho de pedir desculpas. Simplesmente fui passando por certos troços e ficando diferente. Mas não é porque sou notícia que o pessoal pode empastelar minha vida.” * “Não pisem no meu calo, que eu saio dando patada! Sou guerreira, pego metralhadora pra sair atrás de quem me enche a paciência.” * “Isso que está aí não aceito. Não faço parte dessa roda” * “A gente era pobre mas achava muito mais graça na vida” * “Não perdi a esperança, mas tenho certeza de que não vou mudar o mundo. Muita gente mais importante do que eu, uma simples cantora popular, já tentou e não conseguiu.” * “Continuo rindo igual, é verdade, só que mais de vez em quando.” * “A vida não pode ser só isso aqui, senão não teria o menor sentido. Isto é apenas uma passagem. Mas, de qualquer forma, é triste as pessoas só saberem que a gente gosta delas depois que elas se foram.” * “Vou deixar testamento, não sei é se vão respeitar.” * “E através dos meus discos é que vão me julgar. Eles são o meu maior legado para a posteridade.” * “No mais, bicho, o que não dá pra explicar é que dizem que sou a maior cantora, mas quem vende disco é a bunda da Gretchen ...”

ATUALIZAÇÃO EM 20/3/2015

* Chega às livrarias uma nova biografia de Elis Regina. O autor, Julio Maria, entrevistou 130 pessoas, durante quatro anos, para narrar a vida da cantora desde a infância pobre em Porto Alegre até o fim trágico, aos 38 anos. "Elis Regina - Nada Será Como Antes" (Master Books) cita, em vários trechos, os caminhos cruzados de Elis com Renato Sérgio, ex-redator da Manchete, autor do texto principal deste post.