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terça-feira, 12 de março de 2019

Futebol - Coutinho, o maior parceiro de bola que Pelé já teve, foi também um dos craques mais discretos do futebol brasileiro.

Sob o olhar de Pelé, Coutinho marca contra o Nacional, do Uruguai.


Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe


Um ataque que só pensava naquilo: o gol. Eram "os tarados da pelota", no dizer de Nelson Rodrigues em crônica para a Manchete Esportiva. 
Fotos: Manchete Esportiva

por José Esmeraldo Gonçalves 

Ele era a outra extremidade da tabelinha mais poderosa da história do futebol. Na ponta mais famosa estava Pelé.

Aos 75 anos, Coutinho morreu em Santos, ontem.

Foi o atacante que formou ao lado de Dorval, Mengálvio, Pelé e Pepe aquele que é tido como o mais forte ataque já montado por um time de futebol. Para os adversários, eram os imperdoáveis.

Não há registro de queixas de Coutinho à hegemonia de Pelé naquele ataque. Que jogador não gostaria de trocar passes com um gênio e de fazer parte de um quinteto que era reconhecido como lenda em tempo real, enquanto a bola rolava, sem esperar o aval da história? Você já ouviu algum craque do Barcelona se queixar por ter Messi ao lado? Pois é. Coutinho apenas reclamava, dizem, quando nos jogos noturnos em estádios de luz de boate os locutores davam como de Pelé alguns gols que ele fazia. E não foram poucos. Não apenas fez história no Santos: fez gols, 368 ao longo da sua carreira no clube, sem deixar de dar incontáveis os passes para Pelé, que só no Santos goleou 1091 vezes. E, bom lembrar, Pepe, ali ao lado esquerdo, fez mais de 400 gols pelo Santos e também recebeu muitas bolas de Coutinho.

Ele tinha apenas 16 anos quando estreou na seleção brasileira em 1959. Foi convocado para a Copa de 1962, estava em grande fase, provavelmente seria o titular, mas uma contusão o tirou de campo ainda no período preparatório. Foi substituído por Vavá, o experiente centro-avante campeão na Suécia.


Em 1959, Coutinho foi o Personagem da Semana de Nelson Rodrigues na Manchete Esportiva, após o jogo Santos 3 X 0 Vasco, que deu o título do Torneio Rio-São Paulo ao time da Vila Belmiro. O Santos começava a escalada irresistível que o levaria a conquistar quase todos os títulos que disputou entre 1958 e 1967, nacionais e internacionais, incluindo os Mundiais de clubes de 1962 e 1963.

Leia um trecho da crônica de Nelson Rodrigues

"E, além de Pelé, o ataque do Santos tem o Coutinho. Lembro-me que ao ouvir falar em Coutinho, pela primeira vez, tomei um susto. Comentei, então de mim para mim. ‘Coutinho não é nome de jogador de futebol’. De fato, o nome influi muito para o êxito ou para o infortúnio. Napoleão, se tivesse outro nome, já seria muito menos napoleônico. Outro exemplo: por que é que Domingos da Guia foi o que foi? Porque esse “Da Guia” dava-lhe um halo de fidalgo espanhol, italiano, sei lá. Ainda hoje o sujeito treme ao ouvir falar em ‘Da Guia”. Mas o Coutinho tem contra si o nome. O sujeito que se chama apenas Coutinho dá logo a ideia de pai de família, de Aldeia Campista, Vila Isabel, Engenho Novo, com oito filhos nas costas e a  simpatia pungente de um barnabé. Pois bem. Apesar de chamar-se liricamente Coutinho, o meu personagem da semana é um monstro, um Drácula, um “Vampiro da Noite” de futebol. Eu não sei se me entendem a imagem. Mas o Coutinho não sugere outra coisa, senão o sujeito que come a bola de uma maneira, por assim dizer, material, física. Ao sair de campo, parece-lhe escorrer dos lábios o sangue, ainda vivo, ainda efervescente da bola recém-vampirizada.
As inteligências simples, bovinas, atrevo-me mesmo a dizê-lo, vacuns, hão de rosnar. “Literatura!”. Parece, amigos, parece. Mas o povo, com seu instinto agudo, sua vidência terrível, reconhece e aponta os jogadores que “comem” a bola, como se a estraçalhassem nos dentes, fazendo esguichar o sangue da redonda. E se, na verdade, existem os “tarados” da pelota, Pelé ou Coutinho há de ser um deles. Com o doce e inofensivo nome de Coutinho, o meu personagem da semana fez, ontem, contra o Vasco, barbaridades sem conta. A um confrade que veio, de avião, do Pacaembu, eu perguntei: “Que tal o Coutinho?” O colega baixa a voz: “Bárbaro!” Insisti: “E o Pelé?” Resposta; ‘Bárbaro” Fui adiante; “E Dorval? Pepe?” A tudo o sujeito respondia, de olho rútilo; “Bárbaro!” Então eu me convenci, de vez, que o ataque do Santos se constitui, realmente, de sujeitos que não respeitam, pelo contrário, brutalizam a bola e cravam, nela, seus caninos de vampiro. Só o Coutinho fez, contra a velhice genial e quase imbatível de Barbosa, dois gols. Dizem que nas bolas altas ele e tornava elástico, acrobático, alado. O seu salto era realmente um voo.
Guardem esse nome de pai de família e de barnabé: Coutinho. Ou muito me engano ou estará ele no escrete brasileiro que, se Deus quiser, vai ser bicampeão, no Mundial do Chile."

Nelson quase acertou a previsão feita com três anos de antecedência. O Brasil foi bicampeão no Chile. Coutinho, que ele saudou na Manchete Esportiva, não jogou.

A contusão o tirou da seleção, mas não o eliminou da história do futebol.

Foi um dos grandes e, talvez, o mais discreto entre os craques brasileiros.