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sábado, 14 de maio de 2022

Carlinhos (de) Oliveira, na aparente simplicidade...

Carlinhos [de] Oliveira - Rio, 1978 - Foto: Guina Araújo Ramos

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História) 

Há algum tempo eu queria publicar esta foto nos Bonecos da História, não só porque a considero interessante, mesmo não sendo tão especial assim, mas principalmente porque retrata a transcendente e complexa simplicidade de quem, com tanta sutileza quanto acidez, observava a vida da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil em meados do século passado.

Trata-se da foto do capixaba José Carlos Oliveira. Sugerindo a tal simplicidade, ele era mais conhecido (embora também o registrassem, talvez para dar ao nome uma sonoridade que correspondesse a seus textos, como Carlinhos de Oliveira) por, simplesmente, Carlinhos Oliveira.

Quer posso dizer sobre Carlinhos [de] Oliveira?... Não sou, de maneira alguma, conhecedor, ao menos razoável, de obra, mas mero leitor antigo e ralo, apenas do final dos seus 22 anos como cronista do Jornal do Brasil (de 1961 a 1983).

É evidente que sua obra precisa (e merece) forte ressurgência, que até parece começar a acontecer em espaços da Internet (que não sei o quanto são lidos): no Portal da Crônica Brasileira (do IMS), na cobrança de Ricardo Soares, no incômodo de Álvaro Costa e Silva na Folha, a resenha existencialista da revista digital Rubem e também em textos acadêmicos, especialmente sobre o livro Diário da Patetocracia, que reúne crônicas do ano de 1968 publicadas no JB.   

Ainda antes de ser meu “colega” no JB, fiz eu esta foto (à época, com o crédito Aguinaldo Ramos), que foi inserida dentro da entrevista, parte de uma muito sensível série da revista Fatos & Fotos assinada pelo jornalista Renato Sérgio, outro grande jornalista/cronista carioca.

A conversa aconteceu no apartamento de Carlinhos, no Leblon, em rua bem afastada da praia, em frente ao então quartel da PM. Os dois (e eu também) sentados na varanda apertada, em uma conversa tão descontraída (para mim, sentado no chão, algo desconfortável...) quanto a imagem que a ilustra.

Fatos & Fotos Nº 885, 07/08/1978 - Foto: Guina Araújo Ramos

Por valorizar ainda mais a foto, louve-se o trabalho da redação, que a Fatos & Fotos produzia edições gráficas altamente criativas (por exemplo, outra de que gosto muito, o uso de três fotos de Chico Anysio, em show no Canecão, que dá movimento quase cinematográfico à página impressa). 

Não por acaso, Fatos & Fotos foi dos lugares mais prazerosos em que trabalhei como fotojornalista.

O problema é que, estando “sumido” o arquivo fotográfico de Bloch Editores e ainda não digitalizada e disponível a coleção da revista (como já acontece com a revista Manchete na BN), a minha única fonte de recuperação da imagem foi o recorte da publicação original, guardada por mais de 40 anos, de onde “retirei” a imagem através do imprescindível Photoshop, coisa trabalhosa e de resultado certamente apenas razoável.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Dia da Consciência Negra é todo dia!

Clementina de Jesus, 1978.
Foto Guina Araújo Ramos



por Guina Araújo Ramos 

Todo dia... Em todo dia é necessário que os brasileiros reforcem (ou adquiram) consciência da história e das condições de vida da população negra, a maior do país.

Todo dia é dia de luta contra o racismo, contra a segregação social, contra o preconceito de classe, de cor etc, e ainda contra as várias versões de escravidão de que é vítima a população negra, enfim, todas estas violências que atingem os grupos sociais subalternizados e explorados historicamente pela “elite” colonialista brasileira.

E todo dia é dia de celebrar as grandes figuras negras do Brasil. Hoje, por exemplo, uma das nossas maiores vozes: Clementina de Jesus!

É evidente que, dada a desproporção da presença das pessoas negras nos espaços de prestígio e poder da sociedade brasileira, até que não me surpreendi ao perceber que, na minha carreira de fotojornalista, fotografei muito menos negros...

E isto pode ser demonstrado em rápido balanço dos Bonecos da História que publiquei até agora: a presença de pessoas negras não chega a 25%... Pouco, não por escolha minha, mas por indicação profissional alheia, uma evidência do racismo estrutural vigente, porém todos da maior qualidade!

São eles (nas respectivas postagens): Carmen Costa, Lula, D. Ivone Lara, Marielle Franco, Beto Sem Braço e Aluísio Machado, Jorge Ben Jor, Aracy de Almeida, Júnior, Zezé Mota, Caetano Veloso (com Betânia e Gal), Luisinho do America, Jackson do Pandeiro, "Boca de Anjo", Carlinhos Pandeiro de Ouro, Tia Doca da Portela, Cartola, Apoena Meirelles (e Zé Bel), Milton Nascimento, Alcione, Conceição Evaristo, Baden Powell, Paulinho da Viola, Agnaldo Timóteo, Gilberto Gil e Monarco, se deixei de citar alguém...

E, não por acaso, são também negros os protagonistas da série "Foto Monumento": Trabalhador Desvalorizado, Trabalhador Semiescravizado e Torcedor Desanimado.

Clementina de Jesus, 1978. Foto Guina Araújo Ramos

Creio que só fotografei Clementina de Jesus uma única vez, e é uma pena, para a revista Manchete (ou Amiga?), em um show, e já não sei mais qual... E daí são apenas duas as imagens de Clementina de Jesus as que tenho para apresentar n’[Os] Bonecos da [minha] História [no Fotojornalismo]. Outras fotos, aí só mesmo se alguém conseguir descobrir o paradeiro do sumido arquivo fotográfico da Bloch Editores...

Pena que eu não tenha mais do que estas duas fotos, dois “slides” (diapositivos, transparências...), um deles, aliás, muito ruim de foco... 

Lamento, mas as fotografias, além da perda de detalhes do próprio escaneamento, pela ação do tempo (as fotos são de 1978), estão cobertas de manchas, com tendência ao lilás.Uma escassez que me obrigou a considerável esforço de recuperação digital da imagem principal, o que, infelizmente, nunca dá resultado perfeito... Para que se tenha noção, deixei a foto sem foco na condição atual.É pena, mas, no que nos traz Clementina, vale a pena!

https://bonecosepretinhas.blogspot.com.br/


domingo, 18 de abril de 2021

Fotomemória da redação - Félix, o papel do goleiro do Fluminense

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História)

Continuando a modesta série de jogadores que fotografei durante treinos de time de futebol – que não são muitos, não me preocupei em guardar este tipo de material, que o grau de informalidade era muito grande, sem uniformes oficiais etc –, trago um registro feito no estádio do Fluminense, no bairro das Laranjeiras. 

Trata-se do goleiro Félix, apelidado de Papel (pela magreza), campeão mundial em 1970. Só que, à época, não mais atuando como goleiro profissional, mas na função de treinador de goleiros do Fluminense.

Félix no Fluminense - Rio, 1979. Foto Guina Araújo Ramos

Após longa carreira na Portuguesa de Desportos, Félix foi contratado em 1968 pelo Fluminense, e daí convocado para a seleção que disputou (e ganhou) a Copa do Mundo de 1970. Apesar de muita vezes criticado, Félix viveu, no correr da década, a melhor fase da sua carreira, como participante da “Máquina Tricolor” que ganhou cinco campeonatos cariocas e o brasileiro de 1970.

Voltando para São Paulo, Félix continuou próximo ao futebol, dirigindo alguns times e coordenando escolinhas. Faleceu em agosto de 2012, em São Paulo.

A matéria é do meu tempo de colaborador eventual da Manchete Esportiva (que fotografar esporte não era o meu forte...), acredito que de 1979, só não tenho como pesquisar.

Félix no treino, Rio,. 1979. Foto de Guina Araújo Ramos

Certamente era daquelas matérias que fazem um balanço da situação do jogador, agora uma pessoa “normal”. Mostrava que Félix se mantinha no futebol, agora deslocado para a função de treinar outros goleiros. Embora seja uma atividade que tinha tudo a ver com a sua experiência, não creio que a cumprisse com tanto prazer assim, e creio que é o que as fotos parecem demonstrar.

Importante mesmo é relembrar o goleiro Félix, grande profissional que, acima de tudo, e com fundamental atuação, fez parte da equipe mais admirada do futebol brasileiro, o do tricampeonato, na Copa de 1970, no México.

Deste grande feito fui mero telespectador... Passo então a bola ao coleguinha José Esmeraldo Gonçalves, que resumiu muito bem a trajetória de Félix em texto no “Blog que virou Manchete”, ilustrado pela “Edição Histórica da Manchete - Copa 70 - A Glória do Tri”, com fotos de Jáder Neves e Orlando Abrunhosa, e texto de Ney Bianchi.

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sexta-feira, 24 de abril de 2020

Fotomemória: Marisa Berenson no susto, ou quase. Por Guina Araújo Ramos

Marisa Berenson - Rio, 1978 - Foto Guina Araújo Ramos

por Guina Araújo Ramos (do Blog Bonecos da História)

Ao recordar (em Ivan Locci e os perigos que ressurgem) o drama do garoto italiano que foi vítima, no início da década de 1980, de pesadas queimaduras causadas pelo uso descuidado do álcool 70° - um risco que retorna agora, espécie de subproduto da pandemia do COVID-19 - pude também relembrar o seu benfeitor, o cirurgião-plástico Ivo Pitanguy, que praticamente refez nele um rosto quase destruído.

O garoto foi beneficiado pela assumida missão caridosa de Pitanguy, uma obra social (mas pessoal) a que se doava, enquanto atendia, em paralelo, seus muitos clientes, todos famosos, abonados e fundamentalmente vaidosos, e sempre, dadas as circunstâncias, altamente discretos.

Foi bem o caso da estrela cinematográfica, modelo, design de joias, vegetariana holística etc, a atriz Marisa Berenson.



Se a fotografei, em 1978, foi no mais puro estilo paparazzo, na sua saída, altas horas da noite, da clínica do nosso sempre bem relembrado Ivo Pitanguy, que a atendera de forma dita “emergencial”, por conta de um acidente de trânsito em Angra dos Reis, durante as filmagens de uma produção multinacional, Greed, conforme o texto do coleguinha José de Arimatéia na matéria da revista Manchete, de título um pouco exagerado... Um filme que ficou praticamente desconhecido, uma surrealista história que vai do roubo de esmeraldas a um ciclone que causa naufrágios, e que, tendo mesmo ganância como mote, acabou recebendo o estranho título de “O Peixe Assassino”, e vou tentar assistir.

Foram poucas as minhas experiências como paparazzo, e geralmente frustradas, como no caso de Ronnie Von em lua-de-mel no Copacabana Palace (que depois eu conto).

Pois daquela vez deu certo!... Fiquei desde a tarde de plantão na Rua D. Mariana, em Botafogo, sabíamos que ela estava lá. Por volta de dez da noite, veio meu substituto, o colega Paulo Soler (um estudante de Engenharia que, por vários anos, fez o plantão da noite da Bloch Editores, e é hoje Tecnologista em Propriedade Industrial no INPI, Instituto Nacional da Propriedade Industrial).

É exatamente Paulo Soler que aparece na foto da saída do carro da clínica, que fiz do outro lado da rua, com o equipamento da empresa, Nikon F com lente normal e flash Metz tipo “tocha”, um conjunto muito pesado, mas, numa hora dessas, bastante eficiente (apesar de criar sombras na lateral direita do objeto, se a imagem tinha fundo claro).

Esta foto já salvava a matéria, o emprego, quiçá, a pátria!... Mas, fiquei feliz, minha estratégia era tão correta que me dei bem demais! Quando o carro virou à esquerda, pegando a mão da rua, apenas me aproximei da janela (para evitar o reflexo do flash no vidro), enquadrei a artista, que percebi postada no lado esquerdo do banco de trás e fiz a foto. Tudo praticamente no susto, embora, visto o resultado, possa parecer uma foto posada.

Tenho para mim que, não tendo sofrido qualquer notável mácula no seu muito apreciado rosto, ela ficou até satisfeita de ser assim fotografada: afinal, era a prova de que saíra incólume do acidente.
Pelo menos, é como interpreto seu belo meio sorriso ao encarar o flash (e ficaram lindos os seus olhos!), mostrado não ter se assustado com o intempestivo fotógrafo, mais um entre tantos...

Ficamos todos bem, eu, Arimatéia e Soler nos nossos trabalhos para a Bloch, e Marisa Berenson, voltando ao set de filmagem e à sua espetacular carreira profissional.

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sábado, 18 de abril de 2020

Fotomemória da redação: Ivan Locci e os perigos que ressurgem. Por Guina Araújo Ramos

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História

São tempos espantosos, estes, os da pandemia do novo Coronavírus, os da COVID-19. O certo é que nossa geração, em termo mundiais, simplesmente não viveu nada parecido.

O perigo é, objetivamente, mortal, posto que não há cura e nem vacina. Resta-nos apenas uma defesa parcial, uma quarentena indefinida, que teria um prazo final, mas é continuamente estendida enquanto a quantidade de vítimas cresce.

Ao perigo maior, o da contaminação com o vírus, vão se acrescentando outros, que vão de uma possível obesidade, forçada pela angústia que a imobilidade provoca, até os riscos dos acidentes caseiros, incluindo, aliás, as dificuldades de convivência entre parentes que nunca conviveram tanto... Riscos de acidentes que se exacerbaram até mesmo pela falta de prática de muitos no uso dos recursos que têm em suas próprias casas. Ainda bem que uma crise tão profunda trouxe à tona um impressionante movimento de solidariedade coletiva.

Ivan Locci - Rio de Janeiro, 1984 - Foto Guina Araújo Ramos

Daí, me lembrei da criança que, vítima de um desses acidentes caseiros, recebeu, no correr dos anos 1980, um apoio fundamental para a sua recuperação (e integração na sociedade), apesar dos traumas que sofreu: o italiano Ivan Locci, que continua grato ao Brasil.

À época, este era um acidente até corriqueiro: um jato de álcool lançado ao fogo, a partir de uma garrrafa plástica, que retornava ao corpo da pessoa e fazia nele um incêndio particular. As crianças eram as vítimas mais frequentes, a ponto de o álcool líquido ter sido substituído no comércio pelo álcool em gel. Muitos adultos, nos churrascos e nas fogueiras juninas, também sofreram destes males, ou foram responsabilizados pelos sofrimentos de seus filhos (e foi, aliás, o caso do pai de Ivan Locci).
Agora, como recurso na defesa contra a pandemia, o álcool 70° está de volta às lojas, e às casas, e seus riscos também. Diante do caos da saúde pública (que já existia, mas está sendo levada ao absurdo), dificilmente quem se queimar no uso do álcool terá tratamento de qualidade. Nem, muito menos, o tratamento especialíssimo que o garoto Ivan Locci teve, o de ser operado pelo mais importante cirurgião plástico brasileiro (talvez do mundo, à época), o médico, professor e até membro da Academia Brasileira de Letras, o Dr. Ivo Pitanguy.

Ivan Locci - Rio de Janeiro, 1984 - Foto Guina Araújo Ramos

Fotografei o menino Ivan Locci, para o Jornal do Brasil, no anos de 1984, em um pequeno hotel do bairro do Flamengo, durante um dos seus vários retornos ao Rio de Janeiro, para revisão das cirurgias que vinha fazendo desde 1981, as quais recuperaram minimamente as feições do seu rosto.
Fiquei feliz de encontrar agora, revendo o assunto em pesquisa na Internet, algumas imagens recentes de Ivan Locci, de um evento do ano de 2017, em Gênova, na sua Itália natal.

Fico feliz também por recuperar a figura de Ivo Pitanguy, com quem tenho a alegria adicional de dividir a data de nascimento, 5 de Julho, a quem também fotografei, em sua famosa clínica da Rua D. Mariana, mas lamento não ter em mãos estas fotos (creio que para Fatos & Fotos, por conta de alguma celebridade que ele “retocara”, como Marisa Berenson). E nem saber mais como encontrá-las.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Memórias da redação - Canecão, 1979 - João Gilberto fotografado no exato momento em que reclama do som e cancela o show. Por Guina Araújo Ramos

João Gilberto no Canecão, em 1979, reclama do som e cancela o show.
Foto de Guina Araújo Ramos.


por Guina Araújo Ramos

Nunca mais, nunca mais…

Sempre fui um ouvinte casual de música (e não da estrangeira, necessitava entender o que era dito). Ouvia a música que tocasse no rádio, não questionava muito. Música, para mim, era mesmo um fundo musical, sempre fui meio analfabeto no assunto. Quando digo que o único instrumento que toco é campainha de porta estou sendo sincero.

Conseguia diferenciar, sim, a bossa nova dos outros ritmos, mas mal distinguia cantores de cantoras, todos cantavam baixinho… A exceção era Dorival Caymmi, mas pode ser uma certa identificação com aquela coisa baiana, aquele relax existencial… Lembro de um programa da TV Tupi, lá pelos meus oito anos, altas horas da noite, minha mãe me mandando dormir, o baiano deitado na rede com seu violão, entre redes de pescar e coqueiros de papelão. Alguma mágica devia haver na música, mas achava que gostava das historinhas, os pescadores que saíram pro mar na quarta-feira santa, os clarins da banda militar, a morena que se pintou… Já esse outro baiano, João Gilberto, com suas histórias impessoais, deixara apenas um vago registro, como se suas músicas, hoje clássicos, fizessem parte do inconsciente coletivo. Logo viriam outros baianos e depois novos baianos, mas, aí, já não era mais aquela infância…

Então, em 1979, bastante adulto, estava eu, com a máquina fotográfica em punho a serviço da revista Amiga, diante de João Gilberto em pessoa. O agora mito João Gilberto, em uma de suas raras aparições neste ensandecido Brasil que trocara por New York, ensaiando para um show no Canecão.

Estava bem ali no meio do palco, dentro de um círculo de luz, sentado no banquinho, o violão na mão, vestindo seu paletozinho, penteadinho… Uma concessão, sem dúvida. Um privilégio.
Nós fotografávamos do próprio palco, mas de fora do círculo, da escuridão que tomava conta de tudo.

Cristina Zappa, minha professora de inglês no curso da ABI, então fotógrafa estagiária de O Globo, mais neófita do que eu, se mostrava nervosa. Podia ser apenas síndrome de fã, ela nunca me confessou nem uma coisa nem outra… Eu também tinha vivido alguns momentos de nervosismo, de tremer mesmo, no meu início na Manchete. Tinha vencido tais barreiras justamente para estar ali, naquele momento, à frente de João Gilberto. Enquanto ele ajeitava as cordas do violão na ilha de luz do palco, eu colocava uma 135mm e media a luz. Lúcia Leme, repórter consagrada, minha parceria na empreitada (ou melhor, eu dela…) conversava, entre as mesas, com a produção e outros jornalistas. Era apenas um ensaio, mas dava para sentir uma emoção no ar. E talvez, também, alguma aflição…

João Gilberto parecia tranquilo. Dedilhou o violão, cantarolou dim-dim-dom-dom (ou qualquer outra de suas genialidades musicais) e falou qualquer coisa a alguém. Este alguém, num gesto, conseguiu silêncio total e João Gilberto começou a cantar. Cantava qualquer coisa, um barquinho, um cantinho, um violão (é impressionante o que não se ouve quando se está fotografando, e o pior é que geralmente são as melhores músicas…), tocava qualquer coisa, dim-dim-dom-dom, eu estava gostando, ele tocava… Até que simplesmente parou.

Parou. O silêncio continuava. Todos atentos, reverentes. Balançou a cabeça, olhou para a escuridão do fundo do salão, baixou a cabeça e voltou a tocar, dim-dim-dom-dom, cantou mais um barquinho, um cantinho… Até que parou outra vez e falou. O fato é que João Gilberto falava muito pouco. Quando falava, e era pouco, falava baixinho. Quando falava alto, aí, era um acontecimento!…

Pois João Gilberto parou de tocar e falou alto. Falou para a escuridão lá do fundo:

– Olha, não está bom não!

Uma voz nas trevas respondeu qualquer coisa e João Gilberto falou outra vez:

– Eu sei. Mas não está bom não.

Dava para perceber que a voz nas trevas se esforçava para explicar qualquer coisa. João Gilberto propôs:

– Faz o seguinte: baixa um pouco.

Ou “sobe” ou “aumenta” ou “diminui”, uma ordem cifrada dessas. Só sei que “esquece” ele não falou… João Gilberto tentou resolver o problema, sou testemunha, posso jurar. A voz ao fundo, um pouco sumida, disse OK e João Gilberto voltou a se concentrar no violão. Dim-dim-dom-dom, um banquinho, um violão, nosso amor, uma canção, dessa vez eu acho que ouvi..

"Nunca mais, nunca mais..."

Ou talvez não… Mas, que importa, estava eu lá interessado na música?… Não, não estava. Estava interessado nas reações de João Gilberto. Notei que começava a se contorcer. No princípio, só um pouco, o tronco, os ombros, mas, aos poucos, passou a mexer as pernas abaixo dos joelhos, girando o pé na ponta do sapato enquanto tocava e cantava. E o rosto… Percebi uma cara feia qualquer, ainda que fugaz.

Parou de novo. Baixou a cabeça sobre o violão, notei que suspirou. Voltou a falar, de novo em voz alta, lá para o fundo negro de onde vinha o jato de luz:

– Olha, não ficou bom, não. Ficou pior… Faz o seguinte: volta como estava.

Pronto, pensei, o problema estava resolvido. Não ia ser o ideal, o máximo do som, como João Gilberto queria, mas seria o bom, o aceitável, o público iria gostar… Para mim, por exemplo, podia ficar de qualquer jeito, alto ou baixo, mais ou menos, estava bom o tempo todo. Mas, se ele fazia questão, tudo bem, era só voltar ao que estava antes: ele tinha razão!…

A voz lá do fundo disse OK. Silêncio. Cumpre-se o ritual e João Gilberto recomeça a tocar, acho até que voltou a cantar um barquinho vai, a tardinha… Ah, parou!…

Parou e caiu em silêncio, ensimesmado. Ficou ali emborcado sobre o violão algum tempo. Não dá para saber quanto porque estava tudo parado… Respirou fundo e falou lá para o fundo:

– Não, não… Não era assim que estava. Agora, ficou mais alto.

Ou “baixo”, ou “maior” ou “menor”, um problema desses… João Gilberto não parecia contente. Ficou olhando fixamente o foco de luz (ou a escuridão?…) por um tempo, até que a voz cavernosa garantisse que, agora sim!, estava no ponto. Ou nem tanto, que apenas voltaria ao que estava antes.

João Gilberto pareceu aceitar, uma tristeza no olhar…

Tudo de novo, o ritual. Eu, com meu dedo colado no disparador. João Gilberto começou a tocar, dim-dim-dom-dom. Eu senti que havia uma aflição saindo daquelas cordas. Ameaçou cantar um barquinho, o mar, a onda… A tardinha caía, seu rosto se desfigurava, eu batia fotos, sentíamos todos uma dor…

João Gilberto parou de tocar. João Gilberto baixou a cabeça. Acho que tinha uma lágrima nos olhos. Ou eu, eu não conseguia ver bem… Ficou ali, no centro da luz. O silêncio dominava a escuridão. Até que começou a balançar a cabeça, de lado a lado, por sobre o violão. E se ouviu a ladainha:

– Nunca mais, nunca mais!…

Parecia que ia chorar… Balançava a cabeça de lado a lado, desalentado: nada… De repente, insistiu em tocar, apertou as cordas com mais raiva do que fé: nada… A cada acorde, um esgar, uma careta: nada… Tudo aparentemente certo, um banquinho, um violão, mas o som…

– Nunca mais, nunca mais!…

A voz lá no fundo prometeu qualquer coisa, disse que agora sim, qualquer coisa, mas João Gilberto, catatônico, continuava:

– Nunca mais, nunca mais!…

E eu ali me sentindo o pato… Não era muito mais do que isso o que sabia de João Gilberto: bossa-nova, o tal banquinho, o violão, um barquinho, o pato… Agora, estava ele ali, na minha frente, sob a minha mira fotográfica, e era um mito arrasado, um baiano triste, um banquinho manco, um violão rachado, um som quebrado…

Para mim, estava bastante bom, estavam bastante boas as fotos. Até a música estava boa. Mas, que o sentimento era forte, que o momento era cruel, até eu, analfabeto musical, podia sentir. Vi logo que ia dar uma página dupla na Amiga, uma foto ou outra na Manchete. Que essa história ia ser contada em prosa e verso, transformada em filme, lembrada para todo o sempre enquanto existisse um banquinho, um violão, um amor, uma canção…

Não houve mais o show. João Gilberto cancelou, mais abatido que indignado. Houve celeuma, fãs protestaram, jornais criticaram, uma parte parece que processou a outra, parece que vice-versa, sei lá, dizem mesmo que a ditadura teria acabado mais cedo por causa disso…

Virou até literatura: Sérgio Sant’Anna, desencantado mas sarcástico, contou a história no conto (e livro) “O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro”. Depois de um certo voo de imaginação, decretou: o não-show de João Gilberto no Canecão teria sido, afinal, o show de João Gilberto que o Rio de Janeiro merecia. Pode ser… Mas, hoje eu sei: eu mesmo não merecia.

Para se ver quão traumatizantes foram os fatos. Deu para sentir, eu estava lá…

terça-feira, 30 de abril de 2019

Entrevista - Guina Araújo Ramos - "Sem a experiência do jornal e da revista, lá dentro, você nunca será um fotojornalista":


por Guina Araújo Ramos 
Há alguns meses, em meados de 2018, tive o prazer (e a honra) de ser entrevistado sobre minha experiência como fotojornalista no Rio de Janeiro, do final da década de 1970, na Bloch Editores (Manchete, Fatos & Fotos, Amiga etc), no correr dos anos 80 (no Jornal do Brasil e sucursais de Estadão, Folha, Veja, IstoÉ, Visão), durante a década de 1990 e até após o ano 2000 (empresas, como Shell, Furnas, Petros etc),  à época, assinando as fotos como Aguinaldo Ramos.

Falei também sobre o projeto de pesquisa A Foto Histórica (e suas histórias) no Brasil,
Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia 2010. E ainda sobre os livros, baseados no meu acervo fotográfico, que publiquei por Guina&dita (A outra face das fotos, Personagem cabal, Bonecos e Pretinhas) e sobre o blog [Os] Bonecos da [minha] História [no Fotojornalismo. 

Uma das imagens comentadas pelo autor. Leonel Brizola, 1982. Foto de Guina Araújo Ramos

A entrevista foi realizada por Thais Rizzo e colegas do curso de Jornalismo da FACHA como trabalho da disciplina do professor Geraldo Mainenti,  que, não por acaso, foi meu colega repórter na Manchete Esportiva e um tanto pelas ruas do Rio. Mestre em Comunicação Social pela PUC-RJ, Geraldo Mainenti é "Professor de Redação e Edição em TV, Projetos em TV,  Práticas em Mídias, 
Legislação em Comunicação,  Antropologia do Consumo e Orientação de TCC"  na Faculdade de Comunicação Hélio Alonso. A entrevista se deu no Espaço de Exposições do Buriti Sebo Literário.

VEJA AQUI

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Fotomemória - Serão as elites comunistas? O que Luiz Carlos Prestes diria sobre isso? Por Guina Araújo Ramos

Rio, 1980: Sozinho, Prestes deixa a sede da Polícia Federal após depoimento. Ele embarca em um Fusquinha, o táxi da época. A simplicidade da imagem contrasta com o séquito, as caravanas, os jatinhos e o exibicionismo policial em torno do depoentes atuais. Foto de Guina Araújo Ramos

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História) 

Em vídeo que viralizou na Internet, o atual Ministro da Educação, Abraham Weintraub, surpreendeu todo o Brasil com uma declaração bombástica: ”Os comunistas estão no topo do país. Eles são o topo das organizações financeiras; eles são os donos dos jornais; eles são os donos das grandes empresas; eles são os donos dos monopólios".

Realmente, para alguém que tenha vivido (ou se informado sobre) as últimas décadas da História do Brasil, parece difícil perceber alguma verdade nesta afirmação. Logo me lembrei de histórica personagem do movimento comunista no Brasil, que batalhou por múltiplas causas políticas no correr de praticamente todo o século XX, e fiquei tentando (mas não fui capaz de) imaginar o que Luiz Carlos Prestes diria disso...

Tentando entender o momento atual, acabo de encarar a maratona de leitura da sombria trilogia “Os Subterrâneos da Liberdade”, romance memorialista de Jorge Amado, formada pelos livros “Os ásperos tempos”, “Agonia da noite” e “A luz no túnel” (e nem este título alivia o terror que foram aqueles tempos). O autor faz um balanço da ditadura do Estado Novo e descreve a situação desesperadora dos militantes comunistas, perseguidos e torturados pelas forças policiais, ao mesmo tempo que explorados como força de trabalho pelos grandes proprietários, em indústrias e latifúndios. Ao fundo das cenas, além de Getúlio Vargas, se equilibrando entre fascistas alemães (e seus apoiadores integralistas) e imperialistas americanos (e seus sócios da burguesia local), estava todo o tempo a figura de Prestes, o mais importante preso político da época.

Com o fim do Estado Novo, Prestes foi anistiado em 1945, eleito senador pelo Rio e deputado constituinte (assim como o próprio Jorge Amado), vivendo um momento de liberdade que durou apenas até a “redemocratização” do país cassar tanto o partido quanto seus parlamentares...
Mais uma vez perseguido pela ditadura de 1964, Prestes manteve-se na clandestinidade até 1971, conseguindo então sair do país, para se exilar na antiga URSS.

Rio, 1979. Prestes volta do exílio e desembarca no Galeão. O líder comunista fala à multidão,
que reunia delegações de vários estados. Foto de Guina Araújo Ramos.

Prestes acena e agradece a recepção. Foto de Guina Araújo Ramos. 

Apenas no retorno do exílio, em 1979, tive oportunidade, é lógico, de fotografá-lo. E logo desde a chegada, ainda no aeroporto do Galeão (o hoje Tom Jobim), como parte de uma série de coberturas de retornos de exilados (incluindo Fernando Gabeira e Miguel Arraes) para as revistas da Bloch Editores, fotografando para a Manchete, sempre a cores, ou para Fatos & Fotos, em preto-e-branco.
A chegada de Prestes foi das mais concorridas, uma verdadeira multidão encheu o saguão do desembarque e se espalhou pela pista de acesso ao aeroporto, uma verdadeira aclamação.

A partir de 1980, agora pelo Jornal do Brasil, fazendo dupla com o repórter Carlos Peixoto, voltei a registrar os passos de Luiz Carlos Prestes. A princípio, acompanhando a maratona de intimações que sofreu uma delas em outubro, obrigado a comparecer à Polícia Federal, para prestar depoimentos em diversos processos, ainda dentro do quadro da ditadura de 1964. Ficou evidente que mantinha a postura altaneira, muito bem demonstrada na chegada do exílio, mas apresentou também, talvez por fidelidade às suas causas, grande simplicidade.Basta ver que, depois de horas de depoimento, e de ser acossado pelos jornalistas por longos minutos à saída, simplesmente deu alguns passos para um pouco mais distante da Polícia Federal do Rio de Janeiro, em direção à Praça Mauá, fez sinal para um táxi e lá foi ele embora em um fusquinha...

Na sequência da década de 1980, no correr dos eventos políticos em torno do governo João Figueiredo, que levaram ao fim da ditadura, Prestes volta à luta política, agora na legalidade. E resolveu apoiar, ainda que com ressalvas, a candidatura de Leonel Brizola ao cargo de governador do estado do Rio de Janeiro. Nesta campanha, fotografei Luiz Carlos Prestes em contato direto com os operários, a categoria central da classe social cujas causas, na condição de comunista declarado, sempre defendeu. Protegido por um boné em que se lia “Brizola na cabeça”, Prestes falou aos funcionários de estaleiros navais da Ponta d’Areia, bairro operário de Niterói. Apesar do apoio a Brizola na campanha de 1982, Prestes não se integrou ao seu governo, mantendo sempre postura crítica, com presença constante nas manifestações pela mudança do regime ditatorial. Foi já no governo Sarney, em 1986, que o fotografei pela última vez (em um frila para não sei mais que revista), em um evento na ABI, à frente de uma faixa que falava, muito justamente, algo como “o povo não vai pagar esta dívida”... 

Trazendo toda esta trajetória de vida política para este preocupante momento atual, quando novas formas de autoritarismo afloram e, como se percebe das falas de ministros e de outros políticos, há uma tentativa de fazer com que tanto conceitos como a própria História do Brasil sejam forçadamente reescritos, volto, um tanto espantado, à pergunta inicial: como Luiz Carlos Prestes, em outros tempos o Cavalheiro da Esperança, hoje em dia, se estivesse entre nós, ele que deixou como herança toda uma vida de luta contra as poderosas, bem como destruidoras, elites brasileiras, encararia estas inesperadas afirmações?

Afinal, as elites brasileiras (financeiras, midiáticas, empresariais, monopolísticas) são (ou serão) comunistas?

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segunda-feira, 11 de março de 2019

Fotomemória: Cartola, mais um herói do povo brasileiro - por Guina Araújo Ramos

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História)

No Rio de Janeiro, a absoluta campeã do Carnaval 2019, com um desfile consagrador, foi a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.
O enredo História Pra Ninar Gente Grande, dentro do tema "História que a História Não Conta", apresentado pelo samba “Eu quero um Brasil que não está no retrato”, destacou a participação, com uma postura decididamente política, de heróis negros, indígenas e pobres na História do Brasil, a maioria desconhecidos da população brasileira.
Na história da própria Mangueira, há muitos exemplos, além dos que estão no enredo.
Um deles, foi, durante alguns anos no início da idade adulta e por quase dez anos na maturidade, apenas mais um herói anônimo do povo brasileiro, vivendo de biscates, como guardador de carros etc., até ser “redescoberto” pela intelectualidade carioca...
Só que se trata de um dos fundadores da Mangueira, um dos seus maiores compositores, e que, mais tarde, já na velhice, atingiria a máxima glória como sambista e cantor, com a obra reverenciada por críticos e público: Cartola.


Cartola - Rio, 1979 - Foto Guina Araújo Ramos

Ao me que lembrava, fotografara Cartola uma única vez, e por conta própria. Comprara todos os seus discos, cantarolava suas canções, mas ainda não tivera, fotojornalista profissional, a chance de fotografá-lo, muito menos assisti-lo cantar.
Na época, 1979, ele fez alguns shows individuais. Quando eu soube de um, que foi muito simples, no auditório do Colégio Bennett, no Flamengo, peguei a Nikon que usava na Bloch, fui até lá resolver minha carência, tanto a de assistir quanto a de fotografar Cartola. Daquela noite, guardei esta e mais algumas poucas fotos.


Cartola canta - Rio, 1979 - Foto Guina Araújo Ramos

E já me esquecera disso, mas descobri no meu sofrido acervo que, em algum outro momento dessa fase final de sua vida (que Cartola morreu no final de 1980), eu o fotografei em outro show, só que a trabalho, para as revistas da Bloch, talvez a Manchete, que fiz em cor.
Restaram-me apenas dois slides manchados e descorados, e, deles, publico o melhorzinho...

E não há deixar de citar, da própria história do herói, as suas heroínas (que também são nossas), as paixões de Cartola, mulheres que o salvaram (quando não arrasaram), sustentaram, inspiraram e o estimularam a produzir sua bela obra. No final da adolescência, órfão de mãe, expulso pelo pai, encontrou, doente, a salvação nos braços de Deolinda, sete anos mais vivida do que ele. Com a sua perda, o abandono com Donária. E na maturidade, a nossa D. Zica, antiga conhecida que o resgatou das ruas, levou-o de volta à Mangueira, onde viveram na casa verde e rosa, vizinha à de Carlos Cachaça, outro herói local.

E nem se pode dar um merecido crédito a Sérgio Porto, o instigante Stanislaw Ponte Preta, o autor da redescoberta de Cartola, mais um herói do povo brasileiro. Um bom exemplo de como a integração (e a superação de barreiras socioeconômicas) faz um grande bem ao país, o que parece, mas não é outra história...

quinta-feira, 7 de março de 2019

Fotomemória do carnaval - Fantasias recuperadas da Nikon de Guina Araújo Ramos

Evandro de Castro Lima - Hotel Glória, Rio, 1985. Foto de Guina Araújo Ramos


Mauro Rosas, Sambódromo Rio, 1984 - Foto de Guina Araújo Ramos 


Clóvis Bornay (à direita), Hotel Glória, Rio, 1985 - Foto de Guina Araújo Ramos

por Guina Ramos (do blog Bonecos da História) 

Apenas uma vez, vivi a emoção de fotografar o maior (na época) concurso de fantasias do Brasil, o do baile do Hotel Glória, no Rio de Janeiro, e isto aconteceu na Terça-feira Gorda do Carnaval de 1985, naturalmente quando ainda não haviam destruído o Hotel Glória...

Marlene Paiva, Hotel Glória, Rio, 1985 - Foto de Guina Araújo Ramos

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Wilza Carla, Hotel Glória, Rio, 1985 - Foto de Guina Araújo Ramos
Tive esta preciosa oportunidade quando trabalhava no Jornal do Brasil. Pela primeira (e única) vez, lá estava eu, cercado pelas fantasias de campeões de muitos carnavais: o hors concours Clóvis Bornay, Mauro Rosas, Marlene Paiva, Wilza Carla etc...

Uma grande emoção, mas maior seria se eu soubesse que estava fotografando o último desfile de Evandro de Castro Lima, uma perda irreparável para esta arte, que ele morreu poucos dias depois, dia 24/02, o domingo seguinte ao Carnaval de 1985.

Cobri o Carnaval do Rio a partir de 1977, ao entrar para a Bloch, de início o Carnaval de rua, mas logo também os desfiles das Escolas de Samba. E simplesmente porque mandavam para a Avenida praticamente todos os fotógrafos, inclusive os iniciantes, ao menos uns 15: o Carnaval era o carro-chefe da Manchete, e a cobertura era total!

Em compensação, tenho esta foto dele no Sambódromo (quase certo de que é de 1984), dando entrevistas antes do desfile, ao, corajosamente (depois da queda de 1980), repetir o ato de desfilar sobre um precário carro alegórico. Mas a tarefa de fotografar desfiles de fantasia, que ocupavam incontáveis páginas duplas na Manchete (e em outras revistas do grupo), ah, este era trabalho exclusivo para um seleto grupo de fotógrafos.

Apenas os mais experientes no uso das câmeras de formato 6x6cm, das Rolley Flex às Hasselblad, ou, em suma, os que tinham tanto muita experiência no fotojornalismo quanto a autoridade, entre os carnavalescos, para, por exemplo, parar tudo e colocar aqueles sensíveis e vaidosos artistas postados lado a lado à sua, à nossa, frente. Eu, que estava ali para fazer apenas um registro quase ocasional, para um jornal diário, e realmente não tinha esta preocupação: usava a minha Nikon 35mm, que me dava mais agilidade jornalística, mas, mesmo com as luzes da televisão, não dispensava o flash... O que não significa que não tenha me aproveitado (assim como vários dos “coleguinhas” de jornal) da iniciativa deles, e isso bem que pode ser percebido em alguma dessas fotos.Entram aqui, então, algumas das que pude preservar, com muitos dos grandes concorrentes da noite. Nem todos, infelizmente, identificáveis por mim, nem ali na hora (que esta não era tarefa de quem escrevia o texto, mas só eles ou elas conseguiam saber tudo sobre os artistas) e muito menos agora.

Até porque, pelo que vejo numa rápida pesquisa, há muito pouco desses registros nas aceleradas páginas da Internet.

Vale a intenção.E fica a lembrança.

Aqui, nos Bonecos da História, o melhor registro possível daquele desfile.

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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Fotomemória: Boca de Anjo no palco do povo...

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História

A série "Bonecos da [minha] História [no Fotojornalismo]" recupera uma figura que foi bastante conhecida, em especial dos fotógrafos, nas praças e nas feiras mais populares no Rio de Janeiro na década de 1970, um pouco menos, um pouco mais.

Foi o povão que lhe deu o nome artístico: Boca de Anjo.

Boca de Anjo - Rio, 1976 - Foto Guina Araújo Ramos

A espetaculosa figura me reapareceu há poucos dias no Facebook, numa postagem do perfil de Ricardo Beliel, colega que conheço desde os tempos em que me iniciei como fotojornalista nas revistas da Bloch Editores, em 1977, quando nos classificamos para o Curso Bloch de Fotografia, um dos caminhos mais valorizados, na época, para entrar na profissão (neste ano, por exemplo, foram mais de 800 candidatos para 30 vagas).

Na postagem, Ricardo Beliel, com uma foto de 1973 (uma entre tantas de alta qualidade que compõem o seu acervo), identifica o artista de rua como Boca de Anjo, apelido que é confirmado por outros colegas. Eu até já me esquecera disso, mas relembrei ter ouvido o nome à época. Agora, no entanto, gastei bastante tempo na Internet, mas não consegui qualquer outra referência a ele, e muito menos cheguei à sua verdadeira identidade.

Eu o fotografei em 1976, ele e os seus malabares de (quase sempre) fogo, numa roda de encantados espectadores, num domingo qualquer de sol, nas proximidades da antiga feira nordestina do Campo de São Cristóvão, junto à obra de um acesso à Linha Vermelha (as barras de aço ao fundo), em frente ao Colégio Pedro II, numa área geralmente vazia da grande praça do Campo, perto do início da Rua São Luiz Gonzaga, aquela que sai dali e bem que vai para Benfica...

Na época, fui algumas vezes à feira, como exercício fotográfico para os seguidos cursos que fiz no Senac da Rua Mal. Floriano, mas também por iniciativa própria (e com amigos), que era a grande, única do tipo, feira popular do Rio de Janeiro. A feira de São Cristóvão, a original, era montada, nos domingos de manhã, em torno do elegante pavilhão de exposições, desde a época da sua construção, no final dos anos 1950. Depois de várias ameaças de proibição, acabou oficializada nos anos 1990 e transferida, na década seguinte, devidamente “reciclada”, para o interior do pavilhão.

Não apenas nós dois fotografamos Boca de Anjo... Imediatamente, colegas da época (como Januário Garcia, Marco Antonio Cavalcanti, Rogério Marques, Custódio Coimbra) se manifestaram, pois o conheciam, tanto dali quanto do Largo da Carioca. E sempre fazendo a mesma performance, vestido com um “roupão” típico de palhaços, controlando os malabares de fogo e, ao mesmo tempo, se balançando sobre uma pequena tábua enlouquecida sobre um rolete de madeira. Nisso, comparado a tantos outros artistas de rua, e apesar da dificuldade da arte, talvez até nem se destacasse tanto...
O que realmente atraía o público era uma mistura de muito bom humor nas falas, enquanto se mantinha no limite do equilíbrio, e a exorbitância de exageradas caretas, que fazia destacando os olhos e os dentes (ou a falta de muitos deles), o seu principal recurso cênico. É certamente em relação a este ponto, e de muita ironia (popular também), que lhe adveio o apelido...

Pois, agora, mais de 40 anos passados, me vem à mente uma preocupação (ou melhor, uma "pós-ocupação"...): como terá sido o final da vida (que suponho já tenha ocorrido) do Boca de Anjo?

Aliás, quem realmente era Boca de Anjo? De onde viera? Do que ele vivia? Apenas dos espetáculos improvisados (mas bem treinados) na rua ou de algum outro trabalho? Tinha uma profissão, digamos, “normal”? e conseguiu se aposentar? Teve uma velhice minimamente confortável? Quantos anos teria na época dessa foto, quantos anos viveu?

E não consigo deixar de extrapolar para os tempos atuais... E as tantas pessoas, cada vez mais, que vivem, que continuam vivendo, no Brasil, como artistas de rua? Como elas conseguem viver? E, afinal, qual será o futuro delas?

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Fotomemória: D. Nylza, a mãe aos 100 anos. Por Guina Araújo Ramos

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História

Queiram perdoar os possíveis leitores aqui chegados, mas gostaria de esclarecer que, na verdade, o pomposo título “Os Bonecos da História” encobre (não muito, que também está no cabeçalho do blog...) a minha intenção de publicar “os bonecos da minha história no fotojornalismo”, com a devida ressalva de que o conceito de “fotojornalismo” significa, aqui, um qualquer registro fotográfico que eu tenha feito por aí...

Daí que, ainda que pública, a postagem do momento é muito particular, é pessoal mesmo. A figura retratada e relembrada aqui é ninguém mais ninguém menos do que minha mãe, a (pelo menos no meio da parentada) famosa D. Nylza.

O motivo está antevisto no título: D. Nylza completaria hoje (ontem), 1º. de Janeiro de 2019, exatos 100 anos da vida. Não chegou lá, mas viveu até 15 dias antes dos seus 99 anos, sempre com a lucidez e o bom humor que aliviava as dificuldades da nossa vida.


D. Nylza, 1977, foto de Guina Araújo Ramos. "Foi feita por volta de 1977,
eu já profissional, trabalhando na Bloch Editores, num dia qualquer em que voltei à última casa
em que morei com ela e com meu pai. Entrando pelos fundos do apartamento térreo, em Olaria,
subúrbios da Zona da Leopoldina, Rio de Janeiro,
eis que a surpreendi no comando do fogão".

D. Nylza (e era assim que todos a chamavam, inclusive todos os filhos, às vezes meio ironicamente) nasceu na fazenda Cataguá, no vale do Rio Paraíba do Sul. Era filha de um cearense que, com três irmãos, tentou recriar os bons tempos dos grandes lucros do café e de uma orgulhosa filha das elites locais, então já não tão mais poderosas. A empreitada não deu certo e Seu Miguel e D. Hermínia mudaram-se, com os seis filhos, para Areal, na época ainda distrito do município de Três Rios. 

Oscar e Nilza nas Bodas de Ouro. Foto de Guina Araújo Ramos, 1985

Com apenas 16 anos, casou com Seu Oscar (ele, aos 27), seu companheiro de toda a vida, ela sempre a dona da casa, criando os seis filhos, ele sempre na estrada, com caminhão, lotação ou ônibus, na autonomia ou não, conforme a época.

Em 1948, a família se muda para Duque de Caxias, com meu pai trabalhando no transporte de areia para a construção do Maracanã. Daí que, em 1950, em plena Copa do Mundo, eu nasci no Rio de Janeiro, no Hospital do IAPETEC, hoje Federal de Bonsucesso.

A família morou em alguns bairros da Zona da Leopoldina, de Cordovil a Olaria, até que os dois, agora sós, voltaram a Areal, no princípio dos anos 1980. Lá, D. Nylza ficou viúva, em 1988, e de lá veio para sua temporada final, nos últimos quinze anos, com filho e netos, em Caxias.

Entre tantas fotos que fiz de D. Nylza, qual eu deveria escolher para a abertura desta postagem?...
Pensei até em capturar uma imagem no vídeo da visita de D. Nylza ao Pão de Açúcar, este evento que significou o cumprimento de uma velha dívida familiar. Afinal, descobri qual seria a foto: justamente aquela que ela própria havia escolhido!... Foi feita por volta de 1977, eu já profissional, trabalhando na Bloch Editores, num dia qualquer em que voltei à última casa em que morei com ela e com meu pai. Entrando pelos fundos do apartamento térreo, em Olaria, subúrbios da Zona da Leopoldina, Rio de Janeiro, eis que a surpreendi no comando do fogão. No susto, para ela, faço a foto! Sua expressão, mais de satisfação do que de espanto, até hoje me alegra. Desde que lhe entreguei uma cópia, há mais de 40 anos (tantos que as cores até se perderam), nunca mais deixei de ver esta foto, "o susto de D. Nylza", em uma parede sempre nobre de qualquer das casas em que morou.

D. Nylza homenageada. Foto de Guina Araújo Ramos, 2015. 
Das tantas outras, destaco esta, que transformei em cartaz.

É que nos últimos anos, a partir de algum impreciso momento, passei a considerá-la, em alguns contextos e de maneira certamente simbólica, e particularmente como forma de reconhecimento à sua luta pessoal, uma espécie (simpática, acho eu) de representante do próprio povo brasileiro.

sábado, 22 de dezembro de 2018

Fotomemória - Reacionário ou não? Veja Nelson Rodrigues em um dia de ativista...

Rio de Janeiro, 1979. Nelson Rodrigues participa de reunião de artistas contra a censura de peças teatrais. Daniel Filho conversa com Nelson, que está ao lado de José Wilker e, de blusa branca, Lucélia Santos. Foto de Guina Araújo Ramos (("É  a única foto que me restou, uma ponta de filme que ficou rajada pelo efeito, não sei, do revelador ou do fixador, talvez" )

por Guina Araújo Ramos (do Blog Bonecos da História

Fico sabendo que, nesta data (ontem, 21) , há 38 anos, em 1980, a morte fechava o pano da peça, daquela peça que ele era, o famoso “teatrólogo, jornalista, romancista, folhetinista e cronista de costumes e de futebol brasileiro, e tido como o mais influente dramaturgo do Brasil” (nos termos da Wikipédia), ou seja, o “reacionário” Nelson Rodrigues.

E ele até gostava de se intitular assim... Fez altos elogios aos governos militares, inclusive o do Gal. Médici, o mais radical deles.

Porém, a vida é assim, a vida é como ela é... O destino sabe ser cruel também fora das peças de Nelson Rodrigues... Eis que seu filho Nelsinho passou a lutar contra a ditadura, foi membro do MR-8, e daí preso, torturado, processado várias vezes. Pai e filho, juntos: seu pai não o abandonou, até conseguiu que fosse libertado. Só que o filho não aceitou e ainda fez greve de fome, com outros presos, e foi solto em 1979. E o próprio Nelsinho fala de Nelson Rodrigues: ““O velho já falava em amnistia desde 1975, e escrevera que eu tinha sido torturado, e era contra amnistiar torturadores. Então você já vê que reaccionário era. Ele se dava esse adjectivo por ser contra o comunismo. Era um artista. Foi o cara mais censurado do Brasil.””

Se até Nelson Rodrigues era, será que todo artista, afinal, também não será sempre progressista?

Fotografei Nelson Rodrigues apenas esta vez, para a Amiga, da Bloch Editores. Lembro-me apenas vagamente das circunstâncias... Terá sido uma reunião de artistas para tratar da questão da censura às peças de teatro. E o destaque foi justamente a presença de Nelson Rodrigues, certeza de mais estofo à causa, pela sua importância como o mais importante dramaturgo do Brasil.

É a única foto que me restou, uma ponta de filme que ficou rajada pelo efeito, não sei, do revelador ou do fixador, talvez. Nela, consigo reconhecer, à sua frente, Daniel Filho. E, ao seu lado, José Wilker e Lucélia Santos.

E quem, ao fundo, de camisa listrada? E a loura de blusa estampada, quem será?

ATUALIZAÇÃO EM 8/2/2019

por Guina Araújo Ramos

Bonecos em errata...

Eis que neste início de Janeiro de 2019 surge esta informação: toda a coleção da revista Manchete foi digitalizada pela Biblioteca Nacional!

Ótima notícia!... Ora, tratei de dar uma olhada no material publicado com o crédito “Aguinaldo Ramos”, e tomo conhecimento da pauta que me levou a esta foto do gênio Nelson Rodrigues cercado por artistas de teatro e de cinema. Mesmo que o assunto tenha sido coberto para a revista Amiga, uma das fotos foi publicada na Manchete, na coluna Gente.


Foto: Reprodução: Manchete # 1853, 1980.

Muito “vagamente”, como escrevi, eu me lembrava das circunstâncias da foto (e foi bom ter alertado logo)... Reconheço o exagero. O tema não era tão dramático como imaginei (“a questão da censura às peças de teatro”), ainda que tendo algo de polêmico...

O motivo era profissional, diz a matéria: um encontro do elenco, mais o diretor Braz Chediak e do produtor Pedro Carlos Rovai, com o autor Nelson Rodrigues. Tratava-se da preparação da nova versão cinematográfica da peça Bonitinha Mas Ordinária (grafada assim na revista), a ser filmada naquele ano de 1980 (mais uma correção a fazer: esta data, na legenda da foto).

Teria sido uma reunião para “debater o texto e estudar aspectos técnicos da obra”, mas, é evidente, não passou de uma forma de divulgar o projeto...

O filme, que recebeu o título “Bonitinha, mas Ordinária ou Otto Lara Resende” (fazendo jus ao da peça), foi lançado em 1981. É a segunda versão para o cinema da peça, escrita em 1962 e que foi imediatamente encenada, com Teresa Rachel no papel-título. A referência a Otto Lara Resende se deve à frase “o mineiro só é solidário no câncer”, atribuída por Nelson Rodrigues a ele, repetida muitas vezes na peça.

Nelson Rodrigues com o elenco de filme - Rio, 1980 - Foto Guina Araújo Ramos

O primeiro filme da série “Bonitinha mas Ordinária” é de 1963, na esteira do sucesso no teatro, com a dupla Odete Lara e Jece Valadão. Uma terceira versão de “Bonitinha mas Ordinária”, com direção de Moacyr Góes, com Leandra Leal, foi filmada em 2007 e 2008, e lançada apenas em 2013, parece que sem muito sucesso.

Por aí se vê que nem todo registro fotográfico guarda em si a síntese (ou o sentido) do evento que lhe deu origem (outro bom exemplo pode ser a foto de Nelson Rodrigues com a camisa do Flamengo ao lado de Zico), nem dá certeza a qualquer interpretação subjetiva, nem mesmo do autor, e ainda mais quando se tem apenas uma única foto remanescente...

A aparente dramaticidade desta imagem que me restara (um fotograma, ponta de filme, e em preto e branco, o que potencializa ainda mais a sensação) não correspondia ao tipo de encontro que fotografei, informação que outra fonte de informação, a cópia da revista, bem o demonstra. 


A História é assim mesmo, sempre duvidosa...


domingo, 18 de novembro de 2018

Zico, Flamengo e memórias de um fotógrafo-torcedor. Por Guina Araújo Ramos

Zico e Bruno, 1978 - Foto de Guina Araújo Ramos
E, da mesma sequência, a imagem que virou capa da
Manchete Esportiva. Foto de Guina Araújo Ramos



por Guina Araújo Ramos

A data real de fundação do Clube de Regatas do Flamengo é 17 de Novembro de 1895, mas seus fundadores, certamente influenciados pela ainda recente Proclamação da República, registraram como data oficial o 15 de Novembro, o que é, talvez, a primeira das muitas contradições deste clube de elite que se tornou o mais popular do Brasil, quiçá do mundo...

Além do esforço por sucesso na nobreza das regatas, os primeiros atletas flamenguistas logo se voltaram para o futebol, prática mal vista pela elite carioca. Por alguns anos o time apenas disputou amistosos, até a chegada de um time inteiro de futebol, dissidência de outro clube ainda mais esnobe, o Fluminense.

A mudança progressiva no perfil dos torcedores (não o da diretoria...) foi efeito não só das vitórias, a partir dos anos 1920, mas da expansão do rádio, com a formação de cadeias nacionais para a transmissão dos jogos, que tornaram conhecidos os times cariocas em todo o Brasil. Cresceram principalmente, com os bons resultados nas décadas de 1940 e 1950, as torcidas de Vasco e Flamengo, e esta, no Rio, também era estimulada pela Charanga, uma bandinha irritante na arquibancada...

A partir de meados dos anos 1970 e até início dos anos 1990, o Flamengo novamente recebe uma onda de torcedores: outra excelente fase de vitórias!... É então que brilha o maior de todos os jogadores lendários do Flamengo: Zico.

A partir da Era Zico, o Flamengo continua a sua epopeia, sempre na primeira divisão nacional, com seis títulos brasileiros (incluindo o nacional de 1986) e até ultrapassando o velho rival Fluminense em campeonatos cariocas, muitos já no século XXI, com destaque para o show do gringo Petkovic, em 2001, na final contra o Vasco.

A esta altura, Zico (Arthur Antunes Coimbra), maior artilheiro do Flamengo, que também jogara na Itália e Japão, tornara-se técnico de futebol, trabalhando nos mais inesperados países.

Com esta história, simplesmente o Flamengo acumulou a maior torcida no mundo, cerca de 40 milhões de torcedores... Inclusive eu, desde os cinco anos de idade, ao ver o Fla tricampeão (1953-54-55), e justo sobre o América, para o qual meu pai me catequizava (tema, emulando Guimarães Rosa, do premiado conto Grã Decisão: Viradas).

Meus primeiros contatos com Zico se deram nos tempos em que trabalhava na Bloch Editores, em matérias para a revista Manchete Esportiva, onde, em geral, cobria esportes amadores (a concorrência fotográfica era grande...). Desta vez, a tarefa era uma foto bem posada, típica das revistas da Bloch Editores, de Zico com o seu recém nascido filho Bruno, ambos com camisas do Flamengo, é lógico. Apesar da forte sombra do flash direto, de certo modo uma falha técnica (desculpável, talvez, pela minha pouca experiência ou pela emoção de torcedor), a foto foi capa da revista.

Outra passagem na Bloch que levo divertidamente na memória é a de um plantão de fim de ano (1978, 1979?), em que me colocaram de acompanhante do tão efusivo quanto sério do repórter Tarlis Batista, “o repórter das missões impossíveis”... Íamos cobrir um réveillon de luxo, se não o do Copacabana Palace, o de algum outro luxuoso salão do bairro. Só que ele sempre inventava algo mais... Veio logo avisando que iríamos registrar também a passagem do ano na casa do Zico, na Barra. Precisando estar tanto na Barra quanto em Copacabana no mesmo momento, à meia-noite, foi necessário que fizéssemos, na casa do jogador, uma simulação (e nisso ele era muito bom, tinha prática). Depois viemos da Barra em desabalada carreira, na medida em que o engarrafamento nos permitia, para cumprir a pauta da cobertura do réveillon, a contagem regressiva, o espocar de champanhe, em Copacabana. É claro que chegamos um pouco atrasados, mas nada que uma nova simulação não resolvesse...

Em Junho de 1980, me transferi para o Jornal do Brasil e passei a cobrir, com certa frequência, os treinos do Flamengo. Num deles, na saída dos jogadores, vendo o alvoroço em torno de Zico, me aconteceu de, pela primeira e única vez, pedir um autógrafo a um dos meus fotografados (aliás, a qualquer pessoa, exceto escritores), que de repente senti que era uma oportunidade única... Na época, até presidentes faziam questão de conhecer Zico, que o diga João Figueiredo, que o encontrou após o jogo Brasil 1 x 0 Alemanha, no Maracanã, em 1982.

Zico sob abraços. A foto da comemoração  da vitória sobre o Cobreloa, no Maracanã, abriu o Caderno de Esportes do JB.
Foto de Guina Araújo Ramos

Outro momento de associação entre nós, eu e Zico, ainda que à distância, aconteceu no primeiro jogo da final da Taça Libertadores da América, em 1981, contra o Cobreloa do Chile, no Maracanã. Deixei de fazer a foto do gol Zico, em que driblou vários e entrou pela área para fazer o gol, simplesmente porque estava torcendo... Ainda bem que fiz uma bela foto da comemoração, todos em cima dele, abriu a página de Esportes. Conto a história no livro A Outra Face das Fotos, mas devo reconhecer que realmente a paixão pelo Flamengo me atrapalhava um pouco como fotojornalista...

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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Fotografia - Dos arquivos do fotojornalista Guina Araújo Ramos - Figueiredo, o último ditador?

Figueiredo dando pulinho. Gávea Pequena, Rio, 1983. Foto de Guina Araújo Ramos

Figueiredo ao sair do governo - Rio, 1985 - Foto Guina Araújo Ramos

por Guina Araújo Ramos (do blog Bonecos da História)

Em plena campanha presidencial de 2018, a discussão sobre os candidatos (não “entre”, que Jair Bolsonaro se recusa a participar de debates) tem mudado dos tradicionais “programas de governo” para conflitos mais radicais: Barbárie x Civilização e/ou Democracia x Ditadura.

Barbárie x Civilização, quanto ao Brasil, pode até parecer retórico, “apenas” um reflexo do terrorismo, das guerras, das ondas de refugiados, dramas que dilaceram a África, a Europa e o Oriente Médio.

Já o dilema Democracia x Ditadura, que tem raízes profundas no solo brasileiro, tornou-se tema recorrente. O motivo é mais do que sabido: o candidato Jair Bolsonaro, do PSL, os seus filhos também parlamentares, o candidato a vice-presidente, Gal. Mourão, e vários de seus correligionários, todos eles se referiram recentemente à intenção explícita de interferir no Judiciário, de desrespeitar direitos de minorias, de ameaçar os opositores de prisão ou exílio.

A defesa da tortura e a proposta de uma nova ditadura militar no Brasil, supostamente sem corrupção, aparecem em diversas falas do presidenciável. Jair Bolsonaro, sustenta seu adversário, Fernando Haddad, do PT, é uma ameaça à democracia, que também está sendo ameaçada por fake news.

Tudo isto me trouxe à mente um sisudo e autoritário Presidente da República que fotografei muito, um dito ditador, apontado até como mandante de torturas, e a pergunta: terá sido (ou será) João Figueiredo o último ditador do Brasil?...

Ao menos, sabe-se que João Figueiredo foi o último militar presidente do Brasil de uma série de presidentes militares instalados no Palácio do Planalto com o evento auto-batizado de Revolução de 1964.

O mesmo que mais tarde foi renomeado (por historiadores) para Golpe Civil-militar de 1964 (com sua consequente Ditadura, exacerbada pelo AI-5, de Dezembro de 1968) e, há pouco, “reinventado” pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, através do singelo epíteto de Movimento de 1964.

Desde o início de seu mandato (Março de 1979), acompanhei algumas visitas de Figueiredo ao Rio, especialmente para a Fatos & Fotos, da Bloch Editores.

A partir de Junho de 1980, ao passar para o Jornal do Brasil, Figueiredo virou figurinha repetida nas minhas pautas... Como exemplo, os vários registros do seu desembarque, e comitiva, no setor militar do aeroporto do Galeão.

Numa solenidade tradicional, todo ano realizada na Praia Vermelha, na Urca, no Rio, registrei Figueiredo entre vários dos seus mais ministros, mais o governador Chagas Freitas e o cardeal Eugênio Câmara, no palanque das comemorações militares da assim chamada Intentona Comunista de 1935. 

A foto é sugestiva pelo detalhe de que peguei um gesto seu que pode ser remetido a uma das suas mais sugestivas frases: “Prefiro cheiro de cavalo do que cheiro de povo.”.
Sinceridade, aliás, não lhe faltava. Tanto é que deixou muitas outras frases marcantes, em entre elas um autoelogio, bem ao estilo ditatorial: “Me envaideço de ser grosso!”...

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