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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Pelé, 80 anos. Na Manchete Esportiva, em 1957, uma história pouco conhecida de quando o jogador ainda era chamado de Pelê...

 

Na foto, Pelé já entre as feras do Santos: Alvaro, Pepe, Pagão e o técnico Lula. Ektachrome, como se dizia na época, 
de Ivo Barreti. Clique na imagem para ampliar.

A Manchete Esportiva cobriu os momentos iniciais da carreira de Pelé. O arquivo desaparecido da Bloch guardava imagens valiosas dos primeiros gols do craque, ainda reserva no Santos, em jogos contra times cariocas. 

Ele tinha apenas 16 anos quando a revista começava a chamá-lo de craque e publicava fotos de alguns dos seus gols no Maracanã. A reprodução acima é a primeira matéria dedicada integralmente ao jogador. Uma página apenas, das milhares que o focalizariam nas revistas Manchete, Fatos & Fotos e na própria Manchete Esportiva

O repórter José Carlos Stabel conta na matéria uma história curiosa. Pelé, que a revista ainda grafava como Pelê,  tentou a sorte em vários clubes antes de chegar ao Santos. Um desses clubes foi o Palmeiras que lhe deu permissão para treinar no Parque Antártica. O então técnico, Aimoré Moreira, que depois se tornaria um dos admiradores do menino, não estava presente: treinava no Pacaembu a seleção paulista. Coube a um diretor que a história não registra o nome ver e não gostar do que viu. Ao fim do treino, mandou Pelé embora. Antes entregou ao garoto uma nota de 20 cruzeiros para a passagem (hoje, valeria centavos). Valdemar de Brito, que descobrira o jogador ao vê-lo em uma pelada em Bauru, resolveu então levá-lo para o Santos. Na Vila Belmiro, o  treinador Lula não precisou de muito tempo para recomendar a contratação de Pelé. Um ano depois, impressionando estádios, ele ganhava 6 mil cruzeiros por mês. "Eu sabia que um dia acabaria acertando num clube", disse Pelé à Manchete Esportiva. O resto da história é... História.

domingo, 4 de outubro de 2020

Bar Planalto: quando Dida subia a rampa...

 


por José Esmeraldo Gonçalves

A Folha publica, hoje, uma matéria com o alagoano Lauderney Perdigão, amigo de Dida, o meia que fez história e glória no Flamengo. Os dois chegaram a jogar juntos nos aspirantes do CSA. Dida veio para o Rio, Perdigão seguiu outro rumo na vida, como bancário e jornalista. De longe, via a carreira vitoriosa do amigo, de quem recebia revistas e recortes de jornais. Tornou-se pesquisador e reuniu um grande acervo de publicações, camisas e fotos de jogadores alagoanos, como Dida e Zagallo, além de registros de outros craques. 


Nilton Santos e Dida: do clássico do Maracanã para as páginas da Manchete Esportiva

Guardou, por exemplo, a camisa que Pelé usou na inauguração do estádio Rei Pelé, de Maceió. Desde 1993, o estádio abriga o Museu Edvaldo Alves de Santa Rosa, o Dida. Entre os itens preservados estão coleções de revistas, incluindo a Manchete Esportiva. 

Lá pelo final dos anos 1980, começo dos 90, o Bar Planalto, no Flamengo, era point etílico de alguns jornalistas e fotógrafos da Manchete depois dos fechamentos. "Vamos subir a rampa"? Era a pergunta que nem precisava de resposta. Tínhamos mesa praticamente cativa no Planalto, ao lado do calçadão, e até garçons preferenciais: o Mesquita e o Campista. 

Um dia, passa um cara parecido com o Dida. Era o Dida. Parou para conversar com os locais do bairro, na mesa vizinha. Depois disso, o vimos várias vezes. Na época, o ex-jogador trabalhava nas divisões de base do Flamengo, mas desde que pendurou as chuteiras levava vida discreta. Sumiu da mídia esportiva. Quando procurado para entrevistas alegava não ter o que dizer. Aparentemente, circulava pelo bairro sem chamar atenção, a não ser, talvez, dos torcedores mais velhos que ali reconheciam o grande ídolo do Fla, tricampeão carioca em 1955, segundo maior artilheiro da história do clube depois de Zico e campeão em mundo de 1958. Foi titular contra a Áustria e substituído por Vavá no decorrer da segunda partida da seleção, contra a Inglaterra. No terceiro jogo, com a URSS, Pelé entrou no time, Vavá permaneceu (fez dois gols) e Dida não teve mais chances). Alguns anos depois deixou o Flamengo, foi jogar na Portuguesa, em São Paulo, e encerrou a carreira em 1968, na Colômbia. Vejo no Google que morreu em 2002. 

No seu caminho, Dida passava por uma banca de jornal bem diante do Planalto. No bar lotado, poucos sabiam que algumas décadas antes aquele senhor estampava capas de revistas e primeiras páginas de jornais que contavam seus gols nos clássicos de domingo no velho Maracanã. 

A reportagem de Josué Freitas, da Folha. mostra que o craque do Flamengo pode até ter feito tudo para ser esquecido. Mas não conseguiu.  É nome e tema de Museu.     

terça-feira, 12 de março de 2019

Futebol - Coutinho, o maior parceiro de bola que Pelé já teve, foi também um dos craques mais discretos do futebol brasileiro.

Sob o olhar de Pelé, Coutinho marca contra o Nacional, do Uruguai.


Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe


Um ataque que só pensava naquilo: o gol. Eram "os tarados da pelota", no dizer de Nelson Rodrigues em crônica para a Manchete Esportiva. 
Fotos: Manchete Esportiva

por José Esmeraldo Gonçalves 

Ele era a outra extremidade da tabelinha mais poderosa da história do futebol. Na ponta mais famosa estava Pelé.

Aos 75 anos, Coutinho morreu em Santos, ontem.

Foi o atacante que formou ao lado de Dorval, Mengálvio, Pelé e Pepe aquele que é tido como o mais forte ataque já montado por um time de futebol. Para os adversários, eram os imperdoáveis.

Não há registro de queixas de Coutinho à hegemonia de Pelé naquele ataque. Que jogador não gostaria de trocar passes com um gênio e de fazer parte de um quinteto que era reconhecido como lenda em tempo real, enquanto a bola rolava, sem esperar o aval da história? Você já ouviu algum craque do Barcelona se queixar por ter Messi ao lado? Pois é. Coutinho apenas reclamava, dizem, quando nos jogos noturnos em estádios de luz de boate os locutores davam como de Pelé alguns gols que ele fazia. E não foram poucos. Não apenas fez história no Santos: fez gols, 368 ao longo da sua carreira no clube, sem deixar de dar incontáveis os passes para Pelé, que só no Santos goleou 1091 vezes. E, bom lembrar, Pepe, ali ao lado esquerdo, fez mais de 400 gols pelo Santos e também recebeu muitas bolas de Coutinho.

Ele tinha apenas 16 anos quando estreou na seleção brasileira em 1959. Foi convocado para a Copa de 1962, estava em grande fase, provavelmente seria o titular, mas uma contusão o tirou de campo ainda no período preparatório. Foi substituído por Vavá, o experiente centro-avante campeão na Suécia.


Em 1959, Coutinho foi o Personagem da Semana de Nelson Rodrigues na Manchete Esportiva, após o jogo Santos 3 X 0 Vasco, que deu o título do Torneio Rio-São Paulo ao time da Vila Belmiro. O Santos começava a escalada irresistível que o levaria a conquistar quase todos os títulos que disputou entre 1958 e 1967, nacionais e internacionais, incluindo os Mundiais de clubes de 1962 e 1963.

Leia um trecho da crônica de Nelson Rodrigues

"E, além de Pelé, o ataque do Santos tem o Coutinho. Lembro-me que ao ouvir falar em Coutinho, pela primeira vez, tomei um susto. Comentei, então de mim para mim. ‘Coutinho não é nome de jogador de futebol’. De fato, o nome influi muito para o êxito ou para o infortúnio. Napoleão, se tivesse outro nome, já seria muito menos napoleônico. Outro exemplo: por que é que Domingos da Guia foi o que foi? Porque esse “Da Guia” dava-lhe um halo de fidalgo espanhol, italiano, sei lá. Ainda hoje o sujeito treme ao ouvir falar em ‘Da Guia”. Mas o Coutinho tem contra si o nome. O sujeito que se chama apenas Coutinho dá logo a ideia de pai de família, de Aldeia Campista, Vila Isabel, Engenho Novo, com oito filhos nas costas e a  simpatia pungente de um barnabé. Pois bem. Apesar de chamar-se liricamente Coutinho, o meu personagem da semana é um monstro, um Drácula, um “Vampiro da Noite” de futebol. Eu não sei se me entendem a imagem. Mas o Coutinho não sugere outra coisa, senão o sujeito que come a bola de uma maneira, por assim dizer, material, física. Ao sair de campo, parece-lhe escorrer dos lábios o sangue, ainda vivo, ainda efervescente da bola recém-vampirizada.
As inteligências simples, bovinas, atrevo-me mesmo a dizê-lo, vacuns, hão de rosnar. “Literatura!”. Parece, amigos, parece. Mas o povo, com seu instinto agudo, sua vidência terrível, reconhece e aponta os jogadores que “comem” a bola, como se a estraçalhassem nos dentes, fazendo esguichar o sangue da redonda. E se, na verdade, existem os “tarados” da pelota, Pelé ou Coutinho há de ser um deles. Com o doce e inofensivo nome de Coutinho, o meu personagem da semana fez, ontem, contra o Vasco, barbaridades sem conta. A um confrade que veio, de avião, do Pacaembu, eu perguntei: “Que tal o Coutinho?” O colega baixa a voz: “Bárbaro!” Insisti: “E o Pelé?” Resposta; ‘Bárbaro” Fui adiante; “E Dorval? Pepe?” A tudo o sujeito respondia, de olho rútilo; “Bárbaro!” Então eu me convenci, de vez, que o ataque do Santos se constitui, realmente, de sujeitos que não respeitam, pelo contrário, brutalizam a bola e cravam, nela, seus caninos de vampiro. Só o Coutinho fez, contra a velhice genial e quase imbatível de Barbosa, dois gols. Dizem que nas bolas altas ele e tornava elástico, acrobático, alado. O seu salto era realmente um voo.
Guardem esse nome de pai de família e de barnabé: Coutinho. Ou muito me engano ou estará ele no escrete brasileiro que, se Deus quiser, vai ser bicampeão, no Mundial do Chile."

Nelson quase acertou a previsão feita com três anos de antecedência. O Brasil foi bicampeão no Chile. Coutinho, que ele saudou na Manchete Esportiva, não jogou.

A contusão o tirou da seleção, mas não o eliminou da história do futebol.

Foi um dos grandes e, talvez, o mais discreto entre os craques brasileiros. 

domingo, 18 de novembro de 2018

Zico, Flamengo e memórias de um fotógrafo-torcedor. Por Guina Araújo Ramos

Zico e Bruno, 1978 - Foto de Guina Araújo Ramos
E, da mesma sequência, a imagem que virou capa da
Manchete Esportiva. Foto de Guina Araújo Ramos



por Guina Araújo Ramos

A data real de fundação do Clube de Regatas do Flamengo é 17 de Novembro de 1895, mas seus fundadores, certamente influenciados pela ainda recente Proclamação da República, registraram como data oficial o 15 de Novembro, o que é, talvez, a primeira das muitas contradições deste clube de elite que se tornou o mais popular do Brasil, quiçá do mundo...

Além do esforço por sucesso na nobreza das regatas, os primeiros atletas flamenguistas logo se voltaram para o futebol, prática mal vista pela elite carioca. Por alguns anos o time apenas disputou amistosos, até a chegada de um time inteiro de futebol, dissidência de outro clube ainda mais esnobe, o Fluminense.

A mudança progressiva no perfil dos torcedores (não o da diretoria...) foi efeito não só das vitórias, a partir dos anos 1920, mas da expansão do rádio, com a formação de cadeias nacionais para a transmissão dos jogos, que tornaram conhecidos os times cariocas em todo o Brasil. Cresceram principalmente, com os bons resultados nas décadas de 1940 e 1950, as torcidas de Vasco e Flamengo, e esta, no Rio, também era estimulada pela Charanga, uma bandinha irritante na arquibancada...

A partir de meados dos anos 1970 e até início dos anos 1990, o Flamengo novamente recebe uma onda de torcedores: outra excelente fase de vitórias!... É então que brilha o maior de todos os jogadores lendários do Flamengo: Zico.

A partir da Era Zico, o Flamengo continua a sua epopeia, sempre na primeira divisão nacional, com seis títulos brasileiros (incluindo o nacional de 1986) e até ultrapassando o velho rival Fluminense em campeonatos cariocas, muitos já no século XXI, com destaque para o show do gringo Petkovic, em 2001, na final contra o Vasco.

A esta altura, Zico (Arthur Antunes Coimbra), maior artilheiro do Flamengo, que também jogara na Itália e Japão, tornara-se técnico de futebol, trabalhando nos mais inesperados países.

Com esta história, simplesmente o Flamengo acumulou a maior torcida no mundo, cerca de 40 milhões de torcedores... Inclusive eu, desde os cinco anos de idade, ao ver o Fla tricampeão (1953-54-55), e justo sobre o América, para o qual meu pai me catequizava (tema, emulando Guimarães Rosa, do premiado conto Grã Decisão: Viradas).

Meus primeiros contatos com Zico se deram nos tempos em que trabalhava na Bloch Editores, em matérias para a revista Manchete Esportiva, onde, em geral, cobria esportes amadores (a concorrência fotográfica era grande...). Desta vez, a tarefa era uma foto bem posada, típica das revistas da Bloch Editores, de Zico com o seu recém nascido filho Bruno, ambos com camisas do Flamengo, é lógico. Apesar da forte sombra do flash direto, de certo modo uma falha técnica (desculpável, talvez, pela minha pouca experiência ou pela emoção de torcedor), a foto foi capa da revista.

Outra passagem na Bloch que levo divertidamente na memória é a de um plantão de fim de ano (1978, 1979?), em que me colocaram de acompanhante do tão efusivo quanto sério do repórter Tarlis Batista, “o repórter das missões impossíveis”... Íamos cobrir um réveillon de luxo, se não o do Copacabana Palace, o de algum outro luxuoso salão do bairro. Só que ele sempre inventava algo mais... Veio logo avisando que iríamos registrar também a passagem do ano na casa do Zico, na Barra. Precisando estar tanto na Barra quanto em Copacabana no mesmo momento, à meia-noite, foi necessário que fizéssemos, na casa do jogador, uma simulação (e nisso ele era muito bom, tinha prática). Depois viemos da Barra em desabalada carreira, na medida em que o engarrafamento nos permitia, para cumprir a pauta da cobertura do réveillon, a contagem regressiva, o espocar de champanhe, em Copacabana. É claro que chegamos um pouco atrasados, mas nada que uma nova simulação não resolvesse...

Em Junho de 1980, me transferi para o Jornal do Brasil e passei a cobrir, com certa frequência, os treinos do Flamengo. Num deles, na saída dos jogadores, vendo o alvoroço em torno de Zico, me aconteceu de, pela primeira e única vez, pedir um autógrafo a um dos meus fotografados (aliás, a qualquer pessoa, exceto escritores), que de repente senti que era uma oportunidade única... Na época, até presidentes faziam questão de conhecer Zico, que o diga João Figueiredo, que o encontrou após o jogo Brasil 1 x 0 Alemanha, no Maracanã, em 1982.

Zico sob abraços. A foto da comemoração  da vitória sobre o Cobreloa, no Maracanã, abriu o Caderno de Esportes do JB.
Foto de Guina Araújo Ramos

Outro momento de associação entre nós, eu e Zico, ainda que à distância, aconteceu no primeiro jogo da final da Taça Libertadores da América, em 1981, contra o Cobreloa do Chile, no Maracanã. Deixei de fazer a foto do gol Zico, em que driblou vários e entrou pela área para fazer o gol, simplesmente porque estava torcendo... Ainda bem que fiz uma bela foto da comemoração, todos em cima dele, abriu a página de Esportes. Conto a história no livro A Outra Face das Fotos, mas devo reconhecer que realmente a paixão pelo Flamengo me atrapalhava um pouco como fotojornalista...

MATÉRIA COMPLETA E MAIS FOTOS NO BLOG BONECOS DA HISTÓRIA, AQUI

sábado, 2 de junho de 2018

1958 - A histórica edição da Manchete Esportiva que pode inspirar a seleção de Tite

A histórica capa dupla da Manchete Esportiva em 1958


Uma rara foto do famoso gol de Nilton Santos contra a Áustria, quando ele conduziu a bola de área a área.
Foto de Jáder Neves

A crônica especial de Nelson Rodrigues. Reprodução Manchete Esportiva

Gol de Vavá contra a Rússia. Fotos de Jáder Neves

Reprodução Manchete Esportiva

O gol de Pelé contra País de Gales. Reprodução Manchete Esportiva


Vavá vence Yashin, o lendário goleiro da então URSS. Foto de Jáder Neves

Pelé e Garrincha em Hindas, a concentração da seleção brasileira na Suécia. Foto de Jáder Neves

Nilton Santos e Garrincha. Foto de Jáder Neves

Em contraste com os treinadores engravatados de hoje, a larga informalidade do técnico Vicente Feola.
Reprodução Manchete Esportiva

Didi em missão difícil: falar como Brasil ao telefone usando as conexões de 1958.

Didi no lago de Hindas e... .

... cumprimentando o Rei da Súécia, Gustavo Adolfo, após a conquista da Jules Rimet.. Foto Jáder Neves

A emoção do menino Pelé entre Djalma Santos e Garrincha. Foto Jáder Neves
Gilmar, Orlando, Garrincha, Zito.


O massagista Mário Américo dispara no gramado para tomar a bola do jogo que o juiz queria levar para casa..
Foto de Jáder Neves 

por José Esmeraldo Gonçalves

Não seria má ideia fazer rodar de mão em mão em Sochi, a concentração do Brasil na Rússia, este raro exemplar da Manchete Esportiva. Pode ser o toque final de inspiração para incendiar o talento de Neymar, Philippe Coutinho, Willian, Gabriel Jesus, Casemiro, Marcelo &Cia.

No dia 29 de junho de 1958, a seleção brasileira venceu a Suécia por 5 X 2 e ganhou pela primeira vez a Copa do Mundo. Os enviados especiais Ney Bianchi e Jáder Neves produziram ao longo daquele mundial metros de laudas e centenas de fotos detalhando a campanha histórica.

No Rio, a redação da revista, com Augusto Rodrigues, Nelson Rodrigues, Paulo Rodrigues, Arnaldo Niskier e Ronaldo Bôscoli foi mobilizada para reunir todo o material, incluindo a preparação da seleção em Araxá e Poços de Caldas, cenas de bastidores e o passo a passo da jornada até chegar à Jules Rimet.

Quando a edição inundou as bancas, a euforia da torcida estava no auge. Depois do desastre da Copa de 1950 e da participação tímida na Copa de 1954, o Brasil vivia finalmente a "vertigem do triunfo", nas palavras de Nelson Rodrigues, que assinava duas páginas da revista.

"A partir do momento em que o Rei Gustavo, da Suécia, veio apertar as mãos dos Pelés, dos Didis, todo mundo aqui sofreu uma alfabetização súbita. Sujeitos que não sabiam se gato se escreve com "x" ou não iam ler a vitória no jornal. Sucedeu essas coisa sublime: analfabetos natos e hereditários devoraram matutinos, vespertinos, revistas, e liam tudo com uma ativa, devoradora curiosidade, que iam do lance a lance da partida, até os anúncios de missa. Amigos, nunca se leu e, digo mais, nunca se releu tanto no Brasil", escreveu o cronista. 

E mais adiante, em tom épico, escaneou com precisão o sentimento das ruas.

"Do presidente da República ao apanhador de papel, do ministro do Supremo ao pé-rapado, todos aqui percebem o seguinte: é chato ser brasileiro! Já ninguém tem mais vergonha de sua condição nacional. E as moças na rua, as datilógrafas, as comerciárias, as colegiais, andam pelas calçadas com um charme de Joana d'Arc. O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigos, o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem; ele já não se vê, na generosa totalidade das suas virtudes pessoais e humanas. Vejam como tudo mudou. A vitória passará a influir em todas as nossas relações com o mundo. Eu pergunto: que éramos nós? Uns humildes. O brasileiro  fazia-me lembrar aquele personagem de Dickens que vivia batendo no peito: - Eu sou um humilde! Eu sou o sujeito mais humilde do mundo! Ele vivia desfraldando essa humildade e a esfregando na cara de todo mundo. E se alguém punha em dúvida a humildade, eis o Fulano esbravejante e querendo partir caras. Assim era o brasileiro. Servil com a namorada, com a mulher, com os credores. Mal comparando, um S. Francisco de Assis, de camisola e alpercatas". 

Hoje, 60 anos depois, Nelson veria que o Brasil está de novo de alpercatas e camisolas. Agora moralmente mais esfarrapadas.

Não é o futebol que vai mudar a chamada conjuntura dos cafajestes, mas se a TV mostrar menos a seleção titular dos corruptos e mais o time de Tite já melhora o astral.

Nem que seja por alguns dias.

Só um ópio passageiro...

A propósito, repararam que a seleção não foi a Brasília se despedir dos mandatários, como era tradição? E Tite já declarou que se ganhar a Copa não vai subir a rampa do Palácio do Planalto, outra regra do passado.

Decisão saudável essa de não frequentar ambiente insalubre.

Vai evitar contaminação por elementos tóxicos.

domingo, 8 de outubro de 2017

Futebol: no tempo das excursões internacionais, o dia em que o Vasco ganhou do time de Di Stéfano e a histórica turnê do Madureira em Cuba...

O Vasco na Europa. Reprodução
Manchete Esportiva
por José Esmeraldo Gonçalves 

Até os anos 1960, era intensa a programação de excursões de times brasileiros de futebol à Europa.

A partir da década seguinte, essa prática tornou-se esporádica, até cair em desuso. A Manchete Esportiva costumava acompanhar essas turnês.

Aí está parte de uma matéria sobre a excursão do Vasco. Em campo, em Paris, os jogadores saúdam a torcida antes do jogo contra o Racing a quem o Vasco derrotou por 4X1. Na partida seguinte, outra vitória. Em um disputado 3X2, o Vasco venceu o Espanyol, em Barcelona.

Com um detalhe: os dois gols do adversário foram marcados por ninguém menos do que Di Stéfano.

Mas o time brasileiro que fez a turnê mais épica da história do futebol foi o Madureira.

Em 1963, sem que as madames da direita mandassem, o Madureira foi pra Cuba.

Che e o Madureira. Foto do arquivo
pessoal do ex-jogador Farah. 
Che Guevara, como bom argentino, torcedor do Rosário Central, o time da sua cidade natal, assistiu a um dos jogos.

Foram cinco partidas, sendo duas contra a seleção de Cuba. O Madura ganhou todas. De Cuba, os cariocas seguiram para a Europa, Ásia e Estados Unidos. Deram a volta ao mundo e jogaram mais de 36 partidas no que foi a maior excursão de um time brasileiro ao exterior. Não fez feio: voltou com 23 vitórias, três empates e 10 derrotas.

Em 2013, um então vice-presidente de marketing do clube, Carlos Gandola, recordou o encontro do Madureira com Che Guevara, 50 anos antes, e lançou uma camisa comemorativa que virou cult e é sucesso de vendas.

Se o Madureira fez história, o Vasco, segundo levantamento do site oficial, é um dos clubes brasileiros que mais jogou no exterior. Desde 1931, foram 72 viagens para 54 países. Algumas dessas excursões duravam mais de 60 dias. Foram 396 jogos, com 204 vitórias. O levantamento não incluiu  competições oficiais como a Libertadores.

A bola rolou, o mercado mudou. Hoje, com os principais jogadores brasileiros atuando em clubes de todo o mundo, e principalmente na Europa, as jovens promessas carimbando passaportes aos 16 anos e o calendário apertado, sumiu o interesse em ver de perto os times brasileiros.

E as excursões nunca mais foram convocadas.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Fotografia - Manchete 65 anos: A Exposição Impossível-5


Zagalo voltava a treinar em janeiro de 1958, após grave contusão.
Manchete Esportiva o fotografou no estádio do Botafogo na Rua General Severiano. Entrevistado, ele pediu que Feola
não o esquecesse ao convocar a seleção. Foi lembrado pelo treinador e voltou da  Suécia com a Jules Rimet.
Reprodução Manchete Esportiva.

Vavá no Atlético de Madri. Reprodução Manchete Esportiva

Coronel, lateral esquerdo do Vasco. Era um caçador "casca grossa', dizem que
na sua faixa de campo nem a grama nascia. Foi um dos mais duros
marcadores de Garrincha. Nessa foto, Dida é a caça Reprodução Manchete Esportiva

Dida, o lendário craque do Flamengo para nas mãos de Castilho, do Flu. Reprodução Manchete Esportiva

Pelé vence o goleiro do Peru. Copa de 1970. Foto de Orlando Abrunhosa. Reprodução Fatos & Fotos. 

Pelé, no Santos, Campeonato Paulista. Reprodução Manchete Esportiva.

Uma imagem rara de um gol famoso. Depois de percorrer todo o campo,
Nilton Santos desloca o goleiro da Áustria. Copa de 1958.
Foto de Jáder Neves. Reprodução Manchete Esportiva 

Pelé na Suécia. Foto de Jáder Neves. Reprodução Manchete Esportiva

O atleta Adhemar Ferreira da Silva.  Reprodução Manchete Esportiva

A nadadora Maria Lenk posa com os filhos para matéria da Manchete Esportiva

Em 1959, o duro embate entre Carlson Gracie e Valdemar.
Décadas antes do UFC, o vale-tudo atraia multidões ao Maracanãzinho

Uma lenda do jiu-jitsu,
Hélio Gracie, tio de Carlson, na plateia...

... observa a luta que ele definiu como "de gigantes".  Deu empate e Nicolau Drei fotografou
para a Manchete Esportiva. 


Manchete sempre teve no Esporte um editoria essencial. Com menos de três meses de existência, ainda com foco indefinido, a revista publicou com destaque a participação brasileira na Olimpíada de Helsinque, na Finlândia, em julho de 1952.  Dos anos 1960 até a década de 1980, outra semanal, a Fatos & Fotos também acompanhou  regularmente  Copas, Olimpíadas, campeonatos regionais e nacionais.
Junho de 1956: Leônidas,
o "tanque" do América,
na capa.

Mas foi na década de 1950 que a Bloch lançou a Manchete Esportiva, publicação semanal que testemunhou - e registrou fotograficamente - a ascensão irresistível da geração que conquistou a Copa de 1958. A revista gravou em imagens a vida e a bola de craques da seleção como Didi, Pelé, Garrincha, Nilton Santos, Zagalo, Zito, Gilmar, entre tantos outros que brilhavam em clubes.

Mas não apenas o futebol ocupava as páginas de Manchete Esportiva. Natação, atletismo, vale-tudo, basquete, automobilismo e outras modalidades tinham suas seções.

Neste capítulo de A Exposição Impossível, que reproduz imagens de um acervo perdido, fica o registro de uma mínima linha do tempo - extraída de apenas quatro edições entre cerca de 250 publicadas de 1955 a 1959  - de uma era brilhante do futebol brasileiro (em 1977, a Manchete Esportiva voltou às bancas (até 1979), a tempo de cobrir a trajetória de outros craques, como Zico, Roberto Dinamite, Leão, Reinaldo, Nelinho, Toninho Cerezzo, Edinho e Dirceu).

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Manchete Esportiva em tese de mestrado - "Futebol em Revista no Brasil: dos primeiros títulos à resistente Placar"




Entre o material garimpado por Unzelte está a reprodução acima,  de um página dupla da Manchete Esportiva. Em uma reportagem sobre o jogador Escurinho, do Fluminense, e sua namorada branca, o editor cravou um título racista, inaceitável à época e condenável nos dias de hoje. 


por Niko Bolontrin

O jornalista Celso-Dario Unzelte construiu um completo painel da ligação entre o futebol e o meio revista. A informação é do Portal Comunique-se.

Pesquisa iconográfica e entrevistas com profissionais da área valorizam o trabalho. Destaques para a Placar, a mais antiga publicação do gênero, editada desde 1970, a Manchete Esportiva, que deu um tratamento de revista ilustrada ao esporte mais popular do Brasil, a Revista do Esporte, além de publicações pioneiras, desde 1914, quando o futebol ainda se afirmava no país como esporte de massa.

PARA LER A TESE COMPLETA, CLIQUE AQUI

sábado, 2 de abril de 2016

Memórias da redação - FUTEBOL: A FALTA QUE A CRÔNICA FAZ

por Onotonio Baldruegas

Em junho de 1956, há quase 60 anos, a seleção brasileira jogou em Assunção. A Manchete Esportiva - revista semanal criada em 1955 e que sobreviveu até meados de 1959 - publicou as fotos da "batalha" (qualquer jogo na América do Sul transformava-se, então, em uma "guerra") e fechou aquela cobertura com uma crônica de Nelson Rodrigues. O Brasil ganhou de 5 x 2.

Na semana passada, o time de Dunga jogou em Assunção. Outros tempos. Nem a CBF era CBF. Atendia pelo nome de CBD.

Nelson era capaz transformar jogo de 'purrinha' em prosa épica. O que ele escreveria sobre o último Paraguai 2 x 2 Brasil? Vamos ficar sem saber. Mas é certo que chutaria a crônica no melhor ângulo. Encontraria um caminho. Talvez identificasse no campo algum jogador paraguaio travestido de Bela Lugosi, o astro dos filmes clássicos de terror, para explicar o pânico, os minutos de poltergeist, que a atual seleção vive quando sob pressão.

Dunga, que não é o queridinho da mídia, já está no paredón. De nada vai adiantar trocar o técnico. A "Geração 7X1"  precisa de um exorcista para apagar a lembrança dos mortos-vivos do jogo contra a Alemanha.

Na crônica, Nelson destaca a atuação de Zizinho, autor de dois gols, embora já estivesse no ocaso da carreira. E atribui a vitória ao fato de aquela seleção ter como base um clube, o América. Curiosamente, há quem defenda que a seleção utilize como base o melhor clube brasileiro do momento e importe alguns "europeus", os mais dispostos a vestir camisa do Brasil, para determinadas posições. O próximo compromisso da seleção nas eliminatórias para a Copa da Rússia será em setembro. Por acaso, no começo de temporada na Europa, quando os jogadores, lá, estarão voltando de férias. Os daqui, em pleno Brasileirão, estarão em atividade e obrigatoriamente em forma. Digamos que até lá, Corinthians, Cruzeiro, Atlético Mineiro, Internacional ou Grêmio estejam mostrando jogo? Poderia estar em um deles, ou qualquer outro, desde que na ponta das chuteiras, a base para uma seleção capaz de exibir conjunto. Coisa que parece impossível com os "importados".

Sem nostalgia, mas em reverência à memória do futebol e da crônica esportiva (esse gênero jornalístico que já teve craques das letrinhas como o próprio Nelson, além de Mário Filho, Armando Nogueira, Ney Bianchi, João Saldanha...), leia, abaixo, a crônica de Nelson Rodrigues publicada na Manchete Esportiva sobre o jogo Brasil 5 x 2 Paraguai, em Assunção.

Os trechos assinalados em preto poderiam perfeitamente valer para os dias de hoje.

Substitua, em uma das frases destacadas, os nomes de Ferreira, Canário e Edson, do América,  pelo nome de Neymar, do Barcelona.

Você entenderá o que Nelson Rodrigues quis dizer.



GOLEADA EM ASSUNÇÃO

por Nelson Rodrigues (para a Manchete Esportiva

Ontem, vencemos, mais uma vez, em Assunção. Desta feita, ampliamos o marcador: 5 x 2!

Um amigo meu, que, pendurado num rádio de pilha, ouviu a irradiação, não se conteve. Quando Hilton enfiou o tiro de misericórdia, ele bufou: "5 x 2 é troço pra chuchu!" E era.

Acresce que vencer em Assunção é uma calamidade. Lá, a torcida costuma abrir uma faixa com os seguintes dizeres: "Vencer ou Morrer". Ao esbarrar nessa legenda ferocíssima, o quadro visitante treme nos seus alicerces. No Maracanã há um fosso cordial, que protege, que encouraça, que torna inexpugnáveis os 22 jogadores, os bandeirinhas e o juiz. No Paraguai, não. Ninguém é inatingível: todos são suscetíveis, em caso de invasão, de um minucioso linchamento. A hipótese de massacre, que ronda a equipe de fora, pode liquidar-lhe o ímpeto, a gana, a garra.

Pois bem: apesar disso, o escrete levou tudo de roldão, tudo, e obteve duas vitórias monumentais, sendo que a última de goleada. Mas, no feito dos nossos, há dois aspectos que convém destacar. Digo "aspectos" e já especifico: duas lições. Vejamos a primeira: nada como o escrete que é um clube disfarçado. Que mandamos nós a Assunção? Um América com leves enxertos do Bangu e de São Paulo. O nome do Brasil não foi bem um nome, mas um deslavado pseudônimo do clube rubro. Logo ao primeiro jogo, verificou-se que não se podia desejar uma fórmula mais sábia e mais eficaz. Pela primeira vez, um escrete nascia feito, pela primeira vez um escrete rendia na estréia, cem por cento. Seja do ponto de vista técnico e tático, seja do ponto de vista emocional, o comportamento da equipe encheu as medidas.

E por quê? Eis a verdade, amigos: o jogador, em campo, atende mais ao apelo do clube do que ao da pátria. Examinemos o caso de um Ferreira, de um Canário, ou de um Edson. Ele funciona melhor como americano do que como brasileiro. Ponham-no dentro do clima normal de um América e ele será um. Desloquem-no para o escrete e ele será outro. Como americano, ao lado de outros americanos, o jogador se realiza e se afirma, e alcança sua plenitude de craque. Em Assunção, os brasileiros pareciam estar em casa, porque continuavam no América. E mesmo os enxertos foram foram rápida e implacavelmente assimilados. Daí a compacta, indissolúvel e eufórica unidade do time.

A seleção brasileira que jogou contra o Paraguai, em 1956.
A CBD formou convocou um time com base no América e Bangu. Em pé:
Djalma Santos, Pompéia, Edson, Formiga, Zózimo e Hélio.
Agachados: Canário, Zizinho, Leônidas da Selva, Romeiro e Ferreira.
A outra lição da "Taça Oswaldo Cruz" foi, a um só tempo, de futebol e de vida.  De fato, as duas vitórias ensinaram que tudo passa, menos Zizinho. O que nós chamamos idade, o que nós chamamos tempo, o que nós chamamos velhice nada mais é do que um jogo de aparências e de ilusões. A idade ricocheteia por Zizinho sem atingi-lo. Em Assunção, ele se projetou aos olhos do público e dos companheiros, isento de tempo. E vamos e venhamos: sua velhice  é mil vezes mais nova, quinhentas vezes mais nova do que a a adolescência dos seus companheiros.

Zizinho sentado, lendo jornal ou gibi atua, influi, decide, mais do que os brotinhos do futebol. 

Assunção veio confirmar o que se sabia, isto é, que todos os caminhos do futebol levam a Zizinho. Na hora de escalar um escrete, ele se torna a nossa alucinante ideia fixa. Não conseguimos ignorá-lo, excluí-lo, pô-lo na cerca.

Mesmo as pessoas que não gostam ou não entendem de futebol, que não sabem se a bola é quadrada ou não, mesmo essas pessoas conhecem Zizinho e só Zizinho.

Com uma eternidade assim irritante e assim obstinada, é possível que daqui a duzentos anos ainda o convoquem para salvar a pátria. 

domingo, 29 de novembro de 2015

Memórias da redação: Nelson Rodrigues, na Manchete Esportiva, identifica o canalha nacional




PERFIL DO MISERÁVEL

por Nelson Rodrigues (crônica publicada na Manchete Esportiva - em janeiro de 1956)

"Aqui mesmo, nesta coluna, já fiz justiça ao canalha. É uma figura de incalculável riqueza interior. Tem uma irisada complexidade, que falta justamente ao justo, ao virtuoso, ao honrado. E vamos e venhamos: é repousante encontrar uma dessas criaturas que encerram toda a variadíssima sordidez da condição humana. O diabo é que é difícil, dificílimo, senão impossível, descobrir um canalha. Eis a verdade, amigos: ninguém quer ser canalha, ninguém. Saiamos de porta em porta. E, por toda parte, só encontraremos sujeitos honestíssimos, senhoras que não prevaricam nem com os próprios maridos. Até hoje, jamais apareceu alguém com bastante pureza interior para anunciar:
- "Eu sou um canalha abjeto!'
E que autorizasse:
- "Cuspam-me na cara!"
Vejam vocês: o homem é tão pusilânime que não quer ser cuspido nem por decreto. E já que nenhum canalha se apresenta como tal, é quase impossível caracterizá-lo. Ele não tem nenhum odor específico, nenhum distintivo de lapela, que o individualize entre muitos, entre todos. Aqui pergunto: como saber se o nosso amigo, o nosso companheiro, o nosso sócio é um puro ou um miserável? Como vislumbrar-lhe, por detrás da face externa e suspeita, a fisionomia interior e autêntica? É um problema de sorte. Por outras palavras: o canalha só se manifesta sob o estímulo de uma circunstância favorável.
Foi o que aconteceu, há tempos, numa excursão de rapazes e moças ao Dedo de Deus. O alpinismo, no Brasil, é o esporte mais soturno que se possa imaginar: falta-lhe o principal, que é a neve. O sujeito já sabe que não vai virar picolé. De qualquer forma, justiça se lhe faça: considero aquele que escala qualquer coisa um herói de Stalinigrado. Pois bem: sem que ninguém soubesse ou pudesse imaginar infiltrou-se, no grupo, o canalha. Desde o primeiro momento, o homem atraiu simpatias furiosas. Ninguém mais cordial e, mesmo, doce. Tinha bons dentes, boas anedotas e um tubo de drops, que prodigalizou copiosamente. Já os outros excursionistas cochichavam entre si:
- "Liga pra chuchu!"
Sim, muitíssimo liga. Até que a caravana resolveu fazer alto para o banho ao ar livre. Adotou-se a medida normal: os rapazes para um lado; as moças para o outro. Todo mundo caiu n'água, que estava uma delícia completa. Súbito, um dos rapazes, justamente o noivo de uma das pequenas, pergunta:
- Quedê o Fulano?
O Fulano era o canalha. Procura daqui, dali, é nada. Então, o noivo, com essa clarividência homicida do ciúme, deu o berro:
- "Já sei, já sei!"
Imediatamente, organizou-se a partiu a expedição punitiva. E, de fato, encontraram o miserável, pendurado de um galho, engrinaldado de folhas, assistindo ao banho das moças. Era justo, era mesmo necessário ou mesmo obrigatório, que se arrancasse, dali, o Pan sem flautas e o corressem a pontapés, a bofetões e cusparadas. Mas os rapazes, que chegavam, incidiram num erro técnico: arriscaram um olhar na direção das moças. Aconteceu o seguinte: essa nudez múltipla e molhada, que a luz valorizava, subiu-lhes à cabeça. Cada um, inclusive o noivo, ocupou seu galho estratégico para o banquete visual. Por fim, as moças deixaram o rio, enxugaram-se, vestiram-se. Só então os outros se lembraram do canalha. Já sabe: deram-lhe uma surra tremenda.

O CANALHA N° 2

por Nelson Rodrigues (crônica publicada na Manchete Esportiva - em janeiro de 1956)

No número anterior de Manchete Esportiva escrevi sobre o canalha que, encarapitado num galho, assistia ao fluvial banho de umas dez, doze moças.
Referi o episódio e aconteceu, então, o seguinte: todo mundo invejou o canalha dependurado, que se locupletara dessa nudez múltipla, molhada e total. Direi mais: por um momento, não houve leitor que não desejasse ser também um canalha assim abjeto e assim suspenso. Eram dez ou doze moças, digamos uma dúzia. E que fossem menos: quatro, três ou mesmo uma!
Hoje retomo a linha da crônica. Explico: o canalha é uma figura tão rica, complexa, irisada, que exige mais do que uma, duas, trinta crônicas. Quem fala de um sujeito honesto, está, na verdade, falando de todos os outros sujeitos honestos. Eis a verdade: nada mais parecido com um impoluto do que outro impoluto. Mas o salafrário, não: existem entre um salafrário e qualquer colega abismos irredutíveis. Cada qual apresenta suas características pessoais, intransferíveis e inassimiláveis. E é bonito quando um ser impõe essa taxativa dessemelhança face aos outros seres. Por exemplo: na semana passada, falei do canalha n°1, ou seja, o canalha do banho. Hoje, apresento outro tipo, também de uma substância incalculável. Vou numerá-lo: canalha n°2. Era goalkeeper não sei se do América, se do Fluminense. Tinha figura, tinha estampa, um perfil de John Barrymore aos 19 anos. O talho do seu nariz era tão caprichado que as meninas, no auge do arrebatamento amoroso, pediam-lhe:
- "Fica de perfil, meu bem!, fica de perfil!"
E o homem precisava ficar de lado. De resto, usava uns paletós inenarráveis. Mesmo que não fosse um Apolo, mesmo que não tivesse esse perfil sei lá se grego, se romano, venceria pela classe do paletó. Eram ternos que só faltavam falar. E com o canalha n°2, acontecia uma coisa impressionante: ou fechava o gol ou deixava entrar tudo. De certa feita papou, contados a dedos, 12 frangos. Parece incrível, mas foi preciso essa contagem histórica para que o clube abrisse os olhos. Subitamente, o time, o técnico, a diretoria, a torcida, a imprensa e o rádio descobriram tudo: o homem estava na gaveta do adversário. No vestiário, foi cercado, acuado, o presidente, em pessoa, cuspiu-lhe no rosto. Ora, que faz um sujeito nas mesmas condições? É óbvio: trata de lavar, de enxugar a cusparada. Mas o canalha n°2 era tão abjeto que lá deixou esquecida a saliva alheia, a pender-lhe da face conspurcada. Dias depois, há outro jogo. Na hora de entrar em campo, imprensam o salafrário:
- "Olha, se tu papares algum frango, já sabe: depois do jogo te faço e aconteço!"
Era o presidente do clube quem assim falava, em nome dos outros. O canalha n°2 pergunta:
- "Vocês me dão uma surra depois do jogo? E só depois do jogo?"
Pausa, pigarreia e arrisca:
- "Não podia ser antes? Já? Agora?
A partir de então, eis o que acontecia: antes de entrar em campo, o time fazia no canalha n°2 um minucioso massacre. E os pescoções, os tapas, os cascudos o transfiguravam. Com o olho rútilo, o lábio trêmulo, um ríctus de fanático, de possesso, o salafrário ia para debaixo dos três paus e não deixava entrar nem pensamento.