quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Leitura dinâmica: o uso e o abuso de palavras da moda

por Ed Sá 

Há alguns anos, Carlos Heitor Cony publicou uma crônica na Folha de São Paulo sobre algumas palavras que eram praticamente obrigatórias nos textos dos jornais de antigamente. Para anunciar o Natal, não havia artigo ou noticia que não levasse o título festivo "Bimbalham os Sinos", repetido ano a ano. Ninguém chamava hospital de hospital. "Virava nosocômio", escreveu Cony. Cemitério era "necrópole". Carnaval, "tríduo momesco" e bandido, "meliante".

As reformas de estilo do Diário Carioca, nos anos 1950, do Jornal do Brasil, no começo da década de 60, a revista Senhor e mesmo o texto enxuta e moderno - texto não conteúdo - da edição brasileira das Seleções do Reader's Digest estimularam a faxina de muitos termos enraizados no jornalismo até então.

Isso não quer dizer que outras expressões não foram surgindo e se desgastando por tanto abuso e uso em várias épocas.

As palavras que já caíram no varejo da  mídia, atualmente, são "empoderamento", que começou a ser usada para celebrar a valorização da mulher, mas agora começa a valer para outras categorias. "Supremacistas", uma maneira mais chique de classificar racistas, mas já li a versão "supremacista cristão"; "gourmetizar", que inicialmente era a sofisticação de receitas básicas, mas agora vale pra quase tudo, até para reforma de casa - "vou gourmetizar meu apê". "Impactar", "impactante", "mudança de paradigmas", 'pensar fora da caixa", 'agregar valor", 'fidelizar", "interagir", "focado", "transparência" (lembrando que tem gente usando o oposto de "transparência, é "opacidade"), são termos ou expressões já gravados nos corretores ortográficos. "Eu queria fazer uma colocação", é comum ouvir isso em reuniões. Soa como alguém que vai colocar azulejos na parede.

Assim com falar em "alavancar" dá a impressão de que a qualquer momento o sujeito vai brandir a ferramenta e destruir o ambiente. "Formatar" é uma palavra que veio da linguagem tecnológica e já foi assimilada por qualquer usuário de computador, mas fica meio esquisito quando um chefe anuncia, "Gente, eu queria 'formatar' minha opinião sobre a nossa equipe".

"Elencar" também é f***.  "Elencar" os corruptos da semana, o time que vai entrar em campo, ninguém faz mais lista de compra em uma empresa, "'elenca' os 'insumos'". Depois da Lava Jato, a palavra "fase" também ganhou status. Tudo é "fase". O ministro da Defesa mandou os soldados darem uma volta pela Rio, logo recolheu a tropa ao quartel e, convocou entrevista para dizer que a "fase 1" da operação contra a violência estava encerrada. Ia começar a "fase 2".  O Rio espera até hoje a "fase 3". "Fulano está saindo com uma colega global, mas está na 'fase 1' ainda, nada sério".

E "resiliência"? Originalmente é a capacidade de alguns corpos, uma ameba, por exemplo, retornar à forma original após sofrer uma deformação. Passou a se usada como sinônimo de superação. Como entrou na moda, quem vai perder a chance de encaixar a palavrinha no próximo texto ou bate-papo? "Pô, resiliente o Aécio, emplaca todos os habeas corpus".

"Interface", outra expressão importada da computação, é muito usada para substituir "contato" ou para definir alguém como equivalente em função numa determinada empresa. "Fulano é meu (sic) "interface" na Petrobras". Já "leitura" é palavra muito usada por comentaristas de futebol ou treinadores, "a minha "leitura" do jogo é diferente, pra mim o Vasco vacilou" ou "eu fiz a "leitura" do adversário e treinei meu time com três zagueiros".

"Narrativa" também está bombando. "Lula construiu uma 'narrativa...'; "A 'narrativa' do Papa Francisco sobre os porões do Vaticano", "Fulana não é loura burra, tem 'narrativa'. "Trump ainda não encontrou a 'narrativa' para sua política internacional".

Não é crime, esse blog mesmo usa alguns desses chavões, é apenas chato pelo excesso, mas nada contra, quem quiser que use a palavra da sua preferência..

O pai do Cony, por exemplo, citado na crônica, dizia que Natal sem sinos bimbalhando não era Natal.

4 comentários:

muggiati disse...

E os locutores de futebol na TV? Hoje ninguém faz mais um passe (uma assistência) ou dá um drible, os jogadores fazem "a leitura correta" da jogada - com tanta leitura assim vão acabar todos na Academia de Letras. . .

J.A.Barros disse...

Esqueceu da palavra "ïnteragir", que de tanto repetirem se tornou chata não só a palavra em si como o texto que ela integrava, Até em jornais de bairro e súmulas de futebol essa palavra "INTERAGIU".

J.A.Barros disse...

Olha, concordo com o pai do Cony, até porque, sou do tempo que os sinos bimbalhavam nos Natais felizes e ricos na época do espirito cristão que moldava aqueles Natais.

J.A.Barros disse...

Está de parabens, caro Ed Sá pela abordagem deste tema, que aparentemente não é nada, mas no fim é tudo porque ás vezes dá até forma construtiva de um texto, de uma crônica, mas às vezes pode até acabar com esse texto ou crônica.
A última palavra em moda é : empoderamento, que na verdade até hoje não sei bem o que ela venha significar e é sempre usada quando se refere às mulheres. Essa estreita relação da palavra com mulher é que me causa espécie: Por que?