domingo, 24 de setembro de 2017

A minha Fatos & Fotos: outubro 1969 - setembro 1970



Rua do Russell, 804, 7° andar, 23 de fevereiro de 1970, uma segunda-feira. Eu, por trás da
mesa em L, o Evaldo Vasconcelos atrás, dando suporte telefônico. Ao centro, os três redatores, Paulo Perdigão,
Argemiro Ferreira e Sérgio Augusto. Na foto abaixo, aparecem Ézio Speranza e uma assistente (o Oswaldo
Carneiro está oculto), à direita, o Cândido, o segundo diagramador. E a tela de Brennand -  até os cinzeiros da
Bloch eram assinados pelo artista pernambucano. Foto de Antonio Trindade/Acervo R.M. 

Redação da Fatos & Fotos, 1970. Foto de Antonio Trindade/Acervo R.M

Por Roberto Muggiati

Depois de dois anos marcantes como repórter especial da Manchete, fui convidado no início de 1968 pelo Mino Carta para fazer parte da equipe que prepararia em São Paulo o lançamento da Veja, um ambicioso projeto do Victor Civita de criar uma versão brasileira da Time.

Abri o jogo aos Bloch e disse que, se cobrissem a oferta da Abril, eu continuaria com eles. Foram evasivos e vieram com promessas vãs. Instalaram-me numa mesa grande com um contínuo num grande vazio no terceiro andar da Frei Caneca. Aquilo seria a redação da futura Pais & Filhos, a ser lançada no fim do ano, da qual eu seria o diretor. “Sim, tudo bem, mas e o salário?” O Oscar me respondeu que o salário de diretor seria pago depois que a revista fosse às bancas e se tornasse um sucesso de vendas. Era uma perspectiva muito remota para o meu gosto e, do ponto de vista jornalístico, uma pobre escolha comparada à Veja – ainda mais eu, que filho já fora, mas nunca pensara em ser pai... Depois de um breve bate-boca pedi demissão. O diplomático Paulo Pellicano diretor do Departamento do Pessoal, ainda perguntou ao Oscar se eu me demitira ou fora demitido.

Saí da Bloch com um livro a ser lançado pela editora, Mao e China, cujos cinco mil exemplares ficaram empilhados na gráfica de Parada de Lucas à espera da distribuição para as livrarias. Meses depois, já na Veja, sou procurado em São Paulo pelo Alcídio Mafra, que cuidava dos livros da Bloch, e informado de que o Adolpho não iria mais lançar o livro, em represália à minha ida para a Abril.

Para não ter prejuízo com todo aquele papel já impresso, Adolpho acabou passando Mao e a China para outra editora. Vendo-me como traidor da pátria, dei por encerrados meus dias na Bloch. Mas o exílio em São Paulo não estava me fazendo bem. Passava o dia afundado no trabalho insano na Marginal do Tietê, a Veja não ia nada bem (dos 800 mil exemplares do lançamento em setembro de 1968, a circulação nacional tinha caído para 30 mil em janeiro de 1969) e minha mulher passava o dia inteiro isolada num casarão do Pacaembu com pensamentos suicidas. Foi no auge dessa crise que recebo um telefonema insólito e ouço a voz maviosa do nosso Salomão Schvartzman, o vice-rei da Bloch em São Paulo. Perguntava se eu não gostaria de conversar com o titio no Rio, tinha já uma passagem reservada na Ponte Aérea para mim.

Meu reencontro com o Adolpho se deu numa segunda-feira complicada em que a Manchete fechava a edição com a libertação – na tarde de domingo diante de um Maracanã lotado – do embaixador americano sequestrado. Mas a conversa foi breve e conclusiva: Adolpho me convidava para ser chefe de redação da Fatos & Fotos, cargo vago com a saída do José Augusto Ribeiro, meu companheiro das primeiras lides jornalísticas no jornal do Colégio Estadual do Paraná de Curitiba, em 1952.

Só depois de voltar ao Rio descobri o logro em que caíra. Na redação de Fatos & Fotos peguei os últimos dias do diretor de redação Cláudio de Mello e Souza – queridinho da Lucy Bloch, que foi se empossar do importante cargo de chefe do escritório da Bloch Editores em Portugal e Algarves, em Lisboa. Assim, com um salário de chefe de redação, tiver de fazer em Fatos & Fotos o trabalho de chefe de redação e de diretor da revista.

Fatos & Fotos foi criada no ano da fundação de Brasília por sugestão de Alberto Dines com uma proposta muito bem definida, inspirada na semanal francesa Noir & Blanc: uma revista dinâmica de fotos com textos pequenos. Acontece que o aquecimento do mercado publicitário na segunda metade dos anos 60 – em função da expansão das indústrias automobilística, de eletrodomésticos, de moda, cigarros e bebidas – foi um verdadeiro maná para as revistas ilustradas (bem mais do que para os jornais e para a televisão, que não tinham cor). Criaram-se cadernos em cor na Fatos & Fotos, só para os anúncios, mas acabaram sendo usados também para matérias jornalísticas e a F&F se tornou uma concorrente direta da Manchete. Em 1968, uma equipe de redatores jovens eclipsava os “dinos” da Manchete. Nomes como Lucas Mendes, Nilo Martins, Paulo Henrique Amorim, Ronald de Carvalho, Hedyl Valle Jr, Luiz Lobo – para sorte da Bloch saíram todos na grande diáspora para as revistas da Abril.

Quando passei a dirigir a Fatos&Fotos no final de 1969, a equipe era mínima e o talento local, com destaque para Sérgio Augusto, Paulo Perdigão e Argemiro Ferreira. Vieram depois o Cícero Sandroni, o Juarez Barroso – bom romancista que morreu cedo – o Ely Azeredo, que não resistiu ao ar condicionado e saiu uma semana depois. A gestão da revista era totalmente esquizofrênica: seu padrinho, Alberto Dines, era a essa altura o todo-poderoso editor do Jornal do Brasil. Mas passava toda manhã em F&F para acertar a pauta com a redação. O que o Dines fazia de manhã era desfeito à tarde pelo Oscar e Jaquito, que vinham queimar sua adrenalina na F&F, já que Adolpho os proibia de ciscarem na Manchete, que era terreiro exclusivo dele.

Foi assim que protagonizei a ruptura final de Dines com os Bloch (havia a agravante de que ele era casado com a sobrinha do Adolpho, a Rosaly.) Dines na manhã da quarta-feira, dia de fechamento da revista, que ia às bancas às sextas, definiu a capa: seria João Saldanha, que tinha acabado de se demitir como técnico da seleção brasileira, em reação à tentativa do presidente ditador Emilio Garrastazu Médici, colorado roxo, de escalar por força o Dario Peito de Aço (Dadá Maravilha) no “escrete canarinho”. Mas, naquele dia foram anunciados os vencedores do Festival de Cinema de Punta del Este e o Brasil ganhou o prêmio maior com Macunaíma. Os Bloch, apoiados na filosofia sólida de que “homem na capa não vende” e na exaltação de “mais uma vitória para nossas cores”,  optaram por botar na capa uma bela foto de Dina Sfat e Paulo José, do filme premiado.

Eu tinha de manter Dines sempre informado das andanças na F&F e passei um telex para ele no JB dizendo da escolha de capa dos Bloch. Em resposta, ele mandou um telex nestes termos: “Muggiati, comunique aos Bloch que, se eles não se mostram dispostos a levar em conta o meu tirocínio jornalístico, então estou dando uma de João Saldanha e tirando o time de campo.” E nunca mais Alberto Dines pisou nas dependências de Bloch Editores ou da família Bloch.

Durei menos de um ano na chefia de mais alta rotatividade da empresa. Mas foi um tempo vibrante. Ainda em 1969, fechei as capas com a morte de Carlos Marighela em São Paulo e do Gol Mil do Pelé no Maracanã. Na Copa do México, coube a F&F o malote do primeiro jogo do Brasil. Pincei daquela montanha de fotos o clique imortal do Orlando Abrunhosa, Pelé comemorando seu primeiro gol na Copa com um soco no ar, escudado por Jairzinho e Tostão, batíamos a foto de Os Três Mosqueteiros.

À medida que o Brasil ia seguindo em frente, vendemos muita revista – Manchete e F&F – encartando bandeirinhas e outros suvenires da pátria em chuteiras. Escondido do Adolpho – Hélio Bloch era meu apoio logístico na Fatos&Fotos – imprimimos cadernos inteiros de uma edição especial do tricampeonato. Depois da exuberante final Brasil 4 x 1 Itália, saí correndo de casa do Leme – atravessando multidões que comemoravam a vitória nas ruas, trombei até com o Clovis Bornay – e fui à redação do Russel para fechar as últimas páginas. Fatos&Fotos foi a primeira revista comemorativa do Tri, nas bancas de manhã cedo na terça-feira.

Isso não impediu que eu fosse detonado da chefia da revista – para imenso alívio meu – em setembro, sucedido por Raul Giudicelli, com a proposta de fazer uma revista “menos séria, mais descontraída”.
Costumo encontrar aquele jovem diagramador de nome (e temperamento) Cândido nas ruas de Botafogo. Hoje mesmo, domingo, cruzei com ele na Real Grandeza e perguntei: “E aí, Cândido, saudades da Fatos & Fotos?” E ele respondeu com firmeza: “Muitas saudades, Muggiati, muitas...”

Um comentário:

Dalce Maria disse...

Não sou naaadica Cândida, mas também mooorro de saudades da Fatos&Fotos!
Nela, meus tempos - um tanto posteriores aos descritos por você, Mugi - são inesquecíveis também. Só que, em maioria, pelas melhores razões!! Inclusive o prazer inigualável de trabalhar numa híper equipe chefiada pelo amaado Zevi Ghivelder e sub chefiada pelo amigaço do Zé (Esmeraldo). Além de Renato Sérgio como redator. Calcule o que eeeera nossa rotina... Noh... Coooooomo foi BEMMMMMM!!!!!