Há alguns anos, Carlos Heitor Cony publicou uma crônica na Folha de São Paulo sobre algumas palavras que eram praticamente obrigatórias nos textos dos jornais de antigamente. Para anunciar o Natal, não havia artigo ou noticia que não levasse o título festivo "Bimbalham os Sinos", repetido ano a ano. Ninguém chamava hospital de hospital. "Virava nosocômio", escreveu Cony. Cemitério era "necrópole". Carnaval, "tríduo momesco" e bandido, "meliante".
As reformas de estilo do Diário Carioca, nos anos 1950, do Jornal do Brasil, no começo da década de 60, a revista Senhor e mesmo o texto enxuta e moderno - texto não conteúdo - da edição brasileira das Seleções do Reader's Digest estimularam a faxina de muitos termos enraizados no jornalismo até então.
Isso não quer dizer que outras expressões não foram surgindo e se desgastando por tanto abuso e uso em várias épocas.
As palavras que já caíram no varejo da mídia, atualmente, são "empoderamento", que começou a ser usada para celebrar a valorização da mulher, mas agora começa a valer para outras categorias. "Supremacistas", uma maneira mais chique de classificar racistas, mas já li a versão "supremacista cristão"; "gourmetizar", que inicialmente era a sofisticação de receitas básicas, mas agora vale pra quase tudo, até para reforma de casa - "vou gourmetizar meu apê". "Impactar", "impactante", "mudança de paradigmas", 'pensar fora da caixa", 'agregar valor", 'fidelizar", "interagir", "focado", "transparência" (lembrando que tem gente usando o oposto de "transparência, é "opacidade"), são termos ou expressões já gravados nos corretores ortográficos. "Eu queria fazer uma colocação", é comum ouvir isso em reuniões. Soa como alguém que vai colocar azulejos na parede.
Assim com falar em "alavancar" dá a impressão de que a qualquer momento o sujeito vai brandir a ferramenta e destruir o ambiente. "Formatar" é uma palavra que veio da linguagem tecnológica e já foi assimilada por qualquer usuário de computador, mas fica meio esquisito quando um chefe anuncia, "Gente, eu queria 'formatar' minha opinião sobre a nossa equipe".
"Elencar" também é f***. "Elencar" os corruptos da semana, o time que vai entrar em campo, ninguém faz mais lista de compra em uma empresa, "'elenca' os 'insumos'". Depois da Lava Jato, a palavra "fase" também ganhou status. Tudo é "fase". O ministro da Defesa mandou os soldados darem uma volta pela Rio, logo recolheu a tropa ao quartel e, convocou entrevista para dizer que a "fase 1" da operação contra a violência estava encerrada. Ia começar a "fase 2". O Rio espera até hoje a "fase 3". "Fulano está saindo com uma colega global, mas está na 'fase 1' ainda, nada sério".
E "resiliência"? Originalmente é a capacidade de alguns corpos, uma ameba, por exemplo, retornar à forma original após sofrer uma deformação. Passou a se usada como sinônimo de superação. Como entrou na moda, quem vai perder a chance de encaixar a palavrinha no próximo texto ou bate-papo? "Pô, resiliente o Aécio, emplaca todos os habeas corpus".
"Interface", outra expressão importada da computação, é muito usada para substituir "contato" ou para definir alguém como equivalente em função numa determinada empresa. "Fulano é meu (sic) "interface" na Petrobras". Já "leitura" é palavra muito usada por comentaristas de futebol ou treinadores, "a minha "leitura" do jogo é diferente, pra mim o Vasco vacilou" ou "eu fiz a "leitura" do adversário e treinei meu time com três zagueiros".
"Narrativa" também está bombando. "Lula construiu uma 'narrativa...'; "A 'narrativa' do Papa Francisco sobre os porões do Vaticano", "Fulana não é loura burra, tem 'narrativa'. "Trump ainda não encontrou a 'narrativa' para sua política internacional".
Não é crime, esse blog mesmo usa alguns desses chavões, é apenas chato pelo excesso, mas nada contra, quem quiser que use a palavra da sua preferência..
O pai do Cony, por exemplo, citado na crônica, dizia que Natal sem sinos bimbalhando não era Natal.
4 comentários:
E os locutores de futebol na TV? Hoje ninguém faz mais um passe (uma assistência) ou dá um drible, os jogadores fazem "a leitura correta" da jogada - com tanta leitura assim vão acabar todos na Academia de Letras. . .
Esqueceu da palavra "ïnteragir", que de tanto repetirem se tornou chata não só a palavra em si como o texto que ela integrava, Até em jornais de bairro e súmulas de futebol essa palavra "INTERAGIU".
Olha, concordo com o pai do Cony, até porque, sou do tempo que os sinos bimbalhavam nos Natais felizes e ricos na época do espirito cristão que moldava aqueles Natais.
Está de parabens, caro Ed Sá pela abordagem deste tema, que aparentemente não é nada, mas no fim é tudo porque ás vezes dá até forma construtiva de um texto, de uma crônica, mas às vezes pode até acabar com esse texto ou crônica.
A última palavra em moda é : empoderamento, que na verdade até hoje não sei bem o que ela venha significar e é sempre usada quando se refere às mulheres. Essa estreita relação da palavra com mulher é que me causa espécie: Por que?
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