por Ed Sá
Crise econômica, mudança de modelos na comunicação e o fechamento de veículos impressos eliminaram muitos postos de trabalho (principalmente de carteira assinada) para jornalistas em todo o país.
São pessimistas as expectativas quando da implementação da reforma trabalhista no próximo mês de novembro. Pelo menos uma editora já demonstrou interesse em utilizar profissionais em regime de horários parciais. A reforma também facilitará demissões e engessará a possibilidade de recursos à Justiça do Trabalho. Daí os rumores em algumas redações de que poderá haver passaralhos no fim do ano.
Dezembro é, aliás, mês da preferência dos RHs para passar o rodo em empregos. Em pelo menos uma dessas ocasiões, houve uma brecha para o humor em meio ao drama. Foi em dezembro de 1973, quando o Jornal do Brasil sofreu um terremoto de rescisões. Alberto Dines foi demitido do comando do JB e a onda sísmica que se seguiu arrastou dezenas de empregos em todas as editorias.
Naquele dia, os redatores Joaquim Campello e Nilson Viana, do JB, criaram o vocábulo passaralho e o definiram em um caprichado verbete.
"Passaralho s.m. (brasil). Designação popular e geral da ave caralhiforme, falóide, família dos enrabídeos (Fornicator caciquorum MFNB & WF). Bico penirrostro, de avultadas proporções, que lhe confere características específicas, próprio para o exercício de sua atividade principal e maior: exemplar. À sua ação antecedem momentos prenhes de expectativa, pois não se sabe onde se manifestará com a voracidade que, embora intermitente, lhe é peculiar: implacável.
Apesar de eminentemente cacicófago, donde o nome científico, na história da espécie essa exemplação não vem ocorrendo apenas em nível de cacicado. Zoólogos e passaralhófitos amadores têm recomendado cautela e desconfiança em todos os níveis; a ação passaralhal é de amplo espectro. Há exemplares extremamente onívoros e de atuação onímoda. Trata-se este do mais antigo e puro espécime dos Fornicatores, sendo outros, como p. ex., o picaralho, o birroalho, o catzralho etc., espécimes de famílias espúrias submetidas a cruzamentos desvirtuados do exemplar. Distribuição geográfica praticamente mundial.
No Brasil é também conhecido por muitos sinônimos, vários deles chulos. Até hoje discutem os filólogos e etimologistas a origem do vocabulário. Uma corrente defende derivar de pássaro + caralho, por aglutinação; outra diz vir de pássaro + alho. Os primeiros baseiam-se em discutida forma de insólita ave; os outros, no ardume sentido pelos que experimentaram e/ou receberam a ação dele em sua plenitude.
A verdade é que quantos o tenham sentido cegam, perdem o siso e ficam incapazes de descrever o fenômeno. As reproduções que deles existem são baseadas em retratos-falados e, por isso, destituídas de validade científica."
Hoje, passaralho é verbete no Houaiss, como qualquer outra palavra do idioma de Camões..
Quando a Bloch deu pinta de que administrar uma rede de TV era peso demais para os seus pilares, demissões coletivas se intensificaram nas revistas.
Lá pelo fim da década de 1980, os corredores da empresa faziam previsão de um corte de 20% em todas as revistas. A ceifadora ainda não estava ligada, mas a alta tensão, sim. Não havia muito a fazer contra a guilhotina, a não ser esperar.
Como conta o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" (Desiderata), Alberto Carvalho, eterno gozador, aprontou uma das dele para descontrair o ambiente:
E o ficaralho, você conhece?
Contando a partir de 2013, cerca de 4 mil jornalistas foram demitidos em redações de todo o Brasil. Com as equipes reduzidas, sobrou sobrecarga de trabalho para quem foi poupado pelo passaralho da vez. Na época, o jornalista Bruno Torturra criou uma sugestiva derivação da ave caralhiforme que dizima empregos: o ficaralho. Esse exótico pássaro é predador de jornalistas que escapam do rodo e passam a acumular funções após as demissões em massa.
Resta torcer para que neste dezembro, passaralhos e ficaralhos não ataquem as redações pós-reforma trabalhista.
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
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Um comentário:
Não tenho dúvidas de que esse passaralho prometido virá a todo vapor. Até porque, será um pretexto para demitir funcionários antigos já nos seus 60 anos de vida. Os novos serão mais baratos. O tal de sangue novo que às vezes custa mais caro do que a permanência dos mais antigos.
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