quarta-feira, 6 de setembro de 2017

XÔ, OSHO! Estranhas interferências do guru indiano no universo manchetiano

Por Roberto Muggiati

Nada melhor para promover um livro do que o expor à mídia. A carreira de best seller de Paulo Coelho começou no dia em que o Presidente Bill Clinton foi flagrado nos jardins da Casa Branca com um exemplar de The Alchemist na mão.

Reprodução TV

Agora, no episódio da compra de votos para eleger o Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas, uma das implicadas, Eliane Pereira Cavalcante, ao ser levada presa pela Polícia Federal, tentou esconder o rosto das câmaras com um livro do guru indiano Osho.

Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho
Reprodução Instagram
Bhagwan Shree Rajneesh (1931-90) celebrizou-se no Ocidente na década de 1970, atraindo legiões de seguidores ao ashram de Poona, nos arredores de Bombaim (hoje Mumbai.) Os leitores brasileiros da época eram chegados a informação sobre as novas seitas que então brotavam como cogumelos depois da chuva. Compramos uma reportagem da revista alemã Stern, com imagens impressionantes dos cultos. A foto de abertura, em página dupla, mostrava cerca de uma dezena de homens e mulheres totalmente nus, abraçados no que parecia um orgasmo coletivo.

Por uma terrível coincidência, a matéria foi publicada numa edição importante da Manchete, que trazia na capa o Príncipe Charles, in full regalia, como dizem os britânicos.

A revista antecipava a primeira visita do primogênito da Rainha Elizabeth ao Brasil. Mas o impacto provocado pela foto “todo mundo nu” da Stern levou um Juiz de Menores, já no primeiro dia de banca da edição, a exigir a sua imediata apreensão. Quem trabalhava na Manchete naqueles tempos – o ano foi 1978 – ainda não esqueceu os dias de tensão que vivemos durante toda a semana em que os exemplares ficariam nas bancas. Com uma provável apreensão, a Bloch não perderia dinheiro apenas na venda avulsa da Manchete, mas – uma catástrofe impensável –teria de devolver toda a receita da publicidade aos anunciantes. Oscar Bloch Sigelmann, um brilhante negociador de causas “quase perdidas”, foi à luta, com todos os contatos que tinha no governo, particularmente na área econômico-financeira, e conseguimos empurrar com a barriga a crise, até a venda do último exemplar. Aquela edição esgotou, não só por causa do conteúdo polêmico, mas porque ganhou força quando o simpático príncipe, então com 30 anos, pisou em terras brasileiras, celebrizando-se, num elegante smoking, ao trocar uns passos de samba com a rainha da bateria da Beija-Flor Pinah.

Nesse mesmo ano me separei da primeira mulher, que levou o apartamento da Gávea. Precisei levantar o Fundo de Garantia com o Adolpho  e comprar um apartamento menor, para ter ao menos um teto debaixo do qual iniciar o segundo casamento. Comprei um apartamento na Rua das Laranjeiras, de uma escritora também recém-separada, chamada Martha. Pois bem, com o dinheiro da venda do apartamento, a Martha viajou para Poona: era uma adepta fervorosa do Rajneesh, depois Osho. Ao mesmo tempo, nosso chefe de reportagem de São Paulo, Júlio Bartolo, também se separou da primeira mulher, pagando um vultoso pedágio conjugal. A história se repetiu: a mulher do Bartolo pegou as duas filhas e investiu o dinheiro todo numa visita – não à Disney ou a Orlando, mas a Poona o destino de viagem favorito dos crentes da época. Pelo jeito, separações favoreciam os negócios do guru. . .

Outros desdobramentos: o juiz de menores que quase apreendeu a Manchete foi flagrado depois como pedófilo. O sacro Rajneesh foi tratar a saúde nos Estados Unidos e ficou por lá. Seus seguidores (os sannyasins) compraram um rancho para ele e criaram um ashram numa remota comunidade do Oregon. Depois uma série de problemas com os moradores locais, o guru e um pequeno número de fieis foram presos em 1985 a bordo de um Learjet alugado a caminho de Bermuda para fugir de processos. Numa cena digna de Lava-Jato, foram apanhados com 60 mil dólares em dinheiro, além de 35 relógios e pulseiras no valor de um milhão de dólares.

Voltando à Operação Unfair Play (Jogo Sujo), aparentemente a vassala do “Rei Arthur”, Eliana Cavalcante, não chegou ao fim do livro e deixou de ler as recomendações do guru Osho sobre os perigos da ambição desmesurada: “A felicidade suprema é nosso direito de nascença. Mas os seres humanos são tão tolos que não reivindicam sequer esse direito de nascença. Preferem cobiçar a riqueza do próximo e se perdem correndo atrás de bens materiais.”


Um comentário:

J.A.Barros disse...

Me parece que é tudo do mesmo, quer dizer: a ambição desenfreada, a vaidade humana, a crença em misticismos e a necessidade de se por em evidência. Já reparou como as pessoas focalizadas, pela TV, nas galeras dos estádios de futebol vibram de alegria! O fato de serem notadas e focalizadas pelas câmeras de TV, as levam ao paroxismo da realização pessoal. Enfim,trata-se de um ser humano!