Trechos destacados da entrevista de Raymond Depardon à repórter Marcella Ramos, do Globo |
por José Esmeraldo Gonçalves
O Globo de hoje publica entrevista que remete a uma era extinta do fotojornalismo. Na seção Conte algo que não sei, o fotógrafo Raymond Depardon fala, entre outros tópicos, sobre a Gamma, as grandes reportagens de viagem e a curiosa logística do passado para envio de material urgente.
A célebre agência francesa, fundada em 1966, manteve uma longa parceria com a Manchete e as demais revistas da antiga Bloch. A Manchete, principalmente, e a Fatos & Fotos davam vasto espaço às reportagens fotográficas da Gamma, não só à cobertura de atualidades, mas às matérias reveladoras de etnias e lugares ao estilo National Geographic, mas com um diferencial de extrema qualidade: o DNA jornalístico da agência sempre presente em cada fotograma. Depardon recorda em O Globo a satisfação de vê-la publicadas nas revistas brasileiras.
Trecho destacado da entrevista de Depardon ao Globo. |
Eram tempos analógicos e, na entrevista, o fotógrafo e cineasta também relembra um tipo de procedimento que deve parecer enigmático aos repórteres fotográficos de hoje. "Pedia a estranhos que estivessem entrando no avião para transportarem meus filmes", diz.
Essa frase carrega uma lembrança dos momentos de tensão que equipes em viagem ou correspondentes da Manchete no exterior viviam em aeroportos. Material de agência e filmes ainda a revelar eram enviados para o Brasil em mãos de passageiros ou de pilotos e comissários solícitos da Varig. Quando se tratava de material urgente para fechamento, o sufoco era maior. Cabia aos repórteres e fotógrafos em viagem, aos correspondentes ou aos funcionários das sucursais encontrar na fila do check in alguém disposto a fazer o favor de trazer para o Rio de Janeiro envelopes com os filmes. Eram, às vezes, volumosos envelopes. Havia até um jargão: "vou ao aeroporto fazer um passageiro".
O remetente ouvia alguns nãos mal-humorados, mas em 100% das vezes conseguia o portador. A tarefa seguinte era passar por telex a descrição do passageiro para que outra pessoa - quase sempre, Márcio, dos Serviços Editoriais, recebia essa missão - o esperasse no Galeão. "Fulano de tal, alto, careca, blazer cinza, camisa branca", e mais o telefone ou endereço no Rio, caso houvesse desencontro. E a recompensa ao viajante que trazia a encomenda? Uma carona até em casa no carro da Manchete. Aqui entra uma informação que era "confidencial" à época: quando o passageiro que trazia material de fechamento, urgentíssimo, caía na malha fina da Alfândega, contatos úteis da Manchete ajudavam a desembaraçar o sujeito, suas malas e, claro, o valioso envelope com fotos. Isso aconteceu mais de uma vez.
A partir da segunda metade do anos 1980, ficou gradativamente mais difícil encontrar alguém disposto a servir de "mula" fotojornalística. Mesmo entre os passageiros afáveis passou a predominar o medo de trazer encomendas a pedido de um desconhecido. Ainda que a tecnologia digital não houvesse aposentado o material físico seria impossível hoje conseguir um passageiro disposto a transportar um gordo envelope entregue no aeroporto por alguém que ele jamais viu e ainda lhe fornecer endereço e telefone.
E se fosse remessa de ecstasy, metanfetamina ou qualquer outra droga sintética que alguns países mandam para o Brasil atualmente?
Um comentário:
O fotojornalismo continua necessário, não acabou como diz o fotógrafo na entrevista. Mas mudou assim como o jornalismo. A Fotografia como Arte também vai ficar. Ele tem razão é quando diz que as grandes revistas ilustradas valorizam o fotojornalismo.
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