quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Memória da Manchete: mais uma do Cony, ou duas



por Roberto Muggiati

Aconteceu hoje: receando uma negativa da ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, sobre o pedido do governo para empossar a deputada Cristiane Brasil no cargo de Ministra do Trabalho, Temer resolveu esperar a nova decisão do TRF-2 e suspender, por enquanto, o recurso ao STF. Nas palavras de um auxiliar, o presidente não quer "queimar etapas".
Curioso: a expressão “queimar etapas” surgiu como jargão da esquerda brasileira nos tempos tormentosos que antecederam a deposição do Presidente Jango Goulart e o golpe militar. Segundo nossos comunistas – e socialistas em geral – a Revolução (a verdadeira, que libertaria as classes oprimidas do país) era uma espécie de escada a ser galgada degrau por degrau, com muito cuidado e atenção. “Queimar etapas” poderia botar tudo a perder.
Reprodução da obra "Retrato do Cony", de Paulo Monteiro, feita sobre foto de André Marenco
O Cony usou a expressão em outro contexto, quando varávamos a madrugada no velório de um amigo numa capela do cemitério São João Baptista. Naqueles tempos, as capelas ficavam abertas a noite inteira, fornecendo ampla companhia ao defunto – os assaltantes ainda não haviam descoberto o nicho de negócios representado pelos velórios, vulneráveis devido ao seu grau zero de segurança. A certa altura da noite, nosso grupo decidiu sair, a fim de descansar para voltar mais tarde ao enterro.
– Vamos andando, Cony?
– Vão vocês, acho que vou ficar por aqui mesmo.
– Mas que é isso, rapaz, está maluco?
E o Cony, com a maior cara de decisão tomada:
– Já que vou ter de morrer um dia, vou ficando por aqui: vou queimar etapas...
A morte sempre foi um grande motivo de piada para o nosso querido Carlos Heitor.
Outra história daquela época que o Cony gostava de contar. Certa noite, também em Botafogo, numa reunião do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros – várias facções da esquerda se engalfinhavam num debate sanguinolento. Cony vê um senhorzinho de aparência pacata ao seu lado comentar como que para si mesmo: “Não sei, está tudo muito confuso. Temo que não dê certo...”


Um comentário:

J.A.Barros disse...

Em conversas mais íntimas com amigos e sua equipe de jornalismo, Cony costumava insistir que era uma criatura "terminal " . Esse "terminal " levou mais de 40 anos sobrevivendo ao "terminal ".