Mostrando postagens com marcador Lula. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Lula. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Mídia: reflexões sobre uma foto

  

Em 1963, Jango, em viagem presidencial ao Chile
e ainda em Santiago, recebe a edição da Manchete com parte da cobertura da visita.
Foto de Nicolau Drei  

por José Esmeraldo Gonçalves 

Há alguns dias, Roberto Muggiati, ex-diretor da Manchete, escreveu aqui sobre a tradicional agilidade da revista ao reabrir edições para acrescentar acontecimentos importantes, de última hora. As coleções mostram outro exemplo desse compromisso extremo com a notícia. Em 1963, Jango visitou o Chile. Foi uma das inúmeras viagens do então presidente em seu curto mandato. Foi a países da Europa, aos Estados Unidos, onde foi recebido por John Kennedy e desfilou em carro aberto na Quinta Avenida e, ainda como vice-presidente, foi à China, então país fechado e muito raramente visitado por nações ocidentais ou da América do Sul, como nós do Sul Global, como se corrige agora. 

Já engajado na campanha golpista que resultou na ditadura a partir de 1964, O Globo mantinha fogo cerrado contra Jango. Manchete cobria bem as viagens do presidente brasileiro, com farta ilustraçãpo, embora a revista também abrigasse conspiradores na sua diretoria, como foi revelado em 1981 no livro "1964, a conquisa do Estado", de René Dreyfuss, com nomes e funções dos envolvidos no organograma da preparação do ataque fatal à democracia. 

Na foto, Jango, ainda em Santiago, entrega um exemplar da Manchete ao presidente Jorge Alessandri, que ficou surpreso ao receber impressa em prazo recorde a cobertura de parte da visita presidencial. "No es posible, no es posible", disse o anfitrião, enquanto Jango brincava: "Eles querem concorrer com a televisão"

Em uma das páginas da edição aparece a primeira-dama  Maria Teresa Goulart, que também era frequentemente atacada pelo Globo. Alessandri, aliás, disputaria nova eleição em 1970, quando perderia para Salvador Allende que, há 50 anos, foi assassinado por militares chilenos comandados por Pinochet e com apoio da ditadura brasileira e dos Estados Unidos. 

O encontro do sorridente Jango com o chileno aconteceu há 60 anos. Manchete não mais existe, mas há coincidências históricas aí. O Grupo Globo em todas as suas plataformas está agora em forte e previsível campanha contra Lula. Editorialistas, comentaristas, colunistas parecem seguir ordens da cúpula e ampliam um jogral deturpado de "interpretações" sobre cada passo do governo. Tal qual os idos de 1963. Maria Teresa era alvo, assim como Janja é vítima, hoje. O que ela fala, veste, o que compra, tudo é ironizado pelo Globo. 

O mais espantoso: o jornalão dos Marinho publicou recentemente um editorial pedindo "paz". Paz para os golpistas, bem-entendido. O Globo diz que o país tem que se reconciliar com a turba que depredou o Congresso, o STF e o Planalto. O elemento terrorista que tentou explodir uma bomba em um caminhão de combustível perto do aerooprto? Relevemos, sugere o editoriatista. O grupo que tentou e felizmente não consegui lançar um ônibus em cima de carros que conduziam pessoas que voltavam do trabalho? Esquece. Foi o calor do momento. Não sabemos  ou sabemos das intenções do Globo. De golpe o jornal sabe tudo. A julgar pelo que escreve e fala, o Grupo não pretende se conciliar ou pelo menos ser jornalisticamente honesto com um governo que apenas uma semana depois de tomar posse foi vítima de uma tentativa de golpe. Vê-se em alguns bolsões que a tentativa foi apenas pausada. O Globo, assim como Estadão, Folha, Farialimer, neopentecostalismo, cacs, viúvas da Lava Jato, narcogarimpo, o agro pop e Roberto Jefferson etc procuram um candidato do "centro" para 2026. Ainda não encontraram e essa pretensão tem uma condicionante histórica: se não tem tu vai tu mesmo. "Tu mesmo" sendo o replay de 2018 com um "Paulo Guedes" garantidor, como os colunistas do Globo afirmaram na época, que vai preservar os privilégios econômicos seja quem for o tal meliante escolhido para representar o "centro" Quer apostar?            

domingo, 25 de junho de 2023

O ócio é nosso • Por Roberto Muggiati

Lula e Domenico De Masi, em Roma. Foto de Ricardo Stuckert

Ao chegar a Roma, antes de visitar o Papa, o Presidente Lula caiu nos braços do sociólogo Domenico De Masi, 85 anos, autor de O Ócio Criativo (Sextante, 2000), livro em que sintetizou seu conceito polêmico segundo o qual “o homem que trabalha perde tempo precioso. ” De Masi visitou Lula em 2019, quando o petista estava preso em Curitiba e disse na época: “O fato de estar mantido aqui como preso político não mudou em nada o prestígio dele lá fora. Lula continua sendo uma grande liderança do mundo, talvez a maior de todas. ” 

Não, o Brasil não está interessado em importar ócio, nesse quesito o país de Macunaíma sempre foi pródigo. Lula e Domenico conversaram sobre o cenário internacional e as perspectivas de restabelecer a paz.

Entrevistadora de De Masi em O Ócio Criativo, Maria Serena Palieri resume assim a teoria do sociólogo: “O futuro pertence a quem souber libertar-se da ideia tradicional do trabalho como obrigação e for capaz de apostar numa mistura de atividades, onde o trabalho se confundirá com o tempo livre e o estudo. ” 

A ideia não é tão nova como parece. Em 1880, o franco-cubano Paul Lafargue (1842-1911), genro de Karl Marx, publicava o panfleto O direito à preguiça (Editora Unesp/Hucitec, 1999). Iniciava parafraseando o Manifesto Comunista, de Marx e Engels: “Uma estranha loucura apossa-se das classes operárias das nações onde impera a civilização capitalista. Esta loucura tem como consequência as misérias individuais e sociais que, há dois séculos, torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor pelo trabalho, a paixão moribunda pelo trabalho, levada até o esgotamento das forças vitais do indivíduo e sua prole. ”

Na introdução à edição brasileira do texto de Lafargue, a filósofa Marilena Chaui destaca a atualidade do direito ao ócio e afirma que, inspirados nele, os operários “lutarão, não mais, pelo direito ao trabalho, e sim pela distribuição social da riqueza e pelo direito de fruir de todos os seus bens e prazeres. ”

Eu ia esquecendo, mas “o Pregador” do Eclesiastes (circa VI a.C.) já fazia uma crítica contundente em A vaidade do trabalho:

“ 18 Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim. 19 E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isso é vaidade. 20Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo trabalho com que me afadigara debaixo do sol. 21Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo, deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou; também isso é vaidade e grande mal. 22Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo do sol? 23Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite não descansa o seu coração; também isso é vaidade.”

PS •  O YouTube exibe na próxima terça-feira uma palestra com De Masi no link AULA MAGNA: O ÓCIO CRIATIVO COM DOMENICO DE MASI - 27/JUNHO ÀS 20H - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=P7bu1PyOqto

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Mídia - Vandalismo jornalístico - O que a Folha pretende sugerir?


Folha de São Paulo, 19/1/2023

por José Esmeraldo Gonçalves

A foto de capa da Folha de São Paulo, hoje, foi feita pela fotógrafa Gabriela Biló em modo de múltipla exposição, que consiste em fotografar separadamente vários elementos e fundi-los em uma única imagem. O editor do jornalão deve ter delirado ao vê-la.  O carnaval não começou mas a Folha já vestiu uma fantasia digna do bloco dos sujos.

A imagem de Lula simplesmente ajeitando a gravata ganha nova e intencional leitura ao ser montada ao lado do ponto estilhaçado, qual marca de tiro, do vidro do Palácio do Planalto. Na leitura da foto publicada, um Lula de cabeça baixa, mão esquerda acima do peito, parece reagir ao impacto de uma bala no coração. 

Para os bolsonaristas radicais que se exibem armados nas redes sociais e prometem atirar no Lula é a cenografia do sonho acalentado. A Folha pode argumentar, em vão, que é apenas uma imagem que simboliza Lula acuado pelo terrorismo bolsonarista ou alvejado pela "presença militar" recorde no Planalto. Haverá um monte de versões.  O melhor para a Folha é assumir que tem assento no "gabinete do ódio".   

A foto que repercute nas redes sociais segue o estilo que o "jornalismo de guerra" da direita consagrou em 2016, quando a Veja fez uma capa com a cabeça do Lula decapitada, pingando sangue. Naquela ocasião, os editores da Veja devem ter corrido para o banheiro espalmando a capa como se fosse um pôster da Playboy. A Veja nem precisou pensar para criar a ilustração: copiou a Newsweek, que fez capa semelhante com Khadaffi; e a Time, que fez o mesmo com Donald Trump.
As primeiras páginas de jornais geralmente são discutidas pela cúpula das redações.
Imagino a turma em torno de uma mesa. "Do caralho", "Vai arrebentar, véio", "Vai quebrar a banca em Orlando";  "Manda aumentar o reparte da Papuda', "Carlos Bolsonaro vai amar"; "Vou avisar ao general Heleno, ele vai curtir"; "Liguei por Braga Neto, ele pediu um print", "Lacrou".      
   


sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Fotografia - The Guardian seleciona foto de apoiadores de Lula para a galeria Friday's Best Photos

 

Foto de Carl Souza/AFP/Getty Images (link para The Guardian)

Em ato de campanha, Lula arrastou uma multidão na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O fotógrafo Carl de Souza/AFP/Getty Images captou a cena vibrante, acima, que The Guardian selecionou para sua tradicional galeria de melhores e publica hoje na seção Friday’s Best Photos. Neste link que remete ao jornal você poderá ver mais fotos do dia. AQUI 

Raí - "Voto em Lula por ser antifascista e antirracista"







Durante a cerimônia da 66ª Bola de Ouro, em Paris, o ex-jogador Raí entregou o Prêmio Sócrates - que a revista France Fooball criou para homenagear craques que se dedicam a causas sociais - ao jogador Mané, do Bayern de Munique. No palco, Raí fez o "L" e declarou que vota em Lula por ser antifascista e antirracista. O brasileiro comprou parte das ações do Paris FC, clube que atualmente está na segunda divisão do futebol francês, 


O jornal Le Parisien abriu assim a reportagem sobre o gesto de Raí:  

"Tempo de um discurso e de um gesto, Paris encontrava-se no centro da tensa campanha presidencial brasileira. Ao mesmo tempo em que foi convidado, durante a cerimônia da 66ª Bola de Ouro, a entregar um prêmio para jogadores envolvidos em projetos sociais e beneficentes, Raí, lenda do futebol e do Paris-Saint-Germain (PSG), deu um passo para o lado e fez um discurso muito notado. Especialmente em seu país. 

"O Brasil tem uma decisão importante a tomar no final do mês em relação ao futuro da democracia em nosso país e todos sabemos de que lado Sócrates estaria", disse ele, fazendo o "L" de Lula (ex-presidente e candidato de esquerda) com os dedos. A mensagem do atual membro do Paris FC (Ligue 2) foi imediatamente divulgada por diversos meios de comunicação no Brasil. E ainda recebida  pelo principal destinatário, Lula, que se manifestou imediatamente no twitter. “Obrigado Raí, eu estava assistindo” (a cerimônia)".

domingo, 18 de setembro de 2022

Da Boca Maldita sei eu... Por Roberto Muggiati

 


Boca Maldita na década de 1960. Reprodução Pinterest

Nascido em Curitiba, onde morei exatos 23 anos – no dia do meu aniversário botei o pé no mundo, ou melhor, voei nas asas da Panair para Paris – lembro bem dos primórdios da Boca Maldita. Em seus tempos mais cândidos, Curitiba se autodenominava Cidade Sorriso, passando uma imagem cordial. 

Quando resolveu assumir uma postura mais verdadeira – já dizia Rimbaud, “Quelle âme est sans défauts?” – surgiu a Boca Maldita. Oficialmente, a confraria dos “Cavaleiros da Boca Maldita de Curitiba”, em 13 de dezembro de 1956. Na mesma data, em 1966, teve seus estatutos criados e, em 29 de setembro de 1975, foi finalmente registrada. Seus principais fundadores foram o político e cartola Anfrísio Siqueira e o jornalista Adherbal Fortes de Sá Junior, que lhe deu o nome.

Jornalista já aos dezesseis anos, em 1954, eu costumava orbitar depois dos fechamentos da Gazeta do Povo em torno dos restaurantes e confeitarias da Cinelândia. Ela ocupava a “avenida mais curta do mundo” (150 metros), então João Pessoa, hoje Luiz Xavier. Na esquina da Avenida com a Rua Ermelino de Leão abriu um café, daqueles da Era a.E [antes do Espresso], com cafezinhos passados em coador de pano e tomados de pé diante do balcão em pequenas xícaras de louça. Os cafezinhos saborosos de uma marca confiável logo começaram a atrair hostes de jornalistas, advogados, políticos e desocupados, que eram maioria naquela fauna desvairada, essencialmente masculina.

A festa de aniversário da Boca tornou-se seu maior evento da Boca, quando 40 pessoas recebem o título de “cavaleiro” da confraria. Entre os agraciados figuram Antônio Ermírio de Morais, Carlos Ayres Britto, Nelson Jobim e Ziraldo.

Apesar (ou por causa) da ditadura militar, a Boca Maldita viu crescer nas décadas de 60 e 70 (quando a Avenida virou um calçadão pedestre exclusivo) seu papel de tribuna livre, mesmo depois do AI-5, pela impossibilidade de se censurar suas atividades essencialmente orais (verba volant...). Isso justifica o fato de ter sido a Boca Maldita escolhida em 1984 como o palco inicial da campanha nacional pelas Diretas Já!

Lula e curitibanos se encontraram na...

Boca Maldita, ontem. Fotos Ricardo Stuckert


Passou também a ser o local favorito para comícios eleitorais, como o que ocorreu neste sábado, de Luiz Inácio Lula da Silva. Por isso, mesmo longe de Curitiba há tanto tempo, declaro aqui o meu desejo de receber, um dia, o título de Cavaleiro da Boca Maldita.


quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Memórias da redação: Adolpho Bloch esnobou Collor e paparicou Lula • Por Roberto Muggiati


1989: à véspera do segundo turno - Adolpho Bloch, Luís Inácio Lula da Silva,
Osias Wurman, Carlos Heitor Cony, Roberto Muggiati e Jaco Bittar


Antes do segundo turno - Pedro Collor, Mauro Costa, Oscar Bloch Sigelmann,
Fernando Collor de Mello, Pedro Jack Kapeller, Arnaldo Niskier,
Daniel Tourinho e Roberto Muggiati. Fotos Acervo Pessoal


Era o segundo turno das eleições de 1989, o duelo no Sarney Curral, opondo o Caçador de Marajás e o Sapo Barbudo. Fernando Collor de Mello jantou na Bloch numa segunda-feira depois do fechamento da revista. Adolpho Bloch inventou uma desculpa e não deu as caras, Jaquito e Oscar recepcionaram o futuro presidente. A Bloch teve uma mãozinha nessa história. Collor concorreu por uma legenda menor, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), antes Partido da Juventude, fundado por Daniel Tourinho, que trabalhou na área de recursos humanos da Bloch Editores entre 1974 e 1985. 

Num gesto impulsivo, Adolpho Bloch convidou Lula para almoçar na sede da Manchete no Rio na véspera do segundo turno, sábado, 16 de dezembro. Lula e comitiva vieram naquela manhã de São Paulo num jatinho. Adolpho recebeu calorosamente o líder sindicalista e o levou a visitar o escritório do ex-Presidente Juscelino Kubitschek no prédio do Russell, que havia se tornado uma peça de museu depois da morte de JK em 1976. Lembro de um episódio engraçado durante o almoço. A certa altura, Adolpho desconcertou Lula com uma pergunta a queima roupa:

– E o senhor gostaria de ter um mais moço que o senhor?

O líder petista titubeou:

– Não entendi, sêo Adolpho! Ter um o quê? Mais moço?...

– Um sogro, porrraa!

Ele não se conformava de ter um sogro quatro anos mais moço: o general Abraham Ramiro Bentes, pai de sua segunda mulher, Anna Bentes.

Um trunfo que Collor usou em sua propaganda no segundo turno foi apresentar na TV uma ex-namorada de Lula, Míriam Cordeiro, com a qual ele teve uma filha, Lurian. A ex acusou Lula de “racista” e de ter exigido que ela abortasse a filha. Collor também espalhou que, se eleito, Lula confiscaria a poupança, medida que ele próprio, Collor, adotou assim que foi empossado. Houve ainda o sequestro “cenográfico” do empresário Abílio Diniz, libertado no domingo das eleições, com os sequestradores apresentados pela polícia vestindo camisetas do PT. Ainda assim, Lula não se saiu tão mal e reduziu a vantagem de Collor do primeiro turno (66,05% contra 33,95%) para o segundo (53,03% contra 46,97%).

Vamos voltar ao “adolphês”, o linguajar críptico (e típico) do empresário que só os mais próximos conseguiam captar (Cony era mestre nisso). Por ter morado em Paris e em Londres, Adolpho sempre me requisitava como interprete para seus encontros internacionais. Mas muitas vezes me levava a tiracolo mesmo quando se reunia com brasileiros. Não esqueço seu primeiro encontro em 1979 – à cabeceira da longa mesa de jantar do prédio do 804 no Russell – com Leonel Brizola, que acabara de voltar do exílio. 

Com os olhos brilhando, Brizola abriu o diálogo:

- Bloch, o socialismo é uma coisa tão bonita!

Adolpho desviou o rosto para o lado, naquele seu cacoete judaico-ucraniano de cuspir no chão. O Engenheiro não notou – ou fingiu que não notou. 

Eleito governador do Rio de Janeiro em 1982 – nas primeiras eleições livres e diretas para governador desde 1965 – Brizola seria uma mãe para a Bloch. Não só abriu crédito ilimitado para a empresa, como, no primeiro Carnaval do Sambódromo, em 1984 – também o primeiro Carnaval da Rede Manchete – concedeu direitos exclusivos de transmissão a Adolpho, chutando para escanteio a TV de Roberto Marinho. 

Dá para imaginar as benesses que cairiam sobre a Bloch caso Brizola fosse eleito presidente, mas ele chegou em terceiro, depois de Collor e Lula. Mas a Manchete sempre soube cativar o poder. Colocou Leopoldo Collor de Mello, irmão mais velho do Presidente, na chefia da Rede Manchete em São Paulo. Na presidência de Fernando Henrique Cardoso, o Primeiro Filho, Paulo Henrique Cardoso, ganhou um importante cargo na Rede Manchete, com direito a um luxuoso escritório privado.

Lula não chegou a pegar a Manchete – ou vice-versa – mas se a Bloch ainda sobrevivesse em 2002 com toda a certeza seria tratada a pão de ló pelo presidente petista, em reconhecimento ao apoio que recebeu de Adolpho – na contramão do poder – no segundo turno de 1989.


quinta-feira, 5 de maio de 2022

Veja trechos omitidos pela mídia neoliberal na entrevista de Lula à TIME, principalmente opiniões sobre a guerra na Ucrânia

A entrevista de Lula à revista Time é a polêmica do momento. Embora tenha afirmado ser  contra  a invasão da Ucrânia, o ex-presidente considerou Putin e Zelenski igualmente  responsáveis pela escalada do conflito. Essa segunda parte da declaração é criticada pela mídia há três dias. 

A entrevista é longa, outros pontos são ignorados. E muito importante divulgá-la para que se conheça o que Lula pensa doze anos depois de deixar o Planalto, onde governou por oito anos. 

A entrevista não é obviamente um programa de governo. No dia 7, mais conhecido como o próximo sábado, a candidatura de Lula será anunciada oficialmente. A partir da formalização, ele e equipe deverão elaborar o programa de governo, trabalho que já está em andamento. Antes disso, qut tal conhecer mais da entrevista à Time, principalmente o que não foi divulgado pela mídia conservadora? Até para conhecer outros pontos polêmicos e algo do mapa do caminho que o candidato oferecerá ao Brasil. 

Caso seja eleito e caso as eleições e a posse de fato aconteçam. 

Abaixo, destacamos alguns tópicos da entrevista. E você, se preferir, pode acessar o Blog do Esmael que publica na íntegra a matéria da revista americana. Basta clicar AQUI


A seguir, leia 13 trechos da entrevista com Lula feita pela repórter Ciara Nugent, da TIME em fins de março e publicada na mais recente edição. 

1 - Quando o Supremo Tribunal Federal restaurou seus direitos políticos no ano passado, você já estava, segundo a mídia brasileira, se preparando para uma vida mais tranquila, fora da política. Você decidiu imediatamente voltar à política quando isso aconteceu?

Eu na verdade nunca desisti da política. A política está em cada célula minha, a política está no meu sangue, está na minha cabeça. Porque o problema não é a política simplesmente, o problema é a causa que te leva à política. E eu tenho uma causa. Quando deixei a Presidência em 2010, efetivamente eu não pensava mais em ser candidato à Presidência da República. Entretanto, o que eu estou vendo, doze anos depois, é que tudo aquilo que foi política para beneficiar o povo pobre— todas as políticas de inclusão social, o que nós fizemos para melhorar a qualidade das universidades, das escolas técnicas, melhorar a qualidade do salário, melhorar a qualidade do emprego—, tudo isso foi destruído, desmontado. Porque as pessoas que começaram a ocupar o governo depois que deram o golpe na presidenta Dilma [Rousseff] eram pessoas que tinham o objetivo de destruir todas as conquistas que o povo brasileiro tinha obtido desde 1943.

2 -A situação do Brasil hoje — a polarização política, a economia, o panorama internacional — é muito diferente do que quando você ganhou a Presidência pela primeira vez. Não vai ser mais difícil governar desta vez?

O futebol americano tem um jogador, que aliás é casado com uma brasileira que é modelo, e que é o melhor jogador do mundo há muito tempo. A cada jogo que ele faz, a torcida fica exigindo que ele jogue melhor do que no jogo anterior. No caso da Presidência é a mesma coisa. Só tem sentido eu estar candidato à Presidência da república porque eu acredito que eu sou capaz de fazer mais e fazer melhor do que eu já fiz. Eu tenho clareza de que eu posso resolver os problemas [do Brasil]. Eu tenho a certeza de que esses problemas só serão resolvidos quando os pobres estiverem participando da economia, quando os pobres estiverem participando do orçamento, quando os pobres estiverem trabalhando, quando os pobres estiverem comendo. Isso só é possível se você tiver um governo que tenha compromisso com as pessoas mais pobres.

3 - Muitas pessoas no Brasil dizem que houve muitas encarnações do Lula, especificamente em política econômica. Qual Lula temos hoje?

Eu sou o único candidato com quem as pessoas não deveriam ter essa preocupação, porque eu já fui presidente duas vezes. E a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições. Primeiro você precisa ganhar para depois saber com quem você vai compor e o que você vai fazer. Quem tiver dúvida sobre mim olhe o que aconteceu nesse país quando eu fui presidente da República: o crescimento do mercado. O Brasil tinha dois IPOs. No meu governo fizemos 250 IPOs. O Brasil devia 30 bilhões, o Brasil passou a ser credor do FMI, porque emprestamos 15 bilhões. O Brasil não tinha um dólar de reserva internacional, o Brasil tem hoje 370 bilhões de dólares de reserva internacional. […] Então as pessoas precisam ter em conta o seguinte: ao invés de perguntar o que é que eu vou fazer, olhe o que eu fiz.

4 -Quero falar da Ucrânia. Você sempre teve orgulho de poder falar com todos—Hugo Chávez e também George Bush. Mas o mundo de hoje é muito fragmentado diplomaticamente. Quero saber se sua abordagem na diplomacia ainda funciona. Você poderia falar com Putin depois da invasão da Ucrânia?

Nós, políticos, colhemos aquilo que nós plantamos. Se eu planto fraternidade, solidariedade, concórdia, eu vou colher coisa boa. Mas se eu planto discórdia, eu vou colher desavenças. Putin não deveria ter invadido a Ucrânia. Mas não é só o Putin que é culpado, são culpados os Estados Unidos e é culpada a União Europeia. Qual é a razão da invasão da Ucrânia? É a OTAN? Os Estados Unidos e a Europa poderiam ter dito: ‘A Ucrânia não vai entrar na OTAN’. Estaria resolvido o problema.

5 -Você acha que a OTAN foi a razão da Rússia para invadir?

Esse é o argumento que está colocado. Se tem um segredo nós não sabemos. O outro é a [possibilidade de a] Ucrânia entrar na União Europeia. Os europeus poderiam ter resolvido e dito: ‘Não, não é o momento de a Ucrânia entrar na União Europeia, vamos esperar’. Eles não precisariam fomentar o confronto!

6 -Mas acho que tentaram falar com a Rússia.

Não tentaram. As conversas foram muito poucas. Se você quer paz, você tem que ter paciência. Eles poderiam ter sentado numa mesa de negociação e passado 10 dias, 15 dias, 20 dias, um mês discutindo para tentar encontrar a solução. Então eu acho que o diálogo só dá certo quando ele é levado a sério.

7 -Então se você fosse presidente neste momento, o que você faria? Você seria capaz de evitar o conflito

Eu não sei se seria capaz. Eu, se fosse presidente hoje, teria ligado para o [Joe] Biden, teria ligado para o Putin, para a Alemanha, para o [Emmanuel] Macron, porque a guerra não é saída. Eu acho que o problema é que, se a gente não tentar, a gente não resolve. É preciso tentar. Às vezes eu fico preocupado. Eu fiquei muito preocupado quando os Estados Unidos e quando a União Europeia adotaram o [Juan] Guaidó [então líder da assembleia nacional da Venezuela] como presidente do país [em 2019]. Você não brinca com democracia. O Guaidó para ser presidente da Venezuela teria que ser eleito. A burocracia não substitui a política. Na política são os dois chefes que mandam, os dois que foram eleitos pelo povo, que têm que sentar numa mesa de negociação, olho no olho, e conversar. E agora, às vezes fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado. O Saddam Hussein era tão culpado quanto o Bush. Porque o Saddam Hussein poderia ter dito: ‘Pode vir aqui visitar e eu vou provar que eu não tenho armas’. Ele ficou mentindo para o seu povo. Agora, esse presidente da Ucrânia poderia ter dito: ‘Olha, vamos deixar para discutir esse negócio da OTAN e esse negócio da Europa mais para frente. Vamos primeiro conversar um pouco mais.’

8 -Então Zelensky tinha que falar mais com Putin, mesmo com 100,000 soldados russos na sua fronteira?

Eu não conheço o presidente da Ucrânia. Agora, o comportamento dele é um comportamento um pouco esquisito, porque parece que ele faz parte de um espetáculo. Ou seja, ele aparece na televisão de manhã, de tarde, de noite, aparece no parlamento inglês, no parlamento alemão, no parlamento francês como se estivesse fazendo uma campanha. Era preciso que ele estivesse mais preocupado com a mesa de negociação.

9 - Não seria um pouco difícil dizer isso a Zelensky? Ele não queria guerra, mas ela chegou.

Ele quis a guerra. Se ele [não] quisesse a guerra, ele teria negociado um pouco mais. É assim. Eu fiz uma crítica ao Putin quando estava na Cidade do México, dizendo que foi errado invadir. Mas eu acho que ninguém está procurando contribuir para ter paz. As pessoas estão estimulando o ódio contra o Putin. Isso não vai resolver! É preciso estimular um acordo. Mas há um estímulo [ao confronto]! Você fica estimulando o cara [Zelensky] e ele fica se achando o máximo. Ele fica se achando o rei da cocada, quando na verdade deveriam ter tido conversa mais séria com ele: ‘Ô, cara, você é um bom artista, você é um bom comediante, mas não vamos fazer uma guerra para você aparecer’. E dizer para o Putin: ‘Ô, Putin, você tem muita arma, mas não precisa utilizar arma contra a Ucrânia. Vamos conversar!’

10 -O que você acha de Joe Biden?

Eu fiz até um discurso elogioso ao Biden quando ele anunciou o primeiro programa econômico dele. O problema é que não basta você anunciar um programa, é preciso executar o programa. E eu acho que o Biden está vivendo um momento difícil. E acho que ele não tomou a decisão correta nessa guerra Rússia e Ucrânia. Os Estados Unidos têm um peso muito grande e ele poderia evitar isso, e não estimular. Poderia ter falado mais, poderia ter participado mais, o Biden poderia ter pegado um avião e descido em Moscou para conversar com o Putin. É esta atitude que se espera de um líder. Que ele tenha interferência para que as coisas não aconteçam de forma atabalhoada. E eu acho que ele não fez.

11 -Biden deveria ter feito mais concessões a Putin?

Não. Da mesma forma que os americanos convenceram os russos a não colocar mísseis em Cuba em 1961, o Biden poderia falar: ‘Vamos conversar um pouco mais. Nós não queremos a Ucrânia na OTAN, ponto’. Não é concessão. Deixa eu lhe contar uma coisa: se eu fosse presidente da República e me oferecessem ‘o Brasil pode entrar na OTAN’, eu não ia querer.

(...) 

É urgente e é preciso a gente criar uma nova governança mundial. A ONU de hoje não representa mais nada. A ONU de hoje não é levada a sério pelos governantes. Porque cada um toma decisão sem respeitar a ONU. O Putin invadiu a Ucrânia de forma unilateral, sem consultar a ONU. Os Estados Unidos costumam invadir os países sem conversar com ninguém e sem respeitar o Conselho de Segurança. Então é preciso que a gente reconstrua a ONU, coloque mais países, envolva mais pessoas. Se a gente fizer isso, a gente começa a melhorar o mundo.

12 -No Brasil, durante a pandemia, a população negra sofreu um risco de mortalidade maior que os brancos, e uma taxa maior de desemprego também. E os problemas com a violência policial pioraram durante o governo do Bolsonaro. Você tem coisas que vai fazer para melhorar o mundo para os brasileiros negros especificamente?

Olha, eu li muito sobre a escravidão quando eu estava preso e eu às vezes tenho dificuldade de compreender o que foram 350 anos de escravidão. E eu tenho mais dificuldade de compreender que a escravidão ela está dentro da cabeça das pessoas, o preconceito está dentro da cabeça das pessoas. Aqui no Brasil, na periferia brasileira, milhares de jovens são mortos quase todo mês, todo ano. Então não é possível isso continuar. Quando eu estava na presidência nós criamos uma lei para que a história africana fosse contada na escola brasileira. Para que a gente aprendesse sobre a história africana para não ver os africanos como cidadãos inferiores. Então nós precisamos começar essa educação dentro de casa, na escola. E o Bolsonaro despertou o ódio, despertou o preconceito. Aí tem outros presidentes também na Europa, na Hungria, [que fazem o mesmo]; está aparecendo muito fascista, muito nazista no mundo.

13 -O Bolsonaro tem culpa pelo racismo hoje no Brasil ou é um país racista?

Eu não diria que ele tem culpa pelo racismo porque o racismo é crônico no Brasil. Mas ele estimula.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Quando as linhas do tempo se cruzam • Por Roberto Muggiati

No sábado 16 de dezembro de 1989, o torcedor vascaíno Luis Inácio ‘Lula’ da Silva vibrava com a conquista do bicampeonato brasileiro num gol de cabeça de Sorato em pleno Morumbi. No dia seguinte, Lula era derrotado no pleito presidencial por Collor de Mello, sua candidatura fatalmente minada pela revelação do caso da filha ilegítima Lurian e pela fake news de que o PT havia orquestrado o sequestro do empresário Abílio Diniz, libertado pontualmente às 17 horas, depois do encerramento da votação.
O tempo passou, Collor deu no que deu, Lula chegou lá em 2002, tinha tudo para elevar o Brasil ao almejado estado de justiça social, mas se cercou das piores companhias – companheiros nada camaradas – que levaram por água abaixo seu idílico projeto político.
Hoje, mais de 30 anos depois do gol de Sorato, o cruzmaltino Lula, por uma goleada de 8 a 3 no STF (gols contra de Nunes, não confundir com o “Artilheiro-das-decisões”; de Marco Aurélio Mello, já-vai-tarde; e do Presidente Fux), se viu isento das condenações da Lava Jato e reconquistou seus direitos eleitorais. À noite, numa atuação impecável no Maracanã, um Vasco desacreditado deu um baile (3X1) num Flamengo que pensa ter o rei na barriga. O terceiro gol do Vasco foi de Morato com a comemoração a la Edmundo, dois dias depois o ídolo vascaíno, pelo apertado placar de 6X5 viu o STF votar a prescrição de suas penas por crimes de trânsito na Lago em 1995. (Ainda sobre a derrota do Flamengo, o grande castigado foi o são-paulino Rogério Ceni, que escapou de tomar aquele gol do Sorato porque só seria contratado como quarto goleiro do São Paulo no ano seguinte, 1990, aos dezessete anos.) 
Enquanto isso, acuado pela CPI da Covid e por mais de 100 pedidos de impeachment protocolados na Câmara, nosso mandatário supremo, proclama: “Só Deus me tira da cadeira presidencial!” Será que desta vez o Santo Pai vai conseguir segurar a barra do Messias?

sábado, 27 de abril de 2019

Mídia - a repercussão da entrevista de Lula, quem fez jornalismo e quem ficou emburrado e fingiu que não viu...

A hastag #FalaLula chegou aos trending topics mundiais do Twitter. Foi imediata a repercussão das entrevistas exclusivas que o presidente concedeu à Folha de São Paulo e ao El Pais.
Do ponto de vista da mídia brasileira, houve particularidades. O Jornal Nacional ignorou o maior acontecimento político do dia. O Globo de hoje, idem. O Estadão passou ao largo.
Pela transcendência do fato, que foi abordado pelas mídias internacionais, não vale o argumento de que o assunto era da concorrência. O Dia não escondeu. Alguns jornais regionais, como Estado de Minas e Correio do Povo registraram a entrevista nas primeiras páginas, discretos, mas registraram. O Globo preferiu destacar o caso da propaganda da Petrobras e uma matéria sobre os milhões de brasileiros que apenas ganham para sobreviver.  O Estadão bateu o bumbo da reforma da Previdência e deu maior espaço para os patinetes elétricos da polícia paulistana. Não repercutiram, não criticaram, não elogiaram e sequer foram saber a opinião de Bolsonaro e do governo sobre o assunto. Apenas, simbolicamente, acomodaram os glúteos sobre a notícia. Esses veículos deliberadamente abriram mão do jornalismo. Se essa decisão editorial caipira fizesse algum sentido, os jornais americanos teriam ignorado o Caso Watergate, que resultou de uma investigação exclusiva do Washington Post. 











segunda-feira, 8 de abril de 2019

Quando os presidentes comunicam e se trumbicam - "É a sintaxe, estúpido!"

por Ed Sá 

A linguagem dos presidentes já foi bem mais formal. Talvez porque eles se expressassem mais por discursos. Entrevista coletiva nunca foi o forte dos presidentes e ditadores brasileiros. E as exclusivas geralmente eram e são concedidas a jornalistas escolhidos e veículos idem, evitando maiores riscos. Bolsonaro, por exemplo, radicaliza essa seleção e tem promovido um amistoso café da manhã com coleguinhas de "lista amiga" onde ele dá as cartas, além do pão com manteiga, recebe tapinhas nas costas, sorrisos e likes ao vivo.

Mas nada incomoda mais do que as metáforas que os habitantes do Palácio do Planalto incorporam. Parece que há um vírus linguístico entranhado na tapeçaria do gabinete presidencial.

Lula usava e abusava do futebol. "Virar o jogo", "em time que ganha não se mexe", "catimba", "chute na canela" foram expressões usadas por ele ara nomear crises ou os bastidores da política. Em 2010, ao fim do segundo mandato, definiu a situação assim: "Vamos trabalhar para ganhar as eleições. Não é uma eleição fácil. É como time de futebol. Quando o time está ganhando de um a zero, de dois a zero, quando o time está ganhando, recua, não quer mais fazer falta, pênalti, fica só rebatendo a bola. E quem está perdendo vem para cima com tudo, e é com gol de mão, de cabeça, de chute, de canela. Não tem jogo ganho ou fácil"...

Temer era uma espécie de "novo culto", o equivalente de "novo rico", era um ser pronominal, mas tudo nele soava falso. Parecia se homiziar em erudição fast food. Preferia as mesóclises e as citações literárias ou juristas. "Procurarei não errar, mas se o fizer consertá-lo-ei". O capricho na colocação dos pronomes não livrou os problemas: o coronel Lima desconcertou sua biografia cheia de verbas e verbos. No discurso de posse, Temer mandou um "sê-lo-ia" que ecoou no Congresso. Inspirava-se provavelmente em Jânio Quadros, o do famoso "fi-lo porque qui-lo", que, aliás, segundo o professor Sérgio Rodrigues, está errado na segunda ênclise, já que o "porque" deveria atrair o pronome.

Temer também encaixava frases em latim no cipoal de pronomes. Ficou famoso o "verba volant, scripta manent" que ele inseriu em uma carta enviada a Dilma. "As palavras voam, os escritos permanecem", diz a frase. Ironicamente, mensagens escritas e permanecidas no Whatsapp estão entre os elementos do seu indiciamento por corrupção.

Sarney produzia frases rebuscadas. Político escolado, ele elaborava cada declaração como se falasse  à posteridade em busca da absolvição da História. Com uma característica: sempre exaltava sua própria figura. Achava-se o máximo, apesar de ter sido um presidente medíocre. “Consultei um futurólogo e ele previu que o Brasil só terá outro presidente nordestino daqui a 1.900 anos. Então, acho que mereço ficar os seis anos (argumento para prorrogar o mandato);  “Sou apenas um menino do Maranhão que o destino disse: vai José, ser Presidente” (quando se sentiu ungido pelo destino como um César do Maranhão); "Não me perdoam por ter chegado ao poder passando por cima do cadáver de Tancredo Neves" (usando o falecido para lamentar críticas); "Durante o meu mandato a história se contorceu, mas a democracia não murchou na minha mão" (no dia em que o espírito de Lincoln arrepiou seu bigode épico).

Dilma confundia a nação com seus anacolutos. No trono da República, era rainha na prática de desestruturar frases, eliminar o pé,o tronco e a cabeça de sentenças inteiras. "Quero dizer para vocês que, de fato, Roraima é a capital mais distante de Brasília, mas eu garanto para vocês que essa distância, para nós do Governo Federal, só existe no mapa. E aí eu me considero hoje uma roraimada, roraimada, no que prova que eu estou bem perto de vocês"; "Eu acredito que nós teremos uns Jogos Olímpicos que vai ter uma qualidade totalmente diferente e que vai ser capaz de deixar um legado tanto… porque geralmente as pessoas pensam: 'Ah, o legado é só depois'. Não, vai deixar um legado antes, durante e depois"; "Foi muito, houve uma procura imensa, tinham seis empresas que apresentaram suas propostas, houve um deságio de quase… Foi um pouco mais de 38%, mas eu fico em 38% para ninguém dizer: 'Ah, ela disse que era 38′, mas não é não. É 39, 38 e qualquer coisa ou é 36. 38, eu acho que é 39, mas vou dizer 38". Isso foi Dilma sendo Dilma.

Fernando Henrique se sentou na cadeira de presidente mas nunca deixou a cátedra. Falava com se desse aula. “A barbárie não é somente a covardia do terrorismo mas também a intolerância ou a imposição de políticas unilaterais em escala planetária”;  “No candomblé, o mal e o bem coexistem. São irreconciliáveis, mas são eternos. Num momento em que há tantos maniqueístas no mundo, em que as pessoas querem simplificar as coisas – o bem está de um lado, o mal está de outro, uns são formidáveis, outros são horríveis -, o candomblé nos ensina que as coisas são um pouquinho mais complexas";  “Os países podem estar em um processo que, ao mesmo tempo, tenha concentração de renda e diminuição da pobreza"; "Os brasileiros são caipiras, desconhecem o outro lado, e, quando conhecem, encantam-se" ; "O mundo nunca é maravilhoso para todos, mas há uma similitude efetiva entre um grande período da expansão do capitalismo comercial, da eclosão do Renascimento e das Descobertas -- naquela altura, em que o homem era a medida de todas as coisas, embora não fosse, na verdade, mas como referência passou a ser e é o que está acontecendo hoje em dia".

Apesar da erudição, FHC também dizia coisas como essa: "Não vamos prometer o que não dá para fazer. Não é para transformar todo mundo em rico. Nem sei se vale a pena, porque a vida de rico, em geral, é muito chata".

Bolsonaro, talvez acometido por algum espírito de quilombola freudiano, relaciona a política a casamentos, namoro, relacionamento, traição etc. Para disseminar seu "bolsonarês, ele tem, como nenhum outro presidente, o alcance das rede social.

Sobre parceria com Paulo Guedes quando ainda candidato"Aîn, estamos namorando"; Sobre desentendimento com Rodrigo Maia, o presidente da Câmara: "Aîn, isso aí foi briguinha de namorado". Sobre o escritório de representação em Jerusalém e a futura transferência da embaixada do Brasil em Israel: "aîn, todo casamento começa com namoro e noivado".

Frequentemente, a linguagem do Bolsonaro é ofensiva. E esse é um diferencial marcante em relação a presidentes anteriores. "Abraço ´hetero" (em Gabeira), frases racistas e homofóbicas e ofensas às mulheres, aos negros, aos índios pontuaram o vocabulário do atual presidente. "Eu fui num quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais"; "eu falei que não ia estuprar você porque você não merece" (para a deputada Mara do Rosário); “Ô Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu” (para Preta Gil).

Mas aí não é pra rir, é pra chorar.


quinta-feira, 16 de agosto de 2018

2018: o drama, a tragédia e a comédia eleitoral em números...



Em dados divulgados ontem e levantados entre 9 e 13 de agosto, o Instituto Paraná Pesquisas aponta o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, como líder das intenções de voto para as eleições de outubro. Sem Lula na sondagem, o capitão aposentado alcança 23,9 por cento de preferência do eleitorado (em julho, ele tinha 23,6). Fernando Haddad figura como nome no PT. com 3,8%, embora ainda não seja o candidato oficial do partido (em julho, tinha 2,8%). Marina Silva (Rede) apresenta 13,2 %, (em julho, estava com 14,4%). Ciro (PDT) fica com 10,2% (em julho, tinha 10,7%). Alckmin vem com 8,5% (em julho atingiu 7,8%.).

Cabo Daciolo (do Patriota), no momento recolhido a um "monte" onde afirma fazer jejum contra supostas ameaças de morte por parte "dos illuminati" e outras sociedade secretas, está com 1,2% na nova pesquisa.

Quando incluído na sondagem de agosto, Lula lidera com 30,8%. O adversário mais próximo é Bolsonaro com 22,0%.

Quando indagados se a candidatura de Lula será impugnada pelo TSE, 64,1 por cento dos entrevistados acham que sim.

A grande expectativa, agora, é para o desenrolar dos acontecimentos a partir do registro das candidaturas feito ontem, o início da campanha eleitoral nas ruas e internet, desde hoje, a prevista impugnação de Lula e a propaganda eleitoral no rádio e na Tv a partir de 31 de agosto.

Especialista em pesquisas e diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra avaliou em entrevista à TV247,  que, ao sair do páreo, Lula transferirá votos para Fernando Haddad "em horas". E ressalta que Bolsonaro representa uma parte do Brasil e não é, ao contrário do que se imagina, "um adversário fácil".

sábado, 28 de abril de 2018

O ódio dispara: ataque a tiros em acampamento pró-Lula deixa dois feridos

por Yara Aquino (Agência Brasil)

Um ataque a tiros na madrugada de hoje (28) ao acampamento onde apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazem vigília desde sua prisão, em Curitiba, deixou duas pessoas feridas, de acordo com a coordenação do movimento. A Polícia Militar de Curitiba confirma a ocorrência de tiros na região e informou que o caso está em investigação. Ainda não há informações sobre a autoria dos disparos. A coordenação do Acampamento Lula Livre divulgou que Jeferson Lima de Menezes, de São Paulo, foi atingido por um tiro no pescoço e está internado em estado grave. Os tiros foram disparados entre 3h e 4h da manhã.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, divulgou um vídeo na página do partido relatando o episódio e disse que, momentos antes do ataque, pessoas haviam passado várias vezes pelo local gritando e se manifestando de forma contrária à mobilização. “A situação de violência e intolerância no país está muito grave, não podemos aceitar isso”, disse Gleisi no vídeo. Segundo ela, Jeferson Lima é do movimento sindical de São Paulo.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que, segundo as primeiras informações, uma pessoa a pé efetuou disparos de arma de fogo contra o acampamento de simpatizantes do ex-presidente Lula. A secretaria confirma que uma pessoa baleada foi levada ao hospital e que um tiro acertou um banheiro químico e os estilhaços feriram uma mulher no ombro, sem gravidade. De acordo com a nota, no local foram recolhidas cápsulas de pistola 9 mm e um inquérito foi aberto para apurar o caso.

A nota da coordenação do acampamento diz que a violência contra os apoiadores de Lula não vai diminuir a mobilização e que o local vai receber grande quantidade de pessoas no feriado do 1° de maio, Dia do Trabalhador.

O ex-presidente Lula chegou à carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, no dia 7 de abril. Desde então, manifestações pró e contra Lula ocorrem na cidade.

Fonte; Yara Aquino/Agência Brasil

sábado, 21 de abril de 2018

Fato & Foto: Boff condenado à guarita


Foto de Eduardo Matysiak/Agência PT

A foto de Leonardo Boff sentando em uma cadeira diante da guarita da sede da Polícia Federal, em Curitiba, é o retrato da semana. Amigo de Lula, ele foi impedido de visitá-lo e sequer pode esperar na recepção do prédio a decisão judicial que analisava o pedido. Boff, assim como  o argentino Prêmio Nobel Adolpho Esquivel foram barrados por ordem de uma juíza local.

Vai ver havia o temor de que Boff resgatasse Lula da prisão e ambos, um com 80 e outro com 72 anos, saíssem em desabalada carreira pelas ruas de Curitiba.

A foto, que viralizou nas redes sociais, foi feita por Eduardo Matysiak, da Agência PT.

À revista Fórum, Matysiak se disse contente com a repercussão da foto no Brasil e no exterior, mas comentou a tristeza que a imagem e suas circunstâncias lhe causaram.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Lula antes da prisão. Em 1979, Manchete levou o operário ao Gallery e chocou a esquerda e a direita. Aconteceu pouco meses antes dele ser preso pela ditadura.

Jeff Thomas e Lula, no Gallery, em São Paulo, em 1979. A matéria "A classe operária vai ao paraíso"
foi publicada na Manchete com uma sequência de fotos. Infelizmente, com o desaparecimento do acervo
que pertenceu à Bloch, sobrou a reprodução acima


por Flávio Sépia  

Lula é a notícia, agora.

O Brasil se volta para o TRF-4 que confirmará em algumas horas a condenação anunciada do ex-presidente. É um momento crucial na trajetória de um personagem que, a partir da segunda metade dos anos 1970, se faz presente em praticamente todo enredo político do Brasil.

Em 1979, coube à Manchete dar a Lula uma dimensão de celebridade em um momento bem mais ameno. O metalúrgico e sindicalista tornou-se conhecido em todo do Brasil quando liderou, a partir de 1977, o movimento de reivindicação salarial dos trabalhadores e as greves da categoria em desafio à ditadura.

Havia curiosidade em torno do novo líder. A revista Fatos & Fotos, então dirigida por Zevi Ghivelder, encomendou ao colunista Jeff Thomas uma matéria com Lula. A ideia era fazer algo mais original e inusitado: levar o metalúrgico ao Gallery, então templo dos endinheirados paulistas e o máximo de sofisticação na época.

Jeff Thomas, cujo nome verdadeiro é Francisco de Assis Veras, figura folclórica do jornalismo desde o fim da década de 1950, frequentava tal ambiente, tinha os contatos e o caminho para chegar tanto a Lula quanto ao Gallery. E assim ele armou a matéria que nascia até com um título pronto: "A classe operária vai ao paraíso". Curioso é que o personagem vivido por Gian Maria Volonté no filme que foi um dos melhores daquela década é o operário Lulu Massa, quase homônimo do convidado de Jeff Thomas ao paraíso dos milionários paulistas.

A matéria foi feita, as fotos falavam por si. Bem comparando, a Fatos & Fotos era uma revista de 1ª Instância, para usar um termo de hoje, e o Manchete era o STF. Daí, a surpreendente e simbólica reportagem foi simplesmente sequestrada da F&F e levada para as páginas da Manchete.

Irônico, Jeff disse que, durante o jantar, Lula  respeitou a etiqueta. "Pegou os talheres com classe, mastigou de boca fechada e não falou de boca cheia", escreveu o jornalista enquanto limpava, talvez,  a baba politicamente incorreta que escorria da própria boca.

Lula foi criticado por aceitar a encenação, a esquerda rotulou a matéria de preconceituosa e a direita achou que a revista estava promovendo um "perigosos subversivo". Manchete repercutiu nas bancas e nos programas de TV, jornais comentaram a performance society do líder operário o o sindicalista foi várias vezes questionado por jornalistas.

Não se avexou, como se diz em Pernambuco, terra do Lula, e no Rio Grande do Norte, onde nasceu o potiguar-londrino Jeff Thomas: "Meu sonho é que todos os operários possam um dia ir ao Gallery", repetia com humor o futuro presidente aos repórteres que o procuravam para comentar a visita ao paraíso da elite empresarial..

Pouco meses depois, em 1980, Lula foi preso pela ditadura e condenado a três anos e meio de cadeia com base na Lei de Segurança Nacional por "incitação à desordem pública". Recorreu e foi absolvido no ano seguinte. Mas sua relação com qualquer sofisticação nunca mais passaria desapercebida. Em 2002, assim como no caso do Gallery, outra investida dele no grand monde seria motivo de críticas e se tornaria pauta nacional: depois de um dos debates da campanha presidencial, o ex-operário foi visto jantando no restaurante Osteria Dell'Angolo, em Ipanema, em uma mesa com cerca de 20 pessoas e... taças de vinho do caríssimo Romanée Conti.


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A Melhor da Galáxia era uma fábrica de apelidos. . .

Por Roberto Muggiati
Fotos Acervo RM

A arte de brincar com as palavras sempre foi uma verdadeira obsessão nas redações de Bloch Editores, em particular na Manchete (que sobrevive, 65 anos depois de sua criação, nesse apetitoso blog Panis Cum Ovum). Não saciados em escrever suas matérias e jogar conversa fora nos corredores, redatores e repórteres se aplicavam em criar apelidos, numa atividade tão espontânea e natural como o próprio ato de respirar.

Primeiro, preciso explicar a origem do apelido “a melhor da galáxia” para designar a Manchete.
Adolpho Bloch não suportava o sucesso de Justino Martins, embora Justino, um dos maiores
“revisteiros” do Brasil, tivesse tirado a Manchete do limbo em que ela viveu em seus primeiros oito anos e a transformado na maior revista do país. No final da década de 1960, Adolpho tirou o “Índio” – como chamava o Justino – da direção da revista, mas a manobra não deu certo. Justino voltou à direção da Manchete em alto estilo no início dos 1970. Em 1975, Adolpho defenestrou Justino de novo e colocou este que vos escreve na direção da revista. Para botar panos quentes na história, prometeu ao Justino uma tarefa maior – a direção de uma revista de decoração e jardinagem – e ofereceu-lhe uma megafeijoada de despedida no restaurante do terceiro andar, um evento para quatrocentos talheres. Entre os convidados de honra estava JK – o ex-Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira – que ganhara de Adolpho um escritório nobre no prédio da Manchete e ocasionalmente assinava resenhas de livros na revista. JK tomou a palavra e decolou: “És um homem feliz, Bloch. Tens a melhor revista do Brasil. Indisputavelmente da América Latina; tens a melhor revista do mundo – quiçá da galáxia!” O regabofe foi na terça-feira, um dia menos tenso: a Manchete fechava na segunda-feira e ia às bancas na quarta. Nas manhãs de quarta aguardávamos ansiosamente os exemplares da revista que vinham da gráfica em Parada de Lucas. No dia seguinte à feijoada, Alberto de Carvalho, nosso assistente de redação – título que não queria dizer nada e dizia tudo – adentrou a sala com aquela ginga de carioca do Estácio e perguntou: “Já chegou a melhor da galáxia?” A partir daí a Manchete ganhou um de seus codinomes mais nobres, cunhado por um ex-Presidente da República.

Alberto chamava a todos afetuosamente de Professor de Astúcia. Os apelidos eram incontáveis. Entre os contínuos, conhecidos como “siris”, havia o Sammy Davis Jr. – era até caolho como seu sósia – e o Tim Lopes, com seus cabelões à moda do famoso cantor Tim Maia. O rapaz saiu da Manchete, estudou jornalismo e, como Tim Lopes, se tornou o mártir da reportagem que todos conhecem.

Ainda outro contínuo foi apelidado de Pablito Cubano pelo chefe de reportagem João Luiz de Albuquerque. O João desconfiou que conhecia a cara do rapaz de algum lugar, fuçou umas revistas antigas e descobriu que ele era o menino que viajou clandestino no trem de aterrissagem de um avião do Galeão para Havana, por admiração a Fidel Castro, que tinha acabado de fazer sua revolução em Cuba.

A fotografia também tinha seus apelidos. Frederico Mendes – nosso Woody Allen de plantão – passou a ser O Encucadinho. Dois “retratistas” reconhecidamente bem dotados se tornaram Tromba e Tripé (apelido que se referia também a uma das ferramentas de trabalho). Jovenzinho, Ayrton Camargo Jr foi seduzido pela Márcia Ramalho e passou a ser chamado de Ayrton Ramalho; o mais incrível na sua trajetória e que tempos depois ele se juntou com uma mineira de Rio Casca que faria sucesso em Los Angeles como Rainha do Anal no cinema pornô com o nome de guerra de Elle Rio. E o laboratorista Claybom? Detestava margarina, mas era de origem francesa e se chamava Clement... O primeiro fotógrafo a fazer um selfie voando de asa delta, nos anos 70, tinha um sobrenome complicado: Paulo Scheuenstuhl virou Paulo Chuchu – aliás, era alto, atlético e agradava às moças. Voltando ao Tripé: ele viveu um episódio que acabaria em apelido, também. Foi designado para fotografar o ator e diretor teatral Ziembinski. A empregada o encaminhou para a biblioteca, imensa, onde Ziembinski estava pendurado no alto de uma escada à beira de um ataque de nervos. Viu o Tripé chegar e desabafou: “Meu filho, quando procuro um livro e não consigo encontrar, isso me dá uma vontade louca de dar o rabo...” O Tripé encontrou uma desculpa qualquer e se mandou. E essa versão masculina de TPM foi batizada por um intelectual da Manchete de Síndrome do Ziembinski. Outra grande figura era o Sérgio de Souza, o Serjão, um dos melhores fotógrafos de futebol. Certa vez recebeu duas ordens de serviço para o mesmo horário, 14 horas; uma em Niterói, outra na Barra. Indignado, Serjão correu para o chefe de reportagem com as ordens na mão: “Cara, olha só aqui, eu não sou onipotente, não!”

Depois da Revolução dos Cravos em Portugal, Adolpho acolheu na empresa vários lusitanos desgarrados, entre eles um fotógrafo de origem aristocrática, Antônio D‘Atoughia, que ficaria conhecido como o Conde; e Lúcio Macedo, apelidado de Salazar por ter sido o fotógrafo oficial do ditador deposto. Um destes era um senhor gordote e pedante que cuidava da portaria e, por sua semelhança física com o ratinho famoso, ganhou o apelido de Topo Giggio. Tempos depois, a Bloch contratou um plano de saúde barato para os funcionários do baixo escalão, praticamente inaugurado com a morte do Topo Giggio.

Alguns redatores já vinham com apelido: desconheço a origem do Jacaré do Irineu Guimarães; já o Pato Rouco do Ivan Alves era mais fácil de detectar.

Eremita, Cony e Tia Zeffa. 

Quando Adolpho Bloch presidiu a Fundação dos Teatros do Rio de Janeiro, promoveu a apresentação de uma série de óperas famosas, coroada pela Traviata dirigida por Franco Zeffirelli, que gostava de frequentar a redação. Já nos primeiros dias, ganhou a alcunha afetuosa de Tia Zeffa. Eu mesmo, como editor da revista e mergulhado em problemas de venda, gestão e jornalismo, passei a ser o Muggi das Crises (a cidade de Mogi das Cruzes, não lembro por que, estava em evidência na época). Nos tempos da longa barba, o Alberto me chamava também de Eremita. Já o Justino era o Lafra – de “lafranhudo”, xingamento do arco da velha com que foi brindado, sob golpes de guarda-chuva, pela crítica de ópera Maria Teresa Dal Moro, por não ter publicado um texto dela.

Alberto tinha uma sensibilidade especial para a música das palavras. Quando o Durval Ferreira, repórter de São Paulo, trouxe uma matéria sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, pontificou o nome do coronel Palimércio de Rezende, um dos primeiros oficiais negros do exército brasileiro. Meu filho estava para nascer, ainda não tinha um nome escolhido, e o Alberto perguntou: “Quando é que chega o Palimércio?” A partir daí, todo bebê da redação passou a ser Palimércio ou Palimércia.

Outro apelido, altamente sofisticado, que saiu para fazer sucesso fora da Manchete, foi o do senador Marco Maciel: Mapa do Chile.

O Adolpho vivia às turras com um funcionário dos orçamentos gráficos chamado Possidônio. Da noite para o dia, ele virou Pseudônimo. Na época, as notas mais descontraídas e curtas da seção Leitura Dinâmica eram assinadas por pseudônimos, para evitar repetição de assinatura do mesmo redator. Lembro de alguns desses codinomes, que na verdade eram verdadeiros autoapelidos: Niko Bolontrim (Ney Bianchi), José Bálsamo (Cony), Jean-Paul Lagarride (Justino Martins), Acácio Varejão e, o mais curto de todos, Ed Sá (Ruy Castro). [O Ruy foi justamente interpelado por uma redatora nova, Marilda Varejão, sobre a escolha daquele codinome. “E existe algum Acácio Varejão?”, retrucou ele na defensiva. E Marilda, indignada: “Existe, sim! É o nome do meu pai.”] Um dia, um delator premiado (a Bloch foi pioneira também nessa instituição do momento) emprenhou o Adolpho pelo ouvido, alegando que pseudônimo não era jornalismo. O capo investiu então com toda fúria na redação: “Quero que parem imediatamente com esses possidônios!...”

Festa de meus 40 anos com Moët-Chandon: Layrton Cabral (Lalá), Antonio Rudge,
o Eremita, Justino, Wilson Cunha, ao fundo Murilinho. 

Adolpho dizia para o Alberto: “Você é inteligente, porra! Se tivesse diploma seria diretor da Manchete...” De meados dos anos 60 até o amargo fim da revista, em agosto de 2000, Alberto foi sempre a sombra (benfazeja) do diretor da Manchete, fosse quem fosse. (Eu fui o que mais tempo se sustentou no pau de sebo, para lá de vinte anos.). Ele sugeria títulos de matérias instantâneos e
vencedores. Para uma reportagem científica sobre bebês que eram botados para nadar assim que saíam do ventre materno: QUEM NÃO NADA, NÃO MAMA. No auge da fama do Rei da Canção e do Rei do Futebol, reunimos os dois numa capa. Desta vez, o título do Alberto não foi publicado, por ser politicamente incorretíssimo: O REI E O PERNA-DE-PAU.

No Santa Genoveva, com direito a escultura de Krajcberg, 1997.
A arte do Alberto não se restringia a apelidar só pessoas. Em 1996, fui destituído da direção da Manchete e ganhei um novo cargo com o nome pomposo de Editor de Projetos Jornalísticos. O afastamento também foi geográfico: me exilaram para uma sala imensa, um andar inteiro, a cobertura da terceira fatia do prédio do Russell, à qual se tinha acesso através de uma escada em caracol (que, felizmente, impedia a visita da chatos idosos ou lesados...). Mauro Costa, também destituído da chefia de reportagem da TV, foi ocupar um espaço daquele latifúndio. Pois o Alberto apelidou o local imediatamente de Santa Genoveva – alusão ao asilo de idosos que praticava maus tratos contra os pacientes, fato que chocou o Brasil e só foi descoberto por acaso no rastro de uma daquelas grandes enchentes cariocas.

eresópolis, 8-10-1977, sábado, aniversário do Adolpho: Machadinho,
Wilson Cunha, Heloneida Studart, o Eremita, Flávio de Aquino,
Ceres Feijó, Célio Lyra.

O próprio Adolpho Bloch dava a sua contribuição aos apelidos, às vezes de forma indireta ou
involuntária. Uma dia chegou da gráfica em Parada de Lucas e plantou um jovenzinho franzino na sala de redação: “Ele é um gênio. Vai trabalhar com vocês. Como escreve!” E, exagerando nos elogios: “É um verdadeiro Machado de Assis!” Antônio Roberto é conhecido até hoje como “Machadinho” e colegas da época ainda não esqueceram sua estreia literária. Fã ardoroso de Carlinhos de Oliveira, ele escreveu uma crônica sobre um operário que vinha todo dia cedo para trabalhar na cidade. Logo no início do texto, mencionou a “hedionda marmita”. Até hoje não perdoaram a Machadinho o hediondo adjetivo. Em pouco tempo, ele passou a competir com o maître Severino Ananias Dias fazendo discursos nas grandes ocasiões da casa – discursos que o Cony, com sua ironia de sempre, dizia que eram comissionados “em nome da redação da Manchete”. Foi num destes, um aniversário do Adolpho, que o Severino cunhou um adjetivo inolvidável, referindo-se à “figura inevolúvel de Adolpho Bloqui”. . .

Ruy Castro (Ed Sá) e Narceu de Almeida (Capelinha) em 19-12-72.
Pedro Bloch, que na verdade apelidou a própria revista – sugeriu a Adolpho que a chamasse de
Manchete, lembrava uma manchete de jornal e também imitava a sonoridade de Paris-Match, a maior revista da época. Teatrólogo e fonoaudiólogo, Pedro cuidou de um fotógrafo com problemas de fala que Adolpho mandou para se tratar com ele – e, de saída, o apelidou de João Farofa.

Quando o redator Narceu de Almeida resolveu largar tudo e partir para a vida alternativa na Região dos Lagos, sob a égide dos colegas Cabral e Maciel, ambos Luís Carlos, Jaquito sabia que não ia dar certo e comentava conosco: “O Narceu foi jogar pingue-pongue contra o vento...” Depois de um tempo, Narceu voltou e Jaquito o colocou em regime de free-lancer: o pagamento por matéria redigida, em vez do trabalho assalariado, tornava o redator mais produtivo e mais ágil. Orgulhoso da sua artimanha, Jaquito dizia: “Agora sim, o Narceu está correndo atrás!” E o apelidou de Capelinha, em alusão à marca dos taxímetros da época.

Havia uma recomendação aos novatos que fazia sucesso na redação da Manchete e devia ser escandida, com ênfase nos trocadilhos, em ligeiro sotaque iídiche:  "Se você desobedecer a ordem que Adolpho deu, e aquela que Jaquito havia dado, o Oscar ralha.”

Entre os autores de chistes mais antigos da Manchete, o repórter Ronaldo Bôscoli, que Nelson Motta chamou de “a língua mais rápida de Ipanema, um gênio da maledicência”, notabilizou-se pelos apelidos corrosivos que dava aos seus desafetos. Alguns exemplos: Sérgio Mendes (“compota de monstro”), Antônio Maria (“eminência parda da MPB”), Maysa (La Gorda), Elis Regina (“Vesguinha”). O apelido do próprio Bôscoli era Veneno. É bom lembrar também o fabuloso Nelson Rodrigues, que escrevia na Manchete Esportiva e criava apelidos os mais exóticos. Chamou Cláudio Mello e Souza, editor de Fatos&Fotos, de O Remador de Ben-Hur. Um dia eu vejo o Nelson adentrando a redação e saudando Adolpho Bloch como “Como vai este Cecil B. DeMille das revistas!” (pronunciando o DeMille como DeMaille). Sérgio Porto, colunista da Manchete, que apelidou a si mesmo de Stanislau Ponte Preta, fez do redator Raymundo Magalhães Jr um alvo predileto. O escritor e acadêmico fazia questão de assinar seus escritos como R. Magalhães Jr. Sempre que Sérgio entrava na redação e via o Magalhães batucando com dois dedos na Remington, gritava: “Erre, Magalhães Jr!” Ou gozava da sua baixa estatura: “Toda vez que o Magalhães pega uma caixa de fósforo as pessoas pensam que ele vai
viajar...”

Raul Giudiccelli, outra das línguas mais ferinas da Bloch, fez toda uma catilinária em cima do Ledo Ivo, poeta e redator. Só lembro esta: “O professor deu zero para o Ledo Ivo e ele foi se queixar que a nota não era justa. O mestre explicou-se com o Ledo: – Desculpe, meu filho, mas não tinha nota mais baixa do que o zero...” Ainda em relação ao Ledo Ivo, o Cony retificou o clichê “ledo engano” para “ledo e ivo engano”, usado até hoje por Cony e outros escribas.

A Santa Ceia em cor: Alberto, Ivan, Cunha, Flávio, ao fundo Sammy Davis Jr,
Eremita, Heloneida, Magalhães, Passos, Argemiro, Pedrão, Ney, Cony, Irineu.

Voltando ao Alberto: lendo agora o livro de contos inéditos de Scott Fitzgerald, I’d Die For You,
publicado 77 anos após a morte do autor, encontrei uma personagem – típica serelepe dos anos 30 – chamada Trouble, que só se poderia traduzir, é claro, por Encrenca. Pois sempre que aparecia na redação uma daquelas que a gíria do malandro chamava de “chave de cadeia”, o Alberto se referia a ela como Encrenca.

Almoço para Lula no Russell na véspera da votação do 2º turno, sábado 16-12-89.
Teria sido na Manchete que Brizola pela primeira vez chamou Lula de "sapo barbudo". 

Não faltaram encrencas na história da Manchete. Uma que mais fez jus ao apelido foi a produtora de moda de sobrenome Guerra que deu um tiro no recém-chegado diretor de arte Serge Elmalan. O
coitado do Serge acabara de chegar da França com mulher e cachorro e se instalara num
apartamento no Lido. Sofreu o imediato assédio e atração fatal da Guerra e levou um balaço.
A bala ficou alojada num ponto melindroso da região do ombro e teimava em não sair. Adolpho não hesitou: mandou o Serge para Houston aos cuidados do Dr. Michael DeBakey, o cirurgião que revolucionou a medicina na Segunda Guerra, levando o atendimento para a própria zona de combate (procedimento satirizado pelo filme M*A*S*H). Nem um craque como o Dr. DeBakey conseguiu retirar a bala guerreira que acompanhará o Serge em suas andanças pelo mundo até o fim dos seus dias. Um parêntese para dar uma ideia de quem era Serge Elmalan. Convidou-me uma noite para uma reuniãozinha en petit comité no seu apartamento. Quando adentrei a sala, lá estavam a romancista Françoise Sagan (Bonjour Tristesse), a Begum Aga Khan (viúva de um dos homens mais ricos do século), o cineasta Jacques Deray (dirigiu Alain Delon em La Piscine) e Gilberto Tumscitz e sua mãe (Serge adivinhou já no jovem repórter o futuro autor de telenovelas de sucesso, Gilberto Braga).

Outra Encrenca que fez nome na Manchete foi Marisa Raja Gabaglia (1942-2003). Fomos colegas na reportagem de Frei Caneca em 1966. Inteligente, neurótica, sedutora, fez sucesso como cronista, seu livro Milho Para a Galinha Mariquinha virou best seller. Foi repórter da TV Globo por dezoito anos, fez novela com Tônia Carrero. Marisa teve uma paixão fulminante pelo cirurgião plástico Hosmany Ramos, ex-assistente de Ivo Pitanguy, que de repente partiu para uma surpreendente carreira criminosa e, depois de várias fugas, está preso até hoje. Marisa foi pioneira do Amor bandido, título do livro que publicou em 1982 sobre sua relação com Hosmany.

Vou parando por aqui, porque “a melhor da galáxia” é como aqueles vampiros velhos que – mesmo com bala de prata e estaca no peito – se recusam a morrer.