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quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Memórias de um sargento de malícias... • Por Roberto Muggiati

 

Redação da Manchete, 1978, agosto. Foto; Arquivo Pessoal

Nascemos no mesmo ano de 1937, eu em 6 de outubro, ele em 28 de outubro. Deixei passar em nuvens não tão brancas como reza o clichê os 85 anos que teria completado poucos dias atrás. Alberto Carvalho nos deixou em 2014 e, se chega a ser um consolo, posso garantir a ele que não está perdendo grande coisa... 

Éramos almas irmãs, o carcamano curitibano e o carioca da gema do Catumbi, apesar das origens tão diferentes. O que conta no caráter de um homem não é o local onde nasce, mas o espaço que constrói para si mesmo, onde quer que esteja. 

Alberto e eu resistíamos à opressão do trabalho usando como arma o humor, aquele humor irônico e imaginativo que só a raça das redações é capaz de criar, de improvisar a cada momento. 

Esta foto foi feita no Russell em agosto de 1978, eu editor da Manchete, Alberto meu factótum, ambos com uns quinze anos de Bloch já nos costados. O mundo estava pegando fogo: no Vaticano João Paulo I morria misteriosamente com apenas um mês de papado; o fanático Jim Jones levava a um suicídio em massa 918 seguidores de sua seita; os aiatolás preparavam a queda do Xá do Irã e a instauração de uma ditadura religiosa que dura até hoje; na Itália, o ex-Primeiro Ministro Aldo Moro era assassinado pelos guerrilheiros das Brigadas Vermelhas. Tudo isso passava pelas páginas da Manchete, mas nada daquela instabilidade se reflete em nossos rostos. Alberto e eu parecemos longe, muito longe deste insensato mundo, degustando a última abobrinha dos corredores blochianos.

A seguir, duas matérias publicadas no Panis que dão uma dimensão do humor e da grandeza humana de Alberto de Carvalho: seu talento genial para dar apelidos e as memórias que alinhavou sob o título autobiográfico de Eu, Tura.


https://paniscumovum.blogspot.com/2017/09/a-melhor-da-galaxia-era-uma-fabrica-de.html



sábado, 21 de agosto de 2021

Pandemia, aqui me tens de regresso... • Por Roberto Muggiati

 

“Quero beber, cantar asneiras” – quem melhor antecipou o espírito da pandemia foi Manuel Bandeira. Guimarães Rosa, talvez só um pouquinho: “Viver é muito perigoso”. Sério demais pro meu gosto. 

A pandemia fez do comum dos mortais aquilo que nem milhares de páginas de Sartre e Heidegger conseguiram. Viver o hoje. Abraçar o caos. Ela o obrigou a adotar o bordão de Chiquita-bacana-lá-da-Martinica, que, existencialista com toda a razão, “só faz o que manda o seu coração”.

Há quem não goste, há quem impaciente. Pô, quando é que vai acabar esse desgracido baile de máscaras? 

O “novo normal” já passou sem sequer chegar. Ficamos pro que der e vier, sem eira nem beira, seguindo nosso caminho aos trancos e barrancos. Antenados no alerta dos baianos: “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte”.

O ansiado fim da pandemia colocou a vida no palco do Teatro do Absurdo: somos todos vagabundos anônimos à beira da estrada esperando um Godot que nunca vai chegar. 

Da minha parte, não tenho queixas. Desde que a Manchete faliu há vinte e um anos eu já vivia confinado, antes disso até merecera do Alberto o apelido de Eremita. Continuei escrevendo matérias sobre deus-e-todo-o-mundo (já leram A influência cultural do chapéu coco?), traduzindo livros (entre os últimos as "bacantes" Patricia Highsmith e Amy Winehouse. Apesar da Covid-19, não renunciei minha à saidinha diária. Escrevi até um “haicai safado”:

Pandemia?

Mamma Mia!

saio todo dia...

Além dos haicais, continuei cultivando outro dos meus cacoetes, rabiscar caras & bocas em discos de isopor de minipizzas. 

À guisa de despedida, com um viés levemente narcísico (sim, venho me reconciliando também com a canastrice dos clichês), ofereço a tapa minha carantonha oitentona, ostentando com orgulho os rascunhos de autorretrato que chamo de meus emuggis...


sábado, 27 de fevereiro de 2021

Elmalan, le malin • Por Roberto Muggiati


Adolpho Bloch – mais do que apostar na prata da casa – acreditava em importar o melhor talento estrangeiro que o dinheiro podia comprar. Contratou fotógrafos americanos fabulosos quando as grandes revistas ilustradas começaram a fechar nos anos 70, Life, Look, etc. Acolheu a nata da fotografia portuguesa que se viu ao relento depois da Revolução dos Cravos (a maioria tinha o rabo preso com Salazar). No final dos anos 60, incumbiu Justino Martins – editor da Manchete de passagem por Paris depois de sua tradicional visita ao Festival de Cannes – de contratar um diagramador francês para as revistas da Bloch. Justino se deu ao sacrifício de ficar de plantão na sucursal da Manchete na Avenue Montaigne – Polanski morava no mesmo prédio e Marlene Dietrich tomava banho de sol nua na cobertura. O primeiro gato pingado que apareceu o Justino contratou. 

Era Serge Elmalan, egresso do finado jornal-revista Candide, que fechara as portas em 1967. Mudou-se de armas e bagagens – com a mulher e um mastim respeitável, um pastor belga – para um apartamento art déco na Praça do Lido. Coitado do Beau Serge, se esqueceu de tomar a principal vacina – contra a mulher brasileira. Chefe de arte da revista feminina Desfile, em sua primeira desventura amorosa, envolveu-se com uma produtora de moda de sobrenome Guerra, que numa crise de ciúmes sacou um revólver e saiu atirando.

A única bala que acertou foi pérfida, aninhou-se num ponto inalcançável da região da clavícula. Adolpho não hesitou: mandou Serge para Houston aos cuidados do Dr. Michael DeBakey, o cirurgião que revolucionou a medicina na Segunda Guerra ao levar médicos e enfermeiras para a própria zona de combate (procedimento satirizado pelo filme M*A*S*H). Nem um craque como o Dr. DeBakey conseguiu retirar a bala guerreira. O maior cirurgião cardiovascular do mundo diagnosticou: “A melhor coisa a fazer é não mexer nisso...” E o canhoto Serge teve de seguir diagramando com a asa quebrada pela vida afora. Mas a história não acaba aí. Ao voltar recuperado ao trabalho, Serge ainda sofreria novas ameaças da amante injuriada. Toda tarde, no fim do expediente, o Marechal – chefe de segurança informal do Adolpho – se esgueirava por entre as árvores defronte do prédio do Russell à procura da pistoleira. E Serge saía sempre escondido no assoalho do carro de um colega de redação.

Depois de conhecê-lo melhor, eu o apelidei de “Elmalan, le malin”, malin em francês quer dizer “sagaz”, “esperto”, o que o nosso Apelidador-Mor Alberto de Carvalho costumava chamar de “professor de astúcia”. Serge convidou-me certa noite para uma reuniãozinha en petit comité no seu apartamento do Lido. Quando adentrei a sala, me deparei com a romancista Françoise Sagan (Bonjour Tristesse), a Begum Aga Khan (viúva de um dos homens mais ricos do século e mãe do playboy Aga Kahn, ex-marido de Rita Hayworth), o cineasta Jacques Deray (dirigiu Alain Delon em Borsalino, um precursor francês de O poderoso chefão) e Gilberto Tumscitz com sua mãe (Serge adivinhou já no jovem repórter o futuro autor de telenovelas de sucesso, Gilberto Braga).

Hostilizado por Oscar Sigelmann, Serge pediu o boné, rodou ainda alguns anos pelo Rio, casou – salvo falha da minha memória – com a filha de um vice-governador da Guanabara, e acabou regressando para os seus pagos. Em 2004 lançou o romance histórico Villegagnon ou a Utopia Tropical e em 2009 voltou ao Rio em grande estilo como coordenador cultural do Ano da França no Brasil. Instalado na gigantesca cobertura rococó do prédio do cinema Odeon, na Cinelândia, convidou-me para dividirmos um almoço no Restaurante Rosas, relíquia dos velhos tempos da Capital Federal, na Rua Álvaro Alvim. (A poucos metros do Hotel Itajubá, onde em suas folgas de voo nos anos 30, Saint-Exupéry escreveu Voo noturno e esboçou O pequeno príncipe.) Trocamos livros, dei a ele um exemplar do meu romance A contorcionista mongol, éramos ambos editados da Record. E não mais soube do amigo, que, aos 80 anos – passeando de máscara pelos Champs Elysées ou de pantufas numa casinha bucólica de banlieue – deve guardar belas – e também terríveis – lembranças de sua passagem pelo Rio de Janeiro.

sábado, 11 de novembro de 2017

Memórias da redação - The winner is... Nos tempos da Blochwood, os indicados da lista de filmes anuais de Alberto Carvalho




Outro dia, Behula Spencer, que trabalhou na Manchete, Amiga e outras revistas da Bloch, comentou no Facebook Virou Manchete sobre uma relação de "filmes" que Alberto Carvalho divulgava a cada fim de ano. A lista era uma espécie de retrospectiva cinematográfica na qual as produções de destaque eram associadas a personagens da jornada do Russell.


O blog localizou uma cópia dos indicados de 1987, onde a própria Behula era a estrela de "Engraçadinha depois dos 30". Não rendia estatueta, mas garantia boas risadas. Alberto cuidava de alertar para o tradicional "qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência".  Em alguns casos, visto hoje, dilui-se o sentido mais evidente na época, com o enredo do filme ainda na tela. Havia também títulos de produções fictícias. O eventualmente e politicamente incorreto ficava por conta da época e da irreverência do diretor da "academia" que indicava os concorrentes. Os tempos eram menos mal-humorados.

Em todo caso, não há registro de que alguém tenha se incomodado ao entrar para o "cinema" naquela brincadeira que chegava às mesas e corredores já no clima de fim de ano.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Humor Negro na Manchete

por Roberto Muggiati

A gente acaba lembrando sempre mais os bons momentos e esquecendo aquelas horas de crise aguda: os longos fechamentos por conta de acontecimentos externos (morte de JK, Ayrton Senna, Mamonas, impeachments, golpes de estado etc); as crises de venda e as pressões dos patrões para esgotarmos uma edição cada semana nas bancas (o Jaquito perguntava: “Onde é que está aquela matéria que vai me levar de madrugada ao Mercadinho Azul para comprar a revista?”); as sacanagens e punhaladas pelas costas de algum ‘coleguinha’ mau caráter (existiam, sim, mas, uma vez expostos, não escapavam à sanha justiceira da Turma do Bem; as revoadas cíclicas dos passaralhos; e mil outras situações de ameaça e conflito que fazem parte da vida de um jornalista e, às vezes, pareciam mais agudas na Bloch, no contraste com aquele belo décor de vidro e jacarandá com vista para a Baía, em que trabalhávamos e praticamente vivíamos.

Nestas horas, o humor surgia como a salvação.

Quero lembrar hoje uma peça que o Alberto de Carvalho (sempre ele) pregou num colega já entrado em anos, que antecipava já os corriqueiros oitentões e noventões imbatíveis dos nossos dias. Alberto distribuiu na redação um documento com toda a aparência oficial de coisa pública, mas com um texto fino e irônico que nenhum burrocrata dos nossos tempos seria capaz de reproduzir.

Publico esta peça em nome do humor redentor da Manchete – no caso uma especialíssima amostra de humor negro, que lembra Uma Modesta Proposta, de Jonathan Swift, em 1729, sugerindo que os irlandeses pobres amenizassem seus problemas de dinheiro vendendo suas criancinhas como comida para os ricos incluindo até receitas de como preparar a carne especialíssima. Mas publico esta peça com uma grande preocupação. E se de repente algum de nossos governantes (eles são capazes de tudo!) decidisse por em prática a brilhante ideia? Enfim, posso perder até a vida, mas não perco a piada. Vamos à convocação assinada pelo Subchefe Adjunto Substituto do Departamento de Controle de População.


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A Melhor da Galáxia era uma fábrica de apelidos. . .

Por Roberto Muggiati
Fotos Acervo RM

A arte de brincar com as palavras sempre foi uma verdadeira obsessão nas redações de Bloch Editores, em particular na Manchete (que sobrevive, 65 anos depois de sua criação, nesse apetitoso blog Panis Cum Ovum). Não saciados em escrever suas matérias e jogar conversa fora nos corredores, redatores e repórteres se aplicavam em criar apelidos, numa atividade tão espontânea e natural como o próprio ato de respirar.

Primeiro, preciso explicar a origem do apelido “a melhor da galáxia” para designar a Manchete.
Adolpho Bloch não suportava o sucesso de Justino Martins, embora Justino, um dos maiores
“revisteiros” do Brasil, tivesse tirado a Manchete do limbo em que ela viveu em seus primeiros oito anos e a transformado na maior revista do país. No final da década de 1960, Adolpho tirou o “Índio” – como chamava o Justino – da direção da revista, mas a manobra não deu certo. Justino voltou à direção da Manchete em alto estilo no início dos 1970. Em 1975, Adolpho defenestrou Justino de novo e colocou este que vos escreve na direção da revista. Para botar panos quentes na história, prometeu ao Justino uma tarefa maior – a direção de uma revista de decoração e jardinagem – e ofereceu-lhe uma megafeijoada de despedida no restaurante do terceiro andar, um evento para quatrocentos talheres. Entre os convidados de honra estava JK – o ex-Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira – que ganhara de Adolpho um escritório nobre no prédio da Manchete e ocasionalmente assinava resenhas de livros na revista. JK tomou a palavra e decolou: “És um homem feliz, Bloch. Tens a melhor revista do Brasil. Indisputavelmente da América Latina; tens a melhor revista do mundo – quiçá da galáxia!” O regabofe foi na terça-feira, um dia menos tenso: a Manchete fechava na segunda-feira e ia às bancas na quarta. Nas manhãs de quarta aguardávamos ansiosamente os exemplares da revista que vinham da gráfica em Parada de Lucas. No dia seguinte à feijoada, Alberto de Carvalho, nosso assistente de redação – título que não queria dizer nada e dizia tudo – adentrou a sala com aquela ginga de carioca do Estácio e perguntou: “Já chegou a melhor da galáxia?” A partir daí a Manchete ganhou um de seus codinomes mais nobres, cunhado por um ex-Presidente da República.

Alberto chamava a todos afetuosamente de Professor de Astúcia. Os apelidos eram incontáveis. Entre os contínuos, conhecidos como “siris”, havia o Sammy Davis Jr. – era até caolho como seu sósia – e o Tim Lopes, com seus cabelões à moda do famoso cantor Tim Maia. O rapaz saiu da Manchete, estudou jornalismo e, como Tim Lopes, se tornou o mártir da reportagem que todos conhecem.

Ainda outro contínuo foi apelidado de Pablito Cubano pelo chefe de reportagem João Luiz de Albuquerque. O João desconfiou que conhecia a cara do rapaz de algum lugar, fuçou umas revistas antigas e descobriu que ele era o menino que viajou clandestino no trem de aterrissagem de um avião do Galeão para Havana, por admiração a Fidel Castro, que tinha acabado de fazer sua revolução em Cuba.

A fotografia também tinha seus apelidos. Frederico Mendes – nosso Woody Allen de plantão – passou a ser O Encucadinho. Dois “retratistas” reconhecidamente bem dotados se tornaram Tromba e Tripé (apelido que se referia também a uma das ferramentas de trabalho). Jovenzinho, Ayrton Camargo Jr foi seduzido pela Márcia Ramalho e passou a ser chamado de Ayrton Ramalho; o mais incrível na sua trajetória e que tempos depois ele se juntou com uma mineira de Rio Casca que faria sucesso em Los Angeles como Rainha do Anal no cinema pornô com o nome de guerra de Elle Rio. E o laboratorista Claybom? Detestava margarina, mas era de origem francesa e se chamava Clement... O primeiro fotógrafo a fazer um selfie voando de asa delta, nos anos 70, tinha um sobrenome complicado: Paulo Scheuenstuhl virou Paulo Chuchu – aliás, era alto, atlético e agradava às moças. Voltando ao Tripé: ele viveu um episódio que acabaria em apelido, também. Foi designado para fotografar o ator e diretor teatral Ziembinski. A empregada o encaminhou para a biblioteca, imensa, onde Ziembinski estava pendurado no alto de uma escada à beira de um ataque de nervos. Viu o Tripé chegar e desabafou: “Meu filho, quando procuro um livro e não consigo encontrar, isso me dá uma vontade louca de dar o rabo...” O Tripé encontrou uma desculpa qualquer e se mandou. E essa versão masculina de TPM foi batizada por um intelectual da Manchete de Síndrome do Ziembinski. Outra grande figura era o Sérgio de Souza, o Serjão, um dos melhores fotógrafos de futebol. Certa vez recebeu duas ordens de serviço para o mesmo horário, 14 horas; uma em Niterói, outra na Barra. Indignado, Serjão correu para o chefe de reportagem com as ordens na mão: “Cara, olha só aqui, eu não sou onipotente, não!”

Depois da Revolução dos Cravos em Portugal, Adolpho acolheu na empresa vários lusitanos desgarrados, entre eles um fotógrafo de origem aristocrática, Antônio D‘Atoughia, que ficaria conhecido como o Conde; e Lúcio Macedo, apelidado de Salazar por ter sido o fotógrafo oficial do ditador deposto. Um destes era um senhor gordote e pedante que cuidava da portaria e, por sua semelhança física com o ratinho famoso, ganhou o apelido de Topo Giggio. Tempos depois, a Bloch contratou um plano de saúde barato para os funcionários do baixo escalão, praticamente inaugurado com a morte do Topo Giggio.

Alguns redatores já vinham com apelido: desconheço a origem do Jacaré do Irineu Guimarães; já o Pato Rouco do Ivan Alves era mais fácil de detectar.

Eremita, Cony e Tia Zeffa. 

Quando Adolpho Bloch presidiu a Fundação dos Teatros do Rio de Janeiro, promoveu a apresentação de uma série de óperas famosas, coroada pela Traviata dirigida por Franco Zeffirelli, que gostava de frequentar a redação. Já nos primeiros dias, ganhou a alcunha afetuosa de Tia Zeffa. Eu mesmo, como editor da revista e mergulhado em problemas de venda, gestão e jornalismo, passei a ser o Muggi das Crises (a cidade de Mogi das Cruzes, não lembro por que, estava em evidência na época). Nos tempos da longa barba, o Alberto me chamava também de Eremita. Já o Justino era o Lafra – de “lafranhudo”, xingamento do arco da velha com que foi brindado, sob golpes de guarda-chuva, pela crítica de ópera Maria Teresa Dal Moro, por não ter publicado um texto dela.

Alberto tinha uma sensibilidade especial para a música das palavras. Quando o Durval Ferreira, repórter de São Paulo, trouxe uma matéria sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, pontificou o nome do coronel Palimércio de Rezende, um dos primeiros oficiais negros do exército brasileiro. Meu filho estava para nascer, ainda não tinha um nome escolhido, e o Alberto perguntou: “Quando é que chega o Palimércio?” A partir daí, todo bebê da redação passou a ser Palimércio ou Palimércia.

Outro apelido, altamente sofisticado, que saiu para fazer sucesso fora da Manchete, foi o do senador Marco Maciel: Mapa do Chile.

O Adolpho vivia às turras com um funcionário dos orçamentos gráficos chamado Possidônio. Da noite para o dia, ele virou Pseudônimo. Na época, as notas mais descontraídas e curtas da seção Leitura Dinâmica eram assinadas por pseudônimos, para evitar repetição de assinatura do mesmo redator. Lembro de alguns desses codinomes, que na verdade eram verdadeiros autoapelidos: Niko Bolontrim (Ney Bianchi), José Bálsamo (Cony), Jean-Paul Lagarride (Justino Martins), Acácio Varejão e, o mais curto de todos, Ed Sá (Ruy Castro). [O Ruy foi justamente interpelado por uma redatora nova, Marilda Varejão, sobre a escolha daquele codinome. “E existe algum Acácio Varejão?”, retrucou ele na defensiva. E Marilda, indignada: “Existe, sim! É o nome do meu pai.”] Um dia, um delator premiado (a Bloch foi pioneira também nessa instituição do momento) emprenhou o Adolpho pelo ouvido, alegando que pseudônimo não era jornalismo. O capo investiu então com toda fúria na redação: “Quero que parem imediatamente com esses possidônios!...”

Festa de meus 40 anos com Moët-Chandon: Layrton Cabral (Lalá), Antonio Rudge,
o Eremita, Justino, Wilson Cunha, ao fundo Murilinho. 

Adolpho dizia para o Alberto: “Você é inteligente, porra! Se tivesse diploma seria diretor da Manchete...” De meados dos anos 60 até o amargo fim da revista, em agosto de 2000, Alberto foi sempre a sombra (benfazeja) do diretor da Manchete, fosse quem fosse. (Eu fui o que mais tempo se sustentou no pau de sebo, para lá de vinte anos.). Ele sugeria títulos de matérias instantâneos e
vencedores. Para uma reportagem científica sobre bebês que eram botados para nadar assim que saíam do ventre materno: QUEM NÃO NADA, NÃO MAMA. No auge da fama do Rei da Canção e do Rei do Futebol, reunimos os dois numa capa. Desta vez, o título do Alberto não foi publicado, por ser politicamente incorretíssimo: O REI E O PERNA-DE-PAU.

No Santa Genoveva, com direito a escultura de Krajcberg, 1997.
A arte do Alberto não se restringia a apelidar só pessoas. Em 1996, fui destituído da direção da Manchete e ganhei um novo cargo com o nome pomposo de Editor de Projetos Jornalísticos. O afastamento também foi geográfico: me exilaram para uma sala imensa, um andar inteiro, a cobertura da terceira fatia do prédio do Russell, à qual se tinha acesso através de uma escada em caracol (que, felizmente, impedia a visita da chatos idosos ou lesados...). Mauro Costa, também destituído da chefia de reportagem da TV, foi ocupar um espaço daquele latifúndio. Pois o Alberto apelidou o local imediatamente de Santa Genoveva – alusão ao asilo de idosos que praticava maus tratos contra os pacientes, fato que chocou o Brasil e só foi descoberto por acaso no rastro de uma daquelas grandes enchentes cariocas.

eresópolis, 8-10-1977, sábado, aniversário do Adolpho: Machadinho,
Wilson Cunha, Heloneida Studart, o Eremita, Flávio de Aquino,
Ceres Feijó, Célio Lyra.

O próprio Adolpho Bloch dava a sua contribuição aos apelidos, às vezes de forma indireta ou
involuntária. Uma dia chegou da gráfica em Parada de Lucas e plantou um jovenzinho franzino na sala de redação: “Ele é um gênio. Vai trabalhar com vocês. Como escreve!” E, exagerando nos elogios: “É um verdadeiro Machado de Assis!” Antônio Roberto é conhecido até hoje como “Machadinho” e colegas da época ainda não esqueceram sua estreia literária. Fã ardoroso de Carlinhos de Oliveira, ele escreveu uma crônica sobre um operário que vinha todo dia cedo para trabalhar na cidade. Logo no início do texto, mencionou a “hedionda marmita”. Até hoje não perdoaram a Machadinho o hediondo adjetivo. Em pouco tempo, ele passou a competir com o maître Severino Ananias Dias fazendo discursos nas grandes ocasiões da casa – discursos que o Cony, com sua ironia de sempre, dizia que eram comissionados “em nome da redação da Manchete”. Foi num destes, um aniversário do Adolpho, que o Severino cunhou um adjetivo inolvidável, referindo-se à “figura inevolúvel de Adolpho Bloqui”. . .

Ruy Castro (Ed Sá) e Narceu de Almeida (Capelinha) em 19-12-72.
Pedro Bloch, que na verdade apelidou a própria revista – sugeriu a Adolpho que a chamasse de
Manchete, lembrava uma manchete de jornal e também imitava a sonoridade de Paris-Match, a maior revista da época. Teatrólogo e fonoaudiólogo, Pedro cuidou de um fotógrafo com problemas de fala que Adolpho mandou para se tratar com ele – e, de saída, o apelidou de João Farofa.

Quando o redator Narceu de Almeida resolveu largar tudo e partir para a vida alternativa na Região dos Lagos, sob a égide dos colegas Cabral e Maciel, ambos Luís Carlos, Jaquito sabia que não ia dar certo e comentava conosco: “O Narceu foi jogar pingue-pongue contra o vento...” Depois de um tempo, Narceu voltou e Jaquito o colocou em regime de free-lancer: o pagamento por matéria redigida, em vez do trabalho assalariado, tornava o redator mais produtivo e mais ágil. Orgulhoso da sua artimanha, Jaquito dizia: “Agora sim, o Narceu está correndo atrás!” E o apelidou de Capelinha, em alusão à marca dos taxímetros da época.

Havia uma recomendação aos novatos que fazia sucesso na redação da Manchete e devia ser escandida, com ênfase nos trocadilhos, em ligeiro sotaque iídiche:  "Se você desobedecer a ordem que Adolpho deu, e aquela que Jaquito havia dado, o Oscar ralha.”

Entre os autores de chistes mais antigos da Manchete, o repórter Ronaldo Bôscoli, que Nelson Motta chamou de “a língua mais rápida de Ipanema, um gênio da maledicência”, notabilizou-se pelos apelidos corrosivos que dava aos seus desafetos. Alguns exemplos: Sérgio Mendes (“compota de monstro”), Antônio Maria (“eminência parda da MPB”), Maysa (La Gorda), Elis Regina (“Vesguinha”). O apelido do próprio Bôscoli era Veneno. É bom lembrar também o fabuloso Nelson Rodrigues, que escrevia na Manchete Esportiva e criava apelidos os mais exóticos. Chamou Cláudio Mello e Souza, editor de Fatos&Fotos, de O Remador de Ben-Hur. Um dia eu vejo o Nelson adentrando a redação e saudando Adolpho Bloch como “Como vai este Cecil B. DeMille das revistas!” (pronunciando o DeMille como DeMaille). Sérgio Porto, colunista da Manchete, que apelidou a si mesmo de Stanislau Ponte Preta, fez do redator Raymundo Magalhães Jr um alvo predileto. O escritor e acadêmico fazia questão de assinar seus escritos como R. Magalhães Jr. Sempre que Sérgio entrava na redação e via o Magalhães batucando com dois dedos na Remington, gritava: “Erre, Magalhães Jr!” Ou gozava da sua baixa estatura: “Toda vez que o Magalhães pega uma caixa de fósforo as pessoas pensam que ele vai
viajar...”

Raul Giudiccelli, outra das línguas mais ferinas da Bloch, fez toda uma catilinária em cima do Ledo Ivo, poeta e redator. Só lembro esta: “O professor deu zero para o Ledo Ivo e ele foi se queixar que a nota não era justa. O mestre explicou-se com o Ledo: – Desculpe, meu filho, mas não tinha nota mais baixa do que o zero...” Ainda em relação ao Ledo Ivo, o Cony retificou o clichê “ledo engano” para “ledo e ivo engano”, usado até hoje por Cony e outros escribas.

A Santa Ceia em cor: Alberto, Ivan, Cunha, Flávio, ao fundo Sammy Davis Jr,
Eremita, Heloneida, Magalhães, Passos, Argemiro, Pedrão, Ney, Cony, Irineu.

Voltando ao Alberto: lendo agora o livro de contos inéditos de Scott Fitzgerald, I’d Die For You,
publicado 77 anos após a morte do autor, encontrei uma personagem – típica serelepe dos anos 30 – chamada Trouble, que só se poderia traduzir, é claro, por Encrenca. Pois sempre que aparecia na redação uma daquelas que a gíria do malandro chamava de “chave de cadeia”, o Alberto se referia a ela como Encrenca.

Almoço para Lula no Russell na véspera da votação do 2º turno, sábado 16-12-89.
Teria sido na Manchete que Brizola pela primeira vez chamou Lula de "sapo barbudo". 

Não faltaram encrencas na história da Manchete. Uma que mais fez jus ao apelido foi a produtora de moda de sobrenome Guerra que deu um tiro no recém-chegado diretor de arte Serge Elmalan. O
coitado do Serge acabara de chegar da França com mulher e cachorro e se instalara num
apartamento no Lido. Sofreu o imediato assédio e atração fatal da Guerra e levou um balaço.
A bala ficou alojada num ponto melindroso da região do ombro e teimava em não sair. Adolpho não hesitou: mandou o Serge para Houston aos cuidados do Dr. Michael DeBakey, o cirurgião que revolucionou a medicina na Segunda Guerra, levando o atendimento para a própria zona de combate (procedimento satirizado pelo filme M*A*S*H). Nem um craque como o Dr. DeBakey conseguiu retirar a bala guerreira que acompanhará o Serge em suas andanças pelo mundo até o fim dos seus dias. Um parêntese para dar uma ideia de quem era Serge Elmalan. Convidou-me uma noite para uma reuniãozinha en petit comité no seu apartamento. Quando adentrei a sala, lá estavam a romancista Françoise Sagan (Bonjour Tristesse), a Begum Aga Khan (viúva de um dos homens mais ricos do século), o cineasta Jacques Deray (dirigiu Alain Delon em La Piscine) e Gilberto Tumscitz e sua mãe (Serge adivinhou já no jovem repórter o futuro autor de telenovelas de sucesso, Gilberto Braga).

Outra Encrenca que fez nome na Manchete foi Marisa Raja Gabaglia (1942-2003). Fomos colegas na reportagem de Frei Caneca em 1966. Inteligente, neurótica, sedutora, fez sucesso como cronista, seu livro Milho Para a Galinha Mariquinha virou best seller. Foi repórter da TV Globo por dezoito anos, fez novela com Tônia Carrero. Marisa teve uma paixão fulminante pelo cirurgião plástico Hosmany Ramos, ex-assistente de Ivo Pitanguy, que de repente partiu para uma surpreendente carreira criminosa e, depois de várias fugas, está preso até hoje. Marisa foi pioneira do Amor bandido, título do livro que publicou em 1982 sobre sua relação com Hosmany.

Vou parando por aqui, porque “a melhor da galáxia” é como aqueles vampiros velhos que – mesmo com bala de prata e estaca no peito – se recusam a morrer.
 

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Memórias da redação: no tempo em que "trolar" era "tirar sarro"...

(do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", edição on line)

Trolar é uma gíria da internet para zoar, tirar sarro, gozação. O termo é novo mas a prática é antiga.

Na Manchete, duas figuras eram mestres na arte de criar situações fazendo uso de falsos memorandos ou falsas cartas: Alberto Carvalho e Carlos Heitor Cony. A dupla tinha o requinte de guardar papeis timbrados que chegavam à redação e recortar logotipos e cabeçalhos para "oficializar " memorandos ou comunicados. Os textos recriados em tom oficial eram montados na xerox, onde ganhavam uma certa autenticidade. Forjavam assim cartas de cobrança de dívidas, de convite para viagens internacionais e até de intimação policial.

"Uma Noite no Mar Cáspio" enlouquece marqueteiro 

Houve uma época, lá pelo comecinho dos anos 1970, em que foi contratado um executivo cuja função era introduzir na revista modernas técnicas de marketing. Dizem que o sujeito era uma usina de ideias, mas nada do que ele apresentava nas reuniões ia pra frente. O próprio Adolpho Bloch não botava fé nas estratégias do especialista. Para o patrão, o marketing mais importante era a capa da revista que se resumia em duas categorias: "vendeu" ou "encalhou".

Apesar disso, os "projetos" não paravam de jorrar nas reuniões de pauta. Um dia, Cony resolveu sacanear o marqueteiro. Mandou um memorando endereçado para ele próprio, para os setores engenharia, de segurança, de bufê etc e para o expert em marketing, convocando uma grande reunião para discutir um evento chamado "Uma Noite no Mar Cáspio".

Segundo o comunicado, a festa aconteceria ao redor da piscina, no terceiro andar do prédio do Russell e celebraria as origens russas de Adolpho Bloch, ao mesmo tempo em que associava sua trajetória de sucesso à importância da marca Manchete. Seria um evento lítero-musical, como pedia o memorando "da presidência".  A reunião preparatória efetivamente ocorreu. Cony se engajou na própria farsa, compareceu ao local marcado e ouviu, a sério, as várias ideias que foram postas à mesa, enquanto o marqueteiro e coordenador do evento anotava tudo e discutia os comes e bebes, a contratação de um solista de violino, uma projeção de fotos, a lista de convidados etc. Antes de fazer uma saída triunfal da reunião, Cony embaralhou os trabalhos e enlouqueceu o "comitê organizador" ao despejar suas próprias sugestões, que iam de espetáculo pirotécnico à apresentação de um coral de funcionários. Só ao voltar à sua sala, o perplexo executivo, novo na casa, descobriu que "Uma Noite do Mar Cáspio" era tão autêntica quanto "Uma Noite nos Mares do Sul", o famoso baile de carnaval que a Manchete cobria todo ano.

Editor em crise de depressão  

Outra trolagem: Em 1970, o jornalista Raul Giudicelli assumiu a direção da Fatos & Fotos. Talvez para sair do trivial e deixar sua marca na revista partiu pro delírio total: vestiu uma fantasia do Fantasma e convenceu Chico Anysio a fazer uma entrevista com o personagem. A matéria surreal foi publicada na revista.  Cony desencavou nos Serviços Editoriais (o setor da Bloch que recebia material de agências e revistas estrangeiras) um papel timbrado da todo-poderosa King Features Syndicate, detentora dos direitos do Fantasma. Recortou a matéria da Fatos & Fotos e anexou uma carta dirigida ao "Editorial Director Mr. Raul Giudicelli" informando que os advogados da empresa entrariam com um processo por uso indevido de imagem do Fantasma. A causa, dizia o "documento", estava estipulada em 100 mil dólares. Cony só assumiu a brincadeira quando soube que o pobre do Raul Giudicelli estava em crise de depressão e não comparecia ao trabalho havia dois dias, sem saber como dar a Adolpho Bloch a notícia de que a empresa ia entubar um processo milionário.

Jornalista é convocado a comparecer ao Crematório Municipal

Essa foi do Alberto. Um colega redator que já havia ultrapassado a barreira dos 60 anos e era particularmente hipocondríaco (embora gozasse de saúde perfeita) recebeu um dia uma "carta" da Secretaria de Administração Civil do Rio de Janeiro, cujo teor era o seguinte:
DCP/RJ 19/09/
Controle de População
Lei 32.694 de 02/06/1946
Prezado senhor:
Conforme registro do nosso cadastro de controle, verificamos que V. Sª atingiu o limite de idade previsto por lei. Nossos estudos estatísticos indicam que a sua idade não oferece mais nenhuma vantagem para a sociedade. Muito pelo contrário, acarreta uma carga complementar às entidades assistenciais de sua comunidade, bem como o desagrado daqueles que o rodeiam.
Por este motivo, V. Sª deverá apresentar-se ao Crematório Municipal até 8 (oito) dias após o recebimento desta, a partir das 9h00 da manhã, diante do Forno Nº 5, Ala Norte, para que possamos proceder vossa incineração.
Na oportunidade, V. Sª deverá apresentar-se munido dos seguintes documentos e acessórios:
1. Carteira de identidade (original);
2. Protocolo do atestado de óbito em andamento;
3. Comprovante de pagamento da taxa de cremação (autenticada);
4. Comprovante de pagamento do IR dos últimos 5 (cinco) anos;
5. 1 (um) saco plástico (sem propaganda de supermercado) para as cinzas;
6. 2 (dois) metros cúbicos de lenha seca, ou dez litros de gasolina de alta octanagem.
Para evitar qualquer contratempo ou perigo de explosão, fica estipulado que até 48 (quarenta e oito) horas antes V.Sª não deverá ingerir qualquer bebida alcoólica ou mesmo comer batata doce ou repolho, pois provocam reações incontroláveis de alta periculosidade ao ecossistema.
Antecipadamente agradecemos vossa valiosa colaboração e.... ADEUS!!!
Atenciosamente (assinatura)
Subchefe Adjunto Substituto do Assessor do DCP- Departamento de Controle da População.

A redação inteira da Manchete ficou observando o hipocondríaco ler a carta, circunspecto. Ele coçou a cabeça antes de levantar a vista da carta sinistra, ouvir a explosão de gargalhadas na sala e tomar mais um Lexotan.  



domingo, 24 de abril de 2016

Memórias da redação: o dia em que JK chorou...

por Alberto Carvalho (do livro "Eu, Tura")

"Um dos maiores prazeres da minha vida, quando trabalhava na Manchete, foi fazer uma projeção de fotos no apartamento do Presidente Juscelino Kubistchek, na Av. Atlântica, no Rio, assim que ele voltou do exílio. As fotos eram de Brasília, feitas especialmente a pedido do Sr. Adolpho Bloch, para ele assistir, junto da esposa, dona Sarah. 
Por determinação do governo militar, JK estava proibido de pisar na Capital Federal. Como passou muitos anos no exílio, ele não acompanhou o desenvolvimento da cidade que construiu. O ex-presidente não sabia daquela projeção. Era uma surpresa que o 'seu' Adolpho havia preparado pra ele.
A cada foto projetada, eu sentia que a emoção tomava conta do seu coração.
Catetinho, Brasília.
Mas a foto que mais comoveu o Presidente foi a do Catetinho, a primeira construção do Planalto feita para ele e seus assessores se reunirem quando de visitas às monumentais obras da futura Capital. E, no final, de pé ao meu lado, as lágrimas correndo pelos seus olhos, caindo sobre o meu ombro, JK me abraçou, emocionado. Dona Sarah, também chorava. Naquela noite, eu não conseguia dormir pensando no que aquela cena simbolizava. Acho que ele, também não."

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Memórias da redação: o dia em que Alberto Carvalho salvou o ator Ferrugem das garras de um leopardo em pleno estúdio fotográfico da Manchete

por Alberto Carvalho 
(do livro Eu, Tura - Recordações) 
Uma passagem pela Bloch que jamais esquecerei foi o incidente que ocorreu nos estúdios fotográficos da empresa, no prédio da rua Frei Caneca. Isso ocorreu em agosto de 1980.

O produtor de cinema e televisão Alcino Diniz pediu ao Justino Martins uma reportagem sobre o filme que ele estava produzindo. Era uma sátira ao famoso King Kong, e se chamava “ King Mong contra o Tiranossauro”. No elenco, o comediante Costinha (Tarzan), a atriz Nídia de Paula (Jane) e um menino que estava despontando na televisão como promessa de grande sucesso, o Ferrugem (Boy).

A foto que seria produzida para a matéria foi marcada para ser feita em um sábado. Como eu morava perto do estúdio, na rua Frei Caneca, Justino Martins, diretor da Manchete, me pediu para acompanhar o trabalho e orientar a produção, tal como ele queria.

Quando cheguei ao estúdio, fui surpreendido pela presença de um leopardo e de um chimpanzé que faziam parte do elenco. O macaco, junto com Ferrugem, fazia a maior farra! O leopardo cochilava dentro de um camarim. Os animais estavam acompanhados pelos seus treinadores. Eles pertenciam ao Circo Garcia, que estava em temporada na Praça Onze, ali perto.

Ferrugem, após ser atendido, posou para
uma matéria da Fatos & Fotos sobre
o incidente.
O fotógrafo escalado para o trabalho foi o Gil Pinheiro. Ele pediu para juntar todo o elenco para começar os trabalhos. Costinha estava atrasado e, como os bichos tinham que voltar para suas apresentações no circo, o jeito foi fazer a foto sem ele. Reuniram-se: Nídia de Paula, com o leopardo seguro por uma corrente, Ferrugem, com o chimpanzé (Chita) no colo, um dublê vestido de gorila e outro como dinossauro. Os treinadores afastados observavam o comportamento dos animais.

Estava tudo pronto: Luz! Câmara! Ação! De repente, o Ferrugem começou a fazer gracinha com o leopardo quando este parecia ainda meio sonolento. O leopardo se desprendeu das mãos da Nídia e  num salto espetacular caiu sobre o menino deixando-o preso sob suas enormes patas. Os tratadores, surpreendidos, correram para retirar o animal de cima do Ferrugem. Mas o leopardo não o largava de jeito nenhum. Com o coração na mão e tremendo de medo, corri em direção ao menino e com um puxão pelas mãos e pelos pés, retirei-o debaixo da fera. Fui um sufoco! Os treinadores disseram que o animal só estava brincando, o que depois de tudo passado, eu também acreditei. Caso contrário a fera teria matado o Ferrugem.

O chimpanzé, que a tudo assistia, dava gargalhadas e cambalhotas, aplaudindo o seu companheiro de trabalho no circo.

Socorremos o menino levando-o ao Hospital Souza Aguiar para ser examinado. Apenas alguns arranhões pelo corpo e na cabeça, mas mesmo assim ele ficou internado em observação durante 24 horas.

Um detalhe: Justamente naquele exato momento do incidente no estúdio, um veterinário, no circo, logo ali perto, estava fazendo o parto de uma fêmea que estava dando à luz a um leopardozinho, filhote daquele brincalhão
Quem sabe o instinto  do animal falou mais alto e ele estava comemorando o nascimento do seu filhote? Vai saber!...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Memórias da redação: um UFO pousou na redação da Manchete...

por José Esmeraldo Gonçalves 
A mensagem acima foi enviada hoje ao endereço do blog, mas remete a um outro tempo, rua e número  (Anos 70, Rua do Russell 804). No email, João Resende, jornalista que trabalhou na Manchete, avisa da morte de Gastão René Friedman, tradutor de alemão (na época, a Manchete tinha os direitos da semanal Der Spiegel), que viveu os dias ora leves, ora tumultuados, sempre imprevisíveis, na redação da revista carro-chefe da Bloch. A Der Spiegel publicava verdadeiros calhamaços, os textos de capa às vezes chegavam a 50 laudas. Para editar as matérias, os redatores precisavam contar com a colaboração de tradutores de alemão. Cesarion Praxedes, então repórter, indicou um tradutor para trabalhar, fixo, na redação e assim resolver de vez o problema. Só que o novo funcionário chegou, sentou-se à mesa que lhe apontaram, em um discreto canto da sala, sem que o Cesarion lembrasse de apresentá-lo à equipe. O misterioso-suposto-novo-funcionário foi lá ficando, não era de falar muito, lia jornais, revistas, às vezes um livro, meio absorto, não chamava atenção. Até porque a redação não tinha a menor ideia do que ele fazia ali. Talvez o pessoal achasse que era alguém convocado por Adolpho Bloch. Passaram-se algumas semanas e ele lá, firme. Até que um dia, Flavio Costa, chefe de reportagem, não aguentou mais a curiosidade e indagou:
- "O que é que esse UFO está fazendo aqui"?
UFO, em foto dos anos 70, em frente
ao antigo prédio da Manchete.
Assim, Gastão René Friedman ganhou um apelido e deixou a "clandestinidade". O diretor da revista logo lhe passou textos para traduzir e até o DP o procurou para finalmente deslanchar a burocracia da contratação. Alberto Carvalho, secretário de redação, se encarregou de apresentá-lo aos colegas:
- "Este é o UFO, nosso tradutor de alemão", dizia, já incorporando o apelido.
UFO respondia:
- "Prazer, Gastão Friedman", em vão, o pessoal já havia gravado e sacramentado o UFO.
Aquele Friedman passou anos na Bloch e talvez a maioria dos colegas jamais tenha desconfiado de que se chamava, na verdade, Gastão, René e, ainda mais, Friedman. UFO tornou-se o nome dele. Quando Cesarion Praxedes foi convidado para trabalhar na assessoria de imprensa da Nuclebrás não demorou a levar o UFO. O Brasil havia assinado o acordo nuclear com a Alemanha para a construção de Angra 1 e o tradutor da Der Spiegel passou a fazer a dublagem para português da papelada alemã. Dizem - pode ser lenda - que UFO traduziu os manuais da usina. O pessoal da Manchete, ao saber disso - ou criar a versão, sempre melhor do que o fato - brincava: - "Vai dar merda". UFO, que de desligado só tinha o jeitão, era atento e organizadíssimo, como lembra João Resende, se divertia com a história e dizia para a turma não se preocupar porque as máquinas não estavam funcionando... - "Ainda", completava e, como bom UFO, deixava um mistério quanto ao futuro da usina segundo suas traduzidas instruções..
Bom, Angra 1 está aí até hoje, vai que o manual do UFO, o único apelido que deve ser escrito obrigatoriamente em maiúsculas, estava certo. Que ele tenha decolado em paz.  

terça-feira, 7 de abril de 2015

Memórias da redação: passaralho voador

(do livro "Aconteceu na Manchete - as histórias que ninguém contou" - Desiderata)
Como em toda empresa, havia momentos, na Bloch, em que o temível "passaralho" - que no jargão dos jornalistas é o "caralho voador" que prenuncia demissões - atacava nas Redações, indiscriminadamente. O momento das demissões lembrava o "homem das neves": sabia-se que o passaralho existia mas ninguém jamais o vira. Em uma dessas temporadas, Alberto Carvalho esculpiu em isopor um imenso "caralho", com todos os penduricalhos e uma ameaçadora cabeça pintada de vermelho, e pendurou-o do lado de fora do prédio pela janela. Lentamente, foi baixando a "alegoria" do oitavo para o sétimo andar. Foi só a primeira redatora desavisada olhar para a janela e deparar-se com aquele gigantesco símbolo fálico para todo o andar das revistas femininas entrar em polvorosa. Mas, dizem, passado o susto sobrou um certa admiração pelas avantajadas medidas do "passaralho".

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Carnaval é na Manchete. Saíamos todos no Adolpho Bloco




 Por ROBERTO MUGGIATI

Nos meus tempos de rapaz, eu adorava Carnaval. Coisa curiosa, na última sexta-feira, o Rio já tomado pela folia, de repente me vi no final da Rua da Lapa, já na Glória, a caminho da casa de jazz TribOz. Dei-me conta então de que, 60 anos antes, eu caminhava pelo mesmo lugar, à mesma hora, no meu primeiro dia de Rio de Janeiro. Esbaldei-me no baile de domingo do Clube Curitibano e saí direto para o aeroporto Afonso Pena. Lá, pelas sete da manhã, peguei um Douglas DC3 no voo Curitiba-Rio e me hospedei no Hotel Regina, no Flamengo. Nada de descansar. Deixei as malas no quarto e sai pelas ruas do centro para acompanhar o Carnaval. No fim da tarde, naquele mesmo local na divisa Lapa-Glória, uma traveca mulata de dois metros de altura me deu uma patolada inesquecível, uma verdadeira epifania momesca. Enfim, vale esse nariz-e-cera para dizer que eu adorava o Carnaval.
Foi a partir de 1975 que começou minha overdose de Carnaval. Investido da função de diretor da revista Manchete – no lugar de Justino Martins – passei a ficar aqueles três dias prisioneiro das edições de Carnaval. Sim, naqueles tempos nós esgotávamos três edições seguidas: a pré-carnavalesca, a de Carnaval e ainda a de pós-Carnaval. A pré se valia de um evento que era um factoide criado pela própria revista. Com a cumplicidade do Comodoro do Iate Clube do Rio de Janeiro – que era amigo do Adolpho Bloch – a Manchete promovia o baile “Uma Noite no Havaí.” As mais bonitas garotas-de-programa da Zona Sul eram arrebanhadas pela produção da Manchete, enfiadas em ônibus fretados e desovadas no entorno da piscina do Iate, na Urca. Havia peitinhos à mostra, mas não se publicavam tais fotos – a revista seria recolhida. Ficávamos no limiar entre o erótico e o pornô. Para as garotas, aquilo era o seu catálogo – uma foto de página inteira valia um considerável aumento de michê. Fechávamos no sábado, com uma foto do baile na capa. Muitos cavalheiros nos telefonavam ou até procuravam na redação, temerosos de que publicássemos sua foto abraçado a uma “havaiana” – que certamente não era a sua “legítima metade.” (Na época, durante o verão, o Rio ficava entregue não às baratas, mas às “cigarras” – aqueles maridos que, pretextando negócios e trabalho, despachavam a família para a Serra, ou para a Região dos Lagos, e ficavam na calorenta metrópole... se esbaldando, é claro.)
Descansávamos até o sábado de Carnaval, quando começava a verdadeira pauleira. Resumindo: era preciso muita rapidez e jogo de cintura para editar uma revista em três dias e meio. Quilômetros de celuloide eram expostos e revelados. A qualidade exigia fotos em grande formato da Hasselbald, a sucessora da Rolleiflex. Cromos em 6x6 ou até em 7x5. As cenas mais dinâmicas eram flagradas em 35 milímetros. Os rolos de filmes dos diferentes eventos eram recolhidos por motoqueiros e trazidos para serem revelados no laboratório. Os banhos das emulsões químicas tinham de ser vigiados atentamente para evitar qualquer queima de filme. A edição das fotos era uma epopeia. As tiras de cromos subiam do laboratório envolvidas em plástico protetor. O Alberto de Carvalho fazia a pré-seleção, com seu lápis cera vermelho, marcando um X nas melhores fotos. Uma equipe cortava cada cromo e o emoldurava para a projeção. Os cromos grandes eram colocados na travessa linear; os 35cm, no carrossel. Todo mundo assistia à projeção – da alta diretoria aos contínuos. A reação daquela vintena de pessoas – de diferentes classes sociais – servia como uma espécie de pesquisa de opinião para o editor. Ele anotava mentalmente as imagens campeãs; e o Alberto anotava o número de cada foto e já colocava uma seleção das melhores na “churrasqueira”, uma mesa de quase dez metros de comprimento com visor de acrílico iluminado por lâmpadas frias (que faziam um calor danado). Aí o editor (eu) escolhia as fotos e desenhava a paginação para o chefe de arte, o grande Wilson Passos.
Não era só o desfile das escolas do Rio e de São Paulo (que construiu o seu sambódromo também), havia ainda o tititi dos camarotes, o desfile de fantasias do Hotel Glória, os Galas Gays e Scalas da vida e os bailes do Copacabana Palace e do Morro da Urca, a Feijoada do Amaral, etc. Tinha também a Bahia com seus afoxés e trios elétricos; e Olinda e Recife, com os bonecos e a apoteose do Galo da Madrugada. Todo esse material se deslocava fisicamente, nos primeiros voos, dentro de malotes, para ser revelado no Rio. Acompanhávamos o desfile das escolas de samba (Rio e São Paulo) e fechávamos as últimas páginas na manhã de terça-feira com as escolas cariocas da noite de segunda. Lembro que chegávamos à redação às quatro ou cinco da manhã e começávamos a esquadrinhar as fotos das últimas escolas. De repente, um sol rubro se erguia sobre a linha do horizonte marcada pelo mar na entrada da baía de Guanabara e banhava com seus primeiros raios as madeiras nobres e o assoalho em tábua corrida. Não tínhamos tempo de admirar a vista, mas ela estava ali, ao nosso alcance: o Pão de Açúcar à direita, a Fortaleza de São João à esquerda. Era a hora clássica do pão com ovo – nosso emblema gastronômico, que nomeia esse blog. Um prato dividido por um acirrado cisma ideológico: a natureza do pão era uma em Manchete, outra em Fatos&Fotos (o pão de forma versus o pão francês, já contamos essa história antes...)
Lá pelas onze da manhã, voltávamos para casa, com a consciência do dever cumprido. Às vezes, Adolpho Bloch nos levava, em petit comité, para almoçar em algum restaurante caro e arcava com a conta. A revista pós-Carnaval tinha uma capa definida. Reuníamos numa foto de estúdio cerca de dez destaques do Carnaval, das escolas, dos desfiles de fantasias e outras freguesias (um ano, por exemplo, a musa do Carnaval foi a estrelinha que acompanhava o Presidente Ithamar Franco no camarote presidencial e, no calor do samba, ergueu os braços num gesto que, suspendendo a camiseta, revelou que a moça esquecera as calcinhas em casa... ou em algum outro lugar.) O Tarlis Baptista, encarregado da produção, tornava-se naqueles dias a pessoa mais procurada do Rio de Janeiro: todo mundo queria sair naquela capa.
E assim se passaram 21 anos, até que, em 1996 – Adolpho Bloch morto no anterior – o Jaquito contratou uma troika de São Paulo para salvar a revista. Pela primeira vez em 21 anos, deixei a direção da Manchete. Vi-me investido da função de Editor de Projetos Especiais e deslocado para a cobertura do terceiro prédio do Russell, uma sala imensa que eu dividia com o Mauro Costa, da TV, também jogado para escanteio. Foi a melhor época da minha vida na Bloch, longe daquele insensato mundo, esquecido dos chatos – minha sala era acessada através de uma escada em caracol que só pessoas em plena forma física podiam galgar. Mas o sonho durou pouco. Quando chegou o Carnaval de 1997, Jaquito deu férias aos paulistas e me convocou para fazer a edição de Carnaval. Alegou: “Esses caras não entendem nada de Carnaval...” Ainda fechei as edições carnavalescas de 1998 e 1999. Em 2000, com o pé quebrado, fechei as edições de Fatos&Fotos – tinha a Fatos&Fotos Gay, bilingue, um hit, lembro de uma madrugada, revendo os últimos leiautes, a perna sobre uma cadeira, a muleta canadense ao lado – e passa pelo corredor das redações uma figura fantasmagórica, uma sílfide deslizando como se fosse alçar voo. Era a Isabelita dos Patins, sobre as rodinhas como sempre, e nos ajudando na consultoria de assuntos e gírias gays.

Todo esse trabalho, o desencanto com as engrenagens sórdidas do Carnaval comercializado, transformado em programa de TV, a euforia fingida das celebridades, me fez cansar do Carnaval. Sem mencionar que o de hoje, com subvenções até de um ditador de um país africano faminto, nada tem a ver com aquele de 1966, quando fui escalado para entrevistar um jovem talento da Princesa Isabel, Martinho da Vila. Seja como for, vale a lembrança: além de outras áreas, a Manchete pontificou –e muito – também no Carnaval.

sábado, 25 de outubro de 2014

Aos amigos da Manchete: nesta quarta-feira, 29 de outubro, 9h da manhã, Missa de 30° Dia em homenagem ao nosso colega Alberto Carvalho

A família de Alberto Carvalho convida os amigos a relembrar o saudoso colega da extinta Manchete, nesta próxima quarta-feira, dia 29, às 9h da manhã, na Missa de 30° Dia que acontecerá na Igreja da Irmandade do Divino Espírito Santo - Rua Estácio de Sá, 167.  Essa igreja fica bem próxima à estação Metrô Estácio (veja indicação abaixo).   



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Memórias da redação: histórias de Alberto Carvalho...

O Alberto Carvalho, da Manchete, muitos conheceram. O que poucos sabem é que, no ano passado, o Tura - como a mãe, D. Arminda, o chamava -, escreveu um livro em que rememorou a infância, a vida em família, as viagens inesquecíveis, carnavais, os tempos da Panair, onde trabalhou, e o Rio dos anos 50 e 60. Na pequena autobiografia - chama-se Eu, Tura - Recordações - estão algumas histórias da redação. Alberto era, digamos, um extrovertido discreto. Pediu ao J.A.Barros, ex-diretor de Arte da Manchete, para diagramar o livro mas preferiu não divulgá-lo. Argumentava que fora do círculo familiar sua trajetória pessoal não iria interessar a muita gente. Mas nos mostrou textos onde contava casos hilários da redação. Com licença do autor, nós do blog, que aqui ficamos e precisamos rir um pouco, reproduzimos algumas dessas histórias, pelo menos aquelas da sua vida profissional e dos bastidores do Russell e da Frei Caneca, endereços que sediaram a Bloch. 
A propósito do apelido, Tura - esse os amigos da Bloch desconheciam - , Alberto explicou no livro: "Eu sou o cara que deve ter tido mais apelidos do que qualquer outra pessoa: minha mãe me chamava de Tura. Para os amigos de infância era Rato; no quartel do Exército era Cavaca; na Panair do Brasil, era Cocada; na Ilha do Governador, Cabeludo. Minha esposa e amigos da família me chamam de Beto. É muito apelido para uma pessoa só! Mas todos me referindo com carinho".




por Alberto Carvalho (do livro "Eu, Tura- Recordações")

A mega-sena

"Antes de ir pra Manchete, Cony passou bem cedo na loteria esportiva e fez um jogo da mega-sena repetindo o número sorteado do concurso da semana anterior. O prêmio saiu para um acertador e estava acumulado em 20 milhões de reais. Quando ele chegou na redação, como quem não quer nada, pediu ao contínuo para apanhar o jornal pois queria ver o resultado da loteria. Fingindo conferir os números, exclamou que havia ganho o prêmio acumulado. Todos correram para conferir se era verdade. Os números batiam com os que o Cony tinha jogado, lógico. Só esqueceram de conferir a data do comprovante da aposta. Foi uma euforia geral! –“Cony está rico!” gritavam. E o Cony ficou na dele. A história se espalhou pela empresa. O telefone não parava de tocar. Todos felicitando o mais novo milionário da praça. A notícia chegou aos ouvidos do seu Adolpho, que não demorou pra ligar para a redação mandando chamar o Cony. O diálogo do Cony com o seu Adolpho ninguém ficou sabendo, mas com certeza era pra pedir uma grana emprestada. Grana essa que só estava depositada na 'sacanagem' do Cony."

Ao cara-de-pau

"O ar condicionado estava com defeito e o calor era infernal. O diretor Justino Martins chamou o contínuo e pediu pra ele comprar uma Coca-Cola na cantina. Eu aproveitei o embalo e pedi outra pra mim. Quinze minutos depois, chegou ele com apenas uma Coca-Cola e entregou para o Justino. Aí, eu perguntei pela minha e ele disse que quando voltava para a redação a minha Coca-Cola tinha caído e se quebrado. Perguntei como é que ele chegou à conclusão que foi a minha, e não a do Justino que se quebrou. Na maior cara-de-pau, ele respondeu que a minha vinha na mão esquerda e foi aquela que justamente caiu. É mole?..."

O gato

"Justino Martins pediu ao fotógrafo Nilton Ricardo uma reportagem sobre animais de estimação de gente da sociedade. Vários pessoas da sociedade trouxeram seus cães e gatos, todos de raças puras e premiados em concursos nacionais e internacionais. Para não dar zebra, ficou estabelecido que os cães seriam fotografados pela manhã e os gatos à tarde. As dez horas da manhã já estavam no estúdio dez cachorros de raças diferentes com seus donos. Uma mulher, desavisada, chegou mais cedo com o seu gato, que ostentava uma gargantilha de prata, cravejada de brilhantes. Soltou o bicho no estúdio toda envaidecida. Pra que! Foi um Deus nos acuda! Todos os cães correram pra cima do bichano querendo acabar com a raça dele. Todo arrepiado, o gato, que não era bobo nem nada, saiu em disparada pelos corredores do prédio, indo parar no pátio do presídio que ficava ao lado da Manchete. A mulher fez um escândalo danado, desmaiou de tão aflita com a fuga de seu gatinho de estimação. Depois de algum tempo, ele foi resgatado por um agente penitenciário e voltou aos braços da sua dona. Um detalhe: a gargantilha de prata e brilhantes não estava mais no pescoço do gato. A mulher ficou injuriada e foi registrar o roubo na Delegacia de Polícia. Eu tentei argumentar que não valia à pena mas ela estava intransigente. Ela disse que a joia fora um presente da esposa do Xá da Pérsia. Na DP, o delegado explicou que ia ser quase impossível resolver o caso, uma vez que teria que interrogar mais de 200 suspeitos que estavam no pátio do presídio na hora em que o gato apareceu. A mulher saiu soltando marimbondos pelas narinas, desistindo de registrar a queixa."

O garçom

"Adolpho ofereceu um almoço ao ex-Presidente JK, assim que ele voltou do exílio. Os funcionários estavam eufóricos com a ilustre presença e se excederam na comemoração. O fotógrafo Sebastião Barbosa, esbarrou  (não sei se foi de propósito) num garçom fazendo-o cair na piscina, com a bandeja cheia de comida e bebida. O maitre Severino Dias, ao ver o seu garçom se debatendo dentro d’agua, se jogou para salvá-lo. Só que ele esqueceu que não sabia nadar e estava se afogando junto com o garçom. O próprio Sebastião foi quem retirou os dois de dentro da piscina.
O Presidente Juscelino olhava a tudo espantado com espetáculo que ocorria perto de sua mesa. Parecia um pastelão das chanchadas da Atlântida. Só faltavam o Oscarito e o Grande Otelo.
No final desse almoço, a Paulina Bloch, cantora lírica e sobrinha do Sr. Adolpho, resolveu brindar o público com um recital. Acompanhada por um pianista, ela soltou a voz. No meio do concerto, depois de uma nota bastante estridente, o fotógrafo Jáder Neves, do fundo do restaurante, gritou: “Não peida, Paulina! Não peida!". E o recital acabou exatamente naquele momento sob vaias e aplausos da galera. Foi uma tarde inesquecível e surrealista que o Presidente JK, com certeza, levaria para a sua sepultura."

O cubano

"Paulinho, do Departamento Pessoal, me ligou dizendo que estava subindo um novo contínuo para trabalhar comigo na redação.. Ele se chamava Paulo Roberto. Eu o apresentei ao diretor Justino e aos redatores e expliquei suas funções.
João Luiz, chefe de reportagem, entrou na redação, viu aquele menino ali e ficou com uma pulga atrás da orelha. Me chamou num canto e disse que conhecia aquele garoto, mas não sabia de onde. Eu disse que era impossível, pois ele me revelara que aquele era o seu primeiro emprego com carteira assinada. João Luiz não se conformou e desceu para o 7° andar onde ficava o departamento de pesquisa. Vasculhou uma dezena de pastas e subiu triunfante para me dar a notícia. Estava lá, nos arquivos, a trajetória de um menino de doze anos que, ainda no período da ditadura, entrara clandestinamente no compartimento de carga de um avião da Lufthansa com destino à Cuba. Era esse o nosso Paulo Roberto, em carne e osso!
Constava em diversas reportagens, nacionais e estrangeiras, que ele queria conhecer o presidente Fidel Castro e que por isso se arriscou nessa aventura. Quando o avião pousou em Havana ele foi pego. Encaminhado ao serviço de Imigração, revelou o seu desejo. O presidente Fidel Castro soube imediatamente do ocorrido e foi pessoalmente ao aeroporto saudar o visitante clandestino. Levou-o para conhecer o palácio presidencial, hospedou-o no melhor hotel de Havana e deu todas as mordomias a que um chefe de estado teria direito. 
Paulinho Cubano, como ficou conhecido, passou maus momentos quando regressou ao Brasil. Por conta disso, não queria revelar a sua aventura, com medo de não conseguir emprego."

O cinzeiro

"O nosso redator, escritor e acadêmico, Raymundo Magalhães Jr., pegou um táxi em Botafogo para vir trabalhar. Ao entrar, sentiu um forte cheiro de nicotina. Perguntou ao motorista se ele estava fumando, no que o motorista respondeu que não tinha esse vício. Intrigado, ele ficou farejando o carro procurando da onde vinha aquele cheiro insuportável. Olhando para o lado notou que o cinzeiro que fica no forro da lateral do carro estava semiaberto. O cheiro vinha dali. Enfurecido, arrancou o cinzeiro com uma força descomunal, rasgando o forro e em seguida, descendo o vidro atirou o cinzeiro pra fora do carro. O motorista, injuriado, começou a discutir com ele, alegando que teria um prejuízo enorme para reconstituir o forro e que queria ser indenizado. A discussão durou até chegarem à portaria do edifício da Manchete. Os dois saltaram do carro, Magalhães, com a boina estilo Jean Gabin e o guarda-chuva que sempre carregava, ameaçava quebrar a cabeça do motorista, que por sinal era fortíssimo, parecendo um lutador do UFC. O chefe da portaria, Gileno, apaziguou o confronto prometendo que a empresa pagaria o conserto do carro. O motorista deixou o número do telefone para contato e saiu em disparada pela rua do Russell aos berros: “Esse tampinha filho da puta é doido de pedra!!!”.
Aposto que o motorista ficou no prejuízo..."

O romeno

"Era um sábado de carnaval e o fotógrafo Izi Bereanu estava de plantão na sala da reportagem da Manchete. Izi era alto, tinha um semblante cadavérico e muito parecido com os personagens do lendário Drácula. Por coincidência, Izi é romeno e natural da Transilvânia, região natal do Conde.
Estávamos todos na redação da revista para iniciar o número especial do carnaval quando o Jaquito entra, vê, através da vidraça, o Izi aos prantos, chorando copiosamente na sala ao lado. Chamou o Gervásio, chefe dos fotógrafos, e perguntou o motivo daquele choro. Gervásio disse que a mãe do Izi tinha falecido. Jaquito, consternado, disse para dispensá-lo do plantão e mandá-lo para casa. E dar 50 reais para ele ir de táxi. Coitado!  
No dia seguinte, no domingo, Izi voltou para continuar no plantão. Jaquito chegou, viu o Izi na reportagem e o chamou-o para uma conversa. Deu os pêsames e perguntou de que a mãe tinha morrido e quando foi. Izi, na maior tranquilidade, disse que ela tinha morrido há mais de 20 anos e que morreu de câncer na Romênia. Então, Jaquito, espantado, perguntou porque estava chorando se a mãe já tinha morrido há 20 anos. Izi, com a cara mais lavada disse que ela tinha morrido num sábado de carnaval e quando chegava esse dia, sempre lembrava dela e chorava o dia todo. Jaquito ficou injuriado e pediu os 50 reais de volta."

Ferrugem

"Uma passagem pela Bloch que jamais esquecerei foi o incidente que ocorreu nos estúdios fotográficos da empresa no prédio da rua Frei Caneca. Isto foi em agosto de 1980.
O produtor de cinema e televisão Alcino Diniz pediu a Justino Martins uma reportagem sobre o filme que ele estava produzindo. Era uma sátira do famoso King Kong, e se chamava “ King Mong contra o Tiranossauro”. No elenco, o comediante Costinha (Tarzan), a atriz Nídia de Paula (Jane) e um menino que estava despontando na televisão como promessa de grande sucesso, o Ferrugem. A foto que seria produzida para a matéria foi marcada para ser feita num sábado. Como eu morava perto do estúdio, na rua Frei Caneca, Justino me pediu para acompanhar o trabalho na orientação de como a foto deveria ser feita. Quando cheguei ao local, fui surpreendido pela presença de um leopardo e um chimpanzé que faziam parte do elenco. O macaco, junto com Ferrugem, fazia a maior farra! O leopardo, cochilando dentro de um camarim. Os animais estavam acompanhados pelos seus treinadores. Eles pertenciam ao Circo Garcia, que estava em temporada na Praça Onze, ali perto.
O fotógrafo escalado para o trabalho foi o Gil Pinheiro. Ele pediu para juntar todo o elenco para iniciar a foto. Costinha estava atrasado e como os bichos tinham que voltar para suas apresentações no circo o jeito foi fazer a foto sem ele. Reuniram-se Nídia de Paula, com o leopardo seguro por uma corrente, Ferrugem, com o chimpanzé no colo, um dublê vestido de gorila e outro como dinossauro. Os treinadores, afastados, observavam o comportamento dos animais. Estava tudo pronto: Luz! Câmara! Ação! De repente, o Ferrugem começou a fazer gracinha com o leopardo quando este ainda estava meio sonolento. O leopardo se desprendeu das mãos da Nídia e num salto espetacular caiu sobre o menino deixando-o preso sob suas enormes patas. Os tratadores, surpreendidos, correram para retirar o animal de cima do Ferrugem, mas esse não o largava de jeito nenhum. Com o coração na mão e tremendo de medo, corri em direção ao menino e com um puxão pelas mãos e pelos pés, retirei-o debaixo da fera. Foi um sufoco! Os treinadores disseram que o animal só estava brincando, o que, depois de tudo passado, eu também acreditei. Caso contrário a fera teria matado o Ferrugem.
O chimpanzé, a que tudo assistia, dava gargalhadas e cambalhotas, aplaudindo o seu companheiro de trabalho no circo. Socorremos o menino, levando-o ao Hospital Souza Aguiar para ser examinado. Apenas alguns arranhões pelo corpo e na cabeça, mas mesmo assim ele ficou internado em observação durante 24 horas. 
Um detalhe: justamente naquele exato momento do incidente no estúdio, um veterinário, no circo, logo ali perto, estava fazendo o parto de uma fêmea que estava dando à luz a um leopardozinho, filhote daquele brincalhão. Quem sabe o instinto do animal falou mais alto e ele estava comemorando o nascimento do seu filhote? Vai saber!..."

JK

"Quando Juscelino Kubitschek voltou do exílio, Adolpho Bloch ofereceu-lhe um escritório no 12° andar do prédio da Manchete para ele trabalhar. A vista era deslumbrante! Baía da Guanabara, Aterro do Flamengo, Pão de Açúcar, Ponte Rio-Niterói, Marina da Glória, Monumento dos Pracinhas e o Museu de Arte Moderna. De qualquer andar do prédio a gente se deslumbrava com essa paisagem exuberante através da fachada inteiramente envidraçada. A companhia sempre presente do ex-Presidente à hora do almoço era um privilégio! A empresa recebia muitas figuras ilustres que eram sempre convidadas para almoçar(ministros, deputados, governadores e, principalmente, artistas). O primeiro homem que pisou na Lua, o astronauta Neil Armstrong, o ator Jack Nicholson, o diretor Roman Polansky, foram alguns deles. O cozido do Severino Dias, chefe de cozinha (mais tarde Prefeito de Vassouras), era famoso nas rodas sociais, políticas e artísticas. Nas festas de final de ano o convidado especial era o Sargentelli, exibindo suas mulatas do show internacional "ziriguidum". Todos os anos o famoso mulatólogo (como era chamado) dava uma canja para todos os funcionários no luxuoso teatro Adolpho Bloch, que ficava no patamar do restaurante. A modelo Adele Fátima – a musa da sardinha 88 - era o destaque principal das mulatas “que não estavam no mapa”. Tempos felizes aqueles que a empresa viveu durante sua existência. Era uma família de aproximadamente três mil funcionários: Judeus, católicos, umbandistas, espiritualistas, protestantes, enfim, credos e religiões se confraternizavam no convívio diário. Sem restrições. 
Um dos maiores prazeres da minha vida, quando trabalhava na Bloch Editores, foi fazer uma projeção de fotos no apartamento do Presidente Juscelino Kubitstchek, na Av. Atlântica, assim que ele voltou do exílio. As fotos eram de Brasília, feitas especialmente a pedido do Sr. Adolpho, para ele assistir, junto da esposa dona Sarah. Por determinação do governo militar, JK estava proibido de pisar na capital. Como passou muitos anos no exílio, ele não acompanhou o desenvolvimento da cidade que construiu. Ele não sabia dessa projeção. Foi uma surpresa que o seu Adolpho preparou pra ele. A cada foto projetada, eu sentia que a emoção tomava conta do seu coração. Mas a foto que mais comoveu o Presidente foi a do Catetinho, a primeira construção do Planalto feita para ele e seus assessores se reunirem quando de visitas às monumentais obras da futura capital. E, no final, de pé ao meu lado, as lágrimas correndo pelos seus olhos, caindo sobre o meu ombro, ele me abraçou emocionado. Dona Sarah, também chorava. Naquela noite eu não conseguia dormir pensando naquilo tudo. Acho que ele, também não."               

Manchete

"Foram 34 anos trabalhando na empresa. Tive o prazer e o privilégio de conviver com os melhores jornalistas, fotógrafos e escritores do país: Carlos Heitor Cony, Raymundo Magalhães Jr., Arnaldo Niskier, Murilo Melo Filho, Cícero Sandroni, Lêdo Ivo (todos membros da Academia Brasileira de Letras), Zevi Ghivelder, Moyses Weltman, Arthur da Távola, Eli Halfoun, Ney Bianchi, José Rodolpho Câmara, José Esmeraldo, Wilson Cunha, Alberto Dines, Ruy Castro, Marisa Raja Gabaglia, Heloneida Studart, Narceu de Almeida, Irineu Guimarães, Ivan Alves, Homero Homem, Maurício Gomes Leite, Ronaldo Boscolli, Roberto Muggiati, Alexandre Garcia, Itamar de Freitas, Samuel Wainer, Claudio Mello e Souza, Ibrahim Sued, Joel Silveira, Ruth de Aquino, Muniz Sodré, Carlinhos de Oliveira e Carlinhos de Jesus. Os fotógrafos Nicolau Drei, Gervásio Baptista, Jáder Neves, Antônio Rudge, Orlando Abrunhosa, Walter Firmo, Klaus Meyer, Sebastião Barbosa, Sérgio Jorge, Sérgio de Souza, Sebastião Salgado, Paulo Schueunsthul, Indalécio Wanderley e Frederico Mendes. Colaboradores fixos como Carlos Drummond de Andrade, Clarisse Lispector, Nelson Rodrigues, Pedro Bloch, Otto Lara Rezende, Caio de Freitas, Gilberto Braga e Paulo Coelho e os 
cartunistas Ziraldo, Daniel Azulay, Leon Eliachar e Álvaru’s.
Com certeza devo ter deixado de citar outros grandes profissionais da imprensa que passaram pela empresa. Muitos são conhecidos do público por suas realizações e obras culturais como romancistas, poetas, dramaturgos, biógrafos, colunistas, políticos, autores de novelas e compositores."