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segunda-feira, 18 de março de 2024

Do Jornalistas & Cia - Roberto Muggiati, 70 anos de carreira. Por Cristina Vaz de Carvalho

 










Matéria reproduzida do portal Jornalistas & Cia. Clique nas imagens para ampliar

Atualização em 20/3/2024 - O  Jornalistas & Cia publicou a seguinte nota, que reproduzimos por solicitação de Roberto Muggiati:

Clique na imagem para ampliar 


segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Geraldo Matheus Torloni (1930-2023) : a Arte como destino

 

Geraldo Matheus Torloni.
Foto/Reprodução Instagram

Em uma mensagem sobre o falecimento do seu pai na tarde de sexta-feira, 29, a atriz Christiane Torloni escreveu no Instagram: 

- Despeço-me do meu amado pai, Geraldo Matheus, grata pela linda jornada que trilhamos juntos. Grata pela Arte, Ética e Amor com que ele me abençoou. E como diz Oscar Wilde: 'O mistério do Amor é maior do que o mistério da Morte'”. 


Geraldo Maheus Torloni tinha 93 anos e, de fato, dedicou sua vida à arte. Foi autor, ator, diretor, produtor e administrador teatral. 

Pode-se dizer que foi um roteiro casual e não escrito que o levou à Manchete. Em meados dos anos 1970, Adolpho Bloch foi nomeado diretor da Fundação de Teatros do Estado do Rio de Janeiro. Assumiu o cargo disposto a não fazer figuração. Ao fim da administração, entre outras realizações, havia reformado o Theatro Municipal, instalado uma moderna Central Técnica de Produções Teatrais em apoio aos espetáculos e construído o Teatro Villa-Lobos. No campo artístico, montou uma programação  intensa, Foram 23 óperas e balés clássicos. Um destaque histórico foi a encenação da Traviata, sob direção do cineasta italiano e Franco Zefirelli. 

Geraldo Matheus assumiu esse desafio ao lado do Bloch que, no seu livro biográfico O Pilão, fez um registro à competência e dedicação do amigo.  Ao fim do seu mandato à frente da Funterj,  Adolpho o convidou para dirigir o teatro da Manchete instalado na sede da empresa, na Rua do Russell. Em pouco tempo, Geraldo também assumiu funções administrativas na Bloch e idealizou mudanças para agilizar o fluxo de trabalho nos vários setores da editora. É dessa fase que muitos colegas guardarão lembranças da convivência com ele. Era conciliador, educado e objetivo na execução das mais diversas missões exigidas por duas dezenas de revistas. Quando a Bloch instalou a Rede Manchete, Geraldo Matheus foi chmado a colaborar, mais uma vez, em um projeto desafiador.  Entre outras ações, coordenou  uma linha de shows onde somou sua experiência artística e talento de administrador à teledramaturgia da nova rede.  A partir do começo dos anos 1990, o Grupo Bloch entrou em crise, os problemas se agravaram e um turbilhão financeiro abateu a Rede Manchete, que foi vendida em 1999. No ano seguinte, em agosto, a Bloch Editores pediu falência. E aí começou a longa e dramática luta dos ex-empregados para receber seus direitos.  Nessa hora difícil, Geraldo Matheus não se omitiu, ao contrário, uniu-se à Comissão do Ex-Empregados da Bloch Editores e participou até recentemente das reivindicações trabalhistas junto à Massa Falida da Bloch Editores.            

Geraldo Matheus formou-se na primeira turma da Escola de Arte Dramática de São Paulo. Ele deixa a mulher, a atriz Monah Delacy, dois filhos, Christiane Torloni e Márcio Torloni, um neto, Leonardo Carvalho, e um bisneto, Lucca Carvalho. Nossos pêsames à família.  

Para os antigos colegas da Bloch, permanecem a admiração, as lembranças da convivência e a saudade do amigo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Memórias da redação: Adolpho Bloch esnobou Collor e paparicou Lula • Por Roberto Muggiati


1989: à véspera do segundo turno - Adolpho Bloch, Luís Inácio Lula da Silva,
Osias Wurman, Carlos Heitor Cony, Roberto Muggiati e Jaco Bittar


Antes do segundo turno - Pedro Collor, Mauro Costa, Oscar Bloch Sigelmann,
Fernando Collor de Mello, Pedro Jack Kapeller, Arnaldo Niskier,
Daniel Tourinho e Roberto Muggiati. Fotos Acervo Pessoal


Era o segundo turno das eleições de 1989, o duelo no Sarney Curral, opondo o Caçador de Marajás e o Sapo Barbudo. Fernando Collor de Mello jantou na Bloch numa segunda-feira depois do fechamento da revista. Adolpho Bloch inventou uma desculpa e não deu as caras, Jaquito e Oscar recepcionaram o futuro presidente. A Bloch teve uma mãozinha nessa história. Collor concorreu por uma legenda menor, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), antes Partido da Juventude, fundado por Daniel Tourinho, que trabalhou na área de recursos humanos da Bloch Editores entre 1974 e 1985. 

Num gesto impulsivo, Adolpho Bloch convidou Lula para almoçar na sede da Manchete no Rio na véspera do segundo turno, sábado, 16 de dezembro. Lula e comitiva vieram naquela manhã de São Paulo num jatinho. Adolpho recebeu calorosamente o líder sindicalista e o levou a visitar o escritório do ex-Presidente Juscelino Kubitschek no prédio do Russell, que havia se tornado uma peça de museu depois da morte de JK em 1976. Lembro de um episódio engraçado durante o almoço. A certa altura, Adolpho desconcertou Lula com uma pergunta a queima roupa:

– E o senhor gostaria de ter um mais moço que o senhor?

O líder petista titubeou:

– Não entendi, sêo Adolpho! Ter um o quê? Mais moço?...

– Um sogro, porrraa!

Ele não se conformava de ter um sogro quatro anos mais moço: o general Abraham Ramiro Bentes, pai de sua segunda mulher, Anna Bentes.

Um trunfo que Collor usou em sua propaganda no segundo turno foi apresentar na TV uma ex-namorada de Lula, Míriam Cordeiro, com a qual ele teve uma filha, Lurian. A ex acusou Lula de “racista” e de ter exigido que ela abortasse a filha. Collor também espalhou que, se eleito, Lula confiscaria a poupança, medida que ele próprio, Collor, adotou assim que foi empossado. Houve ainda o sequestro “cenográfico” do empresário Abílio Diniz, libertado no domingo das eleições, com os sequestradores apresentados pela polícia vestindo camisetas do PT. Ainda assim, Lula não se saiu tão mal e reduziu a vantagem de Collor do primeiro turno (66,05% contra 33,95%) para o segundo (53,03% contra 46,97%).

Vamos voltar ao “adolphês”, o linguajar críptico (e típico) do empresário que só os mais próximos conseguiam captar (Cony era mestre nisso). Por ter morado em Paris e em Londres, Adolpho sempre me requisitava como interprete para seus encontros internacionais. Mas muitas vezes me levava a tiracolo mesmo quando se reunia com brasileiros. Não esqueço seu primeiro encontro em 1979 – à cabeceira da longa mesa de jantar do prédio do 804 no Russell – com Leonel Brizola, que acabara de voltar do exílio. 

Com os olhos brilhando, Brizola abriu o diálogo:

- Bloch, o socialismo é uma coisa tão bonita!

Adolpho desviou o rosto para o lado, naquele seu cacoete judaico-ucraniano de cuspir no chão. O Engenheiro não notou – ou fingiu que não notou. 

Eleito governador do Rio de Janeiro em 1982 – nas primeiras eleições livres e diretas para governador desde 1965 – Brizola seria uma mãe para a Bloch. Não só abriu crédito ilimitado para a empresa, como, no primeiro Carnaval do Sambódromo, em 1984 – também o primeiro Carnaval da Rede Manchete – concedeu direitos exclusivos de transmissão a Adolpho, chutando para escanteio a TV de Roberto Marinho. 

Dá para imaginar as benesses que cairiam sobre a Bloch caso Brizola fosse eleito presidente, mas ele chegou em terceiro, depois de Collor e Lula. Mas a Manchete sempre soube cativar o poder. Colocou Leopoldo Collor de Mello, irmão mais velho do Presidente, na chefia da Rede Manchete em São Paulo. Na presidência de Fernando Henrique Cardoso, o Primeiro Filho, Paulo Henrique Cardoso, ganhou um importante cargo na Rede Manchete, com direito a um luxuoso escritório privado.

Lula não chegou a pegar a Manchete – ou vice-versa – mas se a Bloch ainda sobrevivesse em 2002 com toda a certeza seria tratada a pão de ló pelo presidente petista, em reconhecimento ao apoio que recebeu de Adolpho – na contramão do poder – no segundo turno de 1989.


sexta-feira, 29 de abril de 2022

O melhor menu do mundo na Manchete • Por Roberto Muggiati

 “Somos um restaurante que por acaso também imprime revistas.”

   ADOLPHO BLOCH DEFININDO SUA EDITORA

Chef Severino Dias, do restaurante da Manchete

Às vezes me vem água na boca ao lembrar os almoços no restaurante de Bloch Editores. Particularmente agora, quando se fala muito do prato nacional da Ucrânia, o Frango à Kiev, recordo a primeira espetada de garfo gauche no empanado recheado e o esguicho de creme quente na gravata. A receita (veja no final do texto) vinha da babuschka de Jitomir e fora repassada a Severino Ananias Dias, o “inevolúvel” chef da Bloch (ele criara o adjetivo discursando em louvor de Adolpho). O empresário amava sua cozinha. Era preciso ver, nos momentos de descanso, as panelas de cobre reluzentes compradas em Paris penduradas na cozinha asseada como uma sala de cirurgia. Nos momentos de faina, os vapores e sabores pairavam convidativamente no ar. Meia hora antes do almoço, um núcleo duro de bacanas (editores, redatores, publicitários) se amontoava no balcão de mármore por onde sairiam as travessas de comida, para traçar algumas doses de vodca hipergelada. 

Embora tivesse morado dois anos em Paris e três em Londres (o restaurante da BBC, na temporada de caça, servia aves dignas dos Windsor, como a famosa grouse, um delicioso faisanídeo), vim a conhecer no restaurante do Adolpho sofisticados pratos da culinária internacional. Seu Gulash Húngaro era impecável, o Cassoulet à Francesa também. A pièce de resistance das sextas-feiras alternava numa semana a Feijoada à Brasileira (Sartre e Simone provaram na gráfica de Parada de Lucas) com o portentoso Cozido à Portuguesa na outra. Havia o Arroz de Braga, que provocou em 1969 uma crise com dois redatores de Fatos&Fotos, da qual eu era o editor. “Xiiii, é o Arroz de Praga, porra!”, bradou o Sérgio Augusto para o Paulo Perdigão, ou vice-versa, e deram meia-volta e foram almoçar fora. O Oscar Bloch, de tocaia atrás de uma coluna, assistiu ao acinte e foi aguardar na redação a volta dos culpados, que foram sumariamente demitidos. Acontece que o Perdigão tinha um tio general que era presidente do Supremo Tribunal Militar e foi prontamente readmitido. Sérgio Augusto, sorte dele, foi fazer uma bela carreira no Pasquim. Devo consignar que a implicância da dupla com o Arroz de Braga era mais ideológica do que gastronômica.

Como editor, eu participava também dos jantares de Pessach (Páscoa), rigorosamente alinhados com a tradição judaica, com a sopa de Matso Balls ou Kneidl, em iídiche ( bolinhos de pão ázimo, ovos e gordura), o Gefilde Fische e o Pato Kasher.


Uma noite destas, assistindo a um filme noir francês que adoro, Le Casse/Os ladrões, revi a cena em que o tira Omar Shariff encontra o meliante Jean-Paul Belmondo num restaurante de Atenas comendo um prosaico bife com fritas. Com cara de nojo, manda recolher o prato, senta-se à mesa com Bebel e lhe dá uma aula de culinária grega (fortemente influenciada pelo domínio turco, durante o Império Otomano). A cozinha inteira se mobiliza para agradar o policial, na sua boca-livre literal costumeira e, entre outras coisas, serve uma moussaka (Confiram a cena no anexo).  A Bloch também servia Moussaka, e das mais esmeradas. Senti uma vontade louca de comer moussaka, mas onde, no Rio, àquela hora? Ou melhor, nos tempos de hoje? A minha moussaka blochiana tinha ido se juntar, havia muito, à madeleine proustiana, na névoa do tempo.



FRANGO À KIEV

INGREDIENTES

3/4 de xícara de margarina

1 colher (sopa) de salsinha picada

1 colher (sopa) de cebolinha verde picada

Sal e pimentadoreino a gosto

6 filés médios de frango

1/4 de xícara de farinha de trigo

1 ovo

1 colher (sopa) de água

Cerca de 3/4 de xícara de farinha de rosca

Óleo para fritar

MODO DE PREPARO

1. Misture a manteiga, a salsa, a cebolinha, o sal e pimenta e forme um retângulo; embrulhe-o em papel-manteiga e leve à geladeira.

2. Bata os filés de frango com o batedor de carne até que fiquem com 1/2 cm de espessura.

3. Corte o tablete de manteiga em 6 partes iguais e coloque um no centro de cada filé.

4. Enrole os filés, dobrando também as extremidades para cobrir completamente a manteiga.

5. Prenda com palitos e repita com os filés restantes.

6. Passe-os numa mistura de farinha de trigo e sal a gosto.

7. Bata o ovo com a água num prato fundo e coloque a farinha de rosca sobre uma folha de papel.

8. Passe os filés na mistura de ovo e por último na farinha de rosca.

9. Arrume os filés numa assadeira, numa só camada, cubra-os com uma folha de papel e leve à geladeira por 1 ou 2 horas, para permitir que a farinha de rosca seque na superfície.

10. Numa panela grande, esquente uma boa quantidade de óleo e frite 2 filés de cada vez.

11. Frite-os até que estejam dourados e firmes quando pressionados com um garfo.

12. Não os fure.

13. Retire os palitos e mantenha os rolinhos quentes, enquanto frita os restantes.

 

P.S • Rápido no gatilho, Sérgio Augusto me corrige: “O tio do Perdigão era almirante: alm. Armando Perdigão. A birra com o arroz não era ideológica; afinal sou português. Ele era ruim, daí porque o apelidei de ‘Arroz de Praga’”.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Memórias da redação: Irineu da Manchete, Irénée do Le Monde • Por Roberto Muggiati

Um filósofo na redação.

Estudante pobre em Paris, com um amigo que cursava psiquiatria, o jovem brasileiro costumava frequentar o cabaré existencialista Rose Rouge.
  Ficavam em pé no bar e, quando muito, consumiam uma cervejinha. Certa noite, em 1952, um créole da Luisiana juntou-se a eles. Viu logo que eram estudantes, condoeu-se da sua sorte: “Mes enfants, je vous invite à boire, les Cognacs sont à moi...” Era o famoso clarinetista Sidney Bechet, que também colocou o saxofone soprano na linha de frente do jazz. Nos anos 1940, com o surgimento do bebop, os velhos gigantes de Nova Orleans caíram no ostracismo. Bechet montou uma alfaiataria para garantir o seu sustento. Ao participar do Festival de Jazz de Paris em 1949, fez tanto sucesso que resolveu se mudar para a França, onde teve uma calorosa acolhida.Naquela noite, Bechet estava sorumbático. Contou aos novos amigos que tinha composto uma bela chanson française, afinal, a França e la Nouvelle Orléans tinham uma relação antiga, desde o final do século 17, quando a Luisiana se tornou colônia francesa. Sidney mal acabara de tocar sua música e a plateia, além de lhe sonegar aplausos, se queixou: “Mais c’est pas du jazz.” Petite Fleur só se tornaria um hit em 1959, com a gravação pelo músico inglês de dixieland Chris Barber, que chegou ao 3º lugar nas paradas britânicas e 5º nos Estados Unidos. Bechet morreu em maio, aos 62 anos, sem saber do seu imenso sucesso.O brasileiro que teve o privilégio da companhia do grande Bechet era Antonio Deusdedit da Cruz Guimarães, que se tornaria um jornalista de renome internacional como Irineu Guimarães. Antes de se fixar na imprensa, ele teve uma curiosa trajetória: nascido em Tamboril, CE, em 21 de julho de 1929, seguiu primeiro a vocação religiosa. Seminário em Fortaleza, convento dos dominicanos em São Paulo e daí, num passo largo, o mosteiro de Saint-Maximin-la-Sainte-Baume, na França. Mas, pouco antes de ser ordenado padre, Irineu abandonou a carreira religiosa para se matricular na Sorbonne, em Paris, onde se doutorou em filosofia. Ainda outra guinada e ele iniciaria a carreira de jornalista no Le Monde, em Paris, onde conservaria o nome dado pelos dominicanos, afrancesado para Irénée.

Casório à francesa comme il faut.


O pai que todo mundo queria.


Casou-se com a francesa Marie Colette Roux em 1957 e decidiu voltar para o Brasil. O casal teve os filhos Michel e Christine. Irineu era correspondente do
Le Monde no Rio quando o país sofreu o rude choque do golpe militar de 1964. Se a sociedade civil era abalada, a imprensa mais ainda, pela censura que, se foi relativamente branda na fase light da ditadura (1964-68), se tornaria absoluta depois do AI-5. As dificuldades eram ainda maiores para um jornal independente de um país democrático, a França, que se sentia no dever de denunciar os desmandos e violências do regime militar.



Muito jornalista foi preso naquele período, era um risco natural da profissão. Mas Irineu Guimarães foi preso nada menos do que 19 vezes. Da última, ficou desaparecido por um longo tempo. Seu respeito à verdade incomodava profundamente a ditadura militar. O filho de Irineu, Michel, contou-me recentemente detalhes daquela prisão: “Os policiais arrombaram a porta do nosso apartamento em Santa Teresa e meu pai exclamou: ‘O que é isso ? Um assalto ?’ Rasgaram com faca o sofá e o berço da minha irmã procurando, segundo eles, armas escondidas. Nada encontraram, mas aquilo foi uma forma de intimidar a família toda. Levaram meu pai que ficou ‘sumido’ vários dias.”

Irineu só seria solto depois que, ao saber do ocorrido pelo embaixador da França no Brasil, o Presidente Charles De Gaulle declarou pela TV francesa que “estava muito preocupado com o desaparecimento do correspondente do jornal Le Monde no Brasil.”

Antes, com o jornalista Régis Debray, durante a cobertura da morte de Che Guevara na selva boliviana, Irineu foi preso e expulso do país. Fez questão de entregar pessoalmente ao irmão de  Guevara, na Bolívia, os últimos testemunhos e fotografias daquele que iria se tornar um mito revolucionário do século.



No início dos anos 1970, a convite de Adolpho Bloch, Irineu Guimarães foi convidado a integrar a redação da Manchete e também atuar como repórter internacional. Acompanhou a Revolução dos Cravos em Portugal e os movimentos de independência de países africanos, em particular as guerras civis de Angola e Moçambique. Quando foi ao Chile cobrir a queda de Allende no golpe sanguinário do general Augusto Pinochet e viu o Estádio Nacional de Santiago coalhado de corpos de estudantes disse que aquele foi seu último ato de bravura. Na redação da revista – eu era o editor na época – Irineu não só era um excelente copidesque, como tradutor ágil do inglês e francês, qualidades muito valorizadas, pelos serviços exclusivos que a Manchete tinha com a revista Time e com as principais agências francesas de reportagens.

O episódio com Sidney Bechet em Paris me foi contado pela jornalista Ana Lúcia Bizinover, melhor amiga/amigo do Irineu em todos os anos da Bloch. Ela lembra:

“Conheci  o Irina nos primeiros dias de 73 . Vinha de ressaca do Réveillon por aquela rua do Novo Mundo. Ajudei-o a chegar à  Manchete. Era a rua Silveira Martins, que margeia os jardins do Palácio da República. Do outro lado havia um bar frequentado pelo pessoal da Manchete. Eu estava com meu fusca estacionado à porta desse bar e o Irineu, que já devia ter tomado umas e outras, falou bem alto:

– Olha aí uma candidata ao forno crematório! 

 O que eu chorei... Claro, ele pediu desculpas pela brincadeira de mau gosto. Na sequência viajou à Europa a serviço e me mandou uma carta linda “pour se faire pardonner”. Guardo a carta até hoje. Ficamos amigos para sempre. Ia às festas da família. Até o fim almoçávamos juntos uma vez por mês (Irineu morreu em 2005, aos 76 anos). Conheci o Michel e a Christine adolescentes. Michel tem 63 anos, é engenheiro aposentado e mora no Sul da França. Christine morreu no ano passado, demorei a saber. Pouco antes me deu um exemplar de Le Rouge et le Noir com anotações do Irineu, ela sabia que eu tinha paixão por esse livro.”



A “Santa Ceia”, circa 1977: Alberto de Carvalho, Ivan Alves, Wilson Cunha, Flávio de Aquino, Sammy Davis Jr (ao fundo), Roberto Muggiati, Heloneida Studart, R. Magalhães Jr, Wilson Passos, Argemiro Ferreira, Pedro Guimarães, Ney Bianchi, Carlos Heitor Cony e Irineu Guimarães. Toda vez que o Cony entrava na redação o Irineu batia palmas e dizia: “Salve o único cristão que passou a perna num judeu!”


Irineu ainda estava na Manchete em 1979 quando a abertura política azedou as relações entre empregados e patrões na Bloch. Uma segunda-feira, dia de fechamento da revista, em adesão ao movimento de todas as redações cariocas, os jornalistas da Bloch fizeram uma greve simbólica de silêncio e paralisação dos trabalhos durante uma hora. Adolpho Bloch investiu ensandecido contra a redação da Manchete. Irineu foi seu principal alvo:

– E o padre não quer rezar? Será que fez voto de silêncio?!

Ironicamente, Adolpho estava na pista certa. Assim que se aposentou Irineu traduziu, a pedido dos monges trapistas do Paraná – ordem conhecida por seu rigoroso voto de silêncio, o livro francês Les Mystères de la Trappe, edição bilingue em latim e português, uma obra-prima da paciência, fruto do seu conhecimento do latim, publicada no Brasil com o título de Os Cistercienses. Talvez o entrevero com Adolpho tenha pesado na decisão, mas há muito tempo Irineu sentia que devia ser mais valorizado profissionalmente. Acabou saindo da Bloch para ser produtor do noticiário internacional da TV Globo. Depois foi para o IBGE onde se aposentou como editor-geral das publicações. 

Uma das últimas vezes que estivemos juntos foi numa feijoada de sábado na casa do Cícero Sandroni no Cosme Velho. Diverti-me à beça assistindo a um intenso duelo verbal entre ele e Mário Pontes, discutindo os méritos e apontando os defeitos de suas respectivas cidades, Tamboril e Nova Russas, distantes apenas 30 quilômetros uma da outra. Foi um misto de tiroteio verbal no OK Corral e desafio de repentistas nordestinos inesquecível.

terça-feira, 5 de abril de 2022

Memórias da redação - O trio elétrico da Manchete • Por Roberto Muggiati

FUNDO INFINITO • Renato Sérgio, João Luiz de Albuquerque e Roberto Muggiati. No 2º Free Jazz Festival, em 1986, Manchete montou, no Hotel Nacional, um estúdio para fotografar em alto estilo os músicos participantes, destaques para Gerry Mulligan, Wynton Marsalis, Stanley Jordan e The Manhattan Transfer. O “Trio Elétrico” pegou carona...

Foto: Lena Muggiati


Dava prestígio trabalhar na maior revista ilustrada do país. Já salário era outra história. À falta de uma política salarial na empresa, cada jornalista tinha de lutar pelo seu num indigesto corpo-a-corpo com o dono da empresa, Adolpho Bloch. A maioria não tinha sequer acesso ao capo. Como Adolpho mandava também no conteúdo editorial das revistas, não havia na Bloch aquelas disputas de facções – as famigeradas “!panelinhas” – que ocorriam nas revistas da Abril ou nas redações de O Globo e do Jornal do Brasil. Eu não me dava conta então, foram precisos 35 anos até a falência em 2000, e a sequência do novo milênio, para chegar à percepção cristalina do quanto eu fui rico na Manchete. Rico em amizades. O ano e meio que passei na Veja em São Paulo me fez ver como a Manchete era um espaço democrático. Na redação no oitavo andar do prédio na Marginal do Tietê, eu ocupava um pequeno escritório fechado com vista para o rio lamacento, totalmente apartado da minha equipe de seis subeditores e doze repórteres, que se comprimiam nas “baias” – cubículos separados por divisórias de Eucatex de dois metros de altura. Já a redação da Manchete, também no oitavo andar, era aquele salão aberto com a fachada de vidro voltada para a entrada da baía de Guanabara, com o Pão de Açúcar de sentinela à direita, o azul do céu e do mar – como escreveu nosso repórter-letrista, “é sol, é sal, é sul.”  A redação ocupava 80% da metade fronteira do andar, entre os escritórios do Adolpho e do Jaquito em cada extremidade, separados de nós apenas por uma divisória de vidro. 

Todo mundo passava por aquele bordel. Os patrões vinham bisbilhotar nosso trabalho e dar palpites. Coleguinhas das revistas femininas vinham fofocar e jogar conversa fora. Uma delas, a simpática Laura Taves, sentou um dia na Ponte Aérea ao lado de um dos donos da Abril, meses depois se tornava a nova Sra. Roberto Civita. Como presente de casamento, ganhou a editora de temas feministas Rosa dos Tempos, com assessoria editorial de Rose Marie Muraro, que vivia na redação da Manchete em conchavos feministas com a Heloneida Studart. Justino Martins imperava na grande mesa de edição em L, sua sala de visitas. Recebia preferencialmente mulheres. As jovens amigas Lúcia Sweet e Fernand Bruni eram um colírio para os olhos. A baiana Raimunda Nonata do Sacramento, mais conhecida como Luana, nascida no Curuzu, em Salvador, primeira manequim negra brasileira, sucesso chez Paco Rabanne, Dior e Chanel, casou-se com o Conde de Noailles, uma das cepas mais nobres da aristocracia francesa. Regina Rosemburgo Lecléry visitou Justino na véspera do seu embarque para Paris no avião da Varig que se incendiou a poucos quilômetros do aeroporto de Orly em 1973. O cineasta Pierre Kast, o escritor Jean Genet e o “Clint Eastwood dos pobres”, Anthony Stephen, filho do Barão de Tefé,  também batiam o ponto na redação. Contei aqui outro dia do Nélson Rodrigues, que entrava saudando Adolpho como “o Cecil Bê De Maille (sic) do jornalismo!” Jô Soares, sem dizer palavra, pegava o Adolpho e saía valsando com ele pelo piso de tábuas corridas de madeira nobre. Um dia, Magalhães Jr. me apresentou a Agripino Grieco. Olhando para minha testa larga que já antecipava a calvície, o grande aforista disparou: “Que belo salão de baile para as ideias!” Vinha também, com uma assiduidade enervante, o Francisco Augusto Nascimento – que faturou milhões com o craque Grão de Bico nas pistas de turfe americanas – arrancar deste escriba um nome esperto para batizar um novo cavalo do seu haras em Itaipava. Depois de nomes literários como Jezebel, Iago, Rosencrantz e Suetônio, chutei um Cavalo de Crista. Não sei se o Chico percebeu a alusão à doença venérea; acabou chamando o potro de Capitão Jair, menção a um obscuro deputado iniciante. O pobre do animal jamais chegou entre os dez primeiros sequer.

Em 1975 assumi a direção editorial da Manchete no lugar do Justino. João Luiz de Albuquerque era meu chefe de reportagem, assistido pela dupla dinâmica João Resende e Suzana Tebet. Os Bloch inventaram uma reunião de pauta semanal com o pleno ampliado: a participação obrigatória dos editores de todas as revistas da casa. Cada qual tentando vender o seu peixe à custa da Manchete. O editor de Manchete Rural propunha matéria sobre uma nova vacina contra a febre aftosa, e por aí vai. João Luiz secretariava. Diplomaticamente, eu nunca rejeitava explicitamente uma sugestão: “Vamos ficar de olho.” João Luiz anotava. Eram tantas as sugestões que ficavam de olho que ele bolou um carimbo, aquele olho-lâmpada dramático que ocupa o ponto focal da tela de Picasso “Guernica”. Acabei adotando esse carimbo como meu ex-libris. “Fique de olho”, o lema perfeito para um jornalista. 

Em nossos telefonemas, João Luiz e eu adotamos espontaneamente um cacoete. Um se apresentava com o nome esdrúxulo de um músico de jazz. O outro respondia à altura, fonética e jazzisticamente.

– Olá Ike Quebec!

¬ – Tudo bem, Illinois Jacquet?  

[Bedroom tenors > saxofonistas de alcova] 

– E aí, John Robichaux? 

– Tudo em riba, Alphonse Picou.

[Músicos Creoles de Nova Orleãs.]

– Alô, Pony Poindexter!

– Beleza, Conte Candoli!

[Músicos da banda de Stan Kenton.]        

–  Como vai você, Phil Urso?

–  Levando, levando, meu caro Vido Musso.

[Saxofonistas tenores.]

Já com Renato Sérgio, nosso brilhante redator de assuntos culturais, a troca telefônica era minimalista. Mantínhamos uma espécie de shibboleth, uma senha binária, calcada no grito de guerra da Banda de Ipanema.

– Yolhesman!

– Crisbeles!

Ou, na contramão:

– Crisbeles!

– Yolhesman!

O lema da Banda de Ipanema não significava absolutamente nada, foi tirado por um de seus fundadores da pregação de um maluco que vendia bíblias na Central do Brasil. Na verdade, ficou sendo, naqueles tempos sombrios da ditadura militar (a Banda foi fundada em 1964 e saiu pela primeira vez no Carnaval de 1965), uma versão tropical do grito do anjo do Apocalipse.

Enjoado de tudo isso que anda por aí, Renato Sérgio nos deixou há dez anos – o velho e bom paulistano que, segundo José Esmeraldo Gonçalves tinha “um certo e saboroso jeito carioca de ver a vida”.

Depois de uma longa e tenebrosa pandemia, que ainda perdura – nós dois de máscara na livraria Argumento no lançamento do livro de Márcio Pinheiro sobre o Pasquim – reencontrei o João Luiz, protegido por suas guarda-costas de estima, as filhas Gabriela e Cristina. Trocamos mil e uma figurinhas dos tempos da Bloch e ele me contou histórias incríveis dos passeios com Adolpho Bloch no seu bugre. “E eu quero andar na sua baratinha,” disse Adolpho ao ver o buggy do João Luiz diante do prédio do Russell. Mas isso quem pode contar com a devida galhardia é só o próprio João Luiz. Vamos lá, ao teclado, Ferdinand Joseph La Menthe!...

terça-feira, 1 de março de 2022

Da Ucrânia, com amor • Por Roberto Muggiati

Adolpho Bloch em Kiev.
Foto Manchete
Eu sabia que a contribuição dos ucranianos para o crescimento da sociedade e cultura brasileiras era importante, mas ignorava que o fosse em tão larga escala. Mesmo esta pesquisa feita com urgência em tempo de guerra, revela a amplitude da influência da Ucrânia em nosso país. 

De Jitomir, vieram para o Rio de Janeiro em 1921 os primos Adolpho e Pedro Bloch. Adolpho, empresário gráfico, criou aqui um império de comunicação, iniciado com a revista Manchete em 1952 e continuado com a Rede Manchete em 1983. Pedro Bloch, médico, um dos maiores foniatras do país, foi também, autor de livros infanto-juvenis, com mais de cem títulos publicados, pianista e dramaturgo. É autor da peça brasileira de maior sucesso, “As mãos de Eurídice” (1950), exibida mais de 60 mil vezes, em 45 países.

Sobrinho-neto de Adolpho Bloch, mas já nascido no Brasil, Jonas Bloch brilhou no teatro, cinema e na TV e passou o talento para sua filha, a premiada atriz Deborah Bloch.

Clarice Lispector. Foto Manchete
As irmãs Lispector, Clarice e Elisa, chegaram a Maceió em 1922. Depois de um tempo no Recife fixaram-se definitivamente no Rio em 1934. Nascida em Chechelnyk, Clarice se tornaria inquestionavelmente a maior ficcionista brasileira de todos os tempos, com o prestígio internacional cada vez mais em alta.

Samuel Malamud, nascido em Mogilev-Podolsk, chegou ao Rio em 1923, no auge da perseguição aos judeus com os pogroms da Rússia e Ucrânia. Formado em direito, tornou-se um dos mais conceituados juristas brasileiros e também importante líder da comunidade judaica.

Adolpho Milman, mais conhecido como Russo, nascido na província de Entre Ríos, , foi um futebolista argentino de origem judaico-ucraniana naturalizado brasileiro. É um dos cinco futebolistas que não nasceram no Brasil a ter sido convocado para a Seleção Brasileira. Russo foi um dos grandes artilheiros da história do Fluminense, tendo feito 154 gols em 249 jogos, entre 1933 e 1944, e um dos destaques do famoso "Fla-Flu da Lagoa", na final do Campeonato Carioca de 1941. Russo conquistou quatro campeonatos cariocas, um Torneio Aberto e um Torneio Municipal pelo Tricolor.

Noel Nutels nasceu em Nanaiyev, Ucrânia, e chegou ao Recife ainda menino. Lá se formou pela faculdade de medicina. Mudou-se para Botucatu em 1941 e depois ficaria para o resto da vida no Rio de Janeiro. Tornou-se um dos mais conhecidos indigenistas do país, batalhando pela causa dos povos nativos ao lado dos irmãos Villas-Boas e ajudando com eles a implantar o Parque Indígena do Xingu. Médico da primeira expedição Roncador-Xingu em 1943, acabaria trabalhando para o resto da vida pela saúde dos índios. Dizia: “Eu não clinico, não tenho consultório. Fazia Malária e agora faço Tuberculose. Minha mania: o índio”. Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente, em Frei Caneca, volta e meia aparecia por lá, pois era casado com a prima, Elisa Trachtenberg, secretária de redação da Manchete.

Agitadora da cena cultural carioca, a psicanalista Irina Popow também veio da Ucrânia. É mãe de Andrucha Waddington, diretor, produtor e roteirista de cinema e publicidade, casado com a atriz e escritora Fernanda Torres.

São Paulo recebeu em 1920 Leon Feffer, nascido em Kolki, que aqui fundou o Grupo Suzano de papel e celulose, que seria expandido por seu filho, Max. Trompetista de jazz na juventude, Max Pfeffer foi Secretário de Cultura do estado e desenvolveu os importantes projetos do Festival de Jazz São Paulo-Montreux e do Festival de Inverno em Campos do Jordão.

Gregori Ilych Warchavchik , nascido em Odessa,  foi um dos principais nomes da primeira geração de arquitetos modernistas do Brasil. Chegou a São Paulo em 1923. Naturalizado brasileiro, entre 1927 e 1928, projetou e construiu para si aquela que foi considerada a primeira residência moderna do país.

Nascido em Zolotonosha, Gregório Gregorievitch Bondar foi um agrônomo, entomologista e pesquisador que chegou à Bahia em 1921. Contratado pelo estado como entomologista e patologista de plantas no Departamento de Agricultura morou na Bahia até o final da vida. Em 1932, foi transferido para o Instituto de Cacau da Bahia. Em 1938, foi contratado como consultor técnico pelo Instituto Central de Fomento Econômico da Bahia. Bondar descreveu várias novas espécies de palmeiras. Seu livro "Palmeiras do Brasil" foi publicado postumamente, em 1964, pelo Instituto de Botânica de São Paulo. Descreveu 318 espécies de insetos, incluindo muitas pragas das plantas que estudou. A coleção de Bondar foi adquirida pela fundação  David Rockefeller e doada para o Museu Americano de História Natural. 

Aleixo Belov, nascido Alexey Dimitrievitch Belov em Merefa, na Ucrânia, em 1943, durante a ocupação alemã é um empresário, engenheiro e navegador  radicado em Salvador, Bahia. Aleixo recebeu da Marinha do Brasil o diploma reconhecendo-o como o primeiro navegador a dar uma volta ao mundo em solitário com veleiro de bandeira brasileira, o Três Marias. A viagem é relatada minuciosamente em seu primeiro livro A Volta Ao Mundo Em Solitário, lançado em 1981 pela Editora Nórdica. 

Embora nascidos já no país, vários filhos e netos de imigrantes ucranianos marcaram profundamente a vida do Brasil. Radicado em São Paulo, José Ephim Mindlin, cujos pais nasceram em Odessa, além de repórter, advogado, empresário e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, foi sem dúvida o mais famoso bibliófilo brasileiro.

Jacob Gorender e Nicolau Sevcenko, filhos de ucranianos, radicados em São Paulo, figuram entre os mais importantes cientistas políticos do Brasil.

Um dos mais importantes cineastas radicados em São Paulo, Hector Babenco, de ascendência judaico-ucraniana, nasceu na Argentina e naturalizou-se brasileiro. O filme “O beijo da mulher-aranha” lhe valeu a indicação para o Oscar de melhor direção em 1986.

Bakun, autoretrato

A vida cultural de Curitiba foi marcada por dois filhos de imigrantes da Ucrânia: o pintor Miguel Bakun e a poeta Helena Kolody. Nascido em Mallet, Bakun trabalhou como alfaiate antes de entrar para a marinha. Na Escola de Grumetes no Rio conheceu, como colega de farda, o pintor Pancetti, que o estimulou a desenhar. Um acidente num navio provocou seu desligamento por incapacidade física. Sem eira nem beira em Curitiba, Bakun trabalhou como fotógrafo lambe-lambe, pintor de cartazes e letreiros e decorador de interiores. Autodidata e instintivo, era obcecado por Van Gogh, cuja influência o crítico Sérgio Milliet confirmou a, dizendo que em Bakun inexiste a devida noção da tela, substituída por um excesso de “empastamento”. Bakun pintou paisagens dos arredores de Curitiba, com suas áraucárias e “capões” típicos e as casas de madeira dos imigrantes europeus. Assolado por problemas pessoais e pela ascensão do abstracionismo, Miguel Bakun se suicidou no seu ateliê de Curitiba em 1963, aos 53 anos.

Helena Kolody.
Foto UEM. Divulgaçã
o

Helena Kolody foi um contraponto suave ao torturado Bakun. Nasceu em Cruz Machado, no sul do Paraná, a 40km da Mallet de Bakun. Estudou piano e pintura, aos 16 anos publicou seu primeiro verso. Aos 20 iniciou sua carreira de professora do ensino médio. Entre 1949 e 2002 publicou 25 livros, a maioria de poesia. Morreu em 2004 aos 91 anos. Gostava de praticar o haicai, a forma poética minimalista de origem japonesa. Aliás, foi a primeira mulher a publicar haicais no Brasil, em 1941. Alguns exemplos:

• “Corrida no parque/o menino inválido/aplaude os atletas.”

• “O brilho da lâmpada/no interior da morada/empalidece as estrelas.”

• “A morte desgoverna a vida/hoje sou mais velha/que meu pai.”

Denise Stocklos
em cena. Foto
Manchete


Também do sul do Paraná, em Irati, descendente de ucranianos, vem Denise Stocklos, a maior coreógrafa e dançarina da atualidade. A apresentadora Angelica Ksyvickis também tem sangue ucraniano correndo em suas veias, assim como, coincidentemente, seu marido, Luciano Grostein Huck: seu avô materno nasceu em Dnipro, Ucrânia. Outra apresentadora de TV famosa, Eliana, também tem ascendência ucraniana, por parte de sua mãe, Eva, nascida em Irati, PR.

Em Curitiba – que conta hoje 70 mil descendentes de ucranianos  – nasceu Alexi Stival, que se tornaria conhecido como Cuca, o técnico que acaba de encerrar uma carreira vitoriosa como campeão do Brasileirão e da Copa do Brasil pelo Atlético mineiro. 

Manifestação. Reprodução
imagem RPC
O maior contingente de descendentes ucranianos se encontra no estado do Paraná, cerca de 500 mil. A maior proporção está na cidade de Prudentópolis, onde 75% da população de 52.776 habitantes tem ascendência ucraniana. Todos se manifestaram veementemente contra a invasão russa. Um prudentopolitano declarou à RPC, afiliada da Globo: “Os invasores, mais fortes, podem até nos massacrar fisicamente. Mas jamais conseguirão extinguir o espírito e o orgulho da Ucrânia!”

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Domingo Ilustrado: arqueologia do "unicórnio" jornalístico de Samuel Wainer








por José Esmeraldo Gonçalves 

A revista Domingo Ilustrado - publicação em formato jornal criada por Samuel Wainer para a Bloch, em 1971 - teve trajetória meteórica. É também uma espécie de "unicórnio". Poucos a viram e é quase impossível exumar seus fósseis na internet. 

Em janeiro de 2021 publiquei aqui um post sobre a DI. Garimpei apenas algumas poucas reproduções em repetidas buscas no Google. 

Há poucos dias, um leitor que assinou como "unknow", nos enviou em comentário mais imagens da revista. Reproduzo algumas e repasso o link do blog Antiguinho que tem mais informações. Incluo também um link da matéria que fiz para o Panis.

Agredeço ao "unknow". Aos poucos o unicórnio jornalístico lançado por uma dupla improvável e que se detestava - Samuel Wainer e Adolpho Bloch - mostra sua cara.

http://antiguinho.blogspot.com/2021/07/vi-festival-internacional-da-cancao-1971.html?m=1

https://paniscumovum.blogspot.com/search?q=Domingo+Ilustrado


domingo, 15 de agosto de 2021

Feliz 88, meu caro Roman! • Por Roberto Muggiati

Roberto Muggiati entrega Polanski, em 1988, foto do cineasta quando fez sua primeira visita à Manchete,
 em 1974. Ao fundo o jornalista Arnaldo Bloch e Anna Bentes Bloch. Foto: Acervo Pessoal

Roman Polanski faz 88 anos neste 18 do 8. 88 é o símbolo do infinito duas vezes, de pé lado a lado. Polanski é a celebridade do mundo mais perseguida por maldições, que caíram à sua volta ao longo dos anos, mas nunca o atingiram. 

Nasceu em Paris em 1933, filho único de poloneses, o pai judeu, a mãe católica de ascendência russa. Num gesto desastrado do pai,  a família voltou em 1936 para a Polônia, um dos principais alvos do antissemitismo de Hitler. A mãe morreria em Auschwitz; o pai, internado num campo de extermínio austríaco, seria um dos raros judeus poloneses a escapar do Holocausto. E o menino Roman sobreviveria em fuga na zona rural quase na mendicância, escondendo-se em fazendas de famílias católicas. (O pianista, filme sobre um judeu de Varsóvia que consegue o milagre de sobreviver aos seis anos de guerra, é fortemente autobiográfico.) 

Quando a guerra terminou Roman tinha doze anos e acabaria reencontrando o pai: da opressão nazista, passaram a viver os terrores do estalinismo.

O talentoso Polanski abriu as portas do mercado internacional com Faca nágua em 1962. Em agosto de 1967 começou a rodar O bebê de Rosemary, em que uma jovem inocente é escolhida por um grupo satânico para parir o filho do demônio. Ela mora em Nova York no sinistro edifício Dakota, onde John Lennon seria assassinado treze anos depois. A atriz principal, Mia Farrow, ameaçou abandonar as filmagens quando recebeu no set, diante de toda a equipe, das mãos de um oficial de justiça, um inesperado pedido de divórcio de Frank Sinatra, trinta anos mais velho, com quem foi casada dois anos.

No dia 9 de agosto de 1969, em Los Angeles, o bando de Charles Manson chacinou a mulher de Polanski, Sharon Tate – grávida de oito meses e meio – mais uma amiga e dois amigos que passavam a noite de sábado em sua casa, e também o jovem caseiro. As paredes da casa foram pixadas de palavrões escritos com o sangue das vítimas. Foi um trágico equívoco: os Polanski tinham alugado a casa do filho de Doris Day, Terry Melcher, produtor musical que se recusou a gravar Manson, cantor e guitarrista medíocre com ambições a superstar Como vingança, Manson mandou os fanáticos da sua “Família” matarem todo mundo na casa, acreditando que Melcher ainda morava nela. Polanski deveria estar lá naquela noite, mas à última hora foi retido em Nova York para assinar um documento na segunda-feira.

Encontrei Polanski pela primeira vez pouco antes, no Rio, em março de 1969, no 2º Festival Internacional de Cinema, onde ele concorria com O bebê de Rosemary.  Numa brincadeira de mau gosto (Roman é um eterno moleque, adoro esse lado dele...), tentou jogar Jane Birkin na piscina do Copacabana Palace, a moça passou raspando por mim como um foguete e quase me arrastou consigo para as águas. (Jane estrelava Wonderwall, filme com a trilha sonora de George Harrison). 

Em 1974, voltei a encontrar Polanski, desta vez com Jack Nicholson, na visita que fizeram à Manchete promovendo o filme Chinatown. A grande encrenca da sua vida o esperava em 1977 na casa de Jack Nicholson em Los Angeles. Escalado pela revista Vogue para fotografar uma ninfeta de treze anos numa piscina, Polanski não perdeu a viagem e transou com a menina, levemente dopada por um Boa Tarde, Cinderela. Acusado de abuso sexual, ficou preso 74 dias e foi solto após pagar fiança. Ao saber em 1978 que seria preso definitivamente, Polanski alugou um jatinho e escapou pelo México. Há 43 anos, a justiça norte-americana o caça implacavelmente, embora a “ninfeta”, hoje uma rechonchuda senhora de 58 anos, tenha perdoado Polanski. Em 2009, foi preso na Suíça – onde tem uma casa em Gstaad – e quase extraditado para os EUA.

Nosso terceiro encontro foi em 88, quando ele visitou novamente a Manchete, com a atriz que se tornaria sua mulher até hoje e mãe de seus dois filhos, Emmanuelle Seigner. Adolpho Bloch o convidou para um chá das cinco en petit comité no restaurante do Russell, os dois se conheciam desde os anos 60, quando a sucursal da Manchete em Paris ficava no prédio de Polanski na Avenue Montaigne.  Polanski se atrasou porque ficou mais de meia hora na calçada numa intensa DR com a mulher. Chegou falando em russo: “Pô, Adolpho, chá? Você me convida para um chá? Eu queria mesmo é uma boa vodca polonesa!” Em segundos surgiu uma garrafa  glacialmente gelada de Wiborowa, a marca favorita de um cracoviano célebre, Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II. E o ucraniano e o polonês parisiense se enredaram num longo papo em russo, deixando o resto do pessoal por fora. 

Aproveitei a ocasião para entregar a Polanski uma cópia da foto dele com Jack Nicholson feita na visita de 1974. Pena que a Manchete tenha fechado as portas em agosto de 2000. Não fosse isso – estou seguro – teríamos recebido outras visitas do nosso querido amigo Roman.

PS • Especulando se o fato de Polanski ter filmado O bebê de Rosemary no edifício Dakota teria algo a ver com o assassinato de John Lennon, lembrei que, na verdade, foi Lennon quem, involuntariamente, teve um importante papel no assassinato de Sharon Tate em agosto de 1969.


No dia seguinte ao massacre, irritado com o
modus operandi dos membros da “Família”, Charles Manson os liderou noutra incursão em Los Angeles para ensinar a maneira correta de agir. Invadiu uma casa escolhida aleatoriamente e, com seus asseclas, assassinou o casal LaBianca. O marido, Leno, era dono de um supermercado; a mulher, morta com 41 punhaladas, chamava-se... Rosemary. Quando desencadeou a operação, Manson decretou que era chegada a hora de Helter Skelter – nome de uma das faixas do Álbum branco dos Beatles. A música, assinada Lennon-McCartney – era deliberadamente ruidosa e caótica, feita em resposta a uma provocação de The Who. Fascinado por ela, Manson a adotou como as trombetas do Apocalipse, anunciando uma série crimes e catástrofes que provocariam uma guerra racial nos Estados Unidos, da qual ele sairia como líder natural. A tal ponto que HELTER SKELTER figurou entre as palavras pintadas com sangue no local dos crimes. O promotor do Caso Tate-LaBianca, Vincent Bugliosi, publicou um livro sobre o processo intitulado Helter Skelter, que vendeu sete milhões de exemplares, virou filme, série de TV e até mangá. 

Ouça o Helter Skelter AQUI

https://www.youtube.com/watch?v=0NpoedlDxuU


Atualização em 19-8-2021  - 

Cabala nazista

De Edimburgo, meu filho me ensina que 88, nos países de língua germânica durante a 2ª Guerra significava “Heil, Hitler!” Sendo H a oitava letra do alfabeto, 88=HH. Polanski, assim, involuntariamente, homenageia com sua nova idade o Führer. Eu também, com meu nome. Nascido em 1937, meu pai queria que eu me chamasse Benito. Minha mãe não quis, de jeito nenhum. Então ele optou por Roberto. Um nome simples só na aparência: Mussolini o indicava para os apoiadores do nazifascismo porque suas três sílabas correspondiam às primeiras sílabas das capitais do Eixo: ROma + BERlim + TOquio. Meu pai – como todo mundo nos estados do Sul e até o próprio Presidente Getúlio Vargas – era simpatizante do Eixo. A propaganda foi uma arma terrível a mais que os Aliados tiveram de enfrentar. Nas manifestações diante do Palácio do Catete, no final dos anos 1930, os apoiadores do Duce e do Führer hospedavam-se no Florida Hotel. As letras do seu nome formavam o anagrama de Adolfo Hitler. Mesmo com essa sopa de letras infernal, o Eixo Kaput!, em boa gíriacarioca, sifu! (Roberto Muggiati)

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Cicciolina ainda choca? • Por Roberto Muggiati

Cicciolina na Manchete.
Foto de João Miguel Jr/Manchete


Dewi Sukarno, também à mesa na sede da Rua do Russel

Foto de Gil Pinheiro/Manchete


Em 1997, aos 45 anos, a musa do pornô italiano chocava (duplo sentido), em poses lascivas de galinha poedeira – só ela mesmo seria capaz – sobre a grande mesa de jacarandá do restaurante da Bloch para as câmeras da Manchete e da imprensa brasileira e internacional. (Na ocasião, fez uma ponta na telenovela Xica da Silva como uma cortesã genovesa.)

É bom explicar à rapaziada que pegou o bonde da História andando no milênio: Ilona Staller nasceu em 1950 na Hungria, foi espiã soviética na Itália, ganhou cidadania ao casar com um italiano, entrou com furor no nascente pornô peninsular com o nome de guerra de Cicciolina (“Fofinha”), daí como um vendaval na política radical, fundando o Partido do Amor e depois o DNA (Democracia, Natureza e Amor), tendo sido a segunda deputada mais votada nas eleições de 1987.

Agora, à véspera dos 70 anos, ela embarcou num projeto polêmico, o “Classic Nudes” (disponível no You Tube), um guia interativo que faz, sem autorização, para o site Pornhub, uma releitura picante de mais de cem obras-primas de museus como Louvre, Prado, MoMA, Uffizi e outros grandes. A volta de Cicciolina às manchetes me lembrou que não foi ela a única a sentir uma atração erótica irresistível pelas mesas da Manchete

Nos anos 1970, Adolpho Bloch recebeu no primeiro prédio do Russell a viúva do presidente da Indonésia, Dewi Sukarno, hoje com 81 anos, socialite, celebridade da TV, filantropa. Nascida em Tóquio, estudante de artes e garçonete, aos 19 anos conheceu o presidente indonésio de 57 anos, que casou com ela em 1962, nomeando-a Ratna Sari Dewi Sukarno – no sânscrito javanês, “a joia essência de uma deusa”. Presidente desde 1945, Sukarno foi derrubado por um golpe de Suharto em 1967 e morreu três anos depois. Ao visitar o Teatro Adolpho Bloch em novembro de 1974, a bela Dewi, no viço dos seus 34 anos, posou soberana e suavemente sexy sobre a mesa do foyer. 

Reparem: Cicciolina e Dewi ambas virginalmente de branco...


domingo, 27 de dezembro de 2020

O dia em que Betty Friedan encurralou Adolpho Bloch • Por Roberto Muggiati

Tiroteio no "Bloch Corral": no centro da foto, Betty Friedan e Adolpho Bloch. A imagem é uma reprodução precária de uma edição da Manchete (de 1° maio de 1971), mas vê-se, de camisa branca, Renato Sérgio; Heloneida Studart, de óculos;  Tânia Quintilhiano, sentada, de cabelos curtos; e, à esquerda da foto, em primeiro plano e de mão erguida, Vera Gertel. Em torno da entrevistada, reuniam-se, ainda, outros jornalistas das revistas da Bloch. A foto é de Sebastião Barbosa.

A primeira vez em que o salão do décimo andar do prédio do Russell ficou lotado para uma entrevista coletiva foi durante a visita da feminista Betty Friedan à Manchete em 1971. 

Já em 1792 a inglesa Mary Wollstonecraft publicava Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher. Em O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir introduzia em 1949 a discussão do tema entre a intelectualidade. Mas foi Betty Friedan – lidando com fatos concretos ao invés de teses filosóficas – quem jogou no ventilador a ideia do feminismo para a mulher da classe média americana, ao publicar A Mística Feminina em 1963. A luta pela igualdade dos sexos caiu como uma bomba no caldeirão dos movimentos radicais que agitavam os sixties. O movimento assumiu a designação genérica de Women’s Lib(eration), com facções radicais dispostas até a pegar em armas pela causa, como a SCUM, da radical Valerie Solanas, autora de um atentado a tiros contra o célebre artista pop art Andy Warhol, considerado o símbolo do “machão porco-chovinista”. Filha de judeus russo e húngara, Bettye Naomi Goldstein desde cedo militou em movimentos marxistas e judaicos. Em 1966, fundou e foi eleita presidente da NOW (National Organization for Women), que visava a integrar as mulheres “à corrente principal da sociedade americana, com participação total e igual à dos homens.” 

No Brasil, o movimento feminista confundiu-se com a resistência contra a ditadura militar. Após a decretação do AI-5 no final de 1968, muitas mulheres pegaram em armas e enfrentaram ações arrojadas – como o sequestro de embaixadores – durante os Anos de Chumbo. Uma destas – participou do “confisco” do mitológico cofre de Adhemar de Barros – se elegeria Presidente do Brasil quarenta anos depois: Dilma Rousseff.

Foi nesse clima que Betty Friedan encontrou o Rio em 1971. Redatores(as) e repórteres de todas as revistas da Bloch – àquela altura eram mais de uns dez títulos – comprimiram-se no salão do décimo andar do primeiro prédio do Russell, que até 1980 receberia celebridades do mundo inteiro – do Dr, Christiaan Barnard a Mtislav Rostropovich, da Princesa Alexandra de Kent ao cineasta Franco Zeffirelli, do criador da aeróbica Kenneth Cooper ao best seller Sidney Sheldon. 

Claro que Adolpho Bloch não poderia perder aquela oportunidade de brilhar em público. Gostava de comparecer como penetra de luxo aos eventos jornalísticos da sua empresa, mas daquela vez se deu mal. A palavra ainda não existia, mas Adolpho padecia de um incurável “machismo estrutural”. E Betty Friedan conhecia todos os cacoetes da cultura judaica. Rebatendo os chistes antifeministas baratos de Adolpho, ela arrancou dele informações pontuais que o caracterizavam como um típico “filhinho de íidiche mame.” 

Caçula, Adolpho tornou-se aos 50 anos – com a morte súbita dos irmãos Arnaldo e Boris – o filho varão único, reinando sobre as mulheres da família. Revelou ainda, inadvertidamente, que só tinha casado depois dos trinta anos. Betty o tripudiou por ter vivido tempo demais debaixo das saias da mãe.

Além disso, casou com uma Miss – Lucy Mendes, Miss Rio Grande – engraçado, os dois principais artífices da Manchete, a revista das Misses, casaram com uma Miss, Justino Martins com a primeira Miss Brasília, Martha Garcia. 

Adolpho tinha então 62 anos, Betty 50. Castigado pelos negócios e pela idade, ele morreria em 1995, aos 87. Betty morreu em 2006 no dia em que completava 85 anos. 

Voltando à coletiva do décimo andar: sentindo-se em inferiorizado no debate, Adolpho bateu em retirada e, pretextando uma reunião de negócios, deixou Betty Friedan com os jornalistas, livres para fazerem o seu trabalho. A matéria publicada na Manchete, assinada por Heloneida Studart, intitulou-se “Betty Friedan: ‘O segundo sexo quer ser igual ao primeiro.’” Entre outras coisas, foi lembrada a frase do livro que justificava seu título: “Toda mulher é criada como tendo sua própria cruz para carregar caso não consiga ser o clone perfeito do macho super-homem e o clone perfeito da mística feminina.”