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quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Manchete - O dia em que Lula foi ao Gallery e irritou o society paulistano



Jeff Thomas e Lula no Gallery, em 1979. Foto de Ruy de Campos/Manchete

Em um antigo programa Roda Viva, nos anos 1970, Lula cita a Manchete a propósito de uma matéria no The Gallery, então ponto chique de São Paulo, em dezembro de 1979. 

Essa reportagem existiu e foi sugerida à Fatos & Fotos pelo jornalista Jeff Thomas. Ele pretendia convidar Lula para jantar no The Gallery e usar na matéria um título recorrente; "A Classe Operáia vai ao Paraíso", do filme dirigido por Eli Petri com Gian Matia Volontè, de 1971.

Pra variar, Lula foi criticado na época - embora não tivesse cargo público - por quem achava que um líder operário não poderia jamais botar os pés em uma casa da grãfinagem paulista.  

A Fatos & Fotos era uma revista que teve fases excelentes, outras nem tanto, e era alvo de crises sanzonais. Semanal, como a Manchete, não podia fazer tanto sucesso a ponto de ameaçar a principal revista da casa. Não apenas muitas vezes anúncios originalmente destinados à FF eram desviados para a Manchete, como matérias inteiras estavam eventualmente sujeitas a seguir o mesmo caminho. 

A reportagem com Lula no The Gallery foi um desses casos. Quando as fotos chegaram de São Paulo, permaneceram muito pouco tempo na mesa do editor da revista.  Logo um emissário do oitavo andar veio recolher o material que a direção da casa havia decidido publicar na Manchete. Soube-se depois que desde que Jeff Thomas sugeriu "Lula no paraíso" a ideia foi considerada tão instigante pela direção da editora que a FF foi descartada antes mesmo da pauta se concretizar. No vídeo, Lula se refere a revista Manchete, tal como lhe foi proposto. A Fatos & Fotos foi a última a saber. Coisas da velha Bloch. 


Lula no Roda Viva. Reprodução vídeo 


VEJA O VÍDEO COM LULA SE REFERINDO À MATÉRIA DA MANCHETE E RESPONDENDO A QUEM O CRITICOU POR IR JANTAR EM UM RESTAURANTE DE LUXO. CLIQUE AQUI 


quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Lula antes da prisão. Em 1979, Manchete levou o operário ao Gallery e chocou a esquerda e a direita. Aconteceu pouco meses antes dele ser preso pela ditadura.

Jeff Thomas e Lula, no Gallery, em São Paulo, em 1979. A matéria "A classe operária vai ao paraíso"
foi publicada na Manchete com uma sequência de fotos. Infelizmente, com o desaparecimento do acervo
que pertenceu à Bloch, sobrou a reprodução acima


por Flávio Sépia  

Lula é a notícia, agora.

O Brasil se volta para o TRF-4 que confirmará em algumas horas a condenação anunciada do ex-presidente. É um momento crucial na trajetória de um personagem que, a partir da segunda metade dos anos 1970, se faz presente em praticamente todo enredo político do Brasil.

Em 1979, coube à Manchete dar a Lula uma dimensão de celebridade em um momento bem mais ameno. O metalúrgico e sindicalista tornou-se conhecido em todo do Brasil quando liderou, a partir de 1977, o movimento de reivindicação salarial dos trabalhadores e as greves da categoria em desafio à ditadura.

Havia curiosidade em torno do novo líder. A revista Fatos & Fotos, então dirigida por Zevi Ghivelder, encomendou ao colunista Jeff Thomas uma matéria com Lula. A ideia era fazer algo mais original e inusitado: levar o metalúrgico ao Gallery, então templo dos endinheirados paulistas e o máximo de sofisticação na época.

Jeff Thomas, cujo nome verdadeiro é Francisco de Assis Veras, figura folclórica do jornalismo desde o fim da década de 1950, frequentava tal ambiente, tinha os contatos e o caminho para chegar tanto a Lula quanto ao Gallery. E assim ele armou a matéria que nascia até com um título pronto: "A classe operária vai ao paraíso". Curioso é que o personagem vivido por Gian Maria Volonté no filme que foi um dos melhores daquela década é o operário Lulu Massa, quase homônimo do convidado de Jeff Thomas ao paraíso dos milionários paulistas.

A matéria foi feita, as fotos falavam por si. Bem comparando, a Fatos & Fotos era uma revista de 1ª Instância, para usar um termo de hoje, e o Manchete era o STF. Daí, a surpreendente e simbólica reportagem foi simplesmente sequestrada da F&F e levada para as páginas da Manchete.

Irônico, Jeff disse que, durante o jantar, Lula  respeitou a etiqueta. "Pegou os talheres com classe, mastigou de boca fechada e não falou de boca cheia", escreveu o jornalista enquanto limpava, talvez,  a baba politicamente incorreta que escorria da própria boca.

Lula foi criticado por aceitar a encenação, a esquerda rotulou a matéria de preconceituosa e a direita achou que a revista estava promovendo um "perigosos subversivo". Manchete repercutiu nas bancas e nos programas de TV, jornais comentaram a performance society do líder operário o o sindicalista foi várias vezes questionado por jornalistas.

Não se avexou, como se diz em Pernambuco, terra do Lula, e no Rio Grande do Norte, onde nasceu o potiguar-londrino Jeff Thomas: "Meu sonho é que todos os operários possam um dia ir ao Gallery", repetia com humor o futuro presidente aos repórteres que o procuravam para comentar a visita ao paraíso da elite empresarial..

Pouco meses depois, em 1980, Lula foi preso pela ditadura e condenado a três anos e meio de cadeia com base na Lei de Segurança Nacional por "incitação à desordem pública". Recorreu e foi absolvido no ano seguinte. Mas sua relação com qualquer sofisticação nunca mais passaria desapercebida. Em 2002, assim como no caso do Gallery, outra investida dele no grand monde seria motivo de críticas e se tornaria pauta nacional: depois de um dos debates da campanha presidencial, o ex-operário foi visto jantando no restaurante Osteria Dell'Angolo, em Ipanema, em uma mesa com cerca de 20 pessoas e... taças de vinho do caríssimo Romanée Conti.