por Flávio Sépia
Lula é a notícia, agora.
O Brasil se volta para o TRF-4 que confirmará em algumas horas a condenação anunciada do ex-presidente. É um momento crucial na trajetória de um personagem que, a partir da segunda metade dos anos 1970, se faz presente em praticamente todo enredo político do Brasil.
Em 1979, coube à Manchete dar a Lula uma dimensão de celebridade em um momento bem mais ameno. O metalúrgico e sindicalista tornou-se conhecido em todo do Brasil quando liderou, a partir de 1977, o movimento de reivindicação salarial dos trabalhadores e as greves da categoria em desafio à ditadura.
Havia curiosidade em torno do novo líder. A revista Fatos & Fotos, então dirigida por Zevi Ghivelder, encomendou ao colunista Jeff Thomas uma matéria com Lula. A ideia era fazer algo mais original e inusitado: levar o metalúrgico ao Gallery, então templo dos endinheirados paulistas e o máximo de sofisticação na época.
Jeff Thomas, cujo nome verdadeiro é Francisco de Assis Veras, figura folclórica do jornalismo desde o fim da década de 1950, frequentava tal ambiente, tinha os contatos e o caminho para chegar tanto a Lula quanto ao Gallery. E assim ele armou a matéria que nascia até com um título pronto: "A classe operária vai ao paraíso". Curioso é que o personagem vivido por Gian Maria Volonté no filme que foi um dos melhores daquela década é o operário Lulu Massa, quase homônimo do convidado de Jeff Thomas ao paraíso dos milionários paulistas.
A matéria foi feita, as fotos falavam por si. Bem comparando, a Fatos & Fotos era uma revista de 1ª Instância, para usar um termo de hoje, e o Manchete era o STF. Daí, a surpreendente e simbólica reportagem foi simplesmente sequestrada da F&F e levada para as páginas da Manchete.
Irônico, Jeff disse que, durante o jantar, Lula respeitou a etiqueta. "Pegou os talheres com classe, mastigou de boca fechada e não falou de boca cheia", escreveu o jornalista enquanto limpava, talvez, a baba politicamente incorreta que escorria da própria boca.
Lula foi criticado por aceitar a encenação, a esquerda rotulou a matéria de preconceituosa e a direita achou que a revista estava promovendo um "perigosos subversivo". Manchete repercutiu nas bancas e nos programas de TV, jornais comentaram a performance society do líder operário o o sindicalista foi várias vezes questionado por jornalistas.
Não se avexou, como se diz em Pernambuco, terra do Lula, e no Rio Grande do Norte, onde nasceu o potiguar-londrino Jeff Thomas: "Meu sonho é que todos os operários possam um dia ir ao Gallery", repetia com humor o futuro presidente aos repórteres que o procuravam para comentar a visita ao paraíso da elite empresarial..
Pouco meses depois, em 1980, Lula foi preso pela ditadura e condenado a três anos e meio de cadeia com base na Lei de Segurança Nacional por "incitação à desordem pública". Recorreu e foi absolvido no ano seguinte. Mas sua relação com qualquer sofisticação nunca mais passaria desapercebida. Em 2002, assim como no caso do Gallery, outra investida dele no grand monde seria motivo de críticas e se tornaria pauta nacional: depois de um dos debates da campanha presidencial, o ex-operário foi visto jantando no restaurante Osteria Dell'Angolo, em Ipanema, em uma mesa com cerca de 20 pessoas e... taças de vinho do caríssimo Romanée Conti.