quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Jornalismo: gourmetizando a ralação...

Tempos mais incertos para os jovens jornalistas. O mercado mudou, nos últimos anos mais de 3 mil postos de trabalho foram extintos na mídia em todo o país, novos paradigmas e menos oportunidades para os profissionais dos meios impressos. Os veículos digitais crescem muito lentamente, ainda têm problemas de autossuficiência e de geração de recursos e, por suas características, criam menos empregos.

Ao mesmo tempo, o governa fala em "flexibilizar" a CLT, eliminando direitos trabalhistas.

Uma importante editora, em São Paulo, que aguarda com ansiedade o desmonte da lei, prega que só precisaria de dois dias úteis por semana para fazer determinadas revistas e, no entanto, diz um editor, a empresa é obrigada a remunerar os jornalistas por cinco dias úteis, pagando por cinco horas+duas horas extras contratuais diárias, e ainda dar folga à equipe caso a obrigue a trabalhar aos sábados, domingos e feriados. Sem falar nas férias anuais, no décimo-terceiro, etc.

Não por acaso, os patrões defendem com entusiasmo a terceirização. Aí será o paraíso. Já não se exige diploma de jornalista. A partir da terceirização cairá o contrato de trabalho

Ao lado da expectativa patronal por uma legislação mais favorável ao empregador, parece estar em curso uma certa gourmetização da atividade.

Depois de uma revista publicar os "dez mandamentos" ensinando às futuras repórteres que devem ficar felizes e privilegiadas por ralarem em um ambiente glamouroso  sem hora pra comer e dormir, um jornal, a propósito da equipe que cobrirá um evento gastronômico, diz que a rotina dos jornalistas no local será de pura festa. "Vai ser até difícil convencer os outros de que é trabalho", afirma o jornal.

Se bem que depois de destacar a parte "gostosa" da badalação jornalística, o texto lembra discreta e de passagem que a "turma vai ter trabalho".

Oi? E poderia ser diferente? Qualquer bom repórter sabe que cobertura de eventos exige apuração, entrevistas, texto, edição, checagem, fechamento, prazos e uma certa tensão para cumprir bem tudo isso. Para profissionais não deslumbrados nem tudo é "delícia" como diz o título que lembra o jogo do contente da clássica Pollyana da literatura cor-de-rosa.

O problema da "gourmetização" da função é induzir ao raciocínio de que é tão deliciosa a profissão, tão privilegiados os que a exercem, tudo é tão fofo, que se justifica uma dúvida: essa "delícia" precisa mesmo ser remunerada?

Houve uma época, bem lá atrás, em que escritores se ofereciam para trabalhar em jornais e alguns até dispensavam remuneração em troca de assinar textos, ganhar algum prestígio e virar assunto nos cafés cariocas da primeira metade do século passado.

Ou seja, a "gourmetização" não é novidade.

A terceirização também não é: já houve um tempo em que a maioria dos jornalistas recebia por "vales" ao fim de cada semana. Com um papelucho na mão, o sujeito entrava na fila do caixa e recolhia o tutu, erva, a gaita, como se dizia na época nem tão distante assim. E fazendo cara de feliz.


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