quinta-feira, 19 de março de 2020

Mídia: redações em tempo da Covid-19

por Júlio Lubianco (do blog Journalism in The Americas) 
* Com colaboração de Teresa Mioli

Na medida em que o novo coronavírus se espalha pela América Latina, redações da região adotam medidas para prevenir o contágio e proteger suas equipes. Entre elas, colocar jornalistas que chegaram recentemente do exterior em quarentena, evitar apurações presenciais e, quando possível, adotar o home office.

Na América Latina, o primeiro caso do novo coronavírus foi registrado no Brasil, em 26 de fevereiro. A primeira morte ocorreu na Argentina, em 7 de março. Este mapa da Americas Society/Council of the Americas mostra a atual contabilidade de casos na região e mostra que a doença já está presente em praticamente todos os países.

O presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), Christopher Barnes, recomendou aos veículos de mídia da região a implementar e observar os parâmetros de referência do protocolo de saúde. Em nota, ele escreveu:

“Lamentavelmente, diferentemente de nossos colegas do setor privado, estamos na linha de frente deste campo de batalha e não podemos encerrar completamente as operações. Não devemos subestimar as preocupações de nossa equipe com relação à exposição; empatia, comunicação e transparência no que diz respeito a isso ajudará bastante a mantê-los motivados a realizar seu trabalho crítico”.

No Brasil, os maiores jornais do país, como Folha, Estadão e O Globo, vêm adotando medidas preventivas, enquanto buscam manter o padrão da cobertura da crise. O maior país da região também tem a maior quantidade de casos do novo coronavírus.

Nesta terça 17 de março, o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado na Editora Globo, que edita os jornais O Globo e Extra, além da Revista Época e outras publicações. As medidas de prevenção começaram na semana anterior. Desde a sexta-feira, dia 13, os funcionários foram orientados a trabalhar de casa quando possível. O diretor de redação do Globo, Alan Gripp, estima que 40% da redação esteja nesta situação, o que ele acredita que deve aumentar nos próximos dias.

“Por ora, disponibilizamos máscaras para aqueles que se sentirem mais seguros, embora especialistas apontem que o uso só é recomendado para pessoas com sintomas. Também estamos adquirindo outros equipamentos sugeridos em protocolos internacionais montados para a cobertura da pandemia. Mas, como regra geral, evitaremos expor nossos funcionários a risco,” disse Gripp ao Centro Knight.

Na Argentina, todos os veículos do grupo Cimeco iniciaram nesta semana a testar um modelo de trabalho remoto em suas redações. A empresa edita os jornais La Voz del Interior (Córdoba), Los Andes (Mendoza), a revista Rumbos e o portal Vía País. O diretor editorial do grupo, Carlos Jornet, informou ao Centro Knight que as redações devem se tornar remotas quase que na totalidade nos próximos dias.

“Por enquanto, estamos realizando testes-piloto nos quais aproximadamente um terço da equipe das edições impressas trabalha todos os dias em casa. No caso de sites, em alguns deles a tarefa toda é remota. E em outros, apenas editores-chefes vão à redação,” disse Jornet.

Ele admite que um dos desafios é manter os níveis de qualidade e quantidade de reportagens e artigos enquanto essas medidas são implementadas.

“Na medida em que se restringe a circulação é restrita e o número de casos em nossas áreas de cobertura cresce, aumenta também a preocupação daqueles que precisam trabalhar em áreas críticas, como hospitais, laboratórios onde são realizados testes e aeroportos. Isso inclui jornalistas e fotógrafos. E para isso, desenvolvemos protocolos de ação que estamos começando a implementar,” disse.

Também na Argentina, o Diário Huarpe, de San Juan, iniciou nesta semana a adotar medidas de prevenção ao novo coronavírus. O próprio chefe de redação, Abel Escudero Zadrayec, está de quarentena obrigatória depois de voltar de viagem aos Estados Unidos.

“Existem várias ferramentas para fazer uma tarefa decente, mantendo a 'distância social': desde ligações telefônicas até redes sociais, serviços de mensagens e coleta de informações por outros meios (rádio, TV, sites etc.). Se houver algum caso especial, aplicamos os mecanismos de proteção recomendados pelos especialistas,” disse Zadrayec ao Centro Knight. "Até agora, não detectamos um impacto negativo. A redação do Diário Huarpe redobra seus esforços em tempos críticos para continuar a servir o público com jornalismo ético e de qualidade. Esse é o nosso mandato inalienável."

Na Colômbia, um dos maiores jornais do país, El Espectador, colocou quase todos os funcionários para trabalhar de casa, segundo o gerente digital Edwin Bohórquez Aya: “A maioria de nós está de home office por razões de saúde pública. Vale mesmo para design e correção de estilo, pois os jornalistas já estão acostumados.”

Além dos veículos tradicionais, muitas dos novos meios digitais que nasceram nos últimos anos na América Latina também estão adotando medidas preventivas. É o caso no Brasil, de Agência Pública, JOTA e Congresso em Foco. Os três estão com 100% das suas redações fechadas. No caso do Congresso em Foco, especializado na cobertura do Legislativo federal, os jornalistas estão proibidos de entrar no Congresso:

“Desde quinta-feira [12 de março], saímos do Congresso e, não voltamos mais, nem vamos voltar até passar o risco. A gente tem um acesso bom aos políticos, às fontes que a gente precisa, que são os parlamentares e seus assessores. (...) O Congresso representa um risco muito grande. Os parlamentares viajam muito, abraçam, beijam, pegam [crianças] no colo. É uma atividade de contato com o público,” disse ao Centro Knight Sylvio Costa, fundador e editor-chefe do site.

No JOTA, que cobre todos os ramos do governo, a medida foi facilitada pelo fato de a empresa, que tem cinco anos, já ter uma cultura forte de trabalho remoto, incluindo as suas principais lideranças. Apenas recentemente as redações de São Paulo e de Brasília se mudaram para um espaço próprio – até então, vinham trabalhando em co-workings.

“Nosso time de repórteres em Brasília fica nas instituições que cobre. Esse é o caso mais difícil de solucionar. Nossa orientação, enviada na semana passada, é para que todos trabalhem de casa e que as exceções sejam analisadas individualmente,” disse ao Centro Knight Felipe Seligman, sócio-fundador do JOTA e também Chief Revenue Officer. Ele disse também que como algumas das instituições cobertas pela equipe também suspenderam suas atividades, então a cobertura priorizará informações de bastidores e outros assuntos relacionados ao novo coronavírus.

Na Agência Pública, a principal medida foi suspender o trabalho na redação desde segunda-feira, dia 16 de março. “O mais importante, além da saúde da nossa equipe, é cumprirmos o nosso papel social para evitar que o pico do COVID seja tão prejudicial como foi em outros países afetados. Estamos focando nossa cobertura investigativa no tema, em especial em termos de dados, mas tudo está sendo coordenado remotamente. Pretendemos manter o ritmo e a qualidade das publicações desta maneira,” disse Natalia Viana, fundadora da Pública, ao Centro Knight.

Em La Voz de Guanacaste, da Costa Rica, a equipe de nove pessoas também foi orientada a trabalhar de casa. A ideia, assim como em outros meios, é testar como funcionará a produção remota e identificar e ajustar falhas que encontrem pelo caminho. No entanto, a diretora executiva Emiliana García antecipa um aumento de gastos não previstos caso a crise se prolongue: “Os jornalistas, ao trabalharem de casa, estão usando seus próprios telefones celulares e conexão à Internet, o que representa uma nova despesa que o La Voz vai cobrir e que não está dentro do nosso orçamento.,” disse ela ao Centro Knight.

quarta-feira, 18 de março de 2020

O bloco dos anormais...

Donald Trump minimizou o coronavírus e os Estados Unidos perderam tempo no combate à pandemia. Para ele, não passava de uma simples gripe e a mídia exagerava.
O boneco de ventríloquo brasileiro, o desmiolado Bolsonaro, repetiu o conceito do americano. "É histeria", decretou, o capitão inativo que tem adeptos da teoria no Planalto e entre seus milicianos digitais.
Agora fica claro que as coletivas dadas pelo governo brasileiro não correspondiam inteiramente à realidade. Muito papo e pouca ação. Alguns governo estaduais e municipais foram mais realistas. As autoridades federais da saúde, como declararam insistentemente, foram contrárias por semanas demais, e em alguns casos continuam resistentes, a medidas que governos de outros países tomaram, como suspensão de atividades, controle rigoroso de aeroportos e portos, posterior fechamento de fronteiras, isolamento social, e testagem em massa da população.
Como a Itália, o Brasil perdeu tempo. E mesmo assim, o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, já está sendo fritado por Bolsonaro e até pelo presidente da Anvisa, Antonio Torres, que se contrapõe a medidas restritivas. É adepto da "teoria da histeria".
Boris Johnson, do Reino Unido, agora exagerou. Defende um dogma hitlerista, o da "seleção" da espécie humana. Ele, que também demora a tomar medias mais fortes, advoga a "imunização do rebanho". Significa que uma contaminação em massa poderia gerar um "imunização coletiva". Claro que muitas pessoas mais frágeis ficariam pelo caminho, mas em uma "seleção da espécie" sobreviveriam os mais fortes.
O que une essas figuras?  São da ultra direita que prefere preservar ao máximo o mercado, antes das pessoas.

Para ver e ouvir no confinamento...

Quando produziu o musical "A Noviça Rebelde" no Brasil, Claudio Botelho criou uma versão de  "Me Favorite Things" que vale transcrever nesses tempos de confinamento e coronavírus.
Diante das grande ameaça, o refúgio na grandeza dos pequenos prazeres. É o que ensina o leitor que deu a dica ao blog. 

De Richard Rogers e Oscar Hammerstein II / Versão Cláudio Botelho 

"COISAS QUE EU AMO"

“Gota de chuva,  bigode de gato
Laço de fita,  cordão de sapato
Flor na janela e botão no capim 
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Doce na mesa e sol na cozinha
Bico de pato e chapéu de palhinha
Banda passando e soando o clarim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Lona de circo e tapete de grama
Bola de neve, botão de pijama
Doces invernos chegando no fim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto bem

Gota de chuva,  bigode de gato
Laço de fita,  cordão de sapato
Flor na janela e botão no capim 
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Língua de trapo e bochecha vermelha
Lua passando na fresta da telha
Brisa soprando e penteando o jardim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Bola de gude, nariz de cachorro
Uma igrejinha no alto do morro
Carta contando tintin por tintin
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto…

Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto bem”

VEJA A CENA NO MUSICAL E OUÇA KIARA SASSO E MIRNA RUBIN. AQUI

terça-feira, 17 de março de 2020

1960, na Paris do Acossado • Por Roberto Muggiati

Exclusivo para o Panis Cum Ovum 

Eu estava lá. Tinha 23 anos, quatro a menos que Michel Poiccard, um a mais que Patricia Franchini. Cheguei a Paris numa sexta-feira de outubro de 1960, as árvores queimando em tons amarelo, laranja, vermelho, ferrugem. Joguei as malas na Maison du Brésil e fui correndo a um concerto de jazz com Bud Powell.

No Acossado, Godard não faz um comentário político ou social sequer – coisa que faria obsessivamente nos filmes seguintes. Apenas uma piadinha cínica: quando quer levar Patricia para a cama, Michel alega que seria em nome da maior aproximação franco-americana, Naquele momento o Presidente Eisenhower visita Paris e Godard sacaneia o espectador com cenas do desfile captadas por entre as arvores: justo quando o carro presidencial embica na tela. uma árvore oculta a visão de Eisenhower e De Gaulle...

Na primavera de 61, outro presidente americano desfilava pelos Champs Élysées, os franceses se orgulhavam da ascendência de Jacqueline Bouvier Kennedy. Mas, um mês antes, JFK sujara sua biografia com a desastrada invasão da Baía dos Porcos em Cuba. Num café de calçada em Saint Germain, lembro a indignação do amigo Gregory Corso, o poeta beat.

Place Dauphine
Troquei a periférica Cité Universitaire pelo centro histórico de Paris, a Île de la Cité. Morava no 29, Place Dauphine – que o jornalista Jacques Lanzmann chamou “A Vagina de Paris” – numa mansarda do City Hôtel, onde o “Pai do Surrealismo” André Breton se acoitou nos anos 1920. Estudava no Centre de Formation des Journalistes, no 29, rue du Louvre, ia a pé, atravessava toda noite o fabuloso mercado Les Halles, que Zola chamou “O Ventre de Paris” (completando as metáforas fisiológicas da cidade: a Place de la Concorde, exaltada por Michel Poiccard em Acossado, é “O Umbigo de Paris”, lá o cutelo da guilhotina teve seu dia de glória na Revolução Francesa. Toda vez que passava pelos Champs Élysées, comprava o New York Herald Tribune, na esperança vã de que a vendeuse fosse Patricia Franchini, sem sutiã debaixo da camiseta amarela – Michel Poiccard aponta isso, com um dedo lascivo,  no Acossado.

Roberto Muggiati escreve hoje na Folha de São Paulo sobre os 60 anos do filme "Acossado"

Folha de São Paulo 17/3/2020. Clique 2x para ampliar

Paris, 1960. Jean-Luc Godard dirige seu primeiro filme. As cenas são gravadas nas ruas da cidade, sem roteiro. Godard entrega algumas falas aos atores pouco antes de mandar a câmera rodar. Em apenas quatro semanas, conclui as filmagens.
Roberto Muggiati, ex-diretor da Manchete, estudava no Centre de Formation des Journalistes e testemunhou o nascimento da Nouvelle Vague há exatos 60 anos.
Ele escreve na Folha, hoje, sobre À Bout de Soufle (Acossado).
Muggiati conta que em 1961 morava na Île de la Cité‎, no quinto andar do City Hôtel, janela para o Sena, quando viu uma mulher usando um vestido estilo belle époque se atirar, à noite, nas águas geladas do rio.  "Só muito tempo depois, ao ver o filme, saquei que era a dublê de Jeanne Moreau em Jules e Jim".


Dessa época é a foto acima: "Caminho pela Place Dauphine (“le vagin de Paris”), France Soir na mão como o Michel Poiccard (o Belmondo no Acossado), sou acossado por um tira de imperméable, à esquerda ao fundo", recorda  Muggiati.


Na foto acima, Belmondo e Jean Seberg e uma cena do clássico de Godard. Também à esquerda, ao fundo, um sujeito com pinta de flic disfarçado...

segunda-feira, 16 de março de 2020

Olga Kurylenko: a bond girl que não escapou do vírus vilão


Olha Kurylenko ao lado do 007 Daniel Craig, no filme "Quantum os Solace". 
Com uma foto da janela de casa fechada , a atriz ucraniana Olga Kurylenko anunciou no Instagram que testou positiva para a Covid-19. "Leve isso a sério", escreveu.  "Para baixar a temperatura, uso paracetamol. E isso é tudo. Nâo há muito o que fazer. Naturalmente continuo a tomar minhas vitaminas, como alho para o sistema imunológico, bebo água com limão".

Tóquio 2020: campanha publicitária com atletas provoca polêmica

 
A atleta Quenn Harrison é uma das modelos da campanha. Foto Agent Provocateur

por Niko Bolontrin 

Se vai acontecer ou não, a Olimpíada de Tóquio já tem pelo menos uma certeza: perdeu espaço na mídia para o coronavírus. Em tempos normais, a mídia já começava a se voltar para os Jogos. Ontem, por exemplo, passou quase despercebida a entrega da tocha olímpica, na Grécia, antes de percorrer vários países até chegar ao Japão.

Se chegar. o Comitê Olímpico ainda não decidiu se cancela ou adia as competições.

Por enquanto, o que ganhou espaço foi uma polêmica. A grife de moda íntima britânica Agent Provocateur fez sua campanha de lançamento da coleção Verão 2020 só com atletas. Nos Estados Unidos, os vídeos foram ao ar no Dia Internacional da Mulher. Feministas consideraram o tema e a oportunidade uma tremenda provocação.

De resto, tudo a ver com o nome da griffe.

Um dos destaques entre as modelos da marca é a bela Queen Harrinson, especialista em 400 metros com barreiras (foto no alto).

Outra que chama atenção é Alysha Newman, do salto com vara, vista aí enquanto se aquecia.
Foto Agent Provocateur.

VEJA O VÍDEO DA CAMPANHA, AQUI

Coronavírus: seu egoísmo pode matar

por Andrew Fishman (editor geral do Intercept Brasil) 

É um crime gritar "fogo!" num teatro cheio. O resultado é criar um pânico em que pessoas inocentes – particularmente as mais vulneráveis – podem ser pisoteadas e mortas. Mas também deveria ser um crime gritar "está tudo ok, fiquem sentados e assistam à peça!" num teatro que está sendo consumido por chamas. As pessoas precisam saber do risco, levantar e caminhar com calma – mas rapidamente – para a saída.

Na pandemia de coronavírus que está se espalhando pelo mundo, estamos vendo respostas de todos os tipos. Sim, temos casos de pessoas irracionalmente empilhando papel higiênico. Mas, ao meu ver, a resposta ainda mais comum e perigosa é a negação do forte cheiro de fumaça que já podemos sentir.

O teatro está, sim, em chamas.

O balanço entre pânico e inércia é difícil de acertar, pois nunca vivemos uma situação assim na era contemporânea. Mas o importante é que todo mundo reconheça: desta vez não é como nas últimas vezes. Não é dengue, nem H1N1, nem febre amarela, e precisamos estar dispostos a mudar radicalmente nossos modos de vida – e talvez até o jeito que pensamos sobre a sociedade em que vivemos. E a razão, provavelmente, não é para proteger a si mesmo, mas para ajudar a sociedade como um todo e as pessoas mais frágeis e expostas. É hora de pensar nos outros de fato.

Em momentos de crise, as fissuras sociais e o caráter de todos nós são acentuados. Vivemos em tempos de extremo capitalismo em que os Guedes, Temers e Trumps querem sucatear os serviços sociais e glorificar a privatização e o livre mercado – mas, concordando com eles ou não, o individualismo que é a base do nosso sistema socioeconômico já impregnou a consciência de todos nós. Vamos ter que repensar isso agora.

É socialmente irresponsável – uma negligência absurda – dizer e pensar "isso não vai me afetar", "eu não vou mudar a minha vida por causa disso" ou "não faço parte de grupos de alto risco, então estou de boas". É responsabilidade de todos levantar nossas vozes quando vemos esse tipo de discurso e corrigi-lo. Do mesmo jeito que ficar calado quando presenciamos racismo, sexismo, classismo e fascismo é compactuar com estes comportamentos, fechar os olhos para esse tipo de individualismo agora também é contribuir para sua existência.

Um exemplo horrível disso foi relatado na coluna do Lauro Jardim sobre o primeiro caso de transmissão local do novo coronavírus no Rio de Janeiro. Um "empresário" e sua esposa foram infectados e se colocaram em quarentena no seu apartamento em São Conrado, bairro de classe alta da zona sul. "A empregada do casal, cujo exame deu negativo, está trabalhando de avental, luvas e máscara", revelou a coluna.

Este casal exigiu que a empregada arrisque a vida dela e de sua família para trabalhar num ambiente infectado, usando medidas de prevenção que não impedem a transmissão. Se eles próprios não estivessem doentes, você acha que aceitariam trabalhar em um ambiente cheio de pessoas infectadas? Ou isso só é aceitável para as pessoas que os servem? Se a empregada ou alguém que mora com ela estivesse doente, eles manteriam ela trabalhando? Deixariam seus filhos fazerem isso? Será que a empregada realmente pôde fazer uma escolha livre ou estava preocupada com a possibilidade de perder o emprego caso se recusasse a servir o casal doente?

Todo mundo que tem um salário, que tem uma poupança, que tem um trabalho que pode ser feito remotamente, que vive em uma casa que comporta confortavelmente seus moradores, que tem um carro para não precisar usar transporte público – essas pessoas são privilegiadas neste cenário. Não por acaso, provavelmente são os mais privilegiados na sociedade também.

Enquanto escrevo isso, 126 mil pessoas foram confirmadas com o novo coronavírus no mundo (e muito mais gente assintomática está andando nas ruas sem perceber que precisa de um teste), incluindo 151 casos no Brasil. O número por aqui vai aumentar dramaticamente nos próximos dias e a pressão no sistema de saúde também. O único método que temos para conter os estragos e as mortes é a conscientização e a pressão para que os líderes de governos, empresas e movimentos sociais façam de tudo para as pessoas ficarem em casa e reduzir seu contato social – e isso é algo que todos nós podemos fazer.

Após o secretário de comunicação Fábio Wajngarten testar positivo para o novo coronavírus, foi muito correto que sua mulher retirasse seus filhos da escola e avisasse as outras mães do colégio. Por outro lado, foi extremamente irresponsável da parte de Bolsonaro, que viajou com Wajngarten e mais três pessoas que mostravam sintomas (como nós contamos aqui), parar em frente ao Palácio da Alvorada para apertar as mãos de apoiadores e tirar selfies com eles.

Mas, depois que a ficha caiu – quando bateu o medo de estar infectado –, Bolsonaro se submeteu a exames e fez sua live semanal no Facebook, ao lado do Ministro de Saúde, com máscaras e álcool em gel. Finalmente falou em medidas de prevenção de transmissão. Antes, o presidente havia se espelhado na negação de realidade do seu ídolo Donald Trump, chamando a reação ao novo coronavírus de "exagerada" e a pandemia de "uma fantasia".

Mas o comportamento do Bolsonaro é o da maioria das pessoas, na verdade: ele prefere viver negando os fatos até que alguém próximo ou ele mesmo tenha contato com o vírus. O problema é que se todo mundo espera para ter contato com o vírus para tomar medidas preventivas, elas já não serão mais preventivas. Já era. Seria o equivalente a só começar a usar camisinha depois de ficar grávida.

A Organização Mundial da Saúde declarou na sexta-feira que a Europa agora é o epicentro do vírus, e não a Ásia. Isso porque a China foi muito eficaz e organizada em suas medidas de contenção, e a Coreia do Sul também reagiu rapidamente para providenciar muitos testes e identificar casos logo, antes que a doença se espalhasse ainda mais. Japão, Taiwan, Singapura, Tailândia e Hong Kong foram ainda mais preparados.

Esses países asiáticos, devemos lembrar, foram muito afetados pela Síndrome Aguda Respiratória Grave, a Sars, em 2003. Por isso, se prepararam para a próxima crise. Em comparação, europeus e americanos estão sendo extremamente lentos na tomada de medidas percebidas como "drásticas". Os governos não queriam assustar os mercados financeiros, e os indivíduos não queriam acreditar que esse problema os envolvia. Agora, todos estão correndo atrás de novos testes e fechando escritórios, escolas, espaços públicos e, em alguns casos, até cidades inteiras. Tudo isso só depois que perceberam que estavam perdendo o controle. Parece o mesmo erro do Brasil agora.

Uma boa reportagem do BuzzFeed News nos EUA explica, com jeito de anedota, que as pessoas mais velhas, muitas vezes, são as mais propensas a negar os riscos de adoecer e a se recusar a mudar seus hábitos, mesmo que sejam também quem corre mais risco. Isso, explica a matéria, pode acontecer porque elas não querem se enxergar como "velhas" – mas é a obrigação dos mais jovens abrir os olhos delas sem assustá-las.

Então, o que você pode fazer para combater o novo coronavírus?

1. Insista que sua empresa ou escola tome medidas para prevenir o contato social;

2. Pense e exija que essas medidas também protejam as pessoas mais expostas, como seguranças, faxineiros e prestadores de serviços terceirizados;

3. Pare de ir a eventos e espaços cheios;

4. Pratique boa higiene;

5. Fique em casa por até 14 dias se você teve contato com alguém suspeito de ter coronavírus ou se você tem sintomas;

6. Só vá para o hospital se tiver sintomas graves ou tiver tido contato com alguém infectado;

7. Pare de apertar a mão e dar beijos de cumprimento nas pessoas;

8. Corrija todo mundo ao seu redor que não fizer isso.

Mas qual é o efeito de tudo isso? O vírus vai se espalhar de qualquer forma, né? Vai, mas olha esse gráfico mostra a taxa de mortalidade pelo surto de gripe espanhola de 1918 em duas cidades dos EUA. Saint Louis imediatamente fechou todos os espaços públicos após descobrir que a doença tinha chegado. Enquanto isso, a Filadélfia decidiu realizar uma grande festa de rua. Veja a diferença das taxas de mortalidade:


O outro efeito é limitar a pressão sobre o sistema de saúde. Veja esse gráfico tuitado por Max Roser:


Numa cidade como a Filadélfia em 1918, o sistema simplesmente não conseguiu tratar todos os casos graves, porque, além de o número ser maior, eles chegaram como uma inundação, todos ao mesmo tempo. O mesmo vale para a situação de agora: mais pessoas podem morrer desnecessariamente por falta de atendimento se muitas ficarem doentes num mesmo período.

Estamos juntos nisso, goste você ou não. Isso significa que uma manifestação em memória de Marielle precisa ser (e foi) cancelada, assim como o ato pró-Bolsonaro (que também foi), porque o vírus pode começar se espalhando nesses eventos – e, depois, ele não reconhece lado político.

Agora temos um inimigo maior em comum.

Se segura, malandro...

Reprodução 


O  Ministério da Saúde foi elogiado nos meios de comunicação, até com repetitiva ênfase e pressa, pela transparência, pela comunicação e pelos anúncios iniciais de
preparação dos serviços públicos para enfrentar a pandemia. 

Mas começa a recebe as primeiras críticas.

Especialistas agora admitem que o governo deixou exposto seu nervo neoliberal ao não tomar medidas restritivas logo no começo. Foi a a linha "o Estado não deve se meter na vida do cidadão", defendida por Demétrio Magnoli em participações na Globo News.

Assim aeroportos, portos e demais fronteiras ficaram abertos, sem vigilância, sem controle. E esse método, o da Casa da Mãe Joana, em que o Brasil é único, foi várias vezes defendido em coletivas. Ora, se até o capitão inativo diz que a epidemia é exagerada pela mídia e distribui cumprimentos em aglomeração de pessoas, porque seus auxiliares iriam na contramão do pensamento do chefe?

Só agora, governos estaduais começam a fechar escolas, proibir grandes eventos etc. Para  autoridades federais, a palavra até agora foi apenas "recomendação" e não proibição.

O Globo de hoje, no estilo ficha caindo, aponta que a evolução de casos no Brasil segue "tendência do fracasso europeu". "Só um grupo de países asiáticos conseguiu evitar o crescimento exponencial do novo coronavírus", diz o jornal. Esses países foram rigorosos ao decretar medidas restritivas, decretar, não "recomendar".

Um dos efeitos do último verbo o Rio viu ontem nas praias e botecos lotados, apesar da "recomendação" do governo do estado.

domingo, 15 de março de 2020

Do Charlie Hebdo: irreverência pandêmica...


Você quer se voluntariar para ser infectado por coronavírus e descolar uma grana?


O laboratório Queen Mary BioEntreprises precisa de voluntários para testes de vacinas contra o covid-19. Após a inoculação do vírus, o candidato passará a quarentena em Londres. Para quem acha que vai ser contaminado de graça mesmo pode ser uma alternativa. A informação está no Mashable.

De carona no vírus...


Veja errou. O Brasil é que precisa se proteger de certos administradores.
Paulo Guedes agora usa o vírus como pretexto para aprovar suas reformas neoliberais. O governo também fala em vender até 300 estatais até o fim de 2020. Vai ter festa na Casa Grande. O novo coronavírus derrubou o valor das empresas e o que já era preço de bacia das almas vai virar a maior black friday de bens públicos do planeta.

Coronalobby?

Viu isso? Deu no G1. Seriam indicações de que no Brasil não vai ser fácil implantar medidas restritivas à propagação do covid-19?
Outro dia, um comentarista neoliberal argumentou na TV que "nas democracias" os governos devem dar a cada cidadão o direito de escolher como vai se defender da pandemia. Como se as democracias não tivessem a obrigação de proteger a população baseadas em questões técnicas e científicas e não ideológicas.
A ação do lobby também é um risco.  Depois de decidir que cruzeiros marítimos estão suspensos e recomendar que passageiros de voos internacionais que desembarquem no Brasil devem permanecer nas suas casas ou hotéis por sete dias, o Ministério da Saúde recuou.
Vários setores no Brasil ainda não caíram na real sobre a pandemia. Acham que podem relativizá-la. Parar o país vai acarretar problemas, claro, mas será pior atender o lobby setorial agoroa e, daqui a dois ou três meses, verificar que o vírus solto é muito mais destruidor da economia e da vida, principalmente, do que a suspensão temporária de atividades.

Ainda os idos – março de 64 • Por Roberto Muggiati

Com Fernando Sabino e Narceu de Almeida. 
Dez anos depois – morando em Londres, trabalhando na BBC – atravesso o Canal da Mancha com Fernando Sabino na Morris Mini Minor do meu amigo Narceu de Almeida, ao volante. Sabino vai visitar o Poetinha, encostado no consulado do Brasil em Paris pela ditadura. 

Sob as luzes de Magritte
Chegamos no comecinho da noite de quarta-feira, 1º de julho de 1964, é verão, quase dez horas da noite, em terra já escureceu, mas, acima das árvores frondosas, o céu é claro como o dia, como na tela de Magritte O Império das Luzes (1954). Sem celular, GPS ou internet ficamos sabendo que Vinicius não está em casa, mas no restaurante La Feijoada, na Île de Saint-Louis, com o parceiro da hora, Baden Powell, e a musa da hora, Odete Lara.


No Chez André,  

...discussão sobre o adesismo em forma de livro. 
Vinicius mora no seizième, estamos num hotel dos Champs Élysées, vamos almoçar – eu, Narceu e Sabino – no Chez André, um prestigiado restaurante de executivos na Rue Marbeuf. Degustando as entrées – o prato principal não chega antes de meia hora – Sabino se põe a elogiar empolgado um livro que acaba de ser lançado là-bas, à Riô, Os idos de março e a queda em abril. Nove autores de centro (em cima do muro) – o coitado do Callado se deixa cooptar – fazem uma crítica arrasadora da esquerda, uma atitude equivalente a mijar em cachorro morto e também – queiram ou não – adesista ao regime militar. Começo a rebater o Sabino, a discussão se torna cada vez mais violenta, quase chegamos aos tapas. Sabino estava em Londres nomeado adido cultural do Brasil pela ditadura, enquanto o aguerrido Di Cavalcanti acabava de ser demitido pelos militares como adido cultural em Paris.

Sabino e eu ficamos estremecidos pelo resto da viagem. Saboreei a vingança num detalhe pífio, favorecido por minha estrela. Na free shop do ferry do Canal, voltando para Londres, comprei uma garrafa de licor de menta para minha velhinha protetora da BBC, Lucy Ward – socorria-me sempre  com um pequeno empréstimo nas horas mais criticas – e Sabino comprou uma garrafa de conhaque, Rémy-Martin ou Henessey. Na alfândega inglesa, passei sem problemas, Sabino foi pesadamente taxado.

O tempo cura todas as feridas. Trinta e cinco anos depois, quando eu estava para lançar meu romance A contorcionista mongol pela Record, o Sérgio França, ex- Bloch, assessor da diretora editorial Luciana Villas-Boas, promoveu um encontro com o Sabino, também da Casa. Um almoço no maravilhoso restaurante que existia então no primeiro andar no Palácio do Catete, dando para os jardins, Depois de muito uísque antes, vinho durante e conhaque depois – a refeição, por mais genial que fosse, ficou em segundo plano. Saímos de lá trôpegos depois das seis, já anoitecia. Foi a última vez que vi o Sabino, era catorze anos mais velho. Libriano como eu, morreu em 11 de outubro de 2004, um dia antes de completar 81 anos. Humano, muito humano, com todos os seus defeitos e idiossincrasias. Afinal, como dizia Rimbaud, “Quel âme est sans défaut?

sábado, 14 de março de 2020

Cuidado com os idos de março! • Por Roberto Muggiati


1954, Curitiba, Gazeta do Povo * Sentado à direita durante movimento que reivindicou melhores
condições de trabalho na redação.

1961, Berlim • Estudante de jornalismo em Paris, visitando o Muro, erguido quatro meses antes.



1964, Londres* No Serviço Brasileiro da BBC, com Floriano Parreira e Nemércio Nogueira

1968, São Paulo • na linha de frente da Veja, na extrema esquerda.

1977, Rio de Janeiro • O editor da Manchete e a brilhante equipe na famosa foto da Santa Ceia.

1986, Londres • Sempre repórter, no Palácio de Buckingham, cobrindo o casamento do Príncipe Andrew.

Ouvi a expressão pela primeira vez em Júlio César de Shakespeare, o filme de 1953, com Marlon Brando, dirigido por Joseph Mankiewicz.  Um vidente alertava César: “Cuidado com os idos de março!” A caminho do Senado. César passa pelo vidente e o provoca: “Os idos de março já chegaram”. O vidente, chamado Spurinna  –um arúspice que fazia adivinhações examinando as entranhas de animais sacrificados – replica: “Mas ainda não se foram...” Não deu outra: César é apunhalado por sessenta senadores, na conspiração liderada por Brutus e Cássio. Eu imaginava que os idos de março – pela forma plural da expressão – fossem o final do mês. Só muito tempo depois fiquei sabendo que os idos de março (em latim Idus Martiae, era um dia do calendário romano que correspondia a 15 de março, marcado por várias práticas religiosas e notável para os romanos como o prazo final para a quitação de dívidas.

Inadvertidamente, foi nos idos de março, dia 15, no ano de 1954, uma segunda-feira, que subi os 22 degraus do casarão na Praça Carlos Gomes, 4, em Curitiba, adentrando pela primeira vez a redação da Gazeta do Povo e iniciando uma carreira jornalística que fecha, neste turbulento 2020, 66 anos de muitas aventuras e emoções. Deixei a Gazeta em 1960 para estudar jornalismo em Paris durante dois anos; passei três anos em Londres no Serviço Brasileiro da BBC; de volta ao Rio em 1965, comecei uma temporada de 35 anos na Manchete, descontados os dois anos que passei em São Paulo na equipe inicial de Veja, em 1968-69.

Daqui para onde? Se eu viver mais alguns anos – com saúde sem motivo justo – em 2025, aos 88 anos, começo a superar os setenta anos de carreira de um jornalista esportivo paulista, de sobrenome Nicolino, morto recentemente aos 90, que detém o recorde internacional do Livro Guinness como o jornalista mais longevo na profissão.

Mas isso não chega a ser uma meta para mim.

O que conta são os dias que correm, um de cada vez, em que me ocupo de compartilhar com o próximo minha experiência como jornalista e cidadão – meu livro de memórias chama-se A vida é uma reportagem – esta gentil mistura de vida e escrita que supera todas as pedras do caminho.

Da Itália: o Covid-19 não é mais forte do que a união e a solidariedade

A MENSAGEM ABAIXO VIRALIZA NAS REDES SOCIAIS. 
É O EMOCIONANTE  DEPOIMENTO DE UMA BRASILEIRA 
QUE RESIDE EM ROMA. 

Do Whatsapp (via Cacá Fonseca)

"Caros amigos,
Essa é nossa segunda semana de quarentena coletiva em Roma. Primeiro foram as escolas e muita gente passou a trabalhar em casa, deixar as crianças com os avós não é uma opção. Fomos orientados a não sair e evitar lugares fechados e aglomerados. 

Até que essa semana o governo “fechou” a Itália. 

Agora somos autorizados a sair apenas para trabalhar (os que ainda saem para trabalhar), fazer compras ou ir para o hospital. Nada mais. 

A natação e a capoeira das crianças estão fechadas, o dentista desmarcou a consulta do meu filho e sábado não vai ter o jogo do campeonato de futebol dele, a cia aérea cancelou minha passagem para Madrid, também não vai ter o show da Gal, a faculdade avisou que tampouco tem data para a próxima prova. As escolas já trabalham com a possibilidade de seguirem fechadas até maio. 

O país inteiro fechou. 

Nós também nos fechamos nesse novo arranjo doméstico porque eu ainda tenho que estudar, Gui ainda tem que trabalhar e Gael tem o cronograma da escola para cumprir. A professora tem nos orientado remotamente sobre o conteúdo de cada dia e nos vemos professores dos nossos filhos, ás voltas com o neolítico e os verbos auxiliares. Não sei o que seria de nós sem o Google. 

Anita se encarrega de dar o toque de fim de mundo colocando a casa abaixo enquanto eu mando ela deixar Gael terminar o compiti de italiano. 

Passamos o dia de pijama. Vi uma vizinha receber o correio de luvas, ninguém mais pega o mesmo elevador, sobe um vizinho de cada vez, é o protocolo. 

Ontem fui ao mercado. Na rua, as poucas pessoas usavam luvas cirúrgicas e, na falta de máscara, lenço ou cachecol cobrindo o nariz. Fila na porta, todos respeitando a orientação de manter distância uns dos outros, a entrada contingenciada, mais gente fora do que dentro do mercado. Cinco de cada vez. 

Ninguém reclama. 

Pela primeira vez em 6 anos não sou a única com carrinho lá dentro, os italianos, em geral, só compram o que podem carregar, mas agora estão fazendo dispensa e já faltam alguns produtos nas prateleiras. Um corredor para cada pessoa, ninguém se esbarra, o alto-falante fica repetindo para respeitarmos a distância mínima. Na volta pra casa, reparo o comércio fechado, os poucos cafés abertos espaçaram as mesas mas estão desertos. Estamos todos isolados em casa.

Ontem, depois do anúncio da OMS decretando a pandemia, outros países começaram a adotar as mesmas medidas para deter o avanço do vírus que, por menos letal que seja, contamina tanto que mata muito. Na maioria dos casos, idosos e pessoas com imunidade baixa e doenças pregressas. Mas não só elas. 

A flor no asfalto é a solidariedade. Não vejo, entre as pessoas de meu convívio, pânico de ficar doente ou medo pelas nossas crianças que, ao que parece, não são páreo para o coronavírus. Mas estamos todos cuidando de quem não tem defesas suficientes para ele. Eu cuido do morador de rua que dorme no frio, embaixo da marquise do meu prédio, das senhorinhas que cumprimento no mercado, do senhor da loja de molduras. E, aqui em Roma, essas pessoas viraram a prioridade de todos. Pensamos coletivamente numa onda de cuidado com o outro, esse desconhecido, que eu nunca tinha vivido antes. As crianças aprenderam a “tossir nos cotovelos” e o fazem até em casa. Foram ensinadas que são estratégicas para conter a ameaça. 

É triste, mas também é bonito, sabem? 

Como escreveu por aqui meu amigo Francesco, não há saída que não passe pela reconstrução paciente de uma resposta coletiva aos desafios. Talvez seja didático estarmos vivendo, todos, ao mesmo tempo, essa crise. Fica evidente que o engajamento de cada um de nós, pessoa a pessoa, é a melhor, se não a única, defesa diante a pandemia. Ninguém pode dar-se ao luxo de ser negligente. Acho que ficaremos com um aprendizado importante depois que tudo isso passar. 

Também pela primeira vez testamos uma nova organização do trabalho. Ao mesmo tempo pessoas do mundo todo estão trabalhando de casa, empresas e repartições com carga horária e staff reduzidos. Talvez esteja sendo estabelecido um novo paradigma. Ainda não sabemos qual será o saldo, a história nos ensina que evolução nem sempre é progresso. Mas eu, que não posso evitar a esperança, acredito que tiraremos proveito desses dias de isolamento, quando não podemos sequer nos abraçar, tocar e beijar. E, apesar disso, acredito que esse vírus também possa desencubar a humanidade em nós. 

Mas faremos esse balanço depois. 

Por hora, lavem as mãos, ensinem as crianças, cuidem dos idosos e, se puderem, amigos, fiquem em casa. E mandem seus funcionários para casa. Não viajem. É preciso identificar e curar os que contraíram a doença antes que ela se espalhe. O vírus já está aí, no nosso Brasil, não o subestimem. Cobrem das autoridades, não acreditem em quem diz que “é só uma gripe”, - eu já fui essa pessoa - não é! Não paguem para ver porque o preço é a vida dos mais frágeis entre nós. As teorias conspiratórias só distraem até que os médicos comecem a escolher quem, entre os necessitados, irão entubar. Até que morra a avó de um amiguinho dos nossos filhos. Até que o colega de trabalho safenado fique entre a vida e a morte numa UTI. 

O momento não é de pânico, mas de cuidado e responsabilidade. E união e solidariedade. 

Essa mensagem é também um agradecimento pela preocupação e carinho que tenho recebido nos últimos dias. Muito obrigada, aqueceu meu coração nesse inverno que ainda persiste por aqui. Mas estamos todos diante o mesmo desafio, meus caros, é preciso assumir esse compromisso. 

Há um mês a China era longe, há três semanas a Lombardia também era. Quando começou a quarentena eu também me revezava, junto com outras mães e pais, nos grupos de WhatsApp, entre o desespero de ter que encaixar as crianças, de repente, nos compromissos dos dias úteis e os memes - como nós, os italianos também reagem com bom humor às adversidades. Hoje, em Roma, já não podemos ignorar que o mundo diminuiu e que hoje somos todos vizinhos. 

Desejo que meus conterrâneos não deem chance para a doença no calor de nossa terra. 
Cuidem-se. Uns dos outros. Fiquem firmes. Sairemos melhores dessa."

sexta-feira, 13 de março de 2020

Leitura Dinâmica: la nave va...

* O sujeito que em plena pandemia de coronavírus embarca em um cruzeiro deve estar temporariamente privado de bom senso. Deve ser o caso da nau dos insensatos que aportou em Recife, ontem, com um suspeito de contaminação a bordo. Alguns passageiros fizeram passeios pela cidade até que guias turísticos receberam ordens para trazê-lo de volta a bordo. Ou seja: o Brasil continua de portas abertas para o vírus.

* E a autoridade que é contra fechamento de escolas e minimizou caso de aluno suspeito de contaminação? Acontece, disse. "Vida que segue". Em tempo: a escola, mais responsável, suspendeu as aulas.

* E a autoridade que é contra o cancelamento de grandes eventos aposta no perigo. Para os outros.

* Curiosidade: O Globo, em editorial, hoje, concorda que evitar aglomerações é medida eficaz para conter a dispersão do coronavírus. Mas a mesma edição anuncia shows em um armazém do Cais do Porto. Trata-se da festa do Estandarte de Ouro promovida pelo mesmo jornal.

ATUALIZAÇÃO EM 14/3/2020 - Ontem, ao longo do dia, O Globo adiou a festa do Estandarte de Outro. O bom senso felizmente prevaleceu.
Um grupo de brasileiros que chegou da Itália estranhou que, ao desembarcar ontem em Guarulhos, não houvesse qualquer aviso, instrução ou funcionário para orientar passageiros que vingam de um zona de alto risco nesse momento.

O importante é levar vantagem, certo? O lobby que pega carona no vírus

Em um primeiro momento, o Brasil reagiu com eficiência à ameaça do coronavírus. Reação técnica e científica e não ideológica, ao contrário do que é tão comum a esse desgoverno. O ministro da Saúde Luiz Mandetta foi elogiado, pesquisadores de institutos e de universidades até recentemente ofendidos pelo ministro da Educação, logo isolaram o vírus e decifraram seu genoma, sequência importante para desvendar o inimigo, e a comunicação, setor fundamental em uma ocasião dessas, funcionou com aparente transparência.

Mas agora há ruídos nesse processo. Bolsonaro afirmou que a mídia exagera, que a pandemia não é isso tudo e parece ter dado a senha a nível federal. O Ministério da Saúde passou a criticar governadores que começam a tomar medidas mais fortes, em sintonia com o que faz a grande maioria dos países, como a vigilância em aeroportos. O ministro da Economia reza a ladainha de sempre, de reformas e corte de gasto e, a não ser tomar medidas da cartilha única do governo - do tipo liberar FGTS, antecipar pagamentos de parcela do 13° para aposentados -  nada faz. Ou faz: tem usado a ameaça do vírus apenas para pressionar pela aprovação das reformas que interessam ao mercado. Mais uma vez, sem a consciência social do que uma pandemia impõe aos de bom senso.

Nesse momento, o Brasil ameaça ir na contramão do mundo. Por exemplo, está hoje nos jornais, o governo estuda "ajudar" as companhias aéreas afetadas pela queda de movimento e pela alta do dólar. E as aéreas tentam "vender" uma ideia típica do pior jerico: pedem que o governo, além da injeção de recursos em empresas privadas, alívio de impostos e multas, crie incentivos ao turismo doméstico para compensar as perdas. Querem que estados como São Paulo e Rio de Janeiro, com os maiores índices de contaminados, exportem mais vírus a bordo de aviões para as regiões até agora menos afetadas? Xênios!

Ainda bem que algumas autoridades estaduais e municipais estão tomando medidas mais restritivas em sintonia com outros países.

Após críticas contundentes de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, Paulo Guedes ficou de anunciar novas medidas frente ao quadro da pandemia. A aguardar se há remédio para sintomas de falta de sensibilidade social.

E finalmente o Ministério da Saúde cede à realidade. Mas apenas "recomenda" adiamento ou cancelamento de grandes eventos. Recomenda?

quinta-feira, 12 de março de 2020

Rolando Bolsa abaixo... investidor remediado dá azar...

por Flávio Sépia
Nos últimos meses, com a queda dos juros, economistas e jornalistas de mercado passaram a incentivar investidores neófitos a aplicar dinheiro na Bolsa. Nesse embalo, muita gente saiu da conservadora caderneta de poupança - que de fato deixara de ser atraente, embora segura - para experimentar o mercado de capitais com a facilidade de fazer investimentos on line. A Bolsa chegou a reduzir tarifas para seduzir o pequeno investidor.
Como se sabe, nos investimento em ações la garantia soy yo. Não há garantia em relação a retornos especialmente em curto ou até médio prazo. Os investidores profissionais ficam atentos e são capazes de movimentar suas peças altamente ligados em tendências do mercado. O pequeno investidor não tem esse conhecimento nem agilidade para fazer com que sua corretora se antecipe a eventuais quedas de cotação, o que é realmente complexo. Depende da consultoria e geralmente fica assim mais exposto.
No começo dos anos 1970 houve uma dessas ondas. Muita gente ganhou e, pouco depois, mais gente ainda perdeu dinheiro.
Agora, o já baixo crescimento mundial, a queda do preço do petróleo e, principalmente a devastação que o coronavírus já está causando nas economias atropelaram o pobre do pequeno investidor.
Tá la ele pendurado num rabo de foguete de prejuízos.
Agora, tem que torcer para não precisar vender suas posições e esperar que daqui a alguns meses o mercado se recupere. Se precisar do dinheirinho e tiver que vender vai chorar lágrimas de esguicho, como dizia Nelson Rodrigues.
Há pouco, a CNN falava de um pequeno investidor americano que perdeu em um só dia o equivalente ao seu salário de um ano. Outros na mesma situação foram ouvidos. É interessante observar como a mídia conservadora brasileira, na atual queda da Bolsa brasileira, ignora esses pequenos dramas. Certo que proporcionalmente são poucos os que se arriscam no mercado. Mas há uma pauta jornalística aí estranhamente ignorada. É para não sujar a barra da Bolsa?

Humilhados e moralmente assediados, jornalistas de Brasília vão reeditar manifestação histórica

Câmeras no chão, Figueiredo fora de foco.
Protesto dos fotógrafos em 1984.
Foto de J. França.
O Sindicato dos Jornalistas do DF organiza um protesto da classe na Esplanada dos Ministérios, marcado para o próximo dia 18 de março.

A ideia é mobilizar todos os profissionais que fazem a cobertura do Palácio do Planalto, do Congresso, além das equipes que sofrem assédio moral e são humilhadas por Bolsonaro e seus bozorocas todos os dias à saída do Alvorada.

O ato é em repúdio aos constantes ataques feito pelo capitão inativo. Na ocasião, os jornalistas repetirão uma manifestação histórica feita por fotógrafos que cobriam o Planalto durante o governo do último general-ditador do regime, o notório João Figueiredo, que costumava escorraçar profissionais da mídia.

Na época, os fotógrafo abaixaram as máquinas no momento em que o elemento descia a rampa.
O único fotógrafo a empunhar a câmera foi José Maria de França, o J. França, do Jornal do Brasil, que foi escalado pelo colegas para registrar o protesto e divulgá-lo à sociedade.

O carolavírus também é uma ameaça...

Reprodução 
A nota acima está na coluna do Ancelmo Gois, no Globo de hoje. A igreja citada bem que podia ser mais responsável e, além da mensagem religiosa, divulgar os cuidados básicos contrao novo coronavírus: lavar sempre as mãos, evitar levá-las aos olhos e boca, usar álcool gel evitar abraços e apertos de mãos, evitar aglomerações, procurar o posto de saúde ou hospital em caso de sintomas.

Matéria da RFI relata que um evento fechado em igreja contribuiu para espalhar  coronavírus por toda a França. Em fins de fevereiro, uma reunião chamada "Semana de Jejum e Oração" reuniu cerca de dois mil e 500 evangélicos no mesmo espaço, por dias seguidos, em Cotentin, norte do país. Entre os fiéis, gente do exterior, incluindo Alemanha, Itália,  Bélgica.

O próprio pastor e sua família foram contaminados.

Segundo as autoridades, foi constatado até agora que participantes levaram o vírus, em seguida, para a Córsega, Altos Alpes, Paris, Vale do Loire e até para a Guiana Francesa.

A igreja passou a pedir para os fiéis não comparecerem ao templo e que se conectem "ao Espírito Santo de suas casas através de um computador ou celular".

Historiadores afirmam que o clero católico contribuiu para aumentar os efeitos da Peste Negra na Europa medieval. Diante dos primeira casos, a igreja afirmou que a epidemia era um castigo de Deus e apontou os gatos pretos como "encarnação do demônio". As populações de aldeias e guetos passaram a matar os gatos. A peste, como se sabe, era espalhada por um vetor: os ratos. Com a onda de fanatismo e o virtual extermínio do predador, a população de ratos cresceu em progressão geométrica.

Carolavírus também mata.

No Whatsapp: grupo de jornalistas fazia ofensas racistas aos colegas negros. Foi na redação da Rede Record em Brasília. Crise provocou demissão de diretor

Daniel Castro, do Notícias da TV (UOL) expôs a crise que abalou a Rede Record, mais precisamente a redação de Brasília. A origem do problema foi um grupo no Whatsapp, sugestivamente chamado de "Resistência",  mantido por quatro jornalistas, que era usado para difundir ofensas racistas dirigidas ao funcionários negros da emissora. A facção preconceituosa comparava, por exemplo, lábios de colega a ânus e chamava outro de "macaco", segundo o NTV. Descoberta, a milícia do deboche foi demitida. Mas, segundo Daniel Castro apurou, o diretor de Jornalismo em Brasília, João Beltrão foi contra a demissão dos racistas e tentou protegê-los. Antonio Guerreiro, vice-presidente de Jornalismo da Record, demitiu Beltrão. A nota não revela os nomes dos jornalistas autores das ofensas no grupo "Resistência". Cujo nome já revela que o preconceito, para os envolvidos, não é acaso, é causa. 

terça-feira, 10 de março de 2020

Os "xênios" de Brasília querem ver o povo negativado...

Reprodução/O Globo
Parece uma piada de extremo mau gosto.

No ano passado, o governo liberou saques do FGTS como, diziam, um incentivo ao consumo. "Vai movimentar a economia", bradavam economistas e comentaristas.

Como o buraco era mais embaixo, o pessoal usou a grana para pagar dívidas e o crescimento do PIB em 2019 foi o vexame que se viu.

Agora os "xênios" de Brasília tiram da cartola outra "mágica", de novo usando FGTS, originalmente um seguro social para apoiar trabalhadores demitidos. Dessa vez, a coisa é muito pior. Os "xênios" querem que o trabalhador saque neste ano o montante a que teria direito entre 2020 e 2022. Só que o valor - e os bancos vão adorar isso - deverá ser utilizado como garantia de empréstimos feitos no sistema financeiro. Funciona assim: como os trabalhadores usaram o FGTS para sair do vermelho, o governo agora providencia que a massa se encha de dívida novamente.

Fica claro que este governo não tem programa de crescimento, mas apenas improvisos que alimentam o mercado financeiro.  Quem apostar que a atual equipe econômica não conhece obra, investimento publico, nunca foi apresentada a um tijolo, a um caminhão de concreto, a um trator, a um guindaste, a uma instalação de alta tecnologia, um estaleiro, à construção de uma hidrelétrica, de uma estrada, o que vale dizer, não sabe criar sequer um emprego de carteira assinada, vai ganhar mole.

Nem gerar recursos eles sabem. O que tem abastecido o caixa são vendas de participações públicas em empresas, saque das reservas (que eram há anos o "colchão" que protegia o país e dava mais seguranças aos investidores estrangeiros), vendas de empresas, concessões (embora o governo já tenha transferido uma grana para concessionários que não pagaram as outorgas devidas) etc.

Em meio à "ladainha" das reformas, o Brasil consome, e não cria, recursos.

Até inventa um empréstimo aos trabalhadores cuja garantia é o dinheiro do próprio... trabalhador.

Não demora muito, os "xênios" de Brasília vão criar um secretaria especial para agiotagem, com direito a anúncio nos jornais: "empréstimo para negativados", "dinheiro rápido on line", "precisando de dinheiro? Crédito na hora".

Na Globo News: economista critica "ladainha das reformas" no canal que mais paparica Paulo Guedes




Reprodução Twitter
Ontem, o Jornal das 18h, da Globo News, deu uma esquentadinha. A âncora Leilane Neubarth ouvia Juliana Rosa, Monica de Bolle e Flávia Oliveira sobre os impactos da nova crise do petróleo agravada pela pandemia de coronavírus. Juliana é jornalista de mercado, de Bolle é uma economista não necessariamente alinhada com a política econômica de Paulo Guedes e Flávia, do Globo, embora não conteste diretamente o neoliberalismo dominante nos veículos do grupo, tem uma visão social da economia, enfoque ausente na maioria dos comentaristas da mídia conservadora.
Diante da atual crise, que considera gravíssima, de Bolle defendeu que o governo deve deixar de lado a "ladainha" de reformas e a submissão fundamentalista ao teto de gastos para criar meios para enfrentar a tempestade financeira global. Ela defende investimentos públicos para fazer a economia andar. Algo que nem passa pela cabeça do corretor Paulo Guedes, que não atua como ministro da Economia, parece mais um agente do mercado que chegou ao poder. Juliana Rosa se incomodou com as críticas enfáticas da economista, que literalmente derrubava todo o repertório da Globo News em torno do tema caro aos especuladores do mercado e que o canal prega como dogma há anos.
A intervenção de Juliana ao fim do programa foi para defender a linha da casa, a "prioridade" das reformas. E acabou repetindo a "ladainha", que Monica de Bolle tinha acabado de caricaturar.
No twitter, a economista reafirmou suas críticas.

sábado, 7 de março de 2020

Neoliberalismo é a nova peste

O que não faltaria ao Brasil atual seria inspiração para novos "A Peste" . Aliás, diz-se que o livro de Albert Camus, que dá ao drama de uma cruel epidemia um enfoque político e de resistência, é redescoberto nestes dias de coronavírus.
O mundo se assusta com o Covid-19 e o Brasil também. Para largas faixas da nossa população, é um medo a mais. Nesse momento, com a saúde sob cortes do fanatismo neoliberal empoderado, o país anda de braços dados com sarampo, dengue, zika, chikungunya, surtos de febre amarela, hepatite A, tuberculose e até sífilis. Sobre esta última: em 2014, segundo o Ministério da Saúde, 25 em cada 100 mil brasileiros estavam infectados; em 2016, a taxa passou para 45 infectados e acendeu um sinal vermelho. A periferia, que não viaja para a Itália, só observa mais essa ameaça que se soma a tantas outras.

"Fedeu": na chamada principal da Istoé, o cacófato que diz tudo


O Globo/Caoa: quase "name rights"...

Bom para o Globo que tem muitas páginas do primeiro caderno ocupadas por anúncios. Se Bolsonaro cortou do grupo as verbas de publicidade federal, é legítimo captar o bom, velho e não comprometido apoio privado. No caso do veículo impresso carioca, há uma overdose, já há algum tempo, de um anunciante. A montadora revendedora de automóveis Caoa inunda o jornal com anúncios de página inteira ou duplas páginas inteiras seguidas.
Jornais não vendem, ainda, name rights, mas, caso surgisse essa oportunidade, a Caoa seria uma séria candidata.
Sobra para o leitor um esforço extra para passar páginas e, também, um certo prejuízo em conteúdo. Quando uma revista apresentava matérias seguidas de baixo interesse, a autocrítica da redação dizia que aquela edição, de tão monótona, "fazia ventinho", em referência à brisa que o passar de páginas desinteressantes lançava no rosto do leitor.
Hoje, o primeiro caderno do Globo, de 24 páginas, tem 13 páginas inteiras da Caoa e uma da Cyrela. Houve uma época, bem antes da crise dos impressos, que o volume recomendável de publicidade em jornais e revistas não deveria ultrapassar um terço do número de páginas. Com menos de dois terços de conteúdo, o leitor poderia se sentir lesado.
Hoje, o meio impresso parece não poder se dar a tal luxo.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Olha o vírus! Vale a pena ver de novo como a Manchete cobriu a gripe asiática que chegou ao Brasil em 1957


A primeira reportagem da Manchete sobre a gripe asiática era assinada
por Carlos Lemos. O detalhe é que um redator posou para a foto de "homem gripado". Nada mais explícito.
Clique na imagem para ampliar.

A segunda, por Newton Carlos. 
Os "conselhos" da Manchete não diferiam muita das recomendações
atuais contra o coronavírus. Além de lavar as mãos, a revista recomendava: "Fuja dos perdigotos!".
Clique na imagem para ampliar.


A gripe asiática não poupou celebridades. 

Ontem como hoje, o vírus chegou ao Vaticano. Para receber benção
papal só desinfetando antes as mãos. Com álcool puro, o gel ainda não existia.
Entre 1957 e 1959, O Brasil "importou" o subtipo do vírus H2N2 que deflagrou a epidemia que ficou conhecida como "gripe asiática". O vírus entrou no Brasil em Porto Alegre , infectou um terço da população local e espalhou-se por todo o país. Embora o surto tenha se esvaziado em 1959, casos foram registrados até 1963. Os meios de comunicação, tal qual agora diante do coronavírus, se mobilizaram para explicar à população as características da gripe e os cuidados necessários. Manchete publicou "conselhos". Laboratórios no Rio, São Paulo e Belo Horizonte logo isolaram o vírus. No mesmo ano, 1957, uma vacina começou a ser produzida em Manguinhos. Quando pronta, foi estabelecida uma hierarquia: primeiro vacinaram o presidente da Republica, depois os responsáveis pela ordem pública, os médicos e, por fim, o populacho.

Justiça reconhece vínculo trabalhista de motorista de aplicativo. Na França

A Corte de Cassação da França determinou que a relação entre a Uber e um motorista do aplicativo caracteriza um contrato de trabalho.
Na base da decisão da justiça francesa está a constatação de que ao conectar-se à plataforma digital Uber o motorista estabelece uma relação de subordinação diante da empresa. Consequentemente, não é um trabalhador autônomo, mas um empregado. A notícia está no RFI.
A decisão evidencia - e esse é um problema que muitos países enfrentam - a necessidade de novos dispositivos jurídicos para proteger trabalhadores assalariados ou não.
Contaminada pelo neoliberalismo que elimina direitos no Brasil, instâncias superiores da justiça brasileira têm decidido em direção contrária e não reconhecem a responsabilidade trabalhista dos aplicativos. A exploração de mão de obra barata é livre.