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quinta-feira, 19 de março de 2020

Mídia: redações em tempo da Covid-19

por Júlio Lubianco (do blog Journalism in The Americas) 
* Com colaboração de Teresa Mioli

Na medida em que o novo coronavírus se espalha pela América Latina, redações da região adotam medidas para prevenir o contágio e proteger suas equipes. Entre elas, colocar jornalistas que chegaram recentemente do exterior em quarentena, evitar apurações presenciais e, quando possível, adotar o home office.

Na América Latina, o primeiro caso do novo coronavírus foi registrado no Brasil, em 26 de fevereiro. A primeira morte ocorreu na Argentina, em 7 de março. Este mapa da Americas Society/Council of the Americas mostra a atual contabilidade de casos na região e mostra que a doença já está presente em praticamente todos os países.

O presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), Christopher Barnes, recomendou aos veículos de mídia da região a implementar e observar os parâmetros de referência do protocolo de saúde. Em nota, ele escreveu:

“Lamentavelmente, diferentemente de nossos colegas do setor privado, estamos na linha de frente deste campo de batalha e não podemos encerrar completamente as operações. Não devemos subestimar as preocupações de nossa equipe com relação à exposição; empatia, comunicação e transparência no que diz respeito a isso ajudará bastante a mantê-los motivados a realizar seu trabalho crítico”.

No Brasil, os maiores jornais do país, como Folha, Estadão e O Globo, vêm adotando medidas preventivas, enquanto buscam manter o padrão da cobertura da crise. O maior país da região também tem a maior quantidade de casos do novo coronavírus.

Nesta terça 17 de março, o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado na Editora Globo, que edita os jornais O Globo e Extra, além da Revista Época e outras publicações. As medidas de prevenção começaram na semana anterior. Desde a sexta-feira, dia 13, os funcionários foram orientados a trabalhar de casa quando possível. O diretor de redação do Globo, Alan Gripp, estima que 40% da redação esteja nesta situação, o que ele acredita que deve aumentar nos próximos dias.

“Por ora, disponibilizamos máscaras para aqueles que se sentirem mais seguros, embora especialistas apontem que o uso só é recomendado para pessoas com sintomas. Também estamos adquirindo outros equipamentos sugeridos em protocolos internacionais montados para a cobertura da pandemia. Mas, como regra geral, evitaremos expor nossos funcionários a risco,” disse Gripp ao Centro Knight.

Na Argentina, todos os veículos do grupo Cimeco iniciaram nesta semana a testar um modelo de trabalho remoto em suas redações. A empresa edita os jornais La Voz del Interior (Córdoba), Los Andes (Mendoza), a revista Rumbos e o portal Vía País. O diretor editorial do grupo, Carlos Jornet, informou ao Centro Knight que as redações devem se tornar remotas quase que na totalidade nos próximos dias.

“Por enquanto, estamos realizando testes-piloto nos quais aproximadamente um terço da equipe das edições impressas trabalha todos os dias em casa. No caso de sites, em alguns deles a tarefa toda é remota. E em outros, apenas editores-chefes vão à redação,” disse Jornet.

Ele admite que um dos desafios é manter os níveis de qualidade e quantidade de reportagens e artigos enquanto essas medidas são implementadas.

“Na medida em que se restringe a circulação é restrita e o número de casos em nossas áreas de cobertura cresce, aumenta também a preocupação daqueles que precisam trabalhar em áreas críticas, como hospitais, laboratórios onde são realizados testes e aeroportos. Isso inclui jornalistas e fotógrafos. E para isso, desenvolvemos protocolos de ação que estamos começando a implementar,” disse.

Também na Argentina, o Diário Huarpe, de San Juan, iniciou nesta semana a adotar medidas de prevenção ao novo coronavírus. O próprio chefe de redação, Abel Escudero Zadrayec, está de quarentena obrigatória depois de voltar de viagem aos Estados Unidos.

“Existem várias ferramentas para fazer uma tarefa decente, mantendo a 'distância social': desde ligações telefônicas até redes sociais, serviços de mensagens e coleta de informações por outros meios (rádio, TV, sites etc.). Se houver algum caso especial, aplicamos os mecanismos de proteção recomendados pelos especialistas,” disse Zadrayec ao Centro Knight. "Até agora, não detectamos um impacto negativo. A redação do Diário Huarpe redobra seus esforços em tempos críticos para continuar a servir o público com jornalismo ético e de qualidade. Esse é o nosso mandato inalienável."

Na Colômbia, um dos maiores jornais do país, El Espectador, colocou quase todos os funcionários para trabalhar de casa, segundo o gerente digital Edwin Bohórquez Aya: “A maioria de nós está de home office por razões de saúde pública. Vale mesmo para design e correção de estilo, pois os jornalistas já estão acostumados.”

Além dos veículos tradicionais, muitas dos novos meios digitais que nasceram nos últimos anos na América Latina também estão adotando medidas preventivas. É o caso no Brasil, de Agência Pública, JOTA e Congresso em Foco. Os três estão com 100% das suas redações fechadas. No caso do Congresso em Foco, especializado na cobertura do Legislativo federal, os jornalistas estão proibidos de entrar no Congresso:

“Desde quinta-feira [12 de março], saímos do Congresso e, não voltamos mais, nem vamos voltar até passar o risco. A gente tem um acesso bom aos políticos, às fontes que a gente precisa, que são os parlamentares e seus assessores. (...) O Congresso representa um risco muito grande. Os parlamentares viajam muito, abraçam, beijam, pegam [crianças] no colo. É uma atividade de contato com o público,” disse ao Centro Knight Sylvio Costa, fundador e editor-chefe do site.

No JOTA, que cobre todos os ramos do governo, a medida foi facilitada pelo fato de a empresa, que tem cinco anos, já ter uma cultura forte de trabalho remoto, incluindo as suas principais lideranças. Apenas recentemente as redações de São Paulo e de Brasília se mudaram para um espaço próprio – até então, vinham trabalhando em co-workings.

“Nosso time de repórteres em Brasília fica nas instituições que cobre. Esse é o caso mais difícil de solucionar. Nossa orientação, enviada na semana passada, é para que todos trabalhem de casa e que as exceções sejam analisadas individualmente,” disse ao Centro Knight Felipe Seligman, sócio-fundador do JOTA e também Chief Revenue Officer. Ele disse também que como algumas das instituições cobertas pela equipe também suspenderam suas atividades, então a cobertura priorizará informações de bastidores e outros assuntos relacionados ao novo coronavírus.

Na Agência Pública, a principal medida foi suspender o trabalho na redação desde segunda-feira, dia 16 de março. “O mais importante, além da saúde da nossa equipe, é cumprirmos o nosso papel social para evitar que o pico do COVID seja tão prejudicial como foi em outros países afetados. Estamos focando nossa cobertura investigativa no tema, em especial em termos de dados, mas tudo está sendo coordenado remotamente. Pretendemos manter o ritmo e a qualidade das publicações desta maneira,” disse Natalia Viana, fundadora da Pública, ao Centro Knight.

Em La Voz de Guanacaste, da Costa Rica, a equipe de nove pessoas também foi orientada a trabalhar de casa. A ideia, assim como em outros meios, é testar como funcionará a produção remota e identificar e ajustar falhas que encontrem pelo caminho. No entanto, a diretora executiva Emiliana García antecipa um aumento de gastos não previstos caso a crise se prolongue: “Os jornalistas, ao trabalharem de casa, estão usando seus próprios telefones celulares e conexão à Internet, o que representa uma nova despesa que o La Voz vai cobrir e que não está dentro do nosso orçamento.,” disse ela ao Centro Knight.