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domingo, 22 de janeiro de 2023

Rede Manchete, 40 anos depois - O depoimento de quem testemunhou o começo, o meio e o fim...

por Ed Sá

A Rede Manchete foi inaugurada em junho de 1983. Há 40 anos. Talvez esse relato de Claudio Hazan seja uma boa referência. Hazan revela uma conversa que teve com Adolpho Bloch em 1981, quando a Bloch Editores recebeu do governo militar as concessões de cinco canais para montar uma rede de televisão, o que se concretizaria em 1983. 

Segundo Hazan, Adolpho não era favorável ao projeto idealizado por seus sobrinhos Oscar Bloch e Pedro Jack Kapeller. Achava que o DNA do grupo estava na bem-sucedida editora de revistas e na gráfica. "Não é o nosso ramo. Um dia nós vamos nos sentar em um banco dessa praça (referindo-se ao largo em frente ao edifício-sede da Bloch na Rua do Russell, no Rio de Janeiro) e vamos recordar: "esse prédio já foi nosso". 

Adolpho faleceu em 1995, quando a Rede Manchete já enfrentava a grave crise que levou ao seu fim em junho de 1999, quando foi vendida para a Rede TV.. A Bloch Editores faliu em agosto de 2000 arrastada pelo tsunami administrativo e financeiro que inviabilizou a a TV. 

A Rede Manchete teve relativamente pouco tempo de capacidade plena de produção de uma programação de qualidade. Em 1989, com apenas seis de operação, houve a primeira tentativa de venda. Outras propostas fracassadas apareceram até o encerramento definitivo em 1999. 

Apesar disso, a Rede Manchete deixou suas marcas de excelência na história da televisão brasileira.  Vale citar o jornalismo ágil; novelas como Dona Beija e, principalmente o extraordinário sucesso de Pantanal, além de Ana Raio e Zé Trovão; lançou musicais inesquecíveis, como Bar Academia; inovou em séries, Xingu foi uma delas;  e realizou coberturas memoráveis de Copas do Mundo, Olimpíadas e Carnaval. 

Talvez investir em TV não tenha sido um decisão tão sem sentido assim. Olhando pelo retrovisor, vê-se que oi meio revistas impressas, a grande especialidade do Grupo Bloch, passou a ter os dias contados a partir do fim dos anos 1990, em processo lento, é verdade, mas inexorável. A Bloch ainda informatizou as redações, ensaiou entrar no meio digital, mas era tarde demais para as finanças combalidas da empresa e cedo demais para a verdadeira explosão da internet, como business, o que só ocorreu a partir do anos 2000. A televisão poderia ter sido uma ponte para o futuro do Grupo Bloch que não deu conta da tarefa que se revelou muito maior do que sua capacidade administrativa e financeira. Adolpho Bloch, como cita Hazan, foi profético. 

Claudio Hazan foi diretor-geral do Centro de Produção da Rede Manchete. Ele faleceu precocemente, mas deixou esse depoimento que circula há alguns anos no You Tube. 

https://www.youtube.com/watch?v=VMEOvQGMkpA

sábado, 14 de março de 2020

Da Itália: o Covid-19 não é mais forte do que a união e a solidariedade

A MENSAGEM ABAIXO VIRALIZA NAS REDES SOCIAIS. 
É O EMOCIONANTE  DEPOIMENTO DE UMA BRASILEIRA 
QUE RESIDE EM ROMA. 

Do Whatsapp (via Cacá Fonseca)

"Caros amigos,
Essa é nossa segunda semana de quarentena coletiva em Roma. Primeiro foram as escolas e muita gente passou a trabalhar em casa, deixar as crianças com os avós não é uma opção. Fomos orientados a não sair e evitar lugares fechados e aglomerados. 

Até que essa semana o governo “fechou” a Itália. 

Agora somos autorizados a sair apenas para trabalhar (os que ainda saem para trabalhar), fazer compras ou ir para o hospital. Nada mais. 

A natação e a capoeira das crianças estão fechadas, o dentista desmarcou a consulta do meu filho e sábado não vai ter o jogo do campeonato de futebol dele, a cia aérea cancelou minha passagem para Madrid, também não vai ter o show da Gal, a faculdade avisou que tampouco tem data para a próxima prova. As escolas já trabalham com a possibilidade de seguirem fechadas até maio. 

O país inteiro fechou. 

Nós também nos fechamos nesse novo arranjo doméstico porque eu ainda tenho que estudar, Gui ainda tem que trabalhar e Gael tem o cronograma da escola para cumprir. A professora tem nos orientado remotamente sobre o conteúdo de cada dia e nos vemos professores dos nossos filhos, ás voltas com o neolítico e os verbos auxiliares. Não sei o que seria de nós sem o Google. 

Anita se encarrega de dar o toque de fim de mundo colocando a casa abaixo enquanto eu mando ela deixar Gael terminar o compiti de italiano. 

Passamos o dia de pijama. Vi uma vizinha receber o correio de luvas, ninguém mais pega o mesmo elevador, sobe um vizinho de cada vez, é o protocolo. 

Ontem fui ao mercado. Na rua, as poucas pessoas usavam luvas cirúrgicas e, na falta de máscara, lenço ou cachecol cobrindo o nariz. Fila na porta, todos respeitando a orientação de manter distância uns dos outros, a entrada contingenciada, mais gente fora do que dentro do mercado. Cinco de cada vez. 

Ninguém reclama. 

Pela primeira vez em 6 anos não sou a única com carrinho lá dentro, os italianos, em geral, só compram o que podem carregar, mas agora estão fazendo dispensa e já faltam alguns produtos nas prateleiras. Um corredor para cada pessoa, ninguém se esbarra, o alto-falante fica repetindo para respeitarmos a distância mínima. Na volta pra casa, reparo o comércio fechado, os poucos cafés abertos espaçaram as mesas mas estão desertos. Estamos todos isolados em casa.

Ontem, depois do anúncio da OMS decretando a pandemia, outros países começaram a adotar as mesmas medidas para deter o avanço do vírus que, por menos letal que seja, contamina tanto que mata muito. Na maioria dos casos, idosos e pessoas com imunidade baixa e doenças pregressas. Mas não só elas. 

A flor no asfalto é a solidariedade. Não vejo, entre as pessoas de meu convívio, pânico de ficar doente ou medo pelas nossas crianças que, ao que parece, não são páreo para o coronavírus. Mas estamos todos cuidando de quem não tem defesas suficientes para ele. Eu cuido do morador de rua que dorme no frio, embaixo da marquise do meu prédio, das senhorinhas que cumprimento no mercado, do senhor da loja de molduras. E, aqui em Roma, essas pessoas viraram a prioridade de todos. Pensamos coletivamente numa onda de cuidado com o outro, esse desconhecido, que eu nunca tinha vivido antes. As crianças aprenderam a “tossir nos cotovelos” e o fazem até em casa. Foram ensinadas que são estratégicas para conter a ameaça. 

É triste, mas também é bonito, sabem? 

Como escreveu por aqui meu amigo Francesco, não há saída que não passe pela reconstrução paciente de uma resposta coletiva aos desafios. Talvez seja didático estarmos vivendo, todos, ao mesmo tempo, essa crise. Fica evidente que o engajamento de cada um de nós, pessoa a pessoa, é a melhor, se não a única, defesa diante a pandemia. Ninguém pode dar-se ao luxo de ser negligente. Acho que ficaremos com um aprendizado importante depois que tudo isso passar. 

Também pela primeira vez testamos uma nova organização do trabalho. Ao mesmo tempo pessoas do mundo todo estão trabalhando de casa, empresas e repartições com carga horária e staff reduzidos. Talvez esteja sendo estabelecido um novo paradigma. Ainda não sabemos qual será o saldo, a história nos ensina que evolução nem sempre é progresso. Mas eu, que não posso evitar a esperança, acredito que tiraremos proveito desses dias de isolamento, quando não podemos sequer nos abraçar, tocar e beijar. E, apesar disso, acredito que esse vírus também possa desencubar a humanidade em nós. 

Mas faremos esse balanço depois. 

Por hora, lavem as mãos, ensinem as crianças, cuidem dos idosos e, se puderem, amigos, fiquem em casa. E mandem seus funcionários para casa. Não viajem. É preciso identificar e curar os que contraíram a doença antes que ela se espalhe. O vírus já está aí, no nosso Brasil, não o subestimem. Cobrem das autoridades, não acreditem em quem diz que “é só uma gripe”, - eu já fui essa pessoa - não é! Não paguem para ver porque o preço é a vida dos mais frágeis entre nós. As teorias conspiratórias só distraem até que os médicos comecem a escolher quem, entre os necessitados, irão entubar. Até que morra a avó de um amiguinho dos nossos filhos. Até que o colega de trabalho safenado fique entre a vida e a morte numa UTI. 

O momento não é de pânico, mas de cuidado e responsabilidade. E união e solidariedade. 

Essa mensagem é também um agradecimento pela preocupação e carinho que tenho recebido nos últimos dias. Muito obrigada, aqueceu meu coração nesse inverno que ainda persiste por aqui. Mas estamos todos diante o mesmo desafio, meus caros, é preciso assumir esse compromisso. 

Há um mês a China era longe, há três semanas a Lombardia também era. Quando começou a quarentena eu também me revezava, junto com outras mães e pais, nos grupos de WhatsApp, entre o desespero de ter que encaixar as crianças, de repente, nos compromissos dos dias úteis e os memes - como nós, os italianos também reagem com bom humor às adversidades. Hoje, em Roma, já não podemos ignorar que o mundo diminuiu e que hoje somos todos vizinhos. 

Desejo que meus conterrâneos não deem chance para a doença no calor de nossa terra. 
Cuidem-se. Uns dos outros. Fiquem firmes. Sairemos melhores dessa."

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Gestão de crise: presidente empresta Bic para repórter anotar entrevista "fofa".

Você deve ter visto a postura corajosa do repórter Leonardo Vieira, do portal UOL, durante coletiva com o general Rego Barros, porta-voz de Bolsonaro. Vieira fez as perguntas necessárias e obrigatórias a um jornalista (veja o vídeo no post deste blog, abaixo: "Governo sinaliza trevas na relação com jornalistas").

O oposto disso está no Globo de hoje.

O jornal publica uma "entrevista" com Bolsonaro, que não é bem entrevista, apenas cede a palavra ao atual morador do Alvorada. No dia em que uma sequência de declarações indignas e bizarras do presidente ecoam na mídia e nas redes sociais, a matéria que ocupa uma página solenemente ignora a agressão de Bolsonaro ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, passa ao largo do vazamento de mensagens da Lava Jato e dispensa o assassinato de um chefe indígena, evita questionar o "entrevistado" sobre a recusa em receber o ministro de Relações Exteriores francês, Jean-Yves Le Drian, isso apenas para falar nas pautas jornalísticas de ontem.

Em suma, matéria passiva, que se limita a levantar a bola para presidente. O Globo foi apenas ator na gestão de crise que visa minimizar o impacto dos seus últimos e desastrados movimentos.

Um dos mandamentos do gerenciamento de imagens é abrir diálogo com a imprensa. Solícito, o "entrevistado", que tanto ofende jornalistas, emprestou a própria Bic para a repórter lavrar seu depoimento.

Durante muito anos, o slogan da marca no Brasil foi "Bic, é assim que se escreve".

Foi o que Bolsonaro fez especialmente para O Globo.