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sábado, 14 de janeiro de 2017

A edição número 12 da revista Fatos foi para as bancas em 10 de junho de 1985. Pelos títulos das matérias poderia circular amanhã. Confira: o Brasil e o mundo parecem estar em looping...














Reproduções de títulos da revista Fatos, junho de 1985. 

por José Esmeraldo Gonçalves

Looping, você sabe, é a configuração que faz um vídeo repetir-se ao infinito. Chega ao fim e retorna ao começo, como um incansável Sísifo digital. O Brasil parece dar voltas nesse modo replay. E o mundo, em parte, idem.

A Fatos foi uma tentativa da Bloch, ou melhor, na Bloch, de produzir uma revista semanal de informação e análise. Por desafiar, de alguma forma, a cultura e os interesses da empresa, durou apenas um ano e meio. Carlos Heitor Cony era o diretor, J.A. Barros, o diretor de Arte e eu o editor-executivo. Projetamos e enterramos a revista ao perceber, em meados de 1986, que já estava combalida por problemas políticos, pressões corporativas e, em consequência, falta de  investimento e contenção de circulação. Mas essa é outra história.

Vamos ao que interessa: aquela edição da Fatos poderia até ser digitalizada e postada hoje na web.

Em 1985, Ronald Reagan era o presidente americano. Aqui, o PMDB assumia a presidência com José Sarney. Neste 2017, a dobradinha repete a coincidência partidária e a incerteza política: o republicano Trump lá, o peemedebista Temer aqui. Reagan implantava política que ficou conhecida como Reaganomics, de redução de gastos, desregulamentação etc, algo parecido com a atual Temernomics.

O Brasil tentava deixar para trás a ditadura militar, mas a direita civil se articulava intensamente para não perder o poder. Naquela semana, a Fatos pôs nas capa "o novo guru da direita", o general Newton Cruz. Sob o título "Direita: por dentro do ovo da serpente", os repórteres Luiz Carlos Sarmento e Carlos Eduardo Behrendorf foram a campo ouvir os políticos e fizeram uma entrevista exclusiva com Newton Cruz.

Alguma semelhança com a atualidade? Viu o Bolsonaro por aí?

Ainda na rubrica Política, uma reportagem da sucursal de Brasília destacava o esfacelamento dos partidos em nome de interesses pessoais. Também da Capital Federal, o repórter Gilberto Dimenstein mostrava que o Congresso queria discutir uma Lei de Greve liberalizante mas o SNI, ainda atuante, e militares de alta patente "ponderavam" contra o projeto. Nesse contexto, as repórteres Lenira Alcure e Maria Luíza Silveira entrevistaram o presidente da CUT, Jair Meneguelli, que via ameaça aos direitos do trabalhadores e avaliava que o país trocara uma ditadura militar por uma ditadura econômica.

A repórter Sandra Costa ouvia o então ministro da Reforma Agrária e Desenvolvimento, Nelson Ribeiro, e a própria entrevista deixava claro que aquela reforma dificilmente sairia do papel.

No Rio, o repórter Rodolfo de Bonis, fora do tempo e a quilômetros do espaço das prisões de Manaus, entrava nas unidades do Instituto Penal Lemos de Brito para mostrar o inferno do sistema prisional.

Na editoria internacional, a União Soviética era acusada de utilizar detetives particulares americanos para colher informações estratégicas. Ainda não se especulava sobre os cyber espiões da Rússia e a prova encontrada era uma prosaica sacola de lixo com documentos sobre movimentação da frota americana.

No Kwait, terrorista suicida da organização Jihad Islâmica explodia uma bomba no centro da capital do país matando dois guarda-costas do alvo do atentado, que escalou ileso, o xeque Al Sabah.

O terrorismo não estava entre as preocupações da Bélgica, naquele momento, mas uma grande tragédia abalava a Europa. Em Bruxelas, durante um jogo do Liverpool, da Inglaterra, e do Juventus, da Itália, brigas de torcedores levaram pânico à multidão e o tumulto resultou em 41 vítimas fatais.

Em apenas uma edição, essa de referência, a de número 12, a Fatos analisava inflação e juros altos, como os jornais de hoje.

E tal qual hoje, o "medo" do comunismo gerava histeria. Sarney recebia comunistas no Palácio do Planalto pela primeira vez em 40 anos e era criticado pela direita e por religiosos. Alíás, a comitiva do PCB era liderada por Roberto Freire, atual ministro da Cultura de Temer. O partido levava seu apoio à primeira Nova República - há quem apelide o atual governo de segunda Nova República -  ao mesmo tempo em que lutava pela legalização.

Assim como João Dória está varrendo São Paulo, o prefeito da cidade a ser eleito em fins de 1985 era também da vassoura; Jânio Quadros. E se Dória hoje está apagando os grafites de São Paulo, em 1985, no Rio, a polêmica eram os painéis que alunos pintaram no muro do Solar Grandjean de Montigny, na PUC. O arquiteto Lúcio Costa protestou e o Patrimônio Histórico mandou apagar os murais.

Trecho de abertura do artigo de Alberto Tamer,
na Fatos, em 1985. 
A Previdência era notícia na Fatos, não ainda pela reforma mas por fraudes.

Mick Jagger, que hoje é apontado como um "símbolo" do trabalhador brasileiro do futuro, aquele que terá a obrigação de ser longevo, lançava seu disco solo - "She's the boss".

A tentativa não deu muito certo e ele permanece nos Rolling Stones até hoje, sem se aposentar como Temer gosta.

Por falar em Temer, desculpe, Tamer, isso mesmo, Alberto Tamer, jornalista de economia, escreveu naquela Fatos artigo que falava em déficit público, cortes, recessão e autoridades batendo cabeça.

Parece que foi hoje.