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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Na revista Fatos, em 1985, o jornalista Flávio de Aquino ironizou as "mordomias". O tempo passou e as castas privilegiadas continuam cantando a melô do deboche: "me dá um auxílio aí".

Charge de Cândido publicada na revista Fatos n°15. 
Reprodução da matéria de Flavio de Aquino na revista Fatos n° 15, julho, 1985.
Clique na imagem para ampliar. 

Reprodução  revista Fatos n° 15, julho, 1985. Clique na imagem para ampliar. 

A matéria acima, assinada por Flávio de Aquino, foi publicada na revista Fatos N° 17, de 15 de julho de 1985, ilustrada com charges de Cândido e Leon Kaplan.

Bem antes de Collor de Mello assumir a bandeira de "caçador de marajás" - e com ela enganar o Brasil -, os privilégios das castas públicas, do Judiciário ao Legislativo, passando pelo Executivo, suas autarquias e estatais, e contaminando estados e municípios, incomodavam os mortais comuns, os  infelizes pagadores de impostos.

Flávio de Aquino mostrou a origem histórica das "mordomias", desde os estelionatos funcionais da Colônia, chegando à mudança da capital para Brasília, que impulsionou os jabaculês federais, e à ditadura civil-militar que deitou e rolou na criação de privilégios.

Mais de trinta anos depois a safadeza resiste em todos os poderes e mais institucionalizada do que nunca. O Brasil tem o Judiciário e o Legislativo, para exemplificar, entre os que pagam maiores salários e penduricalhos no mundo. Os seus equivalentes no Primeiro Mundo morrem de inveja dos contra-cheques caboclos.

Não há sinais de que isso vá mudar tão cedo: as facções beneficiadas resistem.

E as mordomias sem partido, incluindo aí as intensas coreografias bancárias que movimentam as tais "verbas de gabinete", encontram sempre formas e maneiras criativas de burlar as poucas leis que tentam, se não acabar, pelo menos conter e organizar a suruba financeira dos privilegiados às custas dos cofres públicos. De lá pra cá, as castas criaram os mais variados modelos disfarçados de leis para "se dar bem"; auxílio aluguel, auxílio paletó, auxílio educação, auxílio refeição, auxílio viagem, diárias, incorporações, prêmios por triênio, quinquênio, decênio.

Só falta criar o auxílio cara de pau pra continuar justificando tudo isso.       

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

No Brasil, o humor não é mais "Charlie".

Na Pif Paf, de Millor: a Liberdade acorrentada e com o Mein Kampf, de Hitler, na mão. 
por Omelete
O massacre na redação do jornal satírico Charlie Hebdo levantou a questão do humor livre. Muitos cartunistas e humoristas brasileiros - como, de resto, a maioria das pessoas -, se solidarizaram com os franceses vítimas do terrorismo movido pelo sectarismo religioso. No Brasil, o jornalismo de sátira, a crônica, assim como o cartunismo, já foram mais desafiadores. Nomes como Millor Fernandes, Fortuna, Claudius, Jaguar, Henfil, Ivan Lessa, Ziraldo, Sérgio Augusto, Stanislaw Ponte Preta, entre muitos, fustigaram os poderosos de plantão. E não apenas os governos da ditadura, mas empresários, grandes grupos de comunicação, banqueiros etc. Alguns jornalistas e cartunistas foram, por isso, presos, perseguidos ou perderam espaço nos grandes veículos.
Angelo Agostini detonando a corrupção no Império
Muito antes, em 1876, Angelo Agostini, na Revista Illustrada, tirava um sarro do Império. Ao longo da história, jornalistas independentes sem espaço empreenderam seus próprios veículos. A maioria, como a revista Pif Paf, durou pouco. Outros, como o Pasquim, resistiram enquanto puderam. Um dos pontos levantados nas muitas conversas ou comentários na rede sobre o caso Charlie Hebdo foi fenômeno do  "politicamente correto". Humoristas das novas gerações se queixam de que é impossível fazer humor em função da reação, quase censura, dos grupos atingidos. Não é bem por aí. Ou melhor, não é apenas por aí. Não por acaso, os cartunistas e humoristas que hoje têm espaço na TV ou na mídia impressa fazem o que se pode chamar de "humor a favor".
O Pasquim atirando contra alvos poderosos
Atuam com extrema cautela, sem ousar desafiar a linha editorial e política dos grandes veículos que os abrigam. Daí, exercem confortavelmente o "politicamente incorreto" apenas em cima de minorias que vão oferecer menos riscos aos seus contracheques (aqui, uma observação: humoristas dos grandes veículos, hoje, são contratados ou são "pessoa jurídica". Há expressão que combine menos com o humor livre do que "pessoa jurídica"? Talvez muitos dos citados acima, que recebiam por "vale" ou por cartum, se sentissem, de saída, menos comprometidos). O fato é que a nova geração não faz piadas com poderosas igrejas donas de veículos, famílias e agregados proprietários de grandes grupos de comunicação, grandes marcas, políticos, partidos, ou administrações apoiados pela "casa", artistas dos respectivos casts dos seus patrões etc. Não faz piada nem com corrupção se o corrupto focalizado frequentar a área vip do patrão. E isso vale para cartuns, talk shows, jornalísticos de humor, realities, crônicas etc. É longa a lista de restrições que essa galera entuba sem reclamar. E olha que perdem, assim, fonte inesgotável de piadas. Para terem suas críticas levadas a sério, quando apontam um certo "cerceamento" do humor no Brasil e culpam o "politicamente correto", deveriam adotar, antes, a "sátira giratória", sem poupar minorias, maiorias, nem fracos, nem poderosos. Do contrário, é moleza faturar em cima de quem não pode reagir. Deixa de ser humor e passa a ser apenas bullying profissional.
Daí que as boas novidades no humor estão vindo das redes sociais. Caso do Porta dos Fundos e de muitos outros ainda na "clandestinidade". A turma que é uma exceção no dito acima tem caricaturado no You Tube instituições ou criticado comportamentos sem olhar o peso da influência dos alvos. O Porta do Fundos agora está no canal por assinatura Fox (por enquanto, reprisando quadros antigos). Dizem que assinou com a Fox porque lhes prometeram liberdade. Que assim seja e que tenha sua essência preservada, já que o Porta dos Fundos é a melhor novidade em matéria de humor surgida no Brasil há décadas.
Resumindo: o "Sou Charlie" foi uma unanimidade entre muitos humoristas brasileiros ouvidos pela mídia. Mas, infelizmente, não há "Charlie" entre eles. Ou foi domado ou faz humor convenientemente seletivo, do tipo que faz o patrão rir e dizer "tirou daqui", levando o indicador ao lábio inferior como, aliás, fazia um personagem antigo, o "Múcio", de Jô Soares. A esperança é que a sátira autêntica, ambulante, aquela que não poupa alvos, renasça, cresça e tenha vida longa na grande mídia alternativa de hoje: a internet.
Porque o humor de 'carteira assinada' perdeu a graça.