Mostrando postagens com marcador flávio de aquino. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador flávio de aquino. Mostrar todas as postagens

sábado, 18 de janeiro de 2025

Os saraus da Ceres: patrimônio imaterial da República de Ipanema • Por Roberto Muggiati

Ceres Feijó.  Ao fundo, pintura de Ana Maria Maiolino
.

Uma vista da mesa do pato, com as amendoeiras à janela. Fotos Theca Vasques

Começo do começo, por um casal corajoso: Ceres Feijó e Flávio de Aquino, que deixaram seus cônjuges para formar uma união eterna – ela com três filhos, ele com quatro. Um casal com um dom genial para compartilhar sua alegria de viver com uma seleta legião de amigos. Eu os conheci na Manchete em 1966 e, depois de uma temporada na Veja em São Paulo, aprofundei meu relacionamento com o Flávio na redação do EleEla, um antro de intelectuais, dirigido pelo escritor Carlos Heitor Cony. Enquanto “revista masculina”, entregávamos muito pouco ao leitor, ou quase nada: o que o Cony chamava de “mulherio” de nossas páginas coloridas eram fotos da franquia alemã da revista Jasmin, robustas valquírias de biquínis largões, pois na época toda nudez era castigada pela ditadura militar. Procurávamos valorizar nossa edição mensal com matérias inteligentes e sofisticadas: Mário Pontes com seus achados literários, Paulo Perdigão com as últimas novidades de Hollywood, Cinecittà e adjacências, Flávio der Aquino com sua fabulosa erudição em artes plásticas (lembro de um texto seu sobre a Vênus de Willendorf com suas nádegas e seios fartos) e eu tentando contestar o Sistema com o rock e a contracultura,  depois do AI-5, ficou totalmente proibido escrever sobre política. O próprio Cony – nas generosas sobras de tempo do fechamento – escreveu ali o romance Pilatos, que considerava sua obra mais criativa e transgressora.

Em 1978, editor da Manchete, pedi ao Flávio que escrevesse uma série sobre a História dos Papas. O tema se tornara atualíssimo com a morte de Paulo VI e a primeira eleição no Vaticano em 15 anos. E ganhou ainda mais força quando o sucessor, João Paulo I, morreu misteriosamente após apenas 33 dias de pontificado, o que levou a uma nova eleição, a do polonês Karol Wojtyla. Flávio ficou tão satisfeito com a publicação que ofereceu um jantar comemorativo no seu apartamento da Rua Alberto de Campos, em Ipanema, perto da Lagoa.

Muggiati, com o filho Roberto, Ceres, Flávio de Aquino, Burle Marx e Zulema Rida.
Fotos de Lena Muggiati. 
.

O bom Flávio sofria de insuficiência renal e submetia-se a sessões regulares de hemodiálise. Nosso último encontro memorável foi uma viagem ao sítio de Burle Marx em Guaratiba. Flávio escreveria uma grande matéria sobre o paisagista, minha mulher Lena faria as fotos. Marx fez questão de nos levar para ver as molduras de portas e janelas de pedra de cantaria que havia comprado de um prédio demolido no centro do Rio. As preciosidades estavam numa parte elevada do terreno. Na descida, debilitado pela doença, Flávio chegou atrasado à biblioteca, onde Burle Marx tocava uma peça barroca num antigo harmônio de igreja. Mirou um convidativo sofá de couro e desabou sobre ele com todo o seu peso. Do couro ressecado, cheio de furos, jorrou um jato de pequenas penas brancas do enchimento, que se chocaram contra o teto e caíram lenta e silenciosamente como neve ao som de uma fuga de Bach. Fellini puro! 

Os anfitriões lendários de Ipanema eram o casal Guguta e Darwin Brandão, encastelados no seu apartamento da Rua Redentor, até a morte dele, em 1978. Flávio, o florianopolitano de alma carioca, também nos deixou, em 1987, no dia de São Sebastião. Passado o luto, a discreta Ceres começaria a empunhar o facho dos Brandão, com seu talento natural para a arte de receber. Em sua agenda anual destacavam-se duas datas: a feijoada do seu aniversário, no sábado mais próximo do 28 de julho; e o pato com lentilhas do Ano Novo. Simbolismos não faltam aqui: as lentilhas remetem à prosperidade e fartura. E Ceres na mitologia é a deusa da agricultura, vem dela a palavra cereal. 

Lembro-me de meus primeiros patos, no início dos anos 2000, na cobertura da Visconde de Pirajá, acessada por uma escada em espiral. Você tomava o elevador até o sexto andar, abria a porta e se via enclausurado num cubículo retangular forrado de espelhos, a única saída era escalar os três metros da pesada escada de madeira em caracol. A subida até que era fácil. A descida, difícil – quase impossível para alguns – depois de umas e muitas outras... Ao entrar no apartamento, você respirava o clima de montanha do ar condicionado e os aromas convidativos que recendiam da cozinha.  Mas, antes do pato, o papo, noblesse oblige. Ele rolava, animado pelo reencontro de velhas amizades e pelo nascimento de novas amizades, estimulado pelos melhores vinhos e uísques.   

Da rica entourage, devo esquecer alguns nomes, mas vou me esforçar para lembrar. Em certa ocasião, um décimo da Academia Brasileira de Letras estava presente: Cícero Sandroni, Ferreira Gullar, Zuenir Ventura (e sua primeira-dama Mary) e Ana Maria Machado, então presidente da ABL. A pintora Marília Kranz – a misteriosa Madame K das degustações do crítico de gastronomia Apicius – era assídua. O crítico de teatro e cinema Wilson Cunha e o dramaturgo e autor de musicais Flávio Marinho também, quando não estavam de férias na Europa. O mestre do design Karlheinz Bergmüller era outro dos comensais, ex-colega de Flávio como professor da pioneira Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) carioca, casado com a ex-fotógrafa Zulema Rida, mãe (do primeiro casamento) de Júlia Pentagna. Júlia casou com o cônsul da Alemanha no Rio, Michael Geier. Amigo da Intelligentsia esquerdista e simpatizante do PT nos seus prolegômenos, Michael prodigalizava viagens oficiais à Alemanha para seus amigos, de A[quino] a Z[iraldo]. Fui incluído na lista em fevereiro de 1979, com minha mulher, Lena Muggiati, fotógrafa de Manchete. Visitei as principais revistas semanais do país: Stern e Der Spiegel em Hamburgo, Bunte Illustrierte  em Offenburg, Quick e Bravo em Munique. Fomos também a Berlim, com direito a um concerto da lendária Philarmoniker. Michael Geier, que, depois do  Rio, serviu em rincões remotos como Ouagadougou, capital de Burkina Faso, se aposentou com brilho, como embaixador da República Federal da Alemanha em Roma e passou a morar em Berlim com Júlia. Esporadicamente, o casal veio ao Brasil, dando o ar de sua graça na casa da Ceres.

Nos últimos anos, o endereço da festa mudou: um belo apartamento de cobertura na Saddock de Sá, sombreado na frente pelas verdes copas das amendoeiras e, na varanda traseira, com uma vista deslumbrante da Lagoa Rodrigo de Freitas. Foi nesse novo cenário que reencontrei Beatriz, ex-Sra. Fernando Sabino quando ele era, em 1964, o Adido Cultural do Brasil em Londres e eu trabalhava no Serviço Brasileiro da BBC. Sabino e eu formávamos, com o jornalista Narceu de Almeida, os Três Mosqueteiros do Ronnie Scott’s Jazz Club, assistindo a shows memoráveis do pianista Bill Evans e do saxofonista Stan Getz.      

O Pato do Jubileu • Compareci ao pato deste ano na companhia de minha agente literária, Thereza Cavalcanti Vasques, que veio de São Paulo passar o réveillon no Rio e combinar a minha agenda de compromissos para 2025. Senti a falta de meu colega bolsista de jornalismo na França Zuenir Ventura, teria feito forfait por problemas de mobilidade. A gravurista Teresa Miranda, 96 anos, estava lá, lépida e fagueira. Guguta Brandão, aos 87, esbanjava jovialidade, como nos tempos em que recebia na Rua Redentor. Karlheinz Bergmüller, 96 anos, era esperado, mas não apareceu, talvez ainda estivesse pegando umas ondas na praia. Com certeza vai dar as caras no Pato de 2026. Dos filhos da Ceres, Quinca, com o marido Noronha, e Nando, com a namorada Verônica, prestigiavam a festa, assim como os filhos de Flávio de Aquino, Maria Helena e Roberto, que concilia miraculosamente as funções de funcionário da Receita Federal e percussionista de escola de samba. Conversei muito com Rosa Freire D’Aguiar, viúva de Celso Furtado e correspondente da Manchete em Paris nos anos 1970, recém-premiada pelo Jabuti por seu livro Sempre Paris. Atualmente ela traduz com Mário Sérgio Conti Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. Perguntei a Rosa como se pode traduzir uma obra que começa com uma frase intraduzível: “Longtemps, je me suis couché de bonne heure”.

Ano que vem, muitos de nós estaremos de novo reunidos no sarau da Ceres. Esta história daria um belo filme. Eu o chamaria A um pato da eternidade.


quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Na revista Fatos, em 1985, o jornalista Flávio de Aquino ironizou as "mordomias". O tempo passou e as castas privilegiadas continuam cantando a melô do deboche: "me dá um auxílio aí".

Charge de Cândido publicada na revista Fatos n°15. 
Reprodução da matéria de Flavio de Aquino na revista Fatos n° 15, julho, 1985.
Clique na imagem para ampliar. 

Reprodução  revista Fatos n° 15, julho, 1985. Clique na imagem para ampliar. 

A matéria acima, assinada por Flávio de Aquino, foi publicada na revista Fatos N° 17, de 15 de julho de 1985, ilustrada com charges de Cândido e Leon Kaplan.

Bem antes de Collor de Mello assumir a bandeira de "caçador de marajás" - e com ela enganar o Brasil -, os privilégios das castas públicas, do Judiciário ao Legislativo, passando pelo Executivo, suas autarquias e estatais, e contaminando estados e municípios, incomodavam os mortais comuns, os  infelizes pagadores de impostos.

Flávio de Aquino mostrou a origem histórica das "mordomias", desde os estelionatos funcionais da Colônia, chegando à mudança da capital para Brasília, que impulsionou os jabaculês federais, e à ditadura civil-militar que deitou e rolou na criação de privilégios.

Mais de trinta anos depois a safadeza resiste em todos os poderes e mais institucionalizada do que nunca. O Brasil tem o Judiciário e o Legislativo, para exemplificar, entre os que pagam maiores salários e penduricalhos no mundo. Os seus equivalentes no Primeiro Mundo morrem de inveja dos contra-cheques caboclos.

Não há sinais de que isso vá mudar tão cedo: as facções beneficiadas resistem.

E as mordomias sem partido, incluindo aí as intensas coreografias bancárias que movimentam as tais "verbas de gabinete", encontram sempre formas e maneiras criativas de burlar as poucas leis que tentam, se não acabar, pelo menos conter e organizar a suruba financeira dos privilegiados às custas dos cofres públicos. De lá pra cá, as castas criaram os mais variados modelos disfarçados de leis para "se dar bem"; auxílio aluguel, auxílio paletó, auxílio educação, auxílio refeição, auxílio viagem, diárias, incorporações, prêmios por triênio, quinquênio, decênio.

Só falta criar o auxílio cara de pau pra continuar justificando tudo isso.       

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Pequena lembrança do grande poeta



Por ROBERTO MUGGIATI

Não se trata de um obituário au grand complet, mas de algumas lembranças esparsas.  Como sempre, vendo o mundo e a vida pela lente distorcida do Panis, que é a comunidade dos ex-Manchetes. Ferreira Gullar também trabalhou na Manchete, não tenho dados precisos, mas pode ser sido na fase em que ainda era revisor, em 1953, antes de se revelar como escritor e poeta de primeira linha.
Sem entrar na sua obra, eu o citaria como um gigante da cultura brasileira por duas contribuições marginais, geralmente esquecidas.
Foi o autor de uma frase genial:
A crase não foi feita para humilhar ninguém.”
Só ela lhe valeria o Nobel de Literatura que merecia.
A segunda foi ter escrito a letra para O trenzinho do caipira, de Villa-Lobos, aquela do bordão “no ar, no ar” – que é onde Gullar está agora. Convivi meses com seus versos, cantando o Trenzinho no coral do Baukurs, onde eu estudava alemão.
Foto: Divulgação/TV Globo
Nos últimos anos convivi episodicamente com o velho Ribamar, em dois eventos que têm a ver com o crítico de arte da Manchete Flávio de Aquino. Flávio morreu há trinta anos (no próximo janeiro), mas sua viúva, Ceres Feijó, manteve vivos dois encontros ao ano: o aniversário da própria Ceres, em 28 de julho, e o Pato da Ceres, servido religiosamente na tarde do primeiro dia do ano.
Nestas ocasiões, a casa da Ceres – uma das mais finas anfitriãs que já conheci – costumava ficar cheia com as figuras mais destacadas da cultura carioca. Mais recentemente, com Zuenir e Gullar já eleitos “imortais”, a Academia Brasileira de Letras se fazia presente nos eventos de Madame Feijó. Houve até uma ocasião em que pude contar mais imortais na Ceres do que em muito chá das quintas na casa de Machado de Assis. Especificamente, Zuenir Ventura, Ferreira Gullar, Cícero Sandroni e Ana Maria Machado, ou seja, 10% da ABL numa reunião com menos de 50 pessoas.

Pena: no próximo primeiro de janeiro, o Pato da Ceres vai estar meio triste. . .

domingo, 16 de junho de 2013

Foto-Memória da redação: Manchete, um time que jogava uma bola redondinha...

Alberto Carvalho, Ivan Alves, Wilson Cunha, Flávio de Aquino, Roberto Muggiati, Heloneida Studart, Raymuno Magalhães Jr, Wilson Passos, Argemiro Ferreira, Pedro, Ney Bianchi, Carlos Heitor Cony e Irineu Guimarães. Ao fundo, Sammy. 
por Gonça
O cenário é a sala do oitavo andar do prédio da Rua do Russell. Era a redação da revista Manchete, um "butantã' de cobras do jornalismo. O prédio hoje abriga pretroleiras, não adianta chorar o óleo derramado. Os tempos mudam, épocas passam, mas não a memória. Relembrem aqui. A foto foi reproduzida do livro "Aconteceu na Manchete, as história que ninguém contou" (Desiderata), esgotado mas ainda à venda em sebos digitais.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Memórias da redação: aconteceu na...


por Nelio Barbosa Horta
Ainda na Frei Caneca, no prédio que foi implodido sábado passado,  aí está a redação da Enciclopédia
Bloch, quando começou. Ficava no sexto andar, numa saleta ao lado da redação da Manchete.
Foi uma revista inspirada inicialmente na famosa ”National Geographic”, mas que acabou  tendo
personalidade própria, com matérias exclusivas e uma tiragem bastante considerável. Era disputada
por estudantes. Em uma de suas edições, publicamos, na capa, uma embalagem com a terra santa
de Israel, especialmente importada com esta finalidade. Na redação, além do José-Itamar de Freitas,
editor, tinha o Moacir Japiassu, redator-chefe, eu, Nelio Horta (sentado), editor de arte. Estamos na foto em no tempo em que nós tínhamos cabelo... Havia também a Célia Maria Ladeira, a Maria Eduarda Alves
de Souza e o Flávio de Aquino. Mais tarde, formaram também na equipe o Luiz Roberto Porto, o Robertão, o José Inácio Werneck e o João Máximo.  Quanta saudade... (Nelio Barbosa Horta, de Saquarema)