Toninho Vaz. na Livraria da Travessa. Foto Zeca Moraes/Divulgação |
por Roberto Muggiati (Especial para a Gazeta do Povo)
Toninho Vaz tem alma de biógrafo. Já contou as vidas de Paulo Leminski (O Bandido Que Sabia Latim), da padroeira dos endividados (Edwiges, a Santa Libertária), de Luiz Severiano Ribeiro (O Rei do Cinema) e fez o perfil, em Solar da Fossa, de moradores ilustres do casarão-pensão de Botafogo como Caetano, Gal, Tim Maia, Paulo Coelho, Gutemberg Guarabyra e Paulinho da Viola. Na quinta-feira, 5, ele relançou na Livraria da Travessa do Leblon, no Rio de Janeiro, sua nova edição de A Biografia de Torquato Neto, pela Nossa Cultura. A editora é de Curitiba, o prefaciador – esse que vos escreve – é de Curitiba e Antônio Carlos Martins Vaz, o Toninho, também é de Curitiba, onde cresceu nas imediações da Baixada (atleticano roxo) e começou a trabalhar no Diário do Paraná, aos 22 anos, em 1969.
Toninho sobreviveu à alta rotatividade das redações, evoluiu da imprensa “udigrudi” (Anexo, Raposa, Pasquim) para as semanais de prestígio (IstoÉ, Manchete), foi editor de textos e roteirista na TV Globo, produtor da Globo, do SBT e da CBS/Miami em Nova York (1995-98). É carioca adotivo há 40 anos, com um intervalo de quatro anos em São Paulo. Vida mais errante teve o seu biografado, Torquato Pereira de Araújo, neto, que saiu do Piauí para Salvador, Rio, São Paulo, Londres, Paris e Rio e para o suicídio, na madrugada depois de completar 28 anos, deixando escrita num caderno de espiral a frase contundente: “Pra mim chega.” Torquato fez uma das letras mais bonitas da pós-bossa, musicada por Edu Lobo: “adeus/ vou pra não voltar/ e onde quer que eu vá/ sei que vou sozinho/ tão sozinho amor/ que nem é bom pensar/ que eu não volto mais/ desse meu caminho.” E anunciou o alvorecer da Tropicália na letra de “Geleia Geral” – e a nova realidade que só se concretizaria na cabeça dos visionários e sonhadores: “o poeta desfolha a bandeira/ e a manhã tropical se inicia/ resplandente cadente fagueira/ num calor girassol com alegria/ na geleia geral brasileira/ que o jornal do brasil anuncia.”
Nosferatu
O título anterior do livro – Pra Mim Chega – foi omitido para poupar o sentimento da família. Na nova capa se lê simplesmente A Biografia de Torquato Neto. O poeta olha para nós por cima dos óculos escuros de aros redondos, envolto numa pesada capa preta em plena manhã luminosa de Copacabana, qual um ser de outro planeta, a capa de Nosferatu, o filme de Ivan Cardoso, lembrando também um parangolé enlutado de Hélio Oiticica. Já se foram 42 anos dos tempos de loucuras que levaram Torquato tão cedo deste mundo. Mas ele parecia estranhamente presente naquela noite em que uma nova onda de protestos pré-Copa parou o trânsito no Rio de Janeiro. A loja do Shopping Leblon, com seus 1,4 mil m² forrados de livros, CDs e DVDs, é a joia da coroa da rede Travessa, criada nos anos 80 a partir de uma pequena livraria na Travessa do Ouvidor, defronte à estátua do Pixinguinha tocando saxofone. Um espaço sofisticado, frequentado por celebridades e abrigando cada noite um lançamento de sucesso.
Toninho Vaz não fez por menos e, com sua fiel escudeira, a mulher Naná Gama e Silva, reuniu amigos de todas as épocas e de todos os locais: sua agente literária, Valéria Martins, da Oasys Cultural; o jornalista Ingo Ostrovski; a produtora e tradutora Ana Deiró; a jornalista Priscila Anders; o fotógrafo Zeca Moraes; a cineasta Lúcia Abreu; e sua personal lawyer Tânia Borges, que ajuda Toninho a trilhar o terreno ainda pantanoso das biografias. O Bandido Que Sabia Latim, seu importante perfil de Paulo Leminski, com quem conviveu intensamente em Curitiba, encontra insondáveis obstáculos junto à família do poeta para uma nova edição.
Torquato e Leminski, nascidos em 1944, poetas de uma geração em transe que o curitibano definiu à perfeição no poema em homenagem ao piauiense, “Coroas para Torquato”: “...esferas se rebelam contra a lei das superfícies/ quadrados se abrem/ dos eixos/ sai a perfeição das coisas/ feitas nas coxas/ abaixo o senso das proporções/ pertenço ao número/ dos que viveram uma época excessiva.”
P.S - Roberto Muggiati envia ao BQVManchete a seguinte mensagem em complemento ao texto acima: "Eu, prefaciador do livro, o Toninho, autor, e o Leminski, muito citado e também biografado pelo Toninho - somos todos de Curitiba e ligados à Manchete. Paulo Leminski (e sua mulher Alice Ruiz, poeta), quando moravam no Rio, no Solar da Fossa (tema de outro livro do Toninho), trabalharam no Departamento de Pesquisa da Manchete, isso lá pelos idos dos anos 70. Conta-me o Toninho que o Leminski, com sua cultura enciclopédica, levantou uma pesquisa sobre a História da Humanidade, a pedido de um bacana da redação, que a publicou em série e assinou com o seu nome, apropriando-se do trabalho do polaco. Toninho foi repórter da Manchete em Nova York, sob Arnaldo Dines, no interregno do triumvirato Tão Gomes Pinto-Otávio Costa- Nunzio Briguglio (1996-97). E o Torquato, embora não tenha passado pela Manchete, figurou em suas páginas na famosa foto da Passeata dos Cem Mil (ao lado do Gilberto Gil, na extrema esquerda), na Cinelândia, em 1968. (foto anexa). Um abraço, Muggiati
Torquato Neto, em primeiro plano, ao lado de Gilberto Gil, na Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968, no Rio. Foto Reproduçã |
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