segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

O Teste Guilaroff de Cinefilia • Por Roberto Muggiati

Sydney Guilaroff e Marilyn Monroe

O primeiro cabelereiro a ter nome nos créditos


Guilaroff, o primeiro à esquerda, no enterro da amiga MM

Amantes do cinema se reconhecem pelo apego ao detalhe. No caso, aqueles créditos de produção que, nos anos 40 e 50 rolavam sempre no começo da “fita”. Dos atores principais ao diretor, passando por cenário, fotografia, música, orquestrações, figurinos e ... cabelos. De tanto ir ao cinema, ficávamos – os mais curiosos – com aqueles nomes gravados na memória. Foi assim que nosso diagramador João Américo Barros me surpreendeu uma tarde na redação ao perguntar a um crítico da
Manchete, à queima roupa, se ele conhecia Sydney Guilaroff. O crítico não era um crítico qualquer, mas um daqueles Moniz Vianna’s boys que galopavam com os cavalarianos de John Wayne no Monument Valley e davam relutantes duas ou três estrelas aos filmes em cartaz no famoso quadro de cotações do Correio da Manhã. Sem nenhum pudor ou culpa o crítico respondeu: “Sidinêi quem?” Vibrei com o Barros, Sydney Guilaroff foi um nome que, desde que o vi na tela pela primeira vez, eu carregaria na cabeça para o resto da vida, mesmo sem conhecer ainda sua incrível história. E saquei na hora também que o Barros tinha criado o teste definitivo de cinefilia. Se o cara ignorava Sydney Guilaroff, não merecia ser considerado cinéfilo, mesmo assinando todas as críticas do mundo. 

Joan Crawford

Filho de um casal russo, Sydney Guilaroff nasceu em Londres em 1907 e ganhou fama em Hollywood. Cabeleireiro principal da Metro Goldwyn Mayer, atuou em mais de 2000 filmes, shows de televisão e apresentações públicas. Tornou-se o primeiro cabeleireiro a ter o seu nome nos créditos de um filme. Em 1930, Guilaroff foi responsável pelo icônico penteado (“capacete”) de Louise Brooks, a maior estrela do cinema mudo. Mas foi Joan Crawford quem mudou sua vida: depois que Sydney penteou seus cabelos nunca mais quis abrir mão dos seus serviços. Durante três anos, a cada novo filme, ela atravessava a América de Hollywood a Nova York para que Sydney criasse um estilo de cabelos para cada papel. Irritado com aquilo, o chefão da MGM Louis B. Mayer resolveu o problema contratando Guilaroff para dirigir o departamento de cabelos do estúdio. Guilaroff trabalhou para a MGM de 1935 a 1970. Correu até a anedota de que, antes de filmarem o leão rugindo para o logo da MGM, Guilaroff penteou suas jubas. Veja aqui

https://www.youtube.com/watch?v=DhNMHcRSNdo

Vivien Leigh

Embora exclusivo da MGM, foi Guilaroff quem fez os penteados de Scarlett O’Hara em ...E o vento levou. Insatisfeita com os profissionais do estúdio de David O. Selznick, Vivien Leigh contratou Guilaroff para criar os penteados que ela desfila ao longo de um dos maiores filmes de todos os tempos. 

Claudette Colbert

Judy Garland

Lucille Ball

Greta Garbo em versão cacheada

E a Garbo como Ninotchka

Ingrid Bergman com o cabelo que virou moda
e foi capa da Time



Marlene Dietrich

Entre outras criações, Sydney assinou a franjinha de Claudette Colbert que ela adotaria para o resto da vida), as tranças de Judy Garland em O mágico de Oz, transformou Lucille Ball numa ruiva, fez os cabelos da turma de Cantando na chuva; modelou duas Garbos radicalmente opostas, em A dama das camélias e Ninotchka. Quando Ingrid Bergman ia estrelar em Por quem os sinos dobram – baseado no romance de Hemingway sobre a Guerra Civil da Espanha – o produtor David Selznick pediu a Guilaroff um corte despojado que o papel exigia. Os cabelos curtos e cacheados da heroína Maria viraram moda e foram adotados por mulheres no mundo inteiro. Já o estilo elaborado que Sydney criou para Marlene Dietrich em Kismet foi algo espetacular e também ousada e diferente a peruca que criou para Marlene em A marca da maldade, de Orson Welles. 

Jean Harlow

Fez ainda perucas para Jean Harlow, a Vênus Platinada, que estava ficando calva de tanto oxigenar os cabelos e morreu precocemente aos 26 anos. E como Esther Williams mantinha os cabelos em ordem sem sair das piscinas? Guilaroff encontrou uma solução simples: um toque de vaselina. 

Guilaroff com Liz Taylor

Grace Kelly no altar by Guilaroff. 
Fotos DP

Elizabeth Taylor, outra estrela que se tornou sua amiga, ameaçou abandonar a filmagem de Cleópatra na Inglaterra quando os sindicatos locais proibiram o ingresso de Guilaroff. Liz insistiu e conseguiu que Sydney fizesse seus cabelos todas as manhãs bem cedo, sem colocar os pés nos estúdios em Pinewood. Foi ele quem penteou Marilyn Monroe para o seu primeiro teste e ficou seu amigo e confidente pelo resto da vida. Foi o cabeleireiro do ultimo filme de MM, Os desajustados, e um dos amigos que carregaram o caixão da estrela. . "Sydney conhecia todo mundo e os segredos de cada um”, disse Debbie Reynolds, estrela da Cantando na chuva e sua amiga. “E era totalmente confiável.” Quando Grace Kelly casou com Rainier de Mônaco, Guilaroff atravessou o Atlântico em voo VIP a fim de preparar suas madeixas para a cerimônia nupcial. 

Guilaroff nunca se casou e em 1938 se tornou o primeiro solteiro nos Estados Unidos a adotar um filho (chamou-o Jon, em homenagem a Joan Crawford.) O estado da Califórnia tentou sustar a adoção, mas Guilaroff não só venceu a causa, como adotaria mais dois filhos. Em seu livro de memorias, Crowning Glories, ele alega que teve relações românticas com greta Garbo e Ava Gardner. Não só as estrelas o adoravam, Sydney era o cabeleireiro favorito de astros como Cary Grant, Clark Gable, Fred Astaire, James Stewart, Spencer Tracy, Tyrone Power, Robert Taylor e Frank Sinatra. 

Satisfeito? Agora você já pode passar no Teste de Cinefilia Sydney Guilaroff…


PS • Nem nossa Pequena Notável escapou de Sydney Guilaroff. Em 1948, o produtor Joe Pasternak convidou Carmen Miranda a fazer dois musicais em cores para a Metro Goldwyn Mayer, A Date with Judy/O Príncipe Encantado e Nancy Goes to Rio/Romance carioca (1950). Particularmente na primeira produção a MGM se esmerou para oferecer uma imagem diferente de Carmen, sem os turbantes típicos e revelando pela primeira vez seus cabelos, com penteados criados por Guilaroff e trocando os trajes de baiana por vestidos e chapéus elegantes desenhados por Helen Rose.



4 comentários:

J.A.Barros disse...

Oi gente sou o Barros, o João Américo Barros. no fim da década de 40 e na década de 50, assistia muito a filmes, e naquela época, era tradição, no final dos filmes, a ficha técnica se desenrolar para os espectadores. Muitos se se levantavam e iam embora. Para eles o filme tinha acabado, Para mim, não, gostava de ver desfilar os nomes daqueles técnicos que ajudaram a fazer o filme, A ficha técnica da Metro era enorme e um nome daqueles me chamou a atenção. No meio de tantos nomes como Johns, Harrys e Sam, um deles era, para mim, até exótico: Sydnei Guilaroff. Um nome russo despontando no meio de tantos técnicos americanos era estranho. Quando fui trabalhar em redações de jornais e revistas, conheci alguns críticos de cinema e por curiosidade, perguntava a eles quem era Sydnei Guilaroff. Nenhum deles sabia quem era esse técnico. Quando fui trabalhar na Manchete, Roberto Muggiati era o "expert" em cinema e tomado de coragem perguntei a ele quem era, no cinema, Sydnei Guilaroff e por surpresa minha, ele respondeu e disse quem era e o que fazia esse S. Guilaroff. Bem, entendi que esse era o único critico de cinema que sabia o que era e quem era quem nesse mundo fantástico do cinema. Mais tarde, veio trabalhar na redação, um novo velho redator, que por acaso também era crítico de cinema. Pensei, vou pegar esse velho. ele não deve saber que foi Sydnei Guilaroff.. Gente, no que perguntei, o velho me respondeu na cara: Sydnei Guilaroff era... e "humlilhado e ofendido" me recolhi , para nunca mais fazer a ninguém esse teste de quem sabia realmente o que era e quem foi no cinema mundial.

J.A.Barros disse...

Na verdade, o Sydnei Guilaroff era um gênio, nos pentados das grandes e famosas artista do cinema de Hollyhood e eu modestamente descobri esse gênio

Editor disse...

Um pequeno esclarecimento do autor do texto sobre os créditos no cinema: “Não é fácil traçar uma arqueologia, são muitos filmes e cada país adota uma filosofia. Mas, basicamente, a história é a seguinte: Até os anos 60, os créditos passavam no início do filme. Excepcionalmente – mesmo nos anos mais remotos, como 30, 40, 50 – depois do The End vinha uma relação do elenco principal, com os nomes dos personagens e dos atores que os interpretavam, coisa simples, mas necessária para satisfazer a curiosidade do espectador. Até alguns animais (principalmente cães) eram creditados; em Beija-me, idiota (1964) é creditado o papagaio que assiste filmes de bangue-bangue na TV no trailer de Kim Novak: “Sam (no papel de Sam, o Papagaio)”. Os créditos no início do filme até então eram poucos e seletivos. Com a chegada das superproduções, adotou-se um formato híbrido: os atores principais continuavam creditados por ordem de importância (e, às vezes, democraticamente, por ordem alfabética), no início do filme, bem como cenarista, diretor de fotografia, compositor, orquestrador, produtor, diretor etc. Os créditos menores passaram a rolar no final do filme, mesmo porque aumentaram muito, não só em função do tamanho destas produções, como por exigências sindicais e contratuais – até os motoristas que transportam as equipes e os serviços de catering (bufê) são citados obrigatoriamente. Frequentador contumaz de cinema até antes da pandemia, eu tinha um problema particular: como me interesso pela música, pelas canções avulsas inseridas no filme, e os créditos musicais são sempre os últimos, me demorava na sala às vezes uns dez minutos, quando o pessoal da limpeza já havia feito seu trabalho e os espectadores da sessão seguinte já estavam entrando. Dá para entender, portanto, a necessidade de enxugar sempre os créditos no início do filme, pois as cenas de abertura são essenciais para atrair a atenção da plateia.”

J.A.Barros disse...

Bem, hoje me sinto até frustrado quando vejo passar os créditos daqueles que trabalharam e colaboraram para realização daquele filme . A ficha técnica é passada com tanta rapidez que não se tem tempo para registrar, na sua memória, os nomes deles. Confesso que a minha maior frustração, é não ver mais, hoje, nessa relação dos autores, atores, criadores dos filmes, o nome do Sydnei Guilaroff. A Metro Goldwin. Mayer, desfilava com carinho os nomes de todos aqueles que colaboraram no filme e esse nome me chamou a atenção, porque fugia aos Jonhs, Sams, Harrys. Bobs tão comuns, nesses grupos. Sydnei Guilaroff, para mim, apesar do Sydnei, tinha um Guilaroff que me soava mais em ser um nome russo e eu me perguntava, o que fazia um russo em Hollywood? Com a minha curiosidade em saber dos críticos de cinema quem era esse Sydnei Guilaroff, fiquei surpreso, porque a todos a quem perguntava, só dois me souberam responder: Roberto Muggiati, crítico de cinema e Editor da revista Manchete e o velho crítico de cinema, naquela ocasião redator da revista Manchete. Mas, os tempos hoje são outros não sei se para melhor - e tudo mudou e até as fichas técnicas mudaram e acredito que para pior. Aqui no brasil, nomes técnico de como fazer cinema foram apagados e em seu lugar surgiram listas intermináveis\is de dubladores - que nunca são lidas - que sem nenhum som nas suas falas, que expressase o sentimento do personagem nas suas cenas, tentam inultlimente transmitir os sentimento daqueles artistas, até porque esses dubladores não são artistas. Detesto esse filmes dublados, ainda prefiro os filmes legendados, e procuro nas palavras, em inglês, a expressão dos sentimentos que fazem os artistas, dar calor e humanizar as cenas que interpretam.