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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Em 1955, um Picnic subversivo em Hollywood • Por Roberto Muggiati


Zapeando pelo YouTube, fui brindado com um favorito que não revia desde o século passado: Picnic/Férias de amor (1955), o filme que Joshua Logan fez baseado na sua montagem da peça de William Inge ganhadora do Pulitzer, estreada há 70 anos na Broadway. Esse drama romântico usa todos os ingredientes da receita clássica de Hollywood, mas o resultado é um prato picante, duro de engolir para o Establishment. Uma arte subjetiva como o cinema enseja que Fred Astaire dance abraçado amorosamente a um cabideiro ou, em desafio à Lei da Gravidade, sapateando sobre o teto. Em Cantando na chuva, Gene Kelly se esbalda chutando poças d’água até que surge um policial de ronda com seu cassetete e Gene se refreia com um irônico/icônico piscar de olhos para a plateia.

Picnic transcorre no que tinha tudo para ser um pacato fim de semana do Labor Day (a primeira segunda-feira de setembro) numa cidadezinha do Kansas. Mas a chegada de um clandestino num trem de carga vai estragar a festa de todo mundo. Hal Carter, de origem humilde, garoto de reformatório por roubar uma moto, entra na universidade graças a seus dotes atléticos, jogando futebol americano.  Terminada a bolsa, tenta sem sucesso uma carreira de ator em Hollywood. Na caça a um emprego, procura o ex-colega de universidade Alan Benson (Cliff Robertson), cujo pai é dono da imensidão de silos de grãos que se elevam na planície do Kansas. Kim Novak, no papel de Madge, a beldade local, eleita Miss neste verão, é praticamente noiva de Alan Benson. Sua mãe, abandonada pelo marido, antevê já seu casamento com o filho do dono da cidade. Mas bastam duas ou três trocas de olhares entre Hal e Madge para eclodir uma paixão avassaladora. Na metade exata do filme, a dança de acasalamento dos dois é uma das maiores cenas romântico-eróticas do cinema.

Veja William Holden & Kim Novak Dancing in the Movie Picnic - YouTube

https://youtu.be/_DBoMIi8bYc?si=O2JxP1M7oCmP93SV

Essa manifestação de amor explícita provoca uma crise de carência na irmã adolescente de Madge (interpretada por Susan Strasberg), uma explosão de ciúme na professora solteirona (Rosalind Russell), que rasga a camisa de Hal, e o despeito de Alan que, tendo emprestado seu carro a Hal, o denuncia à polícia por furto. Humilhado, Hal vai embora num trem de carga para Tulsa, onde o aguarda um emprego como mensageiro ou ascensorista de um hotel.  Ao se despedir de Madge, ela diz que o ama e o seguirá até o fim do mundo. O desfecho, filmado de helicóptero, mostra os caminhos do trem de Hal e do ônibus de Madge convergindo para o final feliz desta história subversiva em que a mocinha, que podia casar com o dono da cidade, escolhe o amor, a qualquer preço.

PS1 • Um dos grandes galãs dos anos 50, William Holden brilhou ao lado de Gloria Swanson (Crespúsculo dos Deuses), Audrey Hepburn (Sabrina),  Grace Kelly, com quem teve um caso,  (As pontes de Toko-ri), e Jeniffer Jones no lacrimoso Suplício de uma saudade.


PS2
• Por acaso, também revi no YouTube outro favorito, Um lugar ao sol (1951), cuja ação também culmina num Labor Day. Dirigido por George Stevens, e manual de redação de noveleiros globais como Manuel Carlos e outros de sua geração, foi baseado no romance de Theodore Dreiser Uma tragédia americana. Conta a história de George Eastman (Montgomery Clift), sobrinho pobre de um magnata industrial que, contrariando as regras da empresa, tem um caso com uma funcionária da fábrica, Alice Tripp (Shelley Winters). Promovido rapidamente, George começa a frequentar a casa do tio, onde se apaixona por Angela Vickers (Elizabeth Taylor), filha de outro industrial milionário. É hora de se descartar da pobretona Alice, mas a coisa fica mais difícil depois que, grávida, Alice começa a pressionar George para que se case com ela. Um escândalo o fará perder o emprego e a namorada rica – Liz Taylor, na flor dos 19 anos – está apaixonadíssima e quer casar com ele. Ciente de que Alice não sabe nadar, George a convida para um passeio no fim de semana do Labor Day. Passeando num lago, a canoa emborca, os dois caem n’água e George se salva deixando Alice se afogar. A justiça não tarda e um júri popular o condena à cadeira elétrica. Na cena final, a garota dos olhos violeta visita George, jurando seu amor eterno, enquanto ele caminha lentamente para THE END.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

O Teste Guilaroff de Cinefilia • Por Roberto Muggiati

Sydney Guilaroff e Marilyn Monroe

O primeiro cabelereiro a ter nome nos créditos


Guilaroff, o primeiro à esquerda, no enterro da amiga MM

Amantes do cinema se reconhecem pelo apego ao detalhe. No caso, aqueles créditos de produção que, nos anos 40 e 50 rolavam sempre no começo da “fita”. Dos atores principais ao diretor, passando por cenário, fotografia, música, orquestrações, figurinos e ... cabelos. De tanto ir ao cinema, ficávamos – os mais curiosos – com aqueles nomes gravados na memória. Foi assim que nosso diagramador João Américo Barros me surpreendeu uma tarde na redação ao perguntar a um crítico da
Manchete, à queima roupa, se ele conhecia Sydney Guilaroff. O crítico não era um crítico qualquer, mas um daqueles Moniz Vianna’s boys que galopavam com os cavalarianos de John Wayne no Monument Valley e davam relutantes duas ou três estrelas aos filmes em cartaz no famoso quadro de cotações do Correio da Manhã. Sem nenhum pudor ou culpa o crítico respondeu: “Sidinêi quem?” Vibrei com o Barros, Sydney Guilaroff foi um nome que, desde que o vi na tela pela primeira vez, eu carregaria na cabeça para o resto da vida, mesmo sem conhecer ainda sua incrível história. E saquei na hora também que o Barros tinha criado o teste definitivo de cinefilia. Se o cara ignorava Sydney Guilaroff, não merecia ser considerado cinéfilo, mesmo assinando todas as críticas do mundo. 

Joan Crawford

Filho de um casal russo, Sydney Guilaroff nasceu em Londres em 1907 e ganhou fama em Hollywood. Cabeleireiro principal da Metro Goldwyn Mayer, atuou em mais de 2000 filmes, shows de televisão e apresentações públicas. Tornou-se o primeiro cabeleireiro a ter o seu nome nos créditos de um filme. Em 1930, Guilaroff foi responsável pelo icônico penteado (“capacete”) de Louise Brooks, a maior estrela do cinema mudo. Mas foi Joan Crawford quem mudou sua vida: depois que Sydney penteou seus cabelos nunca mais quis abrir mão dos seus serviços. Durante três anos, a cada novo filme, ela atravessava a América de Hollywood a Nova York para que Sydney criasse um estilo de cabelos para cada papel. Irritado com aquilo, o chefão da MGM Louis B. Mayer resolveu o problema contratando Guilaroff para dirigir o departamento de cabelos do estúdio. Guilaroff trabalhou para a MGM de 1935 a 1970. Correu até a anedota de que, antes de filmarem o leão rugindo para o logo da MGM, Guilaroff penteou suas jubas. Veja aqui

https://www.youtube.com/watch?v=DhNMHcRSNdo

Vivien Leigh

Embora exclusivo da MGM, foi Guilaroff quem fez os penteados de Scarlett O’Hara em ...E o vento levou. Insatisfeita com os profissionais do estúdio de David O. Selznick, Vivien Leigh contratou Guilaroff para criar os penteados que ela desfila ao longo de um dos maiores filmes de todos os tempos. 

Claudette Colbert

Judy Garland

Lucille Ball

Greta Garbo em versão cacheada

E a Garbo como Ninotchka

Ingrid Bergman com o cabelo que virou moda
e foi capa da Time



Marlene Dietrich

Entre outras criações, Sydney assinou a franjinha de Claudette Colbert que ela adotaria para o resto da vida), as tranças de Judy Garland em O mágico de Oz, transformou Lucille Ball numa ruiva, fez os cabelos da turma de Cantando na chuva; modelou duas Garbos radicalmente opostas, em A dama das camélias e Ninotchka. Quando Ingrid Bergman ia estrelar em Por quem os sinos dobram – baseado no romance de Hemingway sobre a Guerra Civil da Espanha – o produtor David Selznick pediu a Guilaroff um corte despojado que o papel exigia. Os cabelos curtos e cacheados da heroína Maria viraram moda e foram adotados por mulheres no mundo inteiro. Já o estilo elaborado que Sydney criou para Marlene Dietrich em Kismet foi algo espetacular e também ousada e diferente a peruca que criou para Marlene em A marca da maldade, de Orson Welles. 

Jean Harlow

Fez ainda perucas para Jean Harlow, a Vênus Platinada, que estava ficando calva de tanto oxigenar os cabelos e morreu precocemente aos 26 anos. E como Esther Williams mantinha os cabelos em ordem sem sair das piscinas? Guilaroff encontrou uma solução simples: um toque de vaselina. 

Guilaroff com Liz Taylor

Grace Kelly no altar by Guilaroff. 
Fotos DP

Elizabeth Taylor, outra estrela que se tornou sua amiga, ameaçou abandonar a filmagem de Cleópatra na Inglaterra quando os sindicatos locais proibiram o ingresso de Guilaroff. Liz insistiu e conseguiu que Sydney fizesse seus cabelos todas as manhãs bem cedo, sem colocar os pés nos estúdios em Pinewood. Foi ele quem penteou Marilyn Monroe para o seu primeiro teste e ficou seu amigo e confidente pelo resto da vida. Foi o cabeleireiro do ultimo filme de MM, Os desajustados, e um dos amigos que carregaram o caixão da estrela. . "Sydney conhecia todo mundo e os segredos de cada um”, disse Debbie Reynolds, estrela da Cantando na chuva e sua amiga. “E era totalmente confiável.” Quando Grace Kelly casou com Rainier de Mônaco, Guilaroff atravessou o Atlântico em voo VIP a fim de preparar suas madeixas para a cerimônia nupcial. 

Guilaroff nunca se casou e em 1938 se tornou o primeiro solteiro nos Estados Unidos a adotar um filho (chamou-o Jon, em homenagem a Joan Crawford.) O estado da Califórnia tentou sustar a adoção, mas Guilaroff não só venceu a causa, como adotaria mais dois filhos. Em seu livro de memorias, Crowning Glories, ele alega que teve relações românticas com greta Garbo e Ava Gardner. Não só as estrelas o adoravam, Sydney era o cabeleireiro favorito de astros como Cary Grant, Clark Gable, Fred Astaire, James Stewart, Spencer Tracy, Tyrone Power, Robert Taylor e Frank Sinatra. 

Satisfeito? Agora você já pode passar no Teste de Cinefilia Sydney Guilaroff…


PS • Nem nossa Pequena Notável escapou de Sydney Guilaroff. Em 1948, o produtor Joe Pasternak convidou Carmen Miranda a fazer dois musicais em cores para a Metro Goldwyn Mayer, A Date with Judy/O Príncipe Encantado e Nancy Goes to Rio/Romance carioca (1950). Particularmente na primeira produção a MGM se esmerou para oferecer uma imagem diferente de Carmen, sem os turbantes típicos e revelando pela primeira vez seus cabelos, com penteados criados por Guilaroff e trocando os trajes de baiana por vestidos e chapéus elegantes desenhados por Helen Rose.