por Roberto Muggiati
Aproveito o espaço amigo do Panis para continuar meu projeto de memórias em retalhos (ou aos borbotões), enquanto não baixa a amnésia ou não chega o temível Alemão.
Remexendo em velhos papéis, encontrei um ingresso de uma versão teatral de Don Quixote que assisti em Paris no final de 1961. Foi na Akademia Raymond Duncan, na rue de Seine, e o irmão de Isadora fez todos os papeis, até o de Rocinante. Paris então era uma aldeia e Raymond, aos 87 anos – com as vestes da Grécia clássica que passou a usar a partir dos vinte anos – era uma figura folclórica nas ruas de Saint-Germain.
Um pouco da sua história: nasceu em San Francisco em 1874, filho de um banqueiro e da filha de um senador, o terceiro de quatro irmãos. Isadora era a caçula, já bailarina notável na adolescência. Embora ambos fossem voltados para a natureza, Raymond se fixou no passado helênico, enquanto Isadora injetou a modernidade no mundo da dança. Sua morte trágica, aos 50 anos, estrangulada pela écharpe que ficou presa a uma roda do carro conversível em que viajava, ajudou a ampliar a lenda.
Raymond Duncan na Akademia |
Raymond casou com uma grega, Penélope Sikelianos, e passou a viver em pleno estilo da Grécia clássica: além das togas e sandálias, sua casa nos arredores de Atenas vivia num ar de antiguidade. Ele mesmo a mobiliou, com suas habilidades de carpinteiro, ceramista e tecelão.
Duncan com Penélope e Menalkas. Foto Akademia |
Raymond Duncan morreria em 1966 em Cavalaire-sur-Mer, na França, aos 91 anos. A Akademia continuou ativa até os anos 1970, graças ao trabalho da sua segunda mulher.
Fui à sua performance quixotesca numa tarde gélida de domingo, início de dezembro, com minha amiga Elizabeth Gallotti, que estudava teatro em Paris. Moderninhos, levamos a excentricidade de Raymond Duncan na chacota e rimos ao longo de todo o espetáculo.
Roberto Muggiati, Paris, novembro de 1961. Foto: Arquivo Pessoal |
Duncan, já idoso, e a sua segunda mulher: margem do Sena, Paris. |
Hoje, pensando melhor, não vejo nenhum ridículo em Raymond Duncan. Foi um homem excepcionalmente íntegro, um corajoso defensor de suas ideias, seguindo sua vida sem se importar com o mundo preconceituoso e repressor em que ainda vivemos.
Um comentário:
No ano passado fez 100 anos que Isadora Duncan veio ao Brasil. Fiz dança inspirada por ela. Pena que essa data passou em branco. Ela como o irmão tinha adoração pela história grega.
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