O dia que calou a melhor voz do Brasil
por Eli Halfoun
Pedrinho, o garçom baixinho, acabara de trazer meu prato (os fartos restaurantes da Bloch eram self-service: cada um se servia, mas como eu tinha certa dificuldade para fazer isso os garçons quebravam o meu galho). Não tinha dado nem a primeira garfada quando Pedrinho, o garçom, voltou e disse: “Eli, seu Adolpho pediu para você subir com urgência”. Deixei o prato como estava e fui para oitavo andar, onde ficava uma das salas de seu Adolpho e a redação da Amiga. Mal entrei na sala, seu Adolpho informou: “A Elis Regina morreu. Você sabia?” Não, eu ainda não sabia e a notícia foi como um violento soco na cara porque, embora não fossemos amigos tipo carne e unha, eu e a Elis, que era eu no plural, tínhamos uma relação muito carinhosa e camarada. Refeito do susto, sou surpreendido por outra pergunta: “O que você acha de fazer uma edição especial? Vai vender?"
Eu nem sabia se poderia vender, mas sabia que era a melhor forma de prestar uma homenagem para quem já era a melhor cantora do Brasil. Não voltei para o almoço, convoquei a redação e iniciamos aquele que para mim foi o trabalho mais emocional, nervoso e dolorido que já tinha feito. Passamos a noite trabalhando, buscando informações, fotos (o arquivo não era tão farto assim de fotos da Elis) e tomando cuidado para não cometer nenhum desrespeitoso exagero nos textos e, evidentemente, na escolha das fotos. Eu estava realmente muito emocionado (abro um parênteses apenas para contar que quando ouvi na boate Bottle’s, a Elis, pela primeira vez, ao vivo, escrevi uma notinha na coluna que assinava na Última Hora dizendo apenas: “Guardem esse nome: Elis Regina. Ela será a maior cantora do Brasil”. E é.
A edição da especial foi sendo feita e varou a noite, mas a equipe trabalhava emocionada na homenagem que preparávamos. Era uma sexta-feira e eu tinha que estar em Maricá no final da tarde. Iria de ônibus. Quando às 6 horas, o dia clareando, a edição ficou pronta, seu Adolpho mandou um carro da reportagem me leva até Maricá.
Havia dúvidas se a edição-homenagem venderia porque Elis era respeitada, elogiada, fazia sucesso, mas não era o que se pode chamar de, pelo menos naquela época, de uma cantora do povão e o povão era o público da Amiga. Era um risco, mas não havia a intenção maior de vender revista, mas sim de prestar uma homenagem a Elis. Na medida em que cada página ficava pronta, percebíamos que a edição estava ficando emocionante. Já tinha usado quase todo o material fotográfico e ainda havia mais páginas a serem completadas quando bati o olho em uma foto preto e branco, que parecia estar me chamando. Separei a foto, fui até o Jarbas, na época o diagramador da revista e pedi: “Vamos fazer a última página só com essa foto". Na foto, Elis sentada no meio do palco, de roupa branca, iluminada de cima para baixo, parecia estar subindo ao céu. O Jarbas projetou a foto e pedi: "Deixa espaço para um textinho de seis linhas". Preparei o texto, quase em lágrimas. A revista foi para as bancas e obteve excelente venda e grande repercussão. Dois dias depois encontrei Copacabana pelo menos dois camelôs vendendo pôster com a última página da edição especial. Lá estavam expostos na calçada a emoção de um trabalho feito com mais alma do que competência. Não ganhei um tostão (não tinha assinado o texto) e nem precisava. Nada era melhor do que ver o trabalho transformado em uma em real homenagem à Elis Regina. Alguns ainda devem estar em algumas paredes. Assim como a voz de Elis ainda encanta e emociona nossos corações e ouvidos.
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Memórias da redação: Aconteceu... na Amiga
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