por Eli Halfoun (*)
“Minha relação profissional com a Bloch Editores começou quando a empresa ainda funcionava na Rua Frei Caneca. Eu era repórter do jornal "Última Hora" e fui levado para a redação da Fatos&Fotos para fazer frilas na revista em que o Arnaldo Niskier era o chefe de reportagem. Depois de algumas matérias, me afastei. Alguns anos depois, eu já era editor do segundo caderno da UH e também colunista no jornal e voltei à Bloch convidado pelo Genilson Gonzaga para ser o editor de textos da revista Amiga, que estava começando, e era dirigida pelo Moysés Weltman. Depois de ter sido contratado e já trabalhando, percebi que o editor de textos na Amiga acabava sendo mesmo uma espécie de editor-geral. Ocupei o cargo durante muitos anos, até ser promovido a diretor da revista, função que exerci também por longo tempo.
Esse tempo todo na Manchete – a casa e não a revista – teve e tem até hoje um grande significado para mim. Em primeiro lugar, e isso é válido não só no meu caso, mas para todos os que por lá passaram, a Bloch representou uma garantia de um emprego sólido (naquela época, a empresa pagava rigorosamente em dia). Foi também uma boa escola onde aprendi muitas coisas e principalmente o que não se deve fazer em qualquer revista, mas que, estranhamente, fazíamos lá na Bloch e mesmo assim dava certo.
É preciso destacar que, na história da editora, a revista Manchete foi a protagonista, o que fazia com que todas as outras publicações, que foram surgindo aos poucos, fossem apenas coadjuvantes, mesmo que muitas vezes funcionassem como grandes astros. Mas tudo o que acontecia de bom era atribuído à Manchete, que sempre foi inegavelmente o carro-chefe de Bloch Editores.
Em todos esses momentos, muitas pessoas foram particularmente marcantes para mim. Mas o Adolpho Bloch foi, sem dúvida, a de maior destaque, porque era uma figura humana inusitada, seu comportamento era sempre uma surpresa e quase todas as suas atitudes ou decisões entraram para o folclore da Manchete e do jornalismo. Folclore que, acredito, cada um de nós costuma contar em rodas de amigos. Assim, tenho a impressão que qualquer um de nós, que ficamos anos naquela loucura, terá sempre como episódio marcante daquele tempo alguma história em que o Adolpho Bloch foi a figura central.
Lembro, por exemplo, da ousadia do velho em meio a uma agitada greve de funcionários que gritavam na porta da empresa. Adolpho resolveu deixar sua sala, no oitavo andar, e descer para conversar com os grevistas. Fiquei olhando da janela – a Amiga também funcionava no oitavo andar - e mesmo não sabendo bem o que ele disse, em meio à agitação, percebi claramente quando puxou o bolso da calça e mostrou que estava vazio: ele também não tinha um tostão. Só faltou os funcionários, com salário bastante atrasado, se cotizarem em uma vaquinha para o "pobre" do Adolpho. O fato é que ele falou, falou, conseguiu diminuir o entusiasmo dos grevistas e pôs fim a greve.
Lembranças impagáveis
Muitas outras histórias interessantes cercaram nossa vida como profissionais da Bloch. Lembro, por exemplo, quando a Amiga conseguiu uma entrevista exclusiva com o Guilherme de Pádua, preso pelo assassinato da atriz Daniela Perez. Não tive dúvidas e usei uma foto do Pádua para a capa. Quando a capa impressa chegou às mãos do Adolpho, ele me chamou nervoso e reclamou: “Tá maluco? Quem é esse homem que ninguém conhece na capa da revista?” Expliquei, mas nem assim ele ficou convencido. Mas no dia seguinte me chamou outra vez e deu os parabéns porque a edição tinha esgotado a tiragem. Estava tão satisfeito que até mandou pagar um extra para cada um dos repórteres da revista. Dias depois, fui convocado outra vez e aí dei de cara com o Raul Gazolla ( viúvo da Daniela) que reclamava da entrevista feita pela repórter Cláudia Lopes. Ele queria a gravação com as declarações do Guilherme de Pádua. Tentei enrolar, mas o Adolpho exigiu a fita e a entregou ao Gazolla.
Ainda sobre o caso Daniela Perez fiz, logo após a notícia de seu assassinato, uma edição extra e como, naquela altura, as informações ainda eram muito desencontradas, optei por publicar todas as versões que enchiam a cidade de boatos, além é claro de usar fotos das novelas e da atriz de uma maneira geral. Foi, apesar de todas as dificuldades e da pressa um bom trabalho que também mereceu o reconhecimento da empresa, mas dessa vez sem pagamento de extra. Durante uma semana recebi muitos elogios e houve até quem dissesse que aquela edição da Amiga estava garantindo o pagamento dos salários daquele mês.
Em relação a outras capas da revista, recordo da novela Pantanal, que era o maior sucesso na época, e recebi diretamente do Adolpho ordem de escolher como capa os atores da novela, especialmente a Cristiana de Oliveira. Fiz isso repetidas vezes, até que a venda da Amiga começou a cair. O Adolpho me chamou na sala dele, mandou que me sentasse ao seu lado, colocou a mão na minha perna e perguntou: “Quem foi o filho da puta que mandou você dar tantas capas de Pantanal?”. Respondi sem titubear: “Foi o senhor”. O Adolpho sorriu e disse baixinho para que ninguém mais ouvisse: “Não é sempre que tem que fazer tudo o que eu mandar”. Mas tinha que fazer, sim.
Uma decisão que também me colocou diante do Adolpho, para explicações, foi quando a revista completou, se não me engano, 18 anos. Escolhi para capa uma foto do Claudio Marzo com a Regina Duarte e na janela (fotinho menor enquadrada na capa), a mesma dupla na tinha sido a primeira capa da Amiga. Até eu explicar minha intenção jornalística e festiva, o Adolpho só faltou me comer vivo porque considerava aquilo uma loucura. Como deu certo, não mais se falou no assunto.
Outras recordações marcantes têm para mim um forte cunho emocional, como foi o caso da morte de Elis Regina. Eu estava almoçando no restaurante do terceiro andar e mal tinha dado a primeira garfada quando um garçom se aproximou e disse: “Eli, seu Adolpho tá chamando. Pediu para você subir já”. Fui logo e só quando cheguei à sala do Adolpho fiquei sabendo que a Elis Regina tinha morrido. Foi um choque: eu a conhecia desde os tempos do início de carreira no Beco das Garrafas, no Rio, e fiquei sem reação. O Adolpho então pediu que eu fizesse uma edição especial da Amiga para sair no dia seguinte. Lembro que a equipe toda e eu trabalhamos um dia inteiro, varando noite e madrugada. Foi uma edição dolorida, mas em compensação, é uma das que coloco entre as melhores que editei em minha carreira. Vendeu muito e algumas páginas foram transformadas, clandestinamente, em posters que até hoje podem ser encontrados em algumas lojas ou camelôs.
Lembro também que eu estava, numa tarde de sábado, na "Última Hora", quando um telefonema urgente do Jaquito me convocou para ir até a Bloch fazer uma edição sobre a morte do ator Sérgio Cardoso. Mal tinha começado a selecionar o material fotográfico, quando o Jaquito perguntou: “essa revista vai vender? Quanto você acha que a gente deve rodar?”. Respondi com um número qualquer e bem exagerado. A edição especial vendeu mais do que eu havia sugerido.
Emocionalmente ainda foi muito marcante para mim, ter convocado o Tim Lopes, que na época atuava como contínuo, e sugerido a ele, que parecia levar jeito, que fizesse algumas matérias para Amiga. Eu estava convencido de que ele poderia ser um bom repórter, não me enganei. Publicamos algumas de suas reportagens na Amiga. Ele que se formou em Jornalismo, veio a ser um dos maiores repórteres investigativos que esse país já conheceu até ser brutalmente assassinado.
Da glória à garra
Acredito que as grandes coberturas da Bloch tenham sido as do carnaval. As fotos em cores, numa época em que a televisão era P&B, ou ainda engatinhava no sistema novo, eram tão sensacionais que a Manchete acabou virando uma espécie de enredo oficial do carnaval e todo mundo esperava ansioso a chegada da revista às bancas no quarta-feira de cinzas. Nunca se viu isso com qualquer outra revista e agora se vê muito menos.
De outras grandes coberturas da Manchete, lembro da missa que o Papa João Paulo II rezou no Aterro. A revista que bateu recordes de tiragem (chegou a 800 mil exemplares, se não me engano), incluiu uma medalhinha como brinde com a imagem do Papa de um lado, e a de Jesus Cristo do outro. O Adolpho me chamou para colocar a medalhinha também na Amiga e um de seus comentários me chamou atenção: “a grande burrice dos judeus foi terem perdido Jesus Cristo”. É que o Papa, naquele momento era garantia de venda da revista Manchete, um grande negócio e uma enorme fonte de lucro.
Ainda hoje me pergunto sobre as possibilidades de sobrevivência da Bloch. Estou convencido de que o grande erro da casa foi o de nunca ter deixado de ser uma empresa familiar: muitas vezes, as coisas por lá funcionavam de uma forma um tanto amadora, meio de brincadeira, como uma grande festa familiar, às vezes tão engraçada quanto A Grande Família, na televisão. Havia também a preocupação de satisfazer, especialmente por motivos emocionais, a muita gente, o que muitas vezes prejudicava o desempenho jornalístico das revistas e, em consequência, o bom funcionamento da Bloch como empresa.
Mas se, de um lado, a Bloch se perdeu na sua própria grandeza, acho que o principal vilão dessa história foi a TV, a Rede Manchete. A Bloch não estava preparada e nem tinha respaldo para fazer televisão> Por falta de estrutura empresarial, misturou a televisão com as revistas, fez um bolo infernal e acabou prejudicando financeiramente toda a sua estrutura. Ao contrário das empresas Globo, em que sempre se soube dividir bem o jornal, as revistas, as emissoras de rádio e a televisão, que funcionam de forma independente, a Bloch misturou tudo e acabou afetando também até as bem-sucedidas revistas que afundaram junto com a televisão, especialmente na área financeira. Um indicador disso: depois da criação da Rede Manchete de Televisão, a Bloch nunca mais pode se orgulhar de, pelo menos, pagar em dia.”
(*) Durante longos anos, o jornalista Eli Halfoun foi olhos e ouvidos dos chamados VIPs da televisão. Não era só a programação de TV que ocupava as páginas da revista Amiga, mas todo o universo da telinha, com suas histórias, fofocas e revelações surpreendentes. Um inegável pioneirismo do jornalismo de celebridades que hoje domina grandes segmentos do mercado impresso e digital. Todas as semanas nas bancas, Amiga contava para seu imenso público leitor, como se fosse uma vizinha bem informada, as novidades que todo mundo queria saber. Levar às leitoras a intimidade de astros e estrelas foi a fórmula da Amiga.
Em 2008, Eli Halfoun deu o depoimento acima para a coletânea "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou". Na caso, o foco era sua trajetória na Amiga, mas a sua carreira foi muito além. Eli foi um dos mais destacados profissionais do "Última Hora", quando o jornal de Samuel Weiner deu um impulso inovador ao jornalismo. Como colunista, editor e repórter, deixou sua marca em um período de muito dinamismo na imprensa brasileira. Profissional respeitadíssimo, foi jurado dos Festivais da Canção, no auge do formato, e do tradicional Troféu Imprensa, do SBT. Nos últimos anos, manteve o blog Ensaio Geral, sempre antenado em todas as áreas, e também foi colaborador atuante neste Panis Cum Ovum.
Eli Halfoun faleceu hoje, no Rio. Leva a admiração das gerações de colegas que trabalharam ao seu lado e deixa uma longa história e sua marca indelével no jornalismo carioca.
“Minha relação profissional com a Bloch Editores começou quando a empresa ainda funcionava na Rua Frei Caneca. Eu era repórter do jornal "Última Hora" e fui levado para a redação da Fatos&Fotos para fazer frilas na revista em que o Arnaldo Niskier era o chefe de reportagem. Depois de algumas matérias, me afastei. Alguns anos depois, eu já era editor do segundo caderno da UH e também colunista no jornal e voltei à Bloch convidado pelo Genilson Gonzaga para ser o editor de textos da revista Amiga, que estava começando, e era dirigida pelo Moysés Weltman. Depois de ter sido contratado e já trabalhando, percebi que o editor de textos na Amiga acabava sendo mesmo uma espécie de editor-geral. Ocupei o cargo durante muitos anos, até ser promovido a diretor da revista, função que exerci também por longo tempo.
Esse tempo todo na Manchete – a casa e não a revista – teve e tem até hoje um grande significado para mim. Em primeiro lugar, e isso é válido não só no meu caso, mas para todos os que por lá passaram, a Bloch representou uma garantia de um emprego sólido (naquela época, a empresa pagava rigorosamente em dia). Foi também uma boa escola onde aprendi muitas coisas e principalmente o que não se deve fazer em qualquer revista, mas que, estranhamente, fazíamos lá na Bloch e mesmo assim dava certo.
É preciso destacar que, na história da editora, a revista Manchete foi a protagonista, o que fazia com que todas as outras publicações, que foram surgindo aos poucos, fossem apenas coadjuvantes, mesmo que muitas vezes funcionassem como grandes astros. Mas tudo o que acontecia de bom era atribuído à Manchete, que sempre foi inegavelmente o carro-chefe de Bloch Editores.
Em todos esses momentos, muitas pessoas foram particularmente marcantes para mim. Mas o Adolpho Bloch foi, sem dúvida, a de maior destaque, porque era uma figura humana inusitada, seu comportamento era sempre uma surpresa e quase todas as suas atitudes ou decisões entraram para o folclore da Manchete e do jornalismo. Folclore que, acredito, cada um de nós costuma contar em rodas de amigos. Assim, tenho a impressão que qualquer um de nós, que ficamos anos naquela loucura, terá sempre como episódio marcante daquele tempo alguma história em que o Adolpho Bloch foi a figura central.
Lembro, por exemplo, da ousadia do velho em meio a uma agitada greve de funcionários que gritavam na porta da empresa. Adolpho resolveu deixar sua sala, no oitavo andar, e descer para conversar com os grevistas. Fiquei olhando da janela – a Amiga também funcionava no oitavo andar - e mesmo não sabendo bem o que ele disse, em meio à agitação, percebi claramente quando puxou o bolso da calça e mostrou que estava vazio: ele também não tinha um tostão. Só faltou os funcionários, com salário bastante atrasado, se cotizarem em uma vaquinha para o "pobre" do Adolpho. O fato é que ele falou, falou, conseguiu diminuir o entusiasmo dos grevistas e pôs fim a greve.
Lembranças impagáveis
Muitas outras histórias interessantes cercaram nossa vida como profissionais da Bloch. Lembro, por exemplo, quando a Amiga conseguiu uma entrevista exclusiva com o Guilherme de Pádua, preso pelo assassinato da atriz Daniela Perez. Não tive dúvidas e usei uma foto do Pádua para a capa. Quando a capa impressa chegou às mãos do Adolpho, ele me chamou nervoso e reclamou: “Tá maluco? Quem é esse homem que ninguém conhece na capa da revista?” Expliquei, mas nem assim ele ficou convencido. Mas no dia seguinte me chamou outra vez e deu os parabéns porque a edição tinha esgotado a tiragem. Estava tão satisfeito que até mandou pagar um extra para cada um dos repórteres da revista. Dias depois, fui convocado outra vez e aí dei de cara com o Raul Gazolla ( viúvo da Daniela) que reclamava da entrevista feita pela repórter Cláudia Lopes. Ele queria a gravação com as declarações do Guilherme de Pádua. Tentei enrolar, mas o Adolpho exigiu a fita e a entregou ao Gazolla.
Ainda sobre o caso Daniela Perez fiz, logo após a notícia de seu assassinato, uma edição extra e como, naquela altura, as informações ainda eram muito desencontradas, optei por publicar todas as versões que enchiam a cidade de boatos, além é claro de usar fotos das novelas e da atriz de uma maneira geral. Foi, apesar de todas as dificuldades e da pressa um bom trabalho que também mereceu o reconhecimento da empresa, mas dessa vez sem pagamento de extra. Durante uma semana recebi muitos elogios e houve até quem dissesse que aquela edição da Amiga estava garantindo o pagamento dos salários daquele mês.
Em relação a outras capas da revista, recordo da novela Pantanal, que era o maior sucesso na época, e recebi diretamente do Adolpho ordem de escolher como capa os atores da novela, especialmente a Cristiana de Oliveira. Fiz isso repetidas vezes, até que a venda da Amiga começou a cair. O Adolpho me chamou na sala dele, mandou que me sentasse ao seu lado, colocou a mão na minha perna e perguntou: “Quem foi o filho da puta que mandou você dar tantas capas de Pantanal?”. Respondi sem titubear: “Foi o senhor”. O Adolpho sorriu e disse baixinho para que ninguém mais ouvisse: “Não é sempre que tem que fazer tudo o que eu mandar”. Mas tinha que fazer, sim.
Uma decisão que também me colocou diante do Adolpho, para explicações, foi quando a revista completou, se não me engano, 18 anos. Escolhi para capa uma foto do Claudio Marzo com a Regina Duarte e na janela (fotinho menor enquadrada na capa), a mesma dupla na tinha sido a primeira capa da Amiga. Até eu explicar minha intenção jornalística e festiva, o Adolpho só faltou me comer vivo porque considerava aquilo uma loucura. Como deu certo, não mais se falou no assunto.
Outras recordações marcantes têm para mim um forte cunho emocional, como foi o caso da morte de Elis Regina. Eu estava almoçando no restaurante do terceiro andar e mal tinha dado a primeira garfada quando um garçom se aproximou e disse: “Eli, seu Adolpho tá chamando. Pediu para você subir já”. Fui logo e só quando cheguei à sala do Adolpho fiquei sabendo que a Elis Regina tinha morrido. Foi um choque: eu a conhecia desde os tempos do início de carreira no Beco das Garrafas, no Rio, e fiquei sem reação. O Adolpho então pediu que eu fizesse uma edição especial da Amiga para sair no dia seguinte. Lembro que a equipe toda e eu trabalhamos um dia inteiro, varando noite e madrugada. Foi uma edição dolorida, mas em compensação, é uma das que coloco entre as melhores que editei em minha carreira. Vendeu muito e algumas páginas foram transformadas, clandestinamente, em posters que até hoje podem ser encontrados em algumas lojas ou camelôs.
Lembro também que eu estava, numa tarde de sábado, na "Última Hora", quando um telefonema urgente do Jaquito me convocou para ir até a Bloch fazer uma edição sobre a morte do ator Sérgio Cardoso. Mal tinha começado a selecionar o material fotográfico, quando o Jaquito perguntou: “essa revista vai vender? Quanto você acha que a gente deve rodar?”. Respondi com um número qualquer e bem exagerado. A edição especial vendeu mais do que eu havia sugerido.
Emocionalmente ainda foi muito marcante para mim, ter convocado o Tim Lopes, que na época atuava como contínuo, e sugerido a ele, que parecia levar jeito, que fizesse algumas matérias para Amiga. Eu estava convencido de que ele poderia ser um bom repórter, não me enganei. Publicamos algumas de suas reportagens na Amiga. Ele que se formou em Jornalismo, veio a ser um dos maiores repórteres investigativos que esse país já conheceu até ser brutalmente assassinado.
Da glória à garra
Acredito que as grandes coberturas da Bloch tenham sido as do carnaval. As fotos em cores, numa época em que a televisão era P&B, ou ainda engatinhava no sistema novo, eram tão sensacionais que a Manchete acabou virando uma espécie de enredo oficial do carnaval e todo mundo esperava ansioso a chegada da revista às bancas no quarta-feira de cinzas. Nunca se viu isso com qualquer outra revista e agora se vê muito menos.
De outras grandes coberturas da Manchete, lembro da missa que o Papa João Paulo II rezou no Aterro. A revista que bateu recordes de tiragem (chegou a 800 mil exemplares, se não me engano), incluiu uma medalhinha como brinde com a imagem do Papa de um lado, e a de Jesus Cristo do outro. O Adolpho me chamou para colocar a medalhinha também na Amiga e um de seus comentários me chamou atenção: “a grande burrice dos judeus foi terem perdido Jesus Cristo”. É que o Papa, naquele momento era garantia de venda da revista Manchete, um grande negócio e uma enorme fonte de lucro.
Ainda hoje me pergunto sobre as possibilidades de sobrevivência da Bloch. Estou convencido de que o grande erro da casa foi o de nunca ter deixado de ser uma empresa familiar: muitas vezes, as coisas por lá funcionavam de uma forma um tanto amadora, meio de brincadeira, como uma grande festa familiar, às vezes tão engraçada quanto A Grande Família, na televisão. Havia também a preocupação de satisfazer, especialmente por motivos emocionais, a muita gente, o que muitas vezes prejudicava o desempenho jornalístico das revistas e, em consequência, o bom funcionamento da Bloch como empresa.
Mas se, de um lado, a Bloch se perdeu na sua própria grandeza, acho que o principal vilão dessa história foi a TV, a Rede Manchete. A Bloch não estava preparada e nem tinha respaldo para fazer televisão> Por falta de estrutura empresarial, misturou a televisão com as revistas, fez um bolo infernal e acabou prejudicando financeiramente toda a sua estrutura. Ao contrário das empresas Globo, em que sempre se soube dividir bem o jornal, as revistas, as emissoras de rádio e a televisão, que funcionam de forma independente, a Bloch misturou tudo e acabou afetando também até as bem-sucedidas revistas que afundaram junto com a televisão, especialmente na área financeira. Um indicador disso: depois da criação da Rede Manchete de Televisão, a Bloch nunca mais pode se orgulhar de, pelo menos, pagar em dia.”
(*) Durante longos anos, o jornalista Eli Halfoun foi olhos e ouvidos dos chamados VIPs da televisão. Não era só a programação de TV que ocupava as páginas da revista Amiga, mas todo o universo da telinha, com suas histórias, fofocas e revelações surpreendentes. Um inegável pioneirismo do jornalismo de celebridades que hoje domina grandes segmentos do mercado impresso e digital. Todas as semanas nas bancas, Amiga contava para seu imenso público leitor, como se fosse uma vizinha bem informada, as novidades que todo mundo queria saber. Levar às leitoras a intimidade de astros e estrelas foi a fórmula da Amiga.
Em 2008, Eli Halfoun deu o depoimento acima para a coletânea "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou". Na caso, o foco era sua trajetória na Amiga, mas a sua carreira foi muito além. Eli foi um dos mais destacados profissionais do "Última Hora", quando o jornal de Samuel Weiner deu um impulso inovador ao jornalismo. Como colunista, editor e repórter, deixou sua marca em um período de muito dinamismo na imprensa brasileira. Profissional respeitadíssimo, foi jurado dos Festivais da Canção, no auge do formato, e do tradicional Troféu Imprensa, do SBT. Nos últimos anos, manteve o blog Ensaio Geral, sempre antenado em todas as áreas, e também foi colaborador atuante neste Panis Cum Ovum.
Eli Halfoun faleceu hoje, no Rio. Leva a admiração das gerações de colegas que trabalharam ao seu lado e deixa uma longa história e sua marca indelével no jornalismo carioca.
Página do Última Hora editada por Eli Halfoun, em 1962. Antes de Stanislaw Ponte Preta tornar famosa as Certinhas do Lalau, Eli já fazia o Escrete Tudo Azul: as "enxutas" do teatro rebolado. |