por Eli Halfoun
(Três histórias sobre o lado bom de fazer revista entre amigos)
Parecia fácil, mas era complicado fazer da
Amiga uma revista semanal vibrante, criativa e atualizada: dependíamos de conseguir os capítulos das novelas para preparar os resumos, da boa vontade dos artistas para entrevistas e fotos e de informantes com credibilidade para contar tudo o que acontecia nos bastidores. Nosso universo era sempre o mesmo e era preciso “fazer ginástica” para não ficar repetitivo e criar novidades interessantes que mobilizassem os leitores. Apesar de todas as dificuldades, também era muito divertido o trabalho na redação, onde era necessário criar todo dia novas brincadeiras que deixassem o ambiente de trabalho descontraído, alegre e feliz. Nunca faltou, justiça seja feita, criatividade no quesito sacanagem. Aqui estão três historinhas que ilustram bem o espírito brincalhão que nos permitia, por mais paradoxal que possa parecer, fazer um trabalho sério.
História I
O Moysés Welltman era um grande sujeito, mas cheio de manias, que não escondia. Vivia dizendo na redação que odiava sol e jaca e que até o cheiro da fruta o fazia passar mal e vomitar. Ficou anotado e perto de seu aniversário, quando pensávamos o que lhe dar de presente, surgiu a idéia brilhante:
“Vamos dar uma jaca”. Mas como arranjar uma jaca? O Tostão, que adorava as brincadeiras e era o criador de várias deu a solução. Morava no subúrbio, viajava mais de uma hora de ônibus até a redação:
“Eu pego a jaca no quintal do meu vizinho”. Ainda argumentamos que era muito longe e seria difícil trazer a jaca. E ele, já delirando com a brincadeira não titubeou:
“Eu me viro e trago a jaca de qualquer maneira”. Na véspera do aniversário do Weltman, a jaca estava na redação e, no dia seguinte, a enviamos cedinho para a casa do Weltman. Não sabemos qual foi sua reação ao receber o embrulho de presente com a jaca, mas do jeito enjoado que ele entrou na redação deu para imaginar. Não passou recibo, mas a turma se entregou:
“Parabéns, Weltman, vai ter bolo de jaca hoje”. Aí ele revelou a raiva:
”Só se for para esfregar na cara de vocês”. Ninguém comeu bolo de jaca, mas mesmo assim foi um aniversário muito divertido. Pelo menos para nós.
História II
Pouca gente sabe ou lembra, mas o hoje mundialmente badalado escritor Paulo Coelho foi repórter free-lance da
Amiga. Nenhum redator gostava de pegar seus textos porque diziam que “era coisa de maluco”. Um dia, Paulo ligou da portaria, mandou me chamar e disse que tinha uma ótima reportagem para me entregar. Conversei com ele no hall dos elevadores no oitavo andar do prédio do Russell, dei uma lida no texto (era uma entrevista e uma análise com e sobre o Raul Seixas, de quem viria a ser parceiro). Enquanto eu lia, Paulo, fala mansa e boa gente, não parava de falar:
“Lê direitinho para depois não dizer que é coisa de maluco e vê se aproveita porque tô precisando muito da grana desse frila”. O texto realmente não era dos melhores, mas como ele precisava da grana decide aproveitar. Paulo acrescentou:
”Se achar que tá ruim demais pode reescrever”. Foi o que fiz. Quando a revista saiu ele ligou para agradecer:
“Ficou legal. Que bom que você não mexeu em nada”. Tinha mexido sim E muito.
História III
A época era das saias curtas e as bonitinhas repórteres da
Amiga não as dispensavam. Sentadas em suas mesas de trabalho, quase provocavam diariamente um torcicolo no Tostão, que fazia contorcionismo para como ele mesmo dizia “ver o furo de reportagem”. Osmar Tavares, o baixinho Tostão, nem queria ver a calcinha de ninguém. Queria apenas deixar as meninas sem graça e cheias de cuidados na hora de cruzar as pernas. Todo dia era a mesma coisa: enquanto diagramava uma página ia narrando:
“Fulana tá de calcinha branca, sicrana de azul claro”. Não via nada, mas inventava as cores (às vezes até acertava) para instigar a redação. Era casado com uma mulher três vezes maior do que ele e, portanto, tinha em casa uma fartura de calcinha, mas gostava de repetir:
“Adoro ver calcinhas”. Um dia cheguei perto e dei a notícia:
“Na hora do almoço vamos até o Largo do Machado que vou te levar em um lugar especial para você ver calcinhas”. Ficou, é claro, todo animado, contando os minutos. Combinei com parte da turma da redação que me seguisse na hora do almoço. Saí com o Tostão e fomos caminhando pela rua do Catete até o Largo do Machado. Ansioso, ele perguntava:
“Falta muito, falta muito?". Enfim chegamos na Galeria do Condor no Largo do Machado.
“E agora vamos subir, tem muita mulher lá?" Eu só pedia calma. Andamos até quase o final da galeria, parei em frente a uma loja de lingeries e simplesmente disse:
"Divirta - se olha só quantas calcinhas ”. Foi a primeira vez que vi o bem humorado Tostão ficar nervoso. Só não me deu uns cascudos porque eu era o chefe. A turma da redação que nos seguiu morria de rir e até comprou uma calcinha de presente para o Tostão. Não se sabe ser um dia ele a usou.