O repórter vai sobreviver?
A pergunta é valida. Milhares de jornalistas foram demitidos nos últimos anos. E na maioria dos dispensados estavam profissionais da base do jornalismo: a reportagem.
Crise econômica, novos modelos de negócio, reestruturação, o impacto das mídias digitais, extinção de versões impressas foram alguns dos motivos apontados pelas empresas. Nesse quadro, investir em colunistas e comentaristas tornou-se uma prioridade visível. Claro que informação e análise devem andar juntas, mas interpretar mais as circunstâncias de um fato conhecido do que apurar os próprios fatos parece desequilibrar um conceito consagrado do bom jornalismo. É comum âncoras e comentaristas levaram horas conversando sobre uma notícia. É inusitado que, nessas conversas, o apresentador ou apresentadora invariavelmente encaixe uma pergunta ao comentarista: "Fulano, o que vai acontecer agora"? E o fulano incorpora o vidente e ousa detalhar o que vai rolar, as reações de um e outro etc.
As limitações impostas pela pandemia ao longo de 2020 afetaram a mobilidade dos repórteres para apuração efetiva e, com isso, estes perderam ainda mais espaço para os colunistas e comentaristas. Aparentemente, isso afetou principalmente os veículos tradicionais. Alguns dos principais furos de reportagem no período, as indispensáveis exclusivas, vieram do The Intercept, Metrópoles, Antagonista, El Pais Brasil, BBC Brasil, entre outros, que continuaram com a reportagem de campo no radar. Vale dizer que a revista Época teve uma boa fase de exclusivas, mas mudanças na redação parecem ter domesticado a revista. A Veja, que foi tão combativa no período anterior ao golpe, hoje parece ligada a respiradores. A Istoé opera muito na "cozinha", a técnica de juntar fatos conhecidos e construir uma abordagem retrofitada. Já veículos como Globo News e CNN, por exemplo, preferem manter uma multidão de comentaristas dissecando - às vezes repetidamente - assuntos correntes e geralmente não exclusivos. Talvez por isso, no Grupo Globo, um programa como o Fantástico, que não mantêm analistas da notícia, é um que ainda não perdeu o foco nas exclusivas. E o homem mais procurado de 2020, o Queiroz das "rachadinhas", teve seu esconderijo exposto por uma "antibolsonarista', precisamente a filha do Olavo de Carvalho, o guru do anormal que nos governa. A mídia em geral o procurava, mas limitava-se a perguntar a advogados onde o procurado se homiziava, se iria se apresentar. Claro que nunca teve resposta.
No último domingo, a principal matéria do jornal O Globo, com título na área nobre da primeira página, foi o reforço da equipe de colunistas. Um fotomontagem mostra os 36 escribas fixos, sem contar os convidados eventuais. Do grupo, apenas uns três ou quatro garimpam efetivamente valiosas informações exclusivas.
Nada contra, mas repórteres de fazem falta.
A pandemia também levou a excessos o chamado "jornalismo declaratório", que é a produção de matérias com base apenas nas declarações de fontes oficiais, assessorias ou, no máximo, de fontes laterais com interesses quase semelhantes. Qual a utilidade de ouvir, por exemplo, o Mourão? Ele fala o óbvio. A mídia desloca repórteres quase todo dia para "repercutir" uma fala qualquer do Bolsonaro e o Mourão cumpre sua função subserviente de "passar pano" na verborragia do chefe.
Não é só a população que aguarda ansiosamente a vacinação, o público também espera que a mídia se imunize contra o excesso de "explicadores" e não desista dos repórteres.
Fica a pergunta: como as pessoas entendiam as notícias antes da existência do batalhão de analistas que nos explicam o que estamos vendo?
4 comentários:
O STF liberou as mensagem trocadas pelos lavajateirtos de Curitiba, Moro e facção, boa parte do material é inédito, já que os arquivos vazados são maiores do aqueles que Intercept publicou. A mídia principal está ignorando. Jornalismo jogado no chão por quem deveria praticar jornalismo
Acho que tem mesmo um excesso de comentarista e falta de reportagem, tem muito assunto para levantar no Brasil mas é preciso ter repórter que gasta sola de sapato como se dizia.
Sei lá com quem falam, mas parece que é para estudantes. Fazem as perguntas mais idiotas.
Não é inteiramente válida a ideia de que as hotnews ficam para a web e opinião e colunas nos jornais tradicionais. O leitor desses jornais também quer ver grandes reportagens. Aliás, sites como El Pais e BBC publicam exclusivas, boas e longas reportagens. Seja lá em que meio for, o importante é ter reportagens investigativas, exclusivas, o leitor pede isso, claro, não quer só repetições. E estão faltando boas reportagens na mídia tradicional. O Washinton Post e o NY times fizeram essa transição , têm opinião sem abrir mão da reportagem exclusiva.
Postar um comentário