sábado, 28 de março de 2020

Daniel Azulay (1947-2020) e o homem-tronco • Por Roberto Muggiati

Daniel Azulay. Foto: Reprodução do site oficial do desenhista e artista plástico


Durante muitos anos – não lembro bem por que – o Shopping da Siqueira Campos, hoje conhecido como Shopping dos Antiquários, foi uma imensa carcaça vazia. Lembro o primeiro grande evento que aconteceu lá, na segunda metade do ano de 1960, o lançamento do livro Furacão sobre Cuba, de Jean-Paul Sartre, com a presença do autor e de sua companheira, a fila dos autógrafos chegava até quase a praia de Copacabana. Nas megaenchentes dos verões de 1966 e 1967, o shopping inacabado serviu de abrigo para as populações desalojadas. Em 1970, o grande espaço onde se instalaria depois um supermercado, acolheu um dos primeiros festivais de rock do Rio, chamado de Curtisom. Daniel Azulay estava lá, à beira do palco, com o seu famoso triciclo psicodélico, uma daquelas bicicletas antigas toda equipada com luzinhas multicoloridas e outros adereços. Numa sexta-feira de setembro de 1978, Lena e eu pegávamos às onze da noite na estação Barão de Mauá o lendário Trem de Prata – o Santa Cruz – que fazia a ligação Rio-São Paulo. Na plataforma encontramos um pessoal da Manchete: Renato Sérgio e a namorada de plantão, o chefe de reportagem João Luiz de Albuquerque, com a mulher Elba e as duas filhinhas (uma delas, a Gabriela, foi uma das produtoras editoriais do livro Aconteceu na Manchete/As histórias que ninguém contou (Desiderata), que daria origem ao blog Panis com Ovum. O Daniel Azulay também estava lá, com sua vistosa bicicleta psicodélica, não sei até hoje como conseguiu embarcar o imenso aparato no trem. (Uma anedota do João Luiz: toda manhã o Jaquito aparecia nervoso na redação e mandava telefonarem para a casa do chefe de reportagem, que chegava sempre atrasado: “Ainda está chafurdando entre os lençóis”, rosnava o Jaquito. Pois não é que João Luiz e família não acordaram à chegada do trem na Estação da Luz, em São Paulo? Depois de despejar os passageiros, o trem rodou em frente, João Luiz e família só foram acordar num pátio de manobras a três quilômetros depois.)

Cartuns de Daniel Azulay na última...

...página da Manchete, no anos 1970.

No alto, à direita, o homem-tronco
Nessa época, Daniel Azulay (*) era cartunista da Manchete com um espaço nobre, a última página em cores. Curtíamos muito a sua figura especial e meio inocente, foi um dos raros humoristas que conheci que não era um chato como pessoa. Eu, o maestro que regia a revista, e Alberto de Carvalho, meu brilhante spalla, passamos anos pegando no pé do Daniel: “Você é genial, só está faltando fazer um cartum com um homem-tronco...” O Azulay desconversava, dizia que não sabia muito bem como encaixar o personagem no seu universo gráfico e ideológico, talvez já se sentisse inconscientemente tolhido pela camisa-de-força do “politicamente correto”.
Um dia, anunciou sua saída: iria dedicar-se a um programa de educação de crianças através das artes plásticas. Pouco depois. partia para o seu belo projeto. Antes, porém, num de seus últimos trabalhos, brindou-nos com um belo cartum de um homem-tronco...

(*) O desenhista e artista plástico Daniel Azulay morreu ontem, no Rio de Janeiro. Ele estava hospitalizado em luta contra uma leucemia e contraiu a Covid-19

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