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Daniel Azulay. Foto: Reprodução do site oficial do desenhista e artista plástico |
Durante muitos anos –
não lembro bem por que – o Shopping da Siqueira Campos, hoje conhecido como
Shopping dos Antiquários, foi uma imensa carcaça vazia. Lembro o primeiro
grande evento que aconteceu lá, na segunda metade do ano de 1960, o lançamento
do livro Furacão sobre Cuba, de
Jean-Paul Sartre, com a presença do autor e de sua companheira, a fila dos
autógrafos chegava até quase a praia de Copacabana. Nas megaenchentes dos verões
de 1966 e 1967, o shopping inacabado serviu de abrigo para as populações desalojadas.
Em 1970, o grande espaço onde se instalaria depois um supermercado, acolheu um
dos primeiros festivais de rock do Rio, chamado de Curtisom. Daniel Azulay
estava lá, à beira do palco, com o seu famoso triciclo psicodélico, uma
daquelas bicicletas antigas toda equipada com luzinhas multicoloridas e outros
adereços. Numa sexta-feira de setembro de 1978, Lena e eu pegávamos às onze da
noite na estação Barão de Mauá o lendário Trem de Prata – o Santa Cruz – que
fazia a ligação Rio-São Paulo. Na plataforma encontramos um pessoal da Manchete:
Renato Sérgio e a namorada de plantão, o chefe de reportagem João Luiz de
Albuquerque, com a mulher Elba e as duas filhinhas (uma delas, a Gabriela, foi
uma das produtoras editoriais do livro Aconteceu
na Manchete/As histórias que ninguém contou (Desiderata), que daria origem
ao blog Panis com Ovum. O Daniel Azulay também estava lá, com sua vistosa
bicicleta psicodélica, não sei até hoje como conseguiu embarcar o imenso
aparato no trem. (Uma anedota do João Luiz: toda manhã o Jaquito aparecia
nervoso na redação e mandava telefonarem para a casa do chefe de reportagem,
que chegava sempre atrasado: “Ainda está chafurdando entre os lençóis”, rosnava
o Jaquito. Pois não é que João Luiz e família não acordaram à chegada do trem
na Estação da Luz, em São Paulo? Depois de despejar os passageiros, o trem
rodou em frente, João Luiz e família só foram acordar num pátio de manobras a
três quilômetros depois.)
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Cartuns de Daniel Azulay na última... |
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...página da Manchete, no anos 1970. |
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No alto, à direita, o homem-tronco |
Nessa época, Daniel Azulay (*) era cartunista da Manchete com um espaço nobre, a última página em
cores. Curtíamos muito a sua figura especial e meio inocente, foi um dos raros
humoristas que conheci que não era um chato como pessoa. Eu, o maestro que
regia a revista, e Alberto de Carvalho, meu brilhante spalla, passamos anos pegando no pé do Daniel: “Você é genial, só
está faltando fazer um cartum com um homem-tronco...” O Azulay desconversava,
dizia que não sabia muito bem como encaixar o personagem no seu universo gráfico
e ideológico, talvez já se sentisse inconscientemente tolhido pela
camisa-de-força do “politicamente correto”.
Um dia, anunciou sua saída: iria
dedicar-se a um programa de educação de crianças através das artes plásticas. Pouco
depois. partia para o seu belo projeto. Antes, porém, num de seus últimos
trabalhos, brindou-nos com um belo cartum de um homem-tronco...
(*) O desenhista e artista plástico Daniel Azulay morreu ontem, no Rio de Janeiro. Ele estava hospitalizado em luta contra uma leucemia e contraiu a Covid-19