O cinema como meio de propaganda da direita provoca uma crise no Cine PE, o Festival do Audiovisual 2017, que será realizado em Recife, no período de 23 a 29 de maio.
Como se sabe, após o golpe que destituiu uma presidente eleita, instaurou-se o movimento cinematográfico Neocoxismo Brasileiro, como é chamado, em alusão com sinais trocados e competências idem ao Neorrealismo Italiano. Equipes estão em campo para produzir épicos da cinematografia conservadora. Ontem, em Curitiba, como exemplo, oito câmeras filmavam uma das produções da nova tendência, que mostrará os bastidores da operação Lava Jato.
Há várias outros longas em andamento, de documentários e peças de ficção que replicam nas telas o Brasil visto através de uma lupa equivalente à do "pensamento único" da velha mídia.
No ano passado, dois episódios já denunciavam esse movimento que surfa na onda do novo poder: o protesto, em Cannes, do elenco e equipe técnica do premiado "Aquarius" e a polêmica em torno da indicação do filme "Pequeno Segredo" como representante do Brasil ao Oscar, por parte de representante do governo, o que levou outros cineastas a retirarem seus filmes da seleção.
Com a divulgação da programação do Cine PE, que contempla alguns desses filmes, vários cineastas retiraram suas obras da mostra como um protesto ao avanço da direita radical também no cinema. O documentário "O Jardim das Aflições", de Josias Teófilo, sobre o notório extremista Olavo de Carvalho, uma espécie de guru do atraso, é uma das obras selecionadas. O documentário teria sido financiado em sistema de crowdfunding, com a suposta participação de uma editora que prepara a biografia de Jair Bolsonaro. Um livro, aliás, que já nasce cotado para ser lançado em ano eleitoral e virar filme candidato a blockbuster do Neocoxismo. O festival também programou a exibição fora da competição de “Real – O Plano por Trás da História”, de Rodrigo Bittencourt, que exalta a criação da moeda pelos tucanos durante o governo de Itamar Franco, em 1993.
Os cineastas Ana Paula Mendes (A Menina Só), Cíntia Domit Bittar (A Menina Só), Sávio Leite (Venus: Filó a Fadinha Lésbica), Eva Randolph (Não me Prometa Nada), Arthur Leite (Abissal)
Gabi Saegesser (Iluminadas), Petrônio Lorena (O Silêncio da noite é que tem sido testemunha das minhas amarguras), Leo Tabosa (Baunilha), retiraram seus filmes do Cine PE.
Eles admitem que o Cine PE fez uma escolha democrática - "embora equivocada" - mas não se sentem confortáveis ao lado desses destaques da programação e apenas não querem participar de um evento que aposta em um discurso que dissemina ódio e ataca grupos vulneráveis.
"Carta Aberta de Repúdio à Programação do Cine PE 2017".
"Nós, representantes dos filmes abaixo listados, decidimos tornar pública a decisão, conjunta, de retirar nossas obras da seleção do XXI Cine PE Festival Audiovisual, a ser realizado entre os dia 23 e 29 de maio de 2017, na cidade do Recife.
Apenas no dia 08 de maio, através de veículos de imprensa, tomamos conhecimento da grade completa dos filmes que foram selecionados para o festival. Constatamos que a escolha de alguns filmes para esta edição favorece um discurso partidário alinhado à direita conservadora e grupos que compactuaram e financiaram o golpe ao Estado democrático de direito ocorrido no Brasil em 2016, o que evidencia uma tendência partidária dos produtores do evento visando beneficiar o seu grupo político. É lamentável verificar que a presente edição do Cine PE não soube ser sensível aos frágeis tempos políticos em que vivemos, apresentando, de forma destacada em sua programação, filmes que dialogam com um discurso do qual não nos identificamos absolutamente, o que nos deixa em completo desconforto e desacordo.
O Brasil vive um dos momentos políticos mais delicados da nossa História recente. Vivemos um processo de ruptura democrática, de cerceamento dos direitos adquiridos, de crescimento de discursos de extremo conservadorismo disseminando o ódio e atacando os grupos mais vulneráveis. Reformas arbitrárias, que desdenham da Constituição brasileira, colocam em xeque políticas públicas sociais, culturais e econômicas, carregando forçosamente o Brasil para um retrocesso sem precedentes. A grande mídia, de forma inconsequente e criminosa, associada a políticos e empresários corruptos, manipulam a população.
O ato de inscrever nossos filmes no CINE PE foi completamente consciente. Mas faltou o bom senso por parte da Curadoria / Direção desse festival em selecionar um filme sobre um dos gurus da extrema direita brasileira - classe esta responsável pela consolidação do Golpe de Estado que derrubou uma Presidenta democraticamente eleita, Olavo de Carvalho é um radical extremista em sua "filosofia" e em seu modo de vida e comportamento. Nossa postura é bastante dura e clara em relação a seleção do filme "O Jardim das Aflições". De maneira alguma querermos fazer parte de um evento que, de forma democrática - mesmo que equivocada, selecionou esse filme.
Os realizadores que foram selecionados para o CINE PE não utilizam suas obras para fins institucionais de nenhum partido político e não podem aparecer em um evento, que deseja agregar suas imagens e a dos seus filmes a interesses conservadores e reacionários da política brasileira atual.
Por fim, reconhecemos a importância do Cine PE Festival Audiovisual e muitos de nós já tivemos a oportunidade de orgulhosamente participar de outras edições do mesmo. Entretanto, pelas razões apontadas acima, nos sentimos impossibilitados de participar desta vigésima primeira edição. Esperamos poder participar de edições futuras e mais conscientes do Cine PE, condizentes com sua grandeza histórica e relevância para a formação de público do cinema brasileiro.
Florianópolis / Fortaleza / Rio de Janeiro / Recife, 10 de Maio de 2017."
ATUALIZAÇÃO EM 12/5/2017 - A organização do Cine PE divulgou nota em que informa que adiou o festival para convidar novos filmes em substituição às obras retiradas.
Ao mesmo tempo, os diretores que participam do protesto ressaltam que não estão querendo apontar o que o Cine PE deve selecionar ou não. Apenas não querem participar de um evento cultural com o risco de serem confundidos com posições políticas que rejeitam.
E argumentam que, assim o como o festival se posiciona ao fazer sua seleção, os cineastas têm o direito de firmar seu posicionamento e expressá-lo.
Outra informação: o criador do Cine PE, Alfredo Bertini, assumiu a Secretaria do Audiovisual em maio do ano passado, logo após o golpe. Deixou o cargo no fim do ano passado, depois de participar do grupo que escolheu o filme que representou o Brasil no Oscar ("Pequeno Segredo"), quando havia a expectativa de que fosse escolhido o longa "Aquarius", premiado em vários festivais internacionais e que se destacou em Cannes. Como se sabe, o elenco do filme fez na ocasião - logo após a conspiração que derrubou Dilma Rousseff - um protesto contra o golpe, com grande repercussão internacional, o que incomodou profundamente o governo ilegítimo que dias antes havia sequestrado o sequestrado o poder.
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3 comentários:
Concordo com os cineastas, eles não estão impedindo a exibição dos filmes de direita, apenas não querem estar ao lado.
É a diversidade cultural não pode? Não é democrática?
Para a esquerda "progressista ", não existe diversidade cultural. E também não é democrática. A União Soviética era, por acaso, democrática?
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