sábado, 31 de dezembro de 2016

TODA A VERDADE (QUE NUNCA FOI DITA) SOBRE O DESTEMIDO (E TEMÍVEL) VIDENTE ALLAN RICHARD WAY

Por ROBERTO MUGGIATI


O vidente segundo uma
 das clássicas representações
 clicadas por Cony.
Foi no início dos anos 70, o Justino Martins, além de grande jornalista, tinha um espírito brincalhão e resolveu inventar um vidente para acabar com todos os videntes. Como “segundo” dele na edição da revista Manchete vi tudo com estes olhos que a terra há de comer, ou melhor, que a fornalha irá queimar.

Allan Richard Way foi uma criação coletiva. O primeiro redator incumbido dele foi o Caio de Freitas, um senhor de ternos elegantes (e alma elegante) que tinha morado na Inglaterra (trabalhou na BBC) e inventou uma história em tom sherloquiano.

Havia um Dr. Watson – o jornalista inglês Robert McPherson – que era acionado em Londres pelo Célio Lyra, o homem da Manchete encarregado das relações com as sucursais. Cada início de dezembro, McPherson se dirigia para uma casa em estilo Tudor num subúrbio distante de Londres onde morava o grande astrólogo Alan Richard Way e recolhia do sábio homem suas previsões para o novo ano.

Depois, a tarefa de escrever as previsões de Allan Richard Way caiu nas mãos de Carlos Heitor Cony, que logo tratou de botar mais molho na história e no personagem.

De saída, ele cegou o vidente.

Inicialmente, a foto de Way publicada junto a suas previsões era a de um cientista qualquer de terno e gravata – uma foto de agência – que Justino puxou de uma gaveta. Depois, quando já era eu o editor de Manchete (a partir de 1975), Cony decidiu mudar o visual do professor. Numa de suas viagens pelo mundo, fotografou no aeroporto de Heathrow, em Londres, um indiano com a indumentária típica dos sikhs, incluindo barba e turbante. Este passou a ser o novo Allan Richard Way.

As previsões de Allan Richard Way rendiam chamada de capa
na edição da Manchete que abria o Ano Novo, como em 1988.
Para dar maior respaldo científico às previsões do vidente cego, o final da matéria trazia uma interpretação astrológica do ano vindouro, feita pelo Professor Arcturus – na verdade, nosso companheiro de redação Cláudio Hazan, que começara a estudar seriamente o universo astral.

Certo ano, o Allan Richard Cony previu que haveria um grave problema com as colunas centrais da Ponte Rio-Niterói. Na época, nosso chefe de reportagem Sérgio Ross havia se tornado assessor de comunicação do Ministro dos Transportes e sugeriu que fosse feita uma investigação. Não deu outra: as pilastras exibiam certas estrias de rachaduras cuja gravidade teria de ser avaliada.

Djuna, a célebre
vidente do
Kremlin.
Reprodução FB
Allan Richard Way começou a ganhar peso e notoriedade. Houve até uma ocasião, durante uma crise mundial, em que inventei uma edição extra: o encontro de Allan Richard Way com a lendária vidente do Kremlin, Djuna Davitashvili. O pior é que o Cony, que sempre foi a alma do texto, teve de abrir um espaço em suas férias no Mediterrâneo para escrever a matéria.

O nosso vidente cego quase provocou a demissão de uma prestigiosa jornalista de televisão da Globo. O Fantástico queria a todo custo uma entrevista exclusiva com nosso astrólogo. Sandra Passarinho, correspondente da Globo em Londres nunca conseguiu e chegou até a ser ameaçada de demissão.

De Nostradamus a Allan Richard Way, os videntes de hoje – se é que ainda existem – já não podem mais competir com o mundo real. Quem seria capaz de prever a explosão das Torres Gêmeas em 2001?

O negócio é ficar quietinho no seu canto e esperar as coisas mais absurdas deste planeta em choque consigo mesmo. Mas sempre achando um tempinho para curtir uma transgressão saudável à Justino ou à Cony. . .

4 comentários:

J.A.Barros disse...

Aqueles tempos de criatividade no jornalismo brasileiro passaram e não voltam mais. O jornalista brasileiro de hoje se prende mais à TV que por sua vez – pelo menos aqui no Brasil – não tem nenhuma criatividade, limitando-se a copiar programas que já deram certo em canais de TV de outros países. O programa do Faustão – aos domingos – se limita a copiar brincadeiras envolvendo quedas em piscinas, "a Dança dos Famosos "por exemplo já existia nas TVs dos EUA e outras brincadeiras que exigem muito preparo físico dos competidores, muitos são copiados da TV japonesa. Para minha surpresa, o programa copiado que me causou mais estranheza foi o do Jô Soares, que descobri logo que era uma cópia "cuspida e escarrada " do programa de entrevistas do jornalista e âncora americano Davis Letterman, que se aposentou recentemente. Afinal, achava que Jô era um grande humorista e um grande criador, mas na verdade o humorismo brasileiro tanto no Rádio e depois nas TVs era todo criado e escrito pelo redator jornalista Max Nunes.hoje esquecido e seu nome apagado.

J.A.Barros disse...

A época dos videntes como Alan Richard Way,passou de moda com a globalização trazendo outros videntes para outras áreas, como por exemplo a área econômica do país ou da economia mundial. Volta e meia, surgem nomes de professores de Universidades tanto americanas de Harvard, ou da Sorbone e até mesmo economistas formados na PUC ou na UERJ prevendo futuros não muito vencedores nessa área hoje tão discutida e nunca respondida com sucesso. Em cada crise econômica do Brasil aparecem 10 ou mais videntes formados em universidades famosas prevendo um futuro de desastres econômico e financeiro que deixariam o Brasil arrasado. Se os videntes não se contem na economia na política interna de partidos e governos surgem especialistas, aos montes, prevendo quedas e revoluções estruturais na política partidária ou não dos atuais governos. Todos esses videntes de hoje não são nada mais, nada menos que o Alan Richard Way de um passado político e econômico mais saboroso e e mais bem divertido do que as bruxas dos dias de hoje.

Prof. Honor disse...

Esse tipo de humor, na verdade é humor bem criativo, é pioneiro do tipo que é o Sensacionalista hoje, é brincar com a realidade, é uma gozação na tradição das previsões.

Nilton Muniz disse...

Já passou e muito da hora de "O olho", você mesmo Muggiati, de nos brindar com esta e muitas outras saborosas histórias jornalísticas ou não, na Manchete ou não, reunidas em livro. Muitos bons "recuerdos". Pense nisso. Dei a mesma sugestão ao Flávio de Aquino, quando em convivência com ele na redação em que contava estórias engraçadíssimas dos vários encontros na casa do Lúcio Rangel, tio do Sérgio Porto, com a nata das artes plásticas, da música e da literatura. Pena que não me ouviu. Dá tempo ainda, viu?. Abrs