por Roberto Muggiati (para a Gazeta do Povo)
Gaúcho de Cruz Alta, filho ilegítimo de um estancieiro uruguaio, Justino começou do zero. Aos doze anos foi balconista de sapataria, depois operário na construção de ferrovias. Seu conterrâneo Erico Verissimo lhe deu a primeira oportunidade: revisor da Revista do Globo, em Porto Alegre. Logo Justino passou a redator e aos 20 anos assumia a direção da revista. Erico e Justino casaram com as irmãs Mafalda e Lucinda. Com Lucinda e o filho Carlito, Justino partiu para uma longa temporada em Paris, onde trabalhou como correspondente de revistas e jornais. Publicou na Manchete o encontro exclusivo que promoveu – e fotografou – entre Brigitte Bardot e Picasso. Em 1959, Adolpho Bloch convidou Justino para dirigir a revista no Rio. Criada em 1952, a semanal ilustrada ficou famosa pela impressão impecável em cores, mas não conseguia achar uma fórmula editorial. Hélio Fernandes lhe deu um toque jornalístico, mas proibiu a entrada na redação dos irmãos Bloch: Arnaldo, Boris e Adolpho. Acabou demitido. Otto Lara Resende ficou um ano na direção e cunhou a expressão “os Irmãos Karamabloch.” Os Bloch nasceram na Ucrânia e seu temperamento russo era bem mais forte que o judeu. Certa vez, um dos irmãos comprou a bom preço uma batelada de máquinas de escrever. Os outros dois, desconfiados do negócio, se puseram a quebrar as Remingtons no chão da redação. Arnaldo e Boris morreram em 1957 e 1959 e Adolpho ficou livre para reinar supremo sobre a Manchete.
Justinianas
Conheça um pouco mais sobre o jornalista gaúcho Justino Martins a partir de algumas de suas frases clássicas:
• “Escrever é fácil, ou impossível.”
• “Tens de pegar o leitor pela primeira frase.”
• “Tu não és repórter? Te viras!”
• “Nasci no pampa e só não virei cavalo porque saí de lá e fui para a Europa.”
• “Gide tinha o jornalismo como uma meia arte. Eu o considero uma arte inteira.”
• “A mulher só é fiel à moda.”
• “A coisa mais fácil do mundo é conquistar uma mulher. E a mais difícil é se livrar dela.”
• “Acredito que o próprio Stálin, na hora da morte, não pensou na Rússia que ele dominou. Pensou na garota de 19 anos que ele teve na juventude numa noite qualquer.”
Confrontos
Começou aí o casamento tumultuado – mas bem-sucedido – de Adolpho Bloch com Justino Martins. E a revista, ao longo de seus 48 anos de vida, seria sempre o produto do confronto entre o empresário e o jornalista. As reportagens eram discutidas palmo a palmo e a escolha da capa era uma verdadeira briga de foice no escuro. Adolpho interferia na escolha das fotos e quando não gostava de um cromo ele o comia. (A bem da verdade: rasgava o celuloide com os incisivos e o triturava com os molares, mas não o engolia...) Quando a revista vendia tudo, Adolpho se gabava: “Esgotei a edição!” Quando não vendia, Adolpho dizia: “Viu só, Índio? Tu encalhou a revista!” Uma de suas grandes brigas era a construção de Brasília. Adolpho fez da Manchete um órgão oficial da presidência JK. Justino publicava as reportagens a contragosto, dizia que não passavam de “marreta” (matéria paga). Em 21 de abril de 1960, Adolpho compareceu em alto estilo à inauguração de Brasília, mandou fazer fraque e cartola, fretou um avião para trazer as fotos do acontecimento e acompanhou o fechamento da Edição Histórica. Reprimindo sua raiva, Justino se deteve diante das fotos de Adolpho, devidamente paramentado, pinçou um detalhe e fez o comentário corrosivo: “Mas, tchê, tu estragaste tudo: não se usa sapato de furinhos com fraque e cartola...”
Ironicamente, Justino casou (pela segunda vez), com a primeira Miss Brasília, Martha Garcia. (Teve com ela uma filha, Maria Valéria Martins, que não negou o DNA paterno: é jornalista e dirige a agência literária Shahid.) “Eu adoro mulher bonita!” proclamava Justino, que descobriu, entre outras musas, Duda Cavalcanti, Xuxa, Luiza Brunet, Rose di Primo. Corria a estória de que a capa passava pela sua cama: “Se é capa, não escapa...” Nunca tive provas concretas disso, mas Justino não desmentia a lenda, que só acrescentava ao seu charme. Certa vez uma periguete caiu na conversa de um repórter que lhe prometeu a capa da Manchete. A moça foi reclamar ao Justino, que disse: “Mas tu deste pro cara errado, tchê...”
Retorno
Adolpho tentou tirar o Justino da direção da Manchete na virada dos anos 60/70, mas a manobra não deu certo. Chamou-o de volta. Justino fez charme, disse que tinha um convite para ser RP da grife de Madame Grès, estilista e perfumista de Paris. Era uma armação combinada com a Madame, sua velha namorada, que confirmou a história ao Adolpho pelo telefone. Assim, além de um belo salário, Justino voltou à direção com um bônus de mil dólares, que um funcionário da tesouraria todo fim de mês botava na sua mão em cash, diante de toda a redação.
Mas tirar o Índio da direção de Manchete era uma obsessão do Adolpho e ele voltou à carga em 1975. Dipensou o Justino da Manchete, disse que precisava dele para criar uma revista de decoração (que nunca saiu), e o homenageou com uma grande feijoada para centenas de pessoas no restaurante da Rua do Russell. Involuntariamente, servi de instrumento para esta jogada maquiavélica do Adolpho. Desde 1972 eu editava a revista em maio, quando Justino tirava férias e ia ao Festival de Cannes. Seguro de que eu poderia assumir o posto, Adolpho me empurrou para a direção da revista, onde fiquei até 1980, quando uma crise de saudosismo levou o Justino e volta à Manchete e eu fiquei como seu vice.
Na primeira terça-feira de agosto, já com a revista fechada, Justino me falou: “Segura a coisa aí, tchê, que vou fazer uns exames no Hospital dos Servidores.” Foi embora para não voltar. Visitei-o uma vez no Servidores e outra num triste sábado na Clínica Sorocaba. A um punhado de amigos, Justino confidenciou: “Estou me sentindo como um soldado diante de um pelotão de fuzilamento.” Morreu no dia seguinte, 28 de agosto. Passados 30 anos, sua fama só fez crescer. Como definiu o livro A Revista no Brasil (Editora Abril, 2000) : “Foi o editor que desenvolveu definitivamente a fórmula do que chamou de ‘beleza estética na informação.’” Uma beleza flagrantemente ausente nas revistas de hoje.
Roberto Muggiati, jornalista que mais tempo durou na direção da Manchete, admite que Justino Martins foi a verdadeira alma da revista.
Transcrito do jornal Gazeta do Povo
5 comentários:
Belo texto Muggiati. Foi escrito, tenho certeza, com alma de jornalista e do reconhecimento ao grande jornalista e fazedor de revista que foi o Justino Martins. Parabens.
Muggiati, belo retrato do "Indio". Realmente, era a alma da Manchete como você define. Trabalhei com Justino na Fatos e Fotos, exatamente durante um dos seus "exílios" da Manchete, nos anos 70. Éramos um grupo de jovens repórteres aos quais Justino (naqueles dias sob menor pressão, já que a FF não era o carro-chefe da Bloch) tinha a maior paciência para orientar. Não raro, chamava cada um ao mesão de edição, fazia correções a caneta nas laudas e explicava porque corrigia ou alterava leads. Boas lembranças. Embora não fosse fácil no dia-a-dia (durante um período fui seu chefe de reportagem)e tivesse uma tendência de tirar o corpo fora na hora da crise (geralmente a gente relevava isso, que de tão previsível virava até "folclore", coisas de redação...) foi uma figura admirável que nos ensinou muito. Grande Justino!
Conheci Justino Martins na Redação da Manchete ainda na Frei Caneca. Equipe fantástica tinha o Arnaldo Niskier como chefe de Reportagem, o Zevi Ghivelder chefe da Redação e o Wilson Passos na Arte. A Redação da Fatos & Fotos, onde eu trabalhava, ficava ao lado, junto com o Arquivo onde trabalhavam o Aron, o "seu" Alberto, a Creuza, o Cesar e a Tereza. A Tereza, que era uma morena muito bonita, foi companheira do Justino Martins nos últimos anos de sua vida.
Amigos, muito obrigada pela lembrança: ao Muggiati pelo belo texto, ao Esmeraldo por republicar, aos amigos que comentaram. Forte abraço em todos.
Conheci o Justino quando fui trabalhar na Pais&Filhos, onde à mesma época também conheci o Barrinhos e o Nélio. Lendo seu texto – ótimo como sempre! – e os comentários, bateu uma saudade enorme de todos e de todo o tempo em que trabalhei na Bloch Editores. Guardo do Justino, fora a memória profissional, duas lembranças: algumas caronas que me deu quando voltava para minha csa, na rua Paissandu, e de como ele queria eu fosse procurar o Pitangui em seu nome, afim de reparar as cicatrizes que tenho no rosto desde quando sofri um acidente de carro na Dutra, em 1972.O que jamais fiz... Como diz o Esmeraldo, ele foi uma figura admirável; deu a todos que com ele conviveram lições de jornalismo. Quando fui para a Manchete, o diretor de redação já era você, que também me ensinou muito. Todos com quem trabalhei e convivi na praia do Russel deixaram marcas inesquecíveis em meu coração e mente. Aos que partiram, desejo o descanso eterno... e ao Justino, além da paz, o desejo de que ele jamais seja esquecido!
Marilda Varejão
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