por deBarros
Viver é perigoso, dizia Guimarães Rosa. Viver no Rio de Janeiro nos dias de hoje é muito mais perigoso do que pensava o nosso escritor. Na paisagem do Rio, um componente novo apareceu assustando e fazendo tremer o carioca: a bala perdida. Ela vai encontrá-lo dormindo em sua cama, saindo do cinema depois da última sessão, chupando um picolé no quiosque do MacDonald ou mesmo flertando com a lourinha sentada ao seu lado no 119. A bala perdida não tem hora certa ou lugar marcado. Ela chega nos momentos mais imprevisíveis que se pode imaginar. Nesse panorama de terror e medo de até sair nas ruas, surgiu a história daquele cidadão que, cansado da vida e por ser maluco mesmo, queria se matar mas não pelas próprias mãos: resolveu que iria se suicidar por bala perdida.Bem informado, sabia os dias e as horas em que o BOPE ia invadir os morros do Rio de Janeiro e corria, então, para ficar no fogo cruzado entre a polícia e os bandidos. No meio do tiroteio, correndo de um lado para o outro, o suicida se desesperava. As balas perdidas se recusavam a matá-lo.
Balas que, durante essas ações, mataram umas três ou quatro pessoas, inclusive um menino de dez anos, puxado pelas mãos de sua mãe, enquanto fugiam das balas que cruzavam as ruas onde ocorria o confronto.
Mas, o senhor suicida permanecia muito vivo e já irritado, quase perdendo a paciência, por não conseguir atingir o seu objetivo. Durante a noite, quando se podia ver as balas tracejantes, em fogo, iluminando o breu da noite, o senhor suicida corria atrás na esperança de se chocar com uma delas no meio do caminho. Nada dava certo.
O senhor suicida começou a ficar famoso. A imprensa falada, escrita e televisiva passou a perseguir esse louco na esperança de focar o momento decisivo desse encontro fatal, que se tornaria a maior foto e a maior reportagem do século XXI. Em todo confronto entre a polícia e os bandidos dos morros e no meio o senhor suicida, lá estava a mídia, com todos os seus equipamentos na espera desse fatal momento. Na verdade, alguns repórteres e fotógrafos foram feridos sem gravidade e um deles morreu atingido por uma bala perdida na cabeça. Alguns editores pensaram em contratar um atirador profissional, para que no meio dessas ações, o atirador escondido em um terraço de um prédio qualquer alvejasse o senhor suicida. A reportagem, então, estaria pronta. A tentativa foi feita, mas o atirador profissional errou o alvo e foi demitido na hora sem direito à indenização.
Um dos jornais contratou uma enfermeira, Deolinda, para acompanhar o senhor suicida e aonde ia ela ia atrás. A enfermeira era uma mulher bonitona, de ancas convidativas, de fartos seios nos seus quarenta anos, que cumpria fielmente o seu contrato. O mêdo dos editores passou a ser que no meio desses tiroteios, a enfermeira pudesse ser atingida fatalmente.Mas, aconteceu que no último confronto entre a polícia e bandidos, o senhor suicida não apareceu. O movimento de apostas na morte do homem alcançava a casa dos milhões de reais concorrendo seriamente com a mega sena. Esse confronto, foi na opinião dos entendidos, o que mais teve bala perdida. Uma delas atingiu um câmera jogando-o a três metros de distância de onde se encontrava. Desesperada, a mídia procurou por todos os cantos da cidade o paradeiro do maluco suicida. O cara sumiu na poeira da cidade.
Dias depois, descobriram, através de um telefonema anônimo, que o senhor suicida tinha fugido com a enfermeira e se achava escondido em uma das praias de Búzios gozando, alegremente, das delícias do amor com a sua nova obsessão, a enfermeira Deolinda.
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