Durante muitos anos, o Brasil, representado por alguns líderes e tecnocratas, andava de quatro para o FMI, de orifício traseiro alegremente exposto aos ventos.
A mídia dominante ficava nervosa, hiperativa, e comemorava junto com o "mercado" cada vez que aqui aportava uma das tais "missões do FMI" que vinham, na prática, dar esporro em ministros e presidentes. Era um circo, um circo vexatório, na verdade.
Diziam os amestrados que o FMI vinha atuar para estabilizar o país, conter a crise no Terceiro Mundo. Ironicamente ou previsivelmente, as grandes crises, aquelas que dizimaram riquezas e provocaram terremotos globais, foram geradas por especuladores desembestados que atuaram nas instituições do Primeiro Mundo nas fraldas do FMI.
O que o FMI fazia aqui com grande competência era produzir uma rigorosa estagnação, com altos custos sociais. Se a pobreza aumentava, se a fome batia às portas de milhões de brasileiros, se crianças morriam por "contingenciamento" de verbas para programas de vacinação, de promoção de queda de mortandade infantil e de manutenção de hospitais públicos, dos sistemas de educação, segurança e de obras de infraestrutura, dane-se, desde que o mercado financeiro faturasse bilhões com taxas de juros nas alturas.
Nos anos 00, o Brasil livrou-se do FMI.
Curiosamente, hoje, aquelas missões imperiais que agitavam o país tornaram-se dispensáveis. O trabalho sujo passou a ser feito aqui mesmo, sem a necessidade de componentes importados, a não ser a "filosofia".
Só se fala no "ajuste fiscal". É um dogma, talvez um deus para os especialistas. Não há políticas, há o fanatismo pelo ajuste, a obra única, a patologia que começa e acaba em torno de si mesmo.
Os burocratas do FMI, com sangue nos dentes, talvez morressem de inveja dos seus equivalentes do atual e ilegítimo governo brasileiro.
O ajuste fiscal e a aprovação de leis que vão engessar dispositivos sociais por décadas é algo selvagem. Sem falar que o foco dos cortes aponta dramaticamente para as faixas mais pobres da população. Privilégios não serão afetados.
O Rio de Janeiro vive uma enorme crise. Isso é fato. Políticos e empresários em ativa parceria desviaram bilhões, segundo apontam investigações. Vários estão presos, provavelmente suspenderam as operações. Mas outras causas do rombo nas contas do estado continuam ativas e operantes. A política suspeita de incentivos fiscais, por exemplo. Hoje mesmo o Diário Oficial revela que o mesmo governo que não consegue pagar funcionários continua abrindo mão de milhões em impostos. Calcula-se que, nos últimos anos, empresas deixaram de pagar mais de 150 bilhões de reais em impostos aos cofres do Rio de Janeiro.
Outro rombo, quase incalculável tamanha é a precariedade da fiscalização, é atribuído à terceirização e a certas "organizações sociais" e tipos de "ongs" que ocupam áreas de serviços públicos.
Mesmo diante da penúria que atinge hospitais, escolas e funcionários, entre outros setores, e de vários estados, o governo federal ilegítimo, agora com a ajuda do STF, quer apertar ainda mais o cerco e desaprova instrumentos que mantenham pelo menos os serviços essenciais em operação, além das obrigações salariais.
Ao mesmo tempo, com espantosa desfaçatez, prepara a doação de 100 bilhões de reais para teles no embalo de revisão de concessões e outras metáforas.
Você deve estar lendo com frequência matérias e artigos que forçam a privatização da Cedae. Provavelmente a empresa será vendida. Não se chegou ainda a um valor exato mas há estimativas de que o estado arrecadará 1,5 bilhão de reais com a privatização dos serviços de água e esgoto no Rio.
Mas você não lê nenhum "formador de opinião" que denuncie a farra de incentivos e peça investigações, CPIs, operações do tipo Lava Jato ou assemelhadas para estancar a sangria.
Leia de novo: a venda da Cedae renderá 1 bilhão e meio de reais, aproximadamente. E a mamata dos incentivos custou nos últimos anos 150 bilhões de reais em impostos que viraram nuvens. E se, em alguns poucos casos, não viraram fantasia nem as autoridades sabem já que não se sabe sequer se a contrapartida aos incentivos é comprovada ou fiscalizada.
É mole, quer mais ou você tem inveja dessa festa?
O FMI deve estar doido para voltar ao Brasil. Mas, dessa vez, os gringos virão aprender como se faz um ajuste fiscal sem escrúpulos e sem vergonha.