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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Um R.I.P para o "delfim" da ditadura

Jô Sôares (Dr. Sardinha) e Delfim Netto
na capa da Manchete em foto de Rolnan Pìmenta



por José Esmeraldo Gonçalves 

Delfim Netto, ex-ministro da ditadura, morreu ontem em São Paulo aos 96 anos. Em 1968, ele foi um dos signatários do AI-5, que, nos anos seguintes, resultou em brutal ampliação do número de prisões de opositores do regime militar, assassinatos e sessões de tortura. 

Delfim não se incomodava com críticas que o ligavam à ditadura e não renegava o passado, mas tentou se justificar e foi capaz de dizer que não época "não sabia" que a ditadura torturava e matava opositores. Comandou a economia durante dois governos especialmente violentos: de Costa e Silva e Médici. Era tão poderoso que ganhou a alcunha de "czar". 

Ao fim do governo Médici, surgiram rumores discretos de que Delfim tinha apoio militar e poderia ser uma opção civil e confiável em um futuro, mesmo que distante, esgotamento da ditadura. Ernesto Geisel sacou sua carta e antes que o "delfim" de Médici lhe fizesse sombra o enviou para um cargo de luxo, ócio, e distante: embaixador em Paris. Anos depois, o economista foi ministro da Agricultura e ministro do Planejamento no período de João Figueiredo. Recentemente, em entrevista ao UOL, Delfim  afirmou que assinaria novamente o AI-5, aparentemente continuava ignorando torturas e assassinatos do regime militar. 

O economista conquistou bom trânsito e amigos jornalistas na mídia. Tornou-se uma espécie  de comentarista de estimação, em forma de frases tidas como espirituosas. Um desses jornalistas e admiradores o considerava um "frasista genial". Em abril de 2011, em uma das suas falas no progama Canal Livre, da Band, ele cometeu uma dessas genialidades: “Há uma ascensão social visível. A empregada doméstica, infelizmente, não existe mais, ela desapareceu. Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter". 

De certa forma, Jô Soares e a Manchete deram uma força à popularidade de Delfim. Em 1979, quando fazia sucesso na TV o personagem Dr. Sardinha, que ironizava o ministro, Delfim e Jô aceitaram conversar e posar juntos com exclusividade para a capa da revista. O Dr. Sardinha tranformava em piada a falta de intimidade do então ministro com frutas, legumes, cereais e grãos em geral. Delfim revelou na entrevista que ao receber o convite da Manchete para posar com  Jô pensou em recusar, "temia danos à imagem", segundo disse. Depois concluiu que era uma simples sátira. Ele tinha razão. Ao aderir ao humor e se deixar fotografar ao lado do Dr. Sardinha virou o efeito da gozação, mostrou até o jogo da cintura que não tinha e se tornou simpático diante da enorme audiência do programa do Jô na TV Globo.    

segunda-feira, 1 de março de 2021

Fotomemória da redação: quando Roberto Barreira localizou, nos Alpes italianos, o irmão do embaixador suíço sequestrado no Brasil

 

1971: Roberto Barreira, de terno escuro, localiza e entrevista para a Manchete o irmão do embaixador Giovanni Bucher, então sequestrado no Brasil. Reprodução Manchete

Em 7 de dezembro de 1970, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização que combatia a ditadura, sequestrou o embaixador suíço Giovanni Bucher. Foi o assunto da mídia nas semanas seguintes.

Roberto Barreira, então chefe da Sucursal da Manchete em Milão, viajou para a região do Lago Como, no Alpes Italianos e ali localizou o hoteleiro Rodolpho Bucher, irmão do diplomata suíço. Depois de quebrar uma resistência natural - os Bucher até então não haviam sido procurados pela mídia -  Roberto foi recebido na residência da família e conversou com o apreensivo Rodolpho. Um feito do saudoso Roberto que, poucos anos depois, voltou ao Brasil para dirigir a revista Desfile e a transformou em um dos sucessos editoriais e comerciais da Bloch.

Giovanni Bucher foi liberado pelos guerrilheiros em 16 de janeiro de 1971 em troca de 70 prisioneiros políticos. Na mesma ocasião, com outra dupla - o repórter Carlos Freire e o fotógrafo Alécio de Andrade - Manchete ouviu, em Luxemburgo, Anne Marie Mailet,  irmã do embaixador sequestrado, 

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Woodstock: visto do Brasil, o sonho que nem começou





por José Esmeraldo Gonçalves

Nos últimos dias, Woodstock cinquentão foi assunto recorrente na mídia. Para as novas gerações, rememorar o festival deve soar como um prospecção arqueológica. Como se cientistas desenterrassem um tatu pré-histórico. Nem o rock e os magistrais solos de guitarra que vibraram no palco da fazenda em Bethel, no estado de Nova York, resistiram ao tempo.

De 15 a 18 de agosto de 1969, os milhares de jovens que se reuniram na plateia que virou lamaçal histórico mandaram uma mensagem ao mundo. No Rio, a 7.884 km, e, de resto, em todo o país, o recado chegou truncado. Em Woodstock pregava-se a liberdade, artigo em falta no Brasil sob ditadura militar radicalizada com o AI-5 editado em dezembro de 1968. Eles tinham Lyndon Johnson no poder, nós tínhamos o general Costa e Silva gravemente doente.

Aqui o sonho nem começou.

Duas semanas depois de Woodstock tomou posse em Brasília, com um "golpe dentro do golpe", no dia 31 de agosto, uma Junta Militar formada por um trio de ditadores: general Aurélio de Lira Tavares, almirante Augusto Rademaker e brigadeiro Márcio de Sousa e Melo.

Pode parecer estranho a quem baixa músicas com um clique no Spotfy ou no You Tube, mas, acredite, o álbum triplo com a trilha sonora do festival foi lançado nos Estados Unidos dois ou três meses depois, tempo em que os produtores editaram 64 rolos de fitas gravadas em oito canais, cada uma com 18 horas de som. No Brasil, salvo discos que viajantes trouxeram, o álbum completo só seria ouvido no começo de 1970, quando foi lançado pela CBS.

"Woodstock, o filme", de Michael Wadleigh, chegou aos cinemas americanos em março de 1970. No Brasil foi exibido no segundo semestre do mesmo ano, com cenas cortadas pela censura, especialmente imagens de pessoas peladas.

Martin Scorsese, que editou o documentário, descreveu anos depois o clima do festival: "Havia a música. A ideia de rejeitar o resto do mundo e viver de maneira natural. Havia a cultura das drogas. A posição contra o governo, especificamente sua política para o Vietnã. E tudo se agrupou naquele momento. É interessante que chamem de Nação Woodstock porque era isso que todos queriam: estar separados, ter sua própria comunidade. E por três dias todos a tiveram. Quando olho para a segunda metade dos anos 1960, percebo que foi o único período em que ouvi falar a sério sobre o amor como uma força para combater a ambição, o ódio e a violência".

As capas dos álbuns reproduzidas acima, fazem parte de uma coleção da LPs que ainda guardo. São uma referência amarrotada, com todas as rugas e cicatrizes, em meio aos pedaços de memórias de uma época agitada.

O da esquerda, reproduzido no alto, comprei em 1970, ao ser lançado aqui. Ajudou a calibrar "pequenos Woodstocks" em torno de velhas vitrolas. Tanto foi gasto que adquiri mais do mesmo: o álbum relançado em 1976, reproduzido no alto á direita.

A imagem panorâmica é a cena central da capa tripla aberta, é de Jim Marshall. A foto de capa é de Burke Uzzle. Hoje com 70 anos, o casal retratado por Uzzle posou no mesmo local para foto de Dan Fastenberg, da Reuters (à esq.)

Nada mais distante da realidade brasileira da época do que Woodstock. Mesmo assim, a julgar por depoimentos posteriores, um penca de roqueiros brasileiros e alguns jornalistas passaram a incluir nas suas biografias um "meninos eu vi de perto Woodstock". Se foi verdade ou não, sabe-se lá. Não havia selfies. E quem iria conferir brazucas entre 400 mil jovens enlameados? Da minha parte, Woodstock foi um álbum, dois iguais, na verdade, um filme e livros lançados nos anos seguintes.

Foi assim que Janis Joplin, Santana, Joe Cocker, The Who, Ten Years After, Jimi Hendrix,  Joan Baez, Richie Havens, Crosby, Still & Nash, John Sebastian, Jefferson Airplane e outros cantaram para um Brasil oprimido três dias de liberdade em uma galáxia muito distante.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

É o marketing, estúpido! - Quando presidentes "perebas" levam a bola pra casa. Documentário mostra quando a política tenta se apropriar do futebol

Cena do documentário "Memórias do Chumbo: o futebol nos tempos do Condor".
Foto:Reprodução

Como ferramenta para a busca da popularidade dos ditadores brasileiros, o  futebol cumpriu seu papel compulsório nos anos 1960-1970.

Campanhas de relações públicas das tropas escaladas para a comunicação dos governo introduziram Costa e Silva e Médici nos estádios e bastidores da então CBD e penduraram os generais na fama de alguns craques da seleção.  O envolvimento do governo com a seleção que se preparava para a Copa do México, encontros com jogadores até para almoços em palácio fartamente fotografados e o advento da Loteria Esportiva fizeram parte dessa ofensiva de marketing político.

O tema é tão atual que o atual inquilino do Planalto, o notório Bolsonaro, com a popularidade em baixa, segundo repetidas pesquisas, tem se escalado para assistir jogos do Palmeiras, do Flamengo e da seleção brasileira. Provavelmente nunca assistiu tanto futebol na vida. Em várias ocasiões, entrou em campo e recebeu vaias das torcidas, com alguns aplausos dos seus fanáticos seguidores.

Um bom momento para ver o documentário “Memórias do Chumbo: o futebol nos tempos do Condor”, produzido pelo jornalista e historiador Lúcio de Castro para o canal ESPN.

A referência à Operação Condor - aliança dos órgãos de informações do Cone Sul para assassinar políticos e militantes da esquerda - está presente no documentário que dedica um capítulo a cada um dos países envolvidos no braço do terrorismo de Estado, com a participação da CIA,  promovido pelas ditaduras do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai.

O DOCUMENTÁRIO “MEMÓRIAS DO CHUMBO : O FUTEBOL NOS TEMPOS DO CONDOR" ESTÁ AQUI

terça-feira, 2 de abril de 2019

Futebol celebra a Democracia. Diretoria do Flamengo faz gol contra

No jogo da Democracia, alguns clubes de futebol do Brasil e da Argentina bateram um bolão na última semana 



Aqui, foram poucos mas representativos. Apenas Corinthians, Bahia e Vasco da Gama postaram em suas redes no dia 31 de março - data que marcou os 55 anos do golpe de 1964 e da ditadura que se seguiu perseguindo, sequestrando, torturando e assassinando brasileiros - mensagens contra o autoritarismo e pelas liberdades democráticas.


A Argentina celebrou o Dia Nacional Pela Memórias, Liberdade e Justiça. No país que também sofreu ditadura sangrenta, muitos clubes fizeram manifestações alusivas à Democracia. "Nunca mais", assinalaram os torcedores, condenando a opressão.

Nota oficial do Flamengo

No Rio, o Flamengo foi a dissidência anti-democrática. A diretoria, não uma parte da sua torcida. No último domingo, rubro-negros fizeram na sede de remo uma homenagem a Stuart Angel, ex-remador do clube. Filho da estilista Zuzu Angel, Stuart foi preso, torturado e assassinado no Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica, em 1971. O jovem, então com 25 anos, foi amarrado a um veículo, com a boca colada ao cano de escapamento e arrastado até à morte no pátio do quartel. Anos depois, outros presos, além de ex-soldados que testemunharam a sessão de tortura, denunciaram a crueldade. Incomodada com a homenagem a Stuart Angel, a diretoria do Flamengo divulgou nota condenando o gesto dos torcedores. Nas redes, os internautas, incluindo rubro-negros reagiram contra o posicionamento dos cartolas. O mais curioso é que a nota oficial publicada no site do Flamengo tem na página os logotipos de patrocinadores. As marcas também assinam a nota? Estão incluídos entre os apoiadores a estatal Eletrobras, o Governo do Rio de Janeiro, Lei do Incentivo ao Esporte, Ministério da Cidadania, e o "Patria amada Brasil" do governo Bolsonaro. Ah, bom.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Joan Baez faz turnê mundial de despedida dos palcos. A cantora voltará a Woodstock para comemorar em agosto os 50 anos do festival

Joan Baez. Reprodução/http://www.joanbaez.com/photos/
por Ed Sá 

No ano em que o Festival de Woodstock comemorará 50 anos, entre os dias 15 de 18 de agosto, Joan Baez faz sua última turnê mundial. A cantora, que há poucos dias completou 78 anos, iniciou seus shows de despedida no ano passado percorrendo cidades dos Estados Unidos e da Europa, onde divulga seu novo disco, Whistle Down The Wind. Ela deu à turnê mundial o nome de Fare Thee Well Tour, que terá agendas em vários países até 2020. Depois disso, não mais palcos, mas não dará adeus aos discos.

Com mais de 60 anos de carreira desde as primeiras apresentações em bares de folk music, Joan Baez tem seu nome ligado, para sempre, à canção de protesto, à antológica performance em Woodstock, onde cantou "Drug Store Truck Drivin Man" e "Joe Hill" (em homenagem ao sindicalista condenado à morte no começo do século passado), e ao ativismo político. Ela cantou no Vietnã, esteve na famosa marcha que ocupou as avenidas de Washington, em 1963, foi presa por participar de um ato de protesto em uma instalação militar, engajou-se em campanhas contra armas, em defesa dos direitos humanos e combateu a violência contra a mulher.

Joan Baez estará nos shows comemorativos de Woodstock 2019, ao lado de cantores e bandas de várias gerações, como Pearl Jam, Foo Fighters, Logic, Chance The Rapper, Pink, Lorde, The Weeknd, Coldplay, Kesha, Mumford and Sons, Lumineers, Demi Lovato, Ariana Grande, Eminem, Graham Nash, Neil Young, Santana, The Who, Phish, Bon Jovi, Elton John, The Doobie Brothers, Zac Brown Band, Florida Georgia Line, Jason Aldean, Daft Punk, Swedish House Mafia, Deadmau5, Skrillex, Steve Aoki, and Chainsmokers.

Joan Baez veio ao Brasil em 1981. Em pleno governo militar, a Polícia Federal da ditadura proibiu as apresentações em São Paulo, onde ela subiu ao palco apenas para dizer que estava impedida de cantar, e no Rio. Dessa época, restou um documentário da sua turnê pela América do Sul, exibido na TV americana, Baez aparece tomando cerveja com Lula em um boteco paulistano. Só em 2014,  voltou ao Brasil e pode, enfim, cantar no Rio, em São Paulo e Porto Alegre.

No site oficial da cantora há um link para tour schedule até julho de 2019.

O Brasil não está lá.

Infelizmente.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

AI-5: como a mídia reagiu ao "salve" que a ditadura emitiu há 50 anos...


A primeira página do AI-5 e as...

...assinaturas das...

...figuras que entraram para a história pela porta dos fundos.
Reprodução de documento publico

Alfreeedo! Infelizmente, o papel acima não é Neve.

Entrou para a história como se fosse.

Não era macio, nem absorvente, mas no conteúdo apresentava afinidade com o produto exaltado pelo famoso comercial do mordomo.

Ambos prometiam "limpeza". No caso do AI-5, em nove páginas datilografadas em papel ofício, espaço dois, um Brasil politicamente "higienizado" na visão do sinistro "Arthuuur!" instalado em Brasília. 

Com as assinaturas acima, a ditadura inaugurada em 1964 recebeu um poder ainda maior, praticamente sem limites. Como consequência, autoridades e "otoridades" ganharam um "salve" (que na gíria das  atuais organizações criminosas é um espécie de "ordem" geral) para prender, sequestrar, torturar, assassinar, exilar, censurar, perseguir, intimidar, cassar mandatos, deter jornalistas, suspender os direitos políticos e individuais que ainda restavam, ocupar governos estaduais, prefeituras e fechar o Congresso.

Costa e Silva e ministros no Palácio Laranjeiras...

...onde Gama e Silva , da Justiça,
 e o locutor Alberto Cury
anunciaram o Brasil "sem escrúpulos'' Fotos Arquivo Nacional 

No dia 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, Costa e Silva - o militar linha-dura em plantão no governo -, e seus ministros jamegaram o papelucho em mal traçadas linhas que avalizaram o sequestro da liberdade: Costa e Silva, Luís Antônio da Gama e Silva, Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares, José de Magalhães Pinto, Antônio Delfim Netto, Mário David Andreazza, Ivo Arzua Pereira, Tarso Dutra, Jarbas G. Passarinho, Márcio de Souza e Mello, Leonel Miranda, José Costa Cavalcanti, Edmundo de Macedo Soares, Hélio Beltrão,
Afonso A. Lima, Carlos F. de Simas.







No dia seguinte, os jornais já sob censura, embora alguns fossem claramente adeptos do regime, limitaram-se a noticiar o fato e transcrever o ato. Em reimpressão no mesmo dia, o Estado de São Paulo ainda registrou que teve a edição apreendida.
O Jornal do Brasil deixou seu protesto cifrado, no alto da página, em forma de "previsão do tempo".

A Veja, publicação recém-lançada, já estava no radar do regime.

No dia 4 de dezembro, a edição número 13 chegou às bancas com uma capa que mostrava uma foto do Congresso visto através de um vidro estilhaçado e a chamada profética: "O Congresso  Pressionado. Chegaremos a isso?". De fato, o Congresso estava sob pressão desde setembro daquele ano quando o deputado Márcio Moreira Alves pediu em discurso que, em protesto contra "os carrascos que espancam e metralham nas ruas", as famílias evitassem que seus filhos participassem do desfile de 7 de Setembro. Um trecho exortava: "esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais". Diz-se que houve quem interpretasse aquele apelo como um incentivo a uma greve de sexo contra militares. Fato ou fake, a linha dura já vinha endurecendo ao longo do ano. O AI-5 foi o manifesto do "golpe dentro do golpe". O discurso de Moreira Alves e a votação do Congresso que negou abertura de processo contra o deputado, como queriam os militares, eram pretextos úteis para a radicalizar a repressão. 


Naquela sexta-feira, a Veja tinha como opções de capa Paulo VI, que naquela semana pregava que a Igreja vivia "um momento de autodestruição provocado pelo liberalismo do Concílio Vaticano II", e Castelo Branco, como referência simbólica ao primeiro ciclo do regime militar e às medidas de exceção que encerravam esse período. Fechou com o último. No sábado, trocou a capa. A redação foi buscar nos arquivos da Folha de São Paulo uma imagem ainda mais simbólica feita meses antes pelo fotógrafo Roberto Stuckert quando Costa e Silva visitava o Congresso Nacional. O militar posara para Stuckert em um plenário vazio, o mesmo que ele viria a fechar. A edição da Veja, recebida como uma "provocação" foi rapidamente apreendida. 

A edição da Manchete naquela semana registrou factualmente o AI-5. Durante o ano de 1968, as duas semanais da Bloch haviam feito uma intensa cobertura fotográfica das passeatas. Nas revistas ilustradas, inclusive em capas, os protestos ganhavam uma dramaticidade extra. Com o esforço das suas equipes de repórteres e fotógrafos, cumpriram um papel jornalístico. Apesar disso, e como boa parte da mídia, a Bloch ajudava a construir uma imagem positiva do regime. Internamente, sabe-se que, naquele dia 13 de dezembro, o AI-5 repercutiu na editora. À noite, o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi preso ao sair do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. JK era, como se sabe, grande amigo de Adolpho Bloch.  Ontem, em texto de Miguel Enriquez, o site Diário do Centro do Mundo (DCM) lembrou que JK logo foi abandonado "pela legião de áulicos que o cercavam nos tempos áureos". "Uma das raras exceções naqueles tempos de ostracismo, ao lado do então deputado federal Tancredo Neves e do banqueiro Walter Moreira Salles, atendia pelo nome de Adolpho Bloch. Sempre fiel, disposto a socorrê-lo em todos os momentos de dificuldades financeiras e pessoais, Bloch chegou a destinar uma sala especial para JK no último andar do prédio que sediava suas empresas, na Rua do Russell, no bairro da Glória, no Rio de Janeiro", escreve o DCM. A solidariedade a JK rendeu ameaças a Adolpho Bloch. A revista Manchete, contudo,  jamais desafiou o regime, ao contrário, exaltou o "Brasil Grande" em sucessivas reportagens ao longo da década de 1970. Nunca sofreu censura prévia oficial. A única revista da Bloch obrigada a mandar textos e fotos para Brasília foi a EleEla. O que a Manchete teve durante aqueles anos foi um "coronel" ou assemelhado que circulava informalmente pela redações e cuja função era detectar reportagens incômodas aos governos militares. Muitas matérias sucumbiram na mesa de redatores e editores. Umas poucas foram publicadas e renderam convites aos editores para visitar a sede da PF ou do DOPS. Justino Martins e o repórter Geraldo Lopes, por exemplo, entraram nessa lista. O próprio Adolpho Bloch recebeu, certa vez, um grosseiro telefonema de Armando Falcão, então ministro da Justiça, que praguejou contra uma matéria publicada na Fatos & Fotos sobre um caso policial que envolvia um agente do governo.

É justo registrar que, assim como O Globo, a Bloch abrigou - especialmente depois do AI-5 - vários jornalistas perseguidos pela ditadura e que, por isso, não conseguiam empregos em vários veículos.

O AI-5 permanece como um alerta histórico de que a democracia é tão indispensável quanto frágil.

De tempos em tempos seus inimigos apontam no horizonte.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Memória da propaganda: "não saia sem guarda-chuva"...



Em novembro de 1968, o Banco Nacional lançava nas revistas uma campanha que prometia "lucro certo" para investidores. Um guarda-chuva dominava a cena.

O guarda-chuva, aliás, tornou-se na década seguinte uma espécie de símbolo do banco mineiro, que dava de brinde aos clientes o utensílio com o logotipo da instituição.

A campanha ainda estava na mídia quando a ditadura lançou o AI-5, em 13 de dezembro de 1968. A partir do ato institucional que suspendeu garantias constitucionais, inclusive o habeas corpus, e abriu caminho para a institucionalização da tortura e dos assassinatos políticos, a barra pesou. Houve uma onda de prisões de jornalistas, escritores, artistas, funcionários públicos, estudantes, sindicalistas e políticos.

No Rio de Janeiro, entre militantes, foi adotada uma senha de alerta. Quando se sabia que determinada pessoa havia sido presa, significava que vários dos seus amigos ou contatos entravam em alto risco de sequestro por parte da frota de Veraneio, o sinistro utilitário usado pela repressão. A senha para tomar cuidado ou mudar de endereço era passada por telefone ou bilhetes - "Não saia sem guarda-chuva". Pelo menos um recorte da campanha acima foi colado em um corredor da Escola de Comunicação da UFRJ, na Praça da República.

O Banco Nacional, a propósito, pertencia a Magalhães Pinto, chamado de "líder civil" da ditadura e um dos signatários do AI-5.


Reprodução Jornal do Brasil

A relação entre alertas políticos e a meteorologia não era exclusividade dos militantes ou dos alvos em potencial da repressão. O Jornal do Brasil do dia 14 de dezembro de 1968, um sábado, noticiou a edição do Ato Institucional e, no alto da página, à esquerda e à direita, incluiu duas mensagens: a previsão anunciando dias sufocantes e a informação de que 13 de dezembro era o Dia dos Cegos. Foi a forma que Alberto Dines, então editor do JB, encontrou, há 50 anos, para denunciar a censura imposta à redação pelo AI-5.

Não custa deixar seu guarda-chuva por perto.

sábado, 4 de agosto de 2018

Ghost News - O primeiro editorial psicografado da história do jornalismo

Momento "mediúnico " na Globo News. Reprodução

por O.V. Pochê

O que não falta no tosco repertório do Bolsonaro é polêmica. O homem ainda vive em cavernas ideológicas. Só que o viral do programa "Central das Eleições", da Globo News, que está repercutindo nas redes sociais, surpreendeu: deu Miriam Leitão nas cabeças.

Durante a entrevista, o candidato a presidente pelo PSL, defende seu apoio à ditadura citando Roberto Marinho, um entusiasmado golpista de 1964.

Miriam Leitão vira meme no Facebook,
que trola o momento exato em que, no estilo Chico Xavier,
ela capta o primeiro editorial "psicografado" da história do jornalismo.
Reprodução
Curiosamente, o programa "acaba mas não termina". Míriam pede um tempo. Segundos depois, aparentemente obedecendo ordens do ponto eletrônico, repete nota ditada em resposta a Bolsonaro. O negócio todo parece feito meio às pressas e se refere a um editorial publicado em 2013, com um tardio mea culpa de Marinho pelo suporte aos anos de chumbo. Há um delay constrangedor entre o que parece chegar pelo ponto eletrônico e o que vai ao ar pela voz pausada da jornalista.

Redes sociais comentam que Miriam psicografou Roberto Marinho, com exclusividade, em link direto com o Além. O mea culpa em questão é de 2013. Roberto Marinho faleceu em 2003. Não se sabe se o dono do Grupo Globo concordaria com o editorial publicado pelos seus herdeiros. Só Chico Xavier poderia checar essa informação.
Veja o vídeo da "saia justa" do Central das Eleições no You Tube, AQUI

sábado, 26 de maio de 2018

Fotomemória da redação - Em 1968, Fatos & Fotos registra brutal agressão ao repórter-fotográfico Alberto Jacob



Reprodução/Fatos & Fotos, abril de 1968

No dia 4 de abril de 1968, Alberto Jacob, um dos mais respeitados repórteres-fotográficos do Brasil, cobria para o Jornal do Brasil a missa em homenagem ao estudante Edson Luís, assassinado dias antes pela Polícia Militar do Estado da Guanabara. Apesar de se identificar como jornalista, Jacob foi brutalmente atacado nas imediações da Igreja da Candelária. Levou ponta-pés, sofreu um golpe de espada na cabeça, teve a câmera apreendida e foi hospitalizado.

A Fatos & Fotos documentou toda a cena. Infelizmente, o crédito da reportagem publicada na edição 376 é coletivo, o que impossibilita identificar o autor da sequência.

Alberto Jacob, que faleceu em setembro de 2017, aos 84 anos, ganhou entre outros prêmios o Esso de 1971 com a célebre foto "A mão de Deus" para o Jornal do Brasil.

Foto "A mão de Deus"/Alberto Jacob/Jornal do Brasil/ Prêmio Esso 1971



segunda-feira, 30 de abril de 2018

Presidente argentino quer Carlitos Tévez jogando na seleção ao lado de Messi. Caso lembra a convocação de Dario, em 70, imposta por Médici

Reprodução El Destape

por Niko Bolontrin 

Uma informação divulgada ontem no programa "Fútbol al Horno", do canal 26, de Buenos Aires, agita a Argentina. Ainda sem um time formado, o técnico da seleção dos hermanos, Jorge Sampaoli, ganhou mais um problema: o presidente Mauricio Macri quer impor a escalação do atacante Carlitos Tévez, 34 anos.

Macri, ex-cartola do Boca Juniors, é amigo do jogador. Além disso, planejaria fazer uma média com a torcida do clube já que no ano que vem tentará sua reeleição para a Casa Rosada. Tévez, que disputou as copas de 2006 e 2010, é atualmente jogador do Boca. Macri tem sido vaiado nos estádios argentinos e Tévez costuma defender o presidente em entrevistas.

A pressão de Macri lembra o caso do jogador Dadá Maravilha.

Em setembro de 1969, jogando pela seleção mineira, que foi montada com o time do Atlético, Dario fez o gol que derrotou a seleção brasileira, por 2x1, em jogo-treino. O técnico era João Saldanha, comunista de carteirinha, o que, em plena ditadura, provocava urticárias nos militares. Um mês depois, em outubro, Médici assumiu o plantão da ditadura. Tempos depois, deu uma entrevista na qual elogiava Dadá Maravilha que, apesar de trombar com a bola, era um dos maiores goleadores da época.

Nos meses seguintes, o elogio se transformou em pressão. Médici não escondia a preferência: "Dario tem que ser convocado", dizia. O cordão dos puxa-sacos, como Jarbas Passarinho, então ministro da Educação, levava o recado cada vez mais insistente. No auge da pressão, ao ser indagado por jornalistas se chamaria o "Peito de Aço", Saldanha respondeu com uma frase que ao longo do tempo ganhou várias formas, mas que era mais ou menos o seguinte: "O senhor organiza o seu ministério que eu organizo o meu time". Em março de 1970, o treinador foi demitido. Na verdade, a seleção já estava ocupada por militares como supervisores e preparadores físicos fardados e o João Sem Medo desagradava à ditadura por denunciar torturas e prisões sempre que dava entrevistas à imprensa internacional e algum jornalista levantava a questão.

Zagalo assumiu. Dario foi convocado, foi para o México e virou tricampeão sem entrar em campo. Mesmo  submetido à exigência do Planalto, Zagalo não teve como escalar Dadá Maravilha. Simples: quem ele botaria no banco? Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, mesmo Roberto (o atacante do Botafogo, que era reserva), Edu, Paulo César? Ficou difícil pro Dadá.

Quanto a Tévez, Sampaoli tem até 14 de maio, data da lista final de convocados para a Copa da Rússia, para fingir que não ouviu o presidente argentino ou ceder a Maurício Macri e botar o parça Carlitos na aba de Lionel Messi.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

SEQUESTRO DE EMBAIXADOR - Como era bom o meu suíço

                           

O desfecho do sequestro na primeira página do Globo, em 16 de janeiro de 1971.  

Em 1967, o embaixador Bucher recebeu de Roberto Muggiati a edição da Manchete
que destacava a Suíça. Foto: Arquivo Pessoal

Por Roberto Muggiati

Deu no Estadão de domingo, 2 de julho agora: “SUÍÇA VENDEU ARMAS AO BRASIL NA DITADURA/Governo autorizou exportações de material bélico para o regime militar, mesmo sabendo das violações aos direitos humanos cometidas no País.”

Esclarece o jornal – na reportagem do enviado especial a Berna, Jamil Chade – que a Suíça não ouviu advertências do seu embaixador no Brasil, Giovanni Enrico Bucher. Já em 30 de outubro de 1968 – vinte dias depois da decretação do AI-5 – o embaixador suíço no Rio de Janeiro, em carta ao Conselheiro Federal e Chanceler Willie Spuehler, destacava “as ações de movimentos estudantis e dizia que os confrontos com as forças de ordem estariam causando ‘preocupações’.” 

Com a total abolição dos direitos políticos e de expressão pelo AI-5, as forças contrárias à ditadura militar – estudantes, líderes operários e até mesmo ex-militares, como o capitão Lamarca – só tiveram uma opção: partir para a clandestinidade. Já em setembro de 1969, militantes de esquerda, em ação espetacular, sequestravam no Rio de Janeiro o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, trocado por 15 presos políticos. 

Em junho de 1970 – enquanto corria a Copa do Mundo do México – foi a vez do embaixador alemão, Ehrenfried von Holleben, sequestrado na sua residência carioca, na subida de Santa Teresa. Desta vez, a troca foi por quarenta presos políticos. 

E, ainda em 1970, no dia 7 de dezembro, foi a vez do embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher. As negociações para sua libertação foram mais complicadas: seus sequestradores exigiam sua troca por setenta presos políticos, mas membros da linha dura militar não concordavam com a quantia. Bucher esteve prestes a ser executado por seus captores e só foi salvo por intervenção do capitão Carlos Lamarca. Como líder da ação, ele assumiu a responsabilidade de aceitar as contrapropostas do governo, salvando a vida de Bucher.

No cativeiro, Bucher, que os guerrilheiros revelaram ser "cordial", jogava biriba com
o comandante Carlos Lamarca. Reprodução

Aliás, depois de mais de um mês de convivência diária com os sequestradores, com seu senso de humor e temperamento “italianado” (filho de um casal de hoteleiros, nasceu em Milão), Gianrico tinha caido nas graças dos guerrilheiros, tornando-se parceiro de biriba de Lamarca. Já no próprio momento da captura ele ironizou com toda a situação: “Não sou americano, sou suíço. Não tenho nada com isso. Rapazes, vocês certamente cometeram um engano.”

Libertado, o embaixador dá entrevista coletiva
ao lado da irmã, Marie Anne. Reprodução Manchete


Trocados pela libertação do embaixador, presos políticos da ditadura militar embarcam para o Chile em janeiro de 1971.


Em posterior interrogatório feito pelas autoridades militares, Bucher se recusou a reconhecer por fotografias qualquer um dos seus cinco captores: Carlos Lamarca, Alfredo Sirkis – que servia como seu intérprete – Tereza Ângelo, Gerson Theodoro de Oliveira e Herbert Daniel. Alegou que eles só se deixavam ser vistos com capuz, o que não era verdade. 

Ainda segundo a reportagem de O Estado de S. Paulo: “No cativeiro, Bucher acabou ficando amigo de uma sequestradora (...) que ajudou a filtrar mensagens do diplomata para parentes e amigos. Ela ainda permitia que, no mês em que Bucher esteve detido, mensagens fossem enviadas a ele.”

Solteirão convicto, Gianrico Bucher foi recebido, após sua soltura, pela irmã Marie-Anne. Na ocasião do sequestro, ele tinha 57 anos de idade. Eu o conheci por essa época, em 1967, quando editei para a revista Manchete uma reportagem especial sobre a Suíça. Era uma política da Bloch fazer estas matérias “de gala” centradas nos países que mais investiam no Brasil, elas vinham recheadas de anúncios das principais empresas dos homenageados. Quando as mais de 30 páginas de reportagem sobre a Suíça saíram publicadas na Manchete, fui entregar um exemplar em mãos ao embaixador. Recebeu-me com grande simpatia em seu escritório, que ficava no prédio da Casa da Suíça, com seu famoso restaurante. Elegante, vestia um terno branco em homenagem ao início da primavera. Mal suspeitava eu que, em pouco tempo, o cosmopolita Giovanni Enrico Bucher protagonizaria um episódio que quase terminaria em sangue e morte. 

Foi assim, muito rápida, a passagem do florido ano de 1967 para 1970 e os Anos de Chumbo...

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Depois de sete anos de batalha jurídica, site de humor Falha de S. Paulo vence a censura que a Folha de São Paulo queria perpétua




O Superior Tribunal de Justiça deu ganho de causa ao site de humor Falha de S. Paulo, criado pelos irmãos Lino e Mario Bochini, que satirizava o noticiário da Folha de S. Paulo. O tribunal caracterizou a proibição do site pedida pela Folha como um tentativa de censura.

A informação foi publicada pelo jornalista Laura Jardim, do Globo.

Incomodada com a sátira, a Folha de São Paulo reagiu, em 2010, com uma liminar para tirar do ar a Falha de São Paulo e pedir indenização aos autores, alegando suposto uso da marca. O argumento que tentava disfarçar a censura, foi afinal negado pelo STJ. Foram sete anos de luta por parte dos irmãos Bochini, que não tinham dinheiro para mandar os seus advogados acompanharem todas as sessões da disputa contra o poderoso jornalão.

O Falha de São Paulo é uma sátira, uma claríssima paródia.  O maior risco, caso a Justiça não houvesse reconhecido isso, seria a jurisprudência firmada a partir da censura. A Folha de São Paulo não estaria atingindo apenas o Falha mas diretamente golpeando a liberdade de expressão.

Tardou mas valeu a pena a batalha que durou sete anos contra a recaída obscurantista da Folha, que, a propósito, tem no seu DNA íntima e histórica colaboração com a ditadura militar.

Fica a dúvida: ao reivindicar a volta da tesoura, a Folha de S. Paulo estava tentando concorrer com o satírico Falha de S. Paulo ?

É que não deixa ser irônico um meio de comunicação pedir censura.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Demolição do Palácio Monroe: a crônica da ignorância

O ataque ao Palácio Monroe. Foto de Paulo Scheuenstuhl/Reprodução Manchete

O prédio vítima da arbitrariedade cultural. Reprodução

O metrô, que foi equivocadamente apresentado
como o vilão da demolição, fez uma curva na linha férrea
em direção à Glória exatamente para preservá-lo. Reprodução 


Está em exibição no Rio o documentário "Crônica da Demolição", de Eduardo Ades. O longa-metragem investiga os bastidores de um acontecimento que, na década de 1970, abalou historiadores e cariocas. Em 1976, a ditadura militar então sob a guarda do general Ernesto Geisel demoliu o prédio que foi sede da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal.

Paulo Scheuenstull, fotógrafo da Manchete, registou a cena.

O Palácio Monroe havia sido construído em estrutura desmontável para sediar o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de 1904, em Saint Louis, nos Estados Unidos. Ao fim da mostra, onde o projeto recebeu o Grande Prêmio Mundial de Arquitetura, o prédio foi trazido para o Brasil e remontado no Rio de Janeiro.

Coube a Geisel bater o martelo, ou a picareta, mas o ditador não o único vilão da trama política que transformou o Monroe em entulho. Arquitetos modernistas, à frente Lúcio Costa, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e o Clube de Engenharia pressionaram as autoridades pela demolição não apenas do Monroe mas de todos os prédios de estilo neo-clássico que restavam na Avenida Rio Branco, aí incluídos a Biblioteca Nacional, o Theatro Municipal, o Clube Naval etc.

Digamos que essa "força-tarefa" atuava como hoje fazem os talibãs e Estado Islâmico ao implodir autoritariamente qualquer arquitetura que represente tudo o que eles não são. Um parecer radical de Lúcio Costa defendendo a "terra arrasada" no Centro do Rio foi uma espécie de atestado de óbito lido no Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico. Felizmente, essas últimas edificações sobreviveram à ignorância cultural.

Os defensores da demolição do Monroe se aproveitaram, na verdade, do regime militar e pegaram oportuna carona nos coturnos dos generais. Muitas vozes se levantaram contra o ataque ao prédio histórico, mas quem ouvia vozes naqueles tempos de fuzis? Uma ação popular tentou impedir a demolição, mas quem cederia à "Justiça" naqueles dias? O Jornal do Brasil se posicionou contra o "crime" cultural, mas, entre os militares, quem lia tanta notícia? O CREA, o Serviço Nacional do Teatro, a Fundação Estadual dos Museus, a Secretaria Estadual de Educação e várias outras entidades, além dos muitos cariocas, também lutaram contra a boçalidade dos poderosos. Inútil.

O Globo, em uma série de editoriais, fez intensa campanha para ver o prédio virar poeira, bradava que era um "monstrengo" que atrapalhava o trânsito etc. O Globo chegou a comemorar em editorial quando a última pedra do Palácio foi triturada.

Dizia-se que o Monroe impedia a passagem do metrô, mas a construção do sistema havia feito uma curva na linha ao lado, antes que fosse decidida a demolição, exatamente para preservá-lo, e ainda reforçou a estrutura sobre a base do Palácio. Restaram outras "teorias" que afirmavam que Geisel achava que o Palácio interferia na visão do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. Entre os defensores da demolição havia quem reivindicasse a construção de um edifício-garagem no local. Vai ver que o Rio livrou-se dessa segunda estupidez graças à suposta opinião do Geisel, a de que a visão do Monumento seria prejudicada.

E foi tamanho o ódio talibã ao Monroe, por parte da congregação de demolidores, que não houve nem a preocupação de preservar objetos históricos do Senado. Alguns móveis foram levados para Brasília, mas esculturas de bronze, os leões de mármore, lustres, adornos, móveis de jacarandá, a balaustrada e peças avulsas foram vendidas pela empresa que demoliu o Palácio.

Entre tantos motivos, a história registrou o fato: a demolição do Monroe foi produto de uma cumplicidade entre brutamontes e aloprados.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

A pedido de Michel Temer, Justiça passa a tesoura no jornalismo. Os golpistas de hoje imitam os golpistas de ontem...

Teoricamente, a Constituição de 1988 acabou com a censura instituída no Brasil pela ditadura militar. Teoricamente porque alguns juízes de vários estados passaram a acolher ações  - geralmente movidas por políticos - para censurar meios de comunicação ou mandar retirar conteúdo que supostamente atingem autoridades ou pessoas a elas ligadas.

O atual e ilegítimo governo Michel Temer parece estar com saudades da ditadura militar.

A pedido da Presidência da República, um juiz de São Paulo acaba de passar a tesoura em reportagens da Folha de São Paulo e do Globo sobre o rumoroso caso envolvendo troca de mensagens entre Marcela Temer e um hacker, já condenado, que tentava chantageá-la usando informações e fotos roubadas do celular e do email da primeira-dama.

Não cabe à Justiça impedir a publicação de uma reportagem. Isso aí é censura prévia. Qualquer pessoa tem direito a processar meios de comunicação caso se sinta ofendida ou difamada por conteúdos publicados. Mas a censura prévia não está entre esses direitos.

Várias entidades manifestaram repúdio à censura judicial.

Vai ver Temer é seguidor do twitter de Donald Trump, que mete o pau na mídia post sim, post não.

Na semana passada, ele baixou portaria restringindo a circulação de jornalistas no Palácio do Planalto. Repórteres e fotógrafos agora devem ser contidos no Comitê de Imprensa. Antes, os jornalistas credenciados tinham acesso aos andares, com exceção do terceiro piso, onde fica o gabinete presidencial.

O Planalto anda tão frequentado por figuras citadas em delações da Lava Jato que, provavelmente, a turma precisa de um pouco de privacidade para pensar na vida pregressa.


segunda-feira, 14 de março de 2016

Para ler ao som de Adoniram Barbosa: "SE VOCÊS PENSA QUE NOIS FUMOS EMBORA NÓIS ENGANEMOS VOCÊS FINGIMOS QUE FUMOS E VORTEMOS OI NÓIS AQUI TRAVEIS"



45 anos depois da Copa de 70, política e camisa da seleção voltam a jogar juntas. O uniforme da CBF foi
o preferido dos manifestantes que pedem o golpe. Foto Andre Tambucci/Fotos Públicas



Numa semana em que o verde e amarelo predominou, a Polícia Rodoviária Federal aprendeu ontem em SP  drogas "patrióticas".  A PRF não informou mas os jornalistas trabalham com várias hipóteses: os traficantes achavam, quem sabe, que assim seria mais fácil escapar das barreiras policiais dizendo que eram pacotes de camisetas para a manifestação; a polícia pintou a carga como uma forma de marcar sua posição no protesto; ou é apenas a reedição de um marketing que o tráfico utilizou na época da Copa quando o verde e amarelo indicava droga "padrão Fifa". Foto PRF.

por Flávio Sépia
Esse mar de gente de verde e amarelo pedindo a volta dos militares me dá pesadelo.

Golpe, segundo os velhos comentaristas políticos, é coisa que a gente sabe como começa mas ninguém sabe como acaba.

Multidões pedem o impeachment de Dilma Rousseff. Mas alguém sabe o que ou quem virá depois?

No início da década de 1960, a grande mídia se engajou no golpe para derrubar João Goulart. Editoriais, denúncias, reportagens forjadas, a difusão da "ameaça" comunista, valia tudo para levar o povo às ruas.

Até que os militares ligaram os motores do tanques "em socorro ao clamor público".

Políticos e empresários que se engajaram na conspiração imaginavam voltar ao poder tão logo as baionetas fossem recolhidas. A revista Manchete, por exemplo, que tinha notórias ligações com o ex-presidente Juscelino Kubitschek, acreditava tão piamente que o poder voltaria aos políticos que, na edição de 4 de abril de 1964, exaltava JK como candidato natural à sucessão.

Um trecho de um texto naquela edição da Manchete: "O que ele já fez antes faz de novo agora, ao pleitear que o Brasil lhe seja entregue para a execução do trinômio "Paz, Desenvolvimento e Reformas".

"Ele" era JK.

E JK, como Manchete, quebraram a cara. Castelo Branco que, segundo a mídia em geral, abriria uma "nova e brilhante" fase da República, seria apenas o primeiro de uma fila de ditadores por inacreditáveis 21 anos.

Mas esse atual exibicionismo verde-amarelo é preocupante. Ainda mais quando imagens desse domingo mostraram caminhões enfeitados pedindo a volta dos militares.

Há 45 anos, a propaganda do regime aliada à publicidade privada também se valeu dessas cores. No embalo da Copa de 70, essa mesma camisa amarela que inundou as ruas, ontem, deu o mote para a AERP dos militares (Assessoria Especial de Relações Públicas) surfar no "patriotismo".

Na época, nos Estados Unidos, era popular o slogan "Love It or Live It", uma "sugestão" para negros, estudantes ou jovens que se recusavam a lutar no Vietnã. O Brasil de Garrastazu Médici logo importou o "Ame-o ou Deixe-o". O conceito de Brasil Grande lançado a partir do Planalto ganhou força em jornais, revistas, TV e na publicidade.

Nessa semana, uma grife, a Reserva, da qual é sócio o apresentador da Globo, Luciano Huck, que pertence ao clã de amigos de Aécio Neves, lançou uma camiseta que também me lembrou a estética daqueles tempos. Trata-se de uma camiseta-exaltação a Moro.

Isso me fez teclar os anos 70 na máquina do tempo e fazer uma viagem às mensagens da época.

Por nada.

Apenas pelo desprazer de rever essa monótona onipresença dos símbolos como instrumentos de propaganda política.

Não por acaso, cores e dizeres geralmente associados ao autoritarismo.

2016: Camiseta da grife Reserva à venda 
para a manifestação de ontem.


Anos 70: O slogan autoritário do país dividido, 

As marcas aderiam ao marketing da ditadura e...

...adotavam a terminologia da repressão.
Mas um dos piores anúncio dos tempos dos militares foi este, publicado na Veja, em novembro de 1969: uma referência explícita e cruel às sessões de  torturas que aconteciam nos porões da ditadura. Isso para sensibilizar as famílias que marcharam "com Deus pela Democracia" a comprar um novo aparelho de TV.