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quinta-feira, 11 de agosto de 2022

O fascínio do “Danúbio Azul” pelo cinema: uma amostra perdida • Por Roberto Muggiati


Há algum tempo venho inventariando neste blog a atração irresistível que a valsa de Johann Strauss II exerce sobre o cinema. Em 1953, o francês Henri-Georges Clouzot a usou com um efeito dramático genial na última cena de O salário do medo. Em 1968, Stanley Kubrick bota o “Danúbio Azul” a rodar em 2001: Uma odisseia no espaço, na cena em que uma nave espacial se prepara para se acoplar a uma estação orbital. 

O casamento de imagem e música foi tão perfeito que nunca mais ouviríamos a velha valsa de Strauss sem a associarmos ao filme de Kubrick. Em 2016, no filme franco-germânico-austríaco Stefan Zweig: Adeus, Europa, um prefeito do interior da Bahia brinda o escritor com um “Danúbio” desafinado tocado por uma bandinha de coreto.



https://youtu.be/w5isL1wJHr4

                      The Italian Job Deleted Scene "Blue Danube" Sequence 1969 - YouTube

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Com Chaplin, confinamento sem crise • Por Roberto Muggiati


No apagão do som, a genialidade de Chaplin em Em busca do ouro.

Nossa dependência da tecnologia é terrível, lembrem o recente apagão do Whatsapp. Meu caso é mais modesto, mas para mim assume dimensões gigantescas. Nos últimos dias, meu computador ficou mudo, por mais que eu tentasse não consegui reinstalar o som em músicas, filmes e tudo mais. 

Estou à espera de uma alma caridosa que me socorra e faça ouvir de novo. Ou de um técnico que aceite um cheque pré-datado para o próximo 5º dia útil de novembro.

Desde que a Manchete faliu, continuei trabalhando em casa, fazendo colaborações para a imprensa e traduções. Com o trabalho escasso, conheci a liberdade ilimitada de escrever de graça – o fato é que há 67 anos, desde que comecei a trabalhar na Gazeta do Povo de Curitiba, em 15 de março de 1954, não me afastei um dia sequer do teclado. Meu sonho é bater o recorde do Henrique Nicolini, um redator esportivo de São Paulo: ao morrer, aos 91 anos em 2017, ele detinha o Recorde Guinness de jornalista mais longevo na profissão no mundo, com 70 anos de batente. Para isso, basta eu viver mais uns quatro anos – minha primeira matéria assinada é de 1955, uma entrevista exclusiva com Portinari quando ele esboçava no seu ateliê do Leme o mural Guerra e Paz para o edifício da ONU em Nova York.

A imagem original em P&B

E a mesma cena colorizada


Voltemos ao ponto: ao fim de cada jornada de trabalho, eu refresco a cabeça vendo um filme no computador (meu toca-DVDs e TV ainda estão num guarda-móveis com a TV desde a diáspora de Botafogo para Laranjeiras há mais de um ano.) Vejo muita coisa boa pelo YouTube. Sem som fiquei ao léu. Mas, como dizia o grande filósofo greco-carcamano Frank Platão Zappa, “a necessidade é a mãe da invenção” e lembrei de repente que existem filmes fabulosos sem som. (Certos críticos radicais defendem que o único cinema válido é o mudo.) Charles Chaplin, por exemplo. Ao escrever estas linhas, estou revendo o maravilhoso A corrida do ouro, de 1925. Por mais vezes que tenha visto esse clássico, sempre topo com a novidade de um detalhe ou outro. O filme é disponibilizado ainda na versão colorizada, dei uma espiada para conferir (comparem as versões da mesma cena em preto-e-branco e colorizada). A tentativa de colorir clássicos em p&b não deu em nada – aliás, a fotografia é uma arte que se afirma no preto e branco, com a sua linguagem própria, sem a menor pretensão de “imitar” a realidade. 

Em busca do ouro: o happy end.


Só Chaplin para fazer da fome um tema cômico. E o happy end selado por um beijo, a mocinha e o milionário travestido em vagabundo. No filme seguinte, Luzes da cidade, o final é o oposto: a mocinha que volta a enxergar descobre que o seu sonhado milionário dos tempos de cegueira é um vagabundo. O gênio de Chaplin termina o filme em aberto.


 Clouzot descobriu o Danúbio Azul 15 anos antes de Kubrick


 
Em 2001, a coreografia da nave no ritmo da trilha sonora que O salário do medo usou.
Depois que Stanley Kubrick mostrou o acoplamento de uma nave espacial com uma estação orbital ao som do Danúbio azul em 2001: uma odisseia no espaço, nunca ninguém ouviu mais a velha valsa de Strauss da mesma maneira. Essa é a marca do gênio.



A dança de Vera Amado Clouzot

E o bilhete do metrô de Paris


Mas a coisa não é bem assim: outro cineasta já tinha dançado esta valsa quinze antes do Kubrick: Henri-Georges Clouzot, em O salário do medo, de 1953. O filme se passa num buraco da Venezuela, onde reina a miséria e um punhado de europeus desgarrados passa fome sonhando com o dinheiro da passagem de avião para Paris. Uma catástrofe traz a oportunidade para quatro eleitos numa missão suicida. Duas duplas têm de dirigir seu caminhão carregado de nitroglicerina até o local do incêndio de um lençol petrolífero ao longo de estradas de terra batida que atravessam a selva. A dupla que vai à frente explode, a dupla que segue atrás atola no lago de petróleo que vaza dos oleodutos no local da explosão. Um dos pilotos tem a perna esmigalhada na tentativa de desencalhar o caminhão. O sobrevivente, Yves Montand, chega ao destino abraçado na boleia ao companheiro moribundo e  é recebido como herói com sua preciosa carga de nitroglicerina. Mais spoilers: grana no bolso, eufórico ao volante do caminhão vazio, Montand volta à cidade onde deixou a namorada (a brasileira Vera Amado Clouzot). 

Em shots alternados, Clouzot mostra Vera valsando na taverna e Yves valsando com o caminhão nas curvas da montanha. De repente, a mocinha cai desmaiada e o chofer se projeta no abismo. Na imagem final (veja no link), em meio ao caminhão em chamas, um detalhe de Montand morto: um bilhete do metrô de Paris que guardava como fetiche da cidade amada. Tudo isso ao som de... Danúbio Azul...

https://www.youtube.com/watch?v=ZkhKRT8tc-o

domingo, 17 de outubro de 2021

Abobrinhas: quem nunca?

 

Reprodução Estadão. Clique 2x na imagem para ampliar

Reprodução Folha de São Paulo

Sergio Augusto levantou a bola (no Estadão), Ruy Castro matou no peito (na Folha). 

Ambos escreveram sobre as abobrinhas do cinema. 

por José Esmeraldo Gonçalves

Abobrinhas eram os muitos bytes de informações que eram guardados na memória dos jornalistas cinéfilos. Se eram úteis? Vá saber. Mas rendiam horas de bom papo. Na redação da Manchete e da Fatos & Fotos as abobrinhas eram chamadas de trívias. No caso, a palavra indicava uma espécie de jogo: o da arte de responder questões aleatórias pouco ou nada conhecidas sobre atores, atrizes e filmes. Na Manchete raros tinham a chave do portal que levava àquela dimensão oculta de Hollywood. O próprio Ruy Castro, Roberto Muggiati, George Gurjan, José Guilherme Corrêa e Valério de Andrade. Estes formavam o conselho supremo da trívia no tempo em que o Google não estava lá para revelar que Humphrey Bogart era careca ou que Marylin Monroe tinha QI maior do que o de Isaac Newton, entre outras deliciosas digressões.

Um dos diagramadores da Manchete, J.A. Barros, também cinéfilo, costumava aplicar um desafio aos críticos de cinema que adentravam a redação. Era o Teste Guilaroff. De repente, como se sacasse um revólver Peacemaker na Main Street de Tombstone, Barros disparava a  pergunta; "Você sabe quem é Sydney Guilaroff?"  Nove em dez vezes o crítico rateava. Era a deixa que o Barros esperava para fazer uma bio do personagem hollywoodiano que ele identificara nos minúsculos créditos antes do the end de muitos filmes. E Guilaroff era figura importante como se vê no link abaixo em post de Roberto Muggiati sobre o teste que, para o seu criador, o Barros, separava os cinéfilos de raiz do resto da humanidade.

 https://paniscumovum.blogspot.com/2021/02/o-teste-guilaroff-de-cinefilia-por.html

quarta-feira, 10 de março de 2021

O novo logo da MGM. Saiba o que mudou. Não foi pouco. E o que vem por aí pode ressuscitar astros e estrelas de Hollywood

 

O novo leão da Metro. Clique AQUI para vê-lo "vivo".
Ligue o som que a fera ruge.

por Ed Sá

A MGM acaba de lançar a nova versão do seu famoso logo. O leão que faz abertura dos filmes continua lá. Agora em digital. O leão vivo é passado. O aperfeiçoamento do software fotorrealístico de computação gráfica que recriou a imagem oferece a Hollywood novas possibilidades. 

Astros e estrelas considerados campeões de bilheteria envelhecem e se aposentam ou, ainda, passam a não ser escalados a não ser para papéis de avôs e avós. Dois exemplos conhecidos são Sophia Loren e Jane Fonda, por exemplo. Pois a computação gráfica poderá escanear suas juventude e torná-los para sempre atuantes. É o software da ressurreição.

Hollywood já utiliza o digital normalmente para recriar dinossauros ou exterminadores espaciais. A perspectiva que se abre agora, com a facilidade que o avanço constante a tecnologias oferece, é rcriar pessoas em alta e perfeita definição, é manter atores e atrizes "vivos" e rendendo blockbusters. Elizabeth Taylor estrelando produções atuais, Greta Garbo, Marilyn Monroe e Kim Novak de volta, astros já meio passados como Antonio Banderas ou Kevin Costner voltando à antiga forma. O Marlon Brando de Uma Rua Chamada Pecado pode voltar incólume. Os diretores das novas gerações poderão orientar tons de vozes e selecionar expressões para extrair o melhor desempenho possível. Quer dizer: poderão dirigir digitalmente atrizes que morreram muito antes deles nascerem. Podem até transformar canastrões como Robert Mitchum em intérpretes shakespeareanos. 

A notícia está no Gizmodo. 

Claro que haverá problema legais a administrar com os herdeiros, mas nada que as super bancadas de advogados das grandes produtoras não possam administrar. 

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Cinememória: a cena do filme que os Beatles odiaram

Ferris Bueller (Mattew Broderick) canta Twist and Shout  nas ruas de Chicago. 

O filme é de 1986. Uma comédia para adolescentes, apenas. Despretensiosa, típica das produções lançadas para animar as tardes do verão americano.

"Ferris Bueller Day Off" (no Brasil "Curtindo a Vida Adoidado") tem uma sequência musical marcante. Matthew Broderick, o Ferris, em dia de gazeteiro, invade um desfile comemorativo e interpreta Twist and Shout.

Pode não ter sido a mais brilhante performance da canção. Afinal os Beatles arrebataram estádios cantando o clássico que ordenava o "shake it baby now". E, atenção, o música não é do quarteto de Liverpool. É de Phil Medley e Bert Russell, em estilo rock e soul nos anos 60. E originalmente foi gravada em 1961.

Na época do lançamento do filme, foi noticiado que os Beatles odiaram porque foram adicionados instrumentos de sopro ao naipe musical, mas a cena do filme de Matthew Brodrick, um competente ator de musicais que interpretou na Broadway e no cinema o Leo Bloom do antológico The Producers, é talvez a mais explosiva performance da canção. A sequência foi gravada em uma manhã, nas ruas de Chicago, onde o diretor John Hughes espalhou suas centenas de figurantes. O ritmo era tão empolgante que cidadãos que estavam a caminho do trabalho entraram na dança. E Hughes utilizou as imagens reais de quem não resistiu ao rock. (José Esmeraldo Gonçalves)
SE DUVIDA, VEJA AQUI

terça-feira, 9 de junho de 2020

Filmes para você entender como o fascismo chega de mansinho...

Alguns articulistas conservadores se pegam ao preciosismo ideológico e se recusam a admitir a trajetória fascista que embala o governo Bolsonaro.
Como identifica Umberto Eco, todos os sinais estão postos na mesa. Só não vê quem não quer.Tal qual o mundo, o fascismo mudou. Claro que não estamos nos anos 1920 e 1930 do século passado. O fascismo do século 21 tem face retrofitada, veste uma saia moderna, usa um terno Armani, exibe alguns diplomas de Harvard, usa um botóx, desfila com uma lingerie última moda, mas não esconde seus princípios: deus, pátria, família, fundamentalismo religioso, "meritocracia", racismo, intolerância, culto às armas, formação de milícias.  Não há nada mais fascista do que o "deus mercado", muito propagado pela mídia oligárquica, o supremo cânone que rege hoje a exacerbação das injustiças e desigualdades. Em muitos pontos, o fascismo atende pelo apelido de neoliberalismo. São primos.
O site Huffpost Brasil dá uma ótima dica hoje ao apontar alguns filmes para ajudar o Brasil Pandeiro a entender o fascismo. Entre as indicações, Roma, Cidade Aberta; O Conformista;  O Jardim dos Finzi-Contini; Amarcord; 1900, e outros. O cinema pode ajudar a desvendar a realidade à sua volta.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

O brado retumbante da censura



Na ditadura a tesoura tinha assinatura e carimbo do Divisão de Censura de Diversões Públicas. Era o autoritarismo explícito que o Brasil imaginava ter eliminado. Bolsonaro e dos seus adeptos em vários níveis de governo instituíram a censura dissimulada em total desprezo pela Constituição. O cinema tem sido um alvo preferencial. Pelo menos dois filmes são vítimas dos neofascistas de Brasília. "Marighella", dirigido por Wagner Moura, está em exibição em vários países mas teve sua estréia suspensa no Brasil. O filme conta a história do guerrilheiro que lutou contra a ditadura. "Chico, artista brasileiro", que deveria participar da mostra Cine de Brasil 2019, no Uruguai, segundo noticia a Revista Fórum, mas telefonema de "uma mulher que falou em nome do ministro das Relações Exteriores do Brasil" obrigou o exibidor a cancelar a participação do filme de Miguel Faria.
Os tempos sombrios estão de volta.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Homem na Lua: como o cinema chegou lá antes da Nasa






por Ed Sá

No dia 16 de julho de 1969, o foguete Saturno V decolou do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, levando a Apollo 11 e os primeiros astronautas que iriam pisar na Lua em 20 de julho. A bordo, Neil Armstrong, Michael Collin e Edwiin Aldrin.

Foi há 50 anos. Mas o cinema chegou antes, em 1902, há 117 anos.

"Viagem à Lua", o clássico do francês Georges Méliès, não apenas é um dos pioneiros do cinema como o primeiro filme de ficção científica a utilizar técnicas de efeitos especiais. Marcou também a estréia do cinema como forma de entretenimento.

Enquanto a Apollo 11 levou. três astronautas, a nave de Méliès conduzia seis passageiros. Inspirado por livros de Julio Verne e H.G.Wells, o filme era obviamente mudo. Na versão que você pode acessar no link abaixo foi inserida uma trilha sonora: a Abertura 1812 de Tchaikovsky.


VEJA "VIAGEM À LUA", CLIQUE AQUI


domingo, 26 de agosto de 2018

Pornochanchada na ditadura: os filmes que os censores liberavam no escurinho do cinema da Divisão de Censura




por Ed Sá 

O documentário "Histórias que nosso cinema não contava", sobre os filmes brasileiros que mais atraiam público nos anos 1970 entrou em cartaz.

Dirigido pela cineasta Fernanda Pessoa, o filme retrata o fenômeno das pornochanchadas em plena ditadura militar. Em centenas de filmes, o gênero expôs o machismo e a visão estereotipada da mulher, mas revelou comportamentos, ambientes e referências do Brasil sob o regime militar.

Na época, a revista EleEla, da Bloch Editores, lançada em maio de 1969, estava sob censura prévia. Decreto dos militares, número 1077,  assinado em janeiro de 1970, declarava guerra à sensualidade e estabelecia o veto a revistas ou livros que exibissem mulheres nuas.

Curiosamente, no escurinho das salas da Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal, censores e censoras que mal seguravam a excitação moral e cívica não passavam a tesoura na nudez das musas da pornochanchada e deixavam escapar muitas cenas de sexo. Na época, dizia-se que interessava aos guardiões da família liberar um pouco de sacanagem. Seria o circo oportuno para disfarçar as putarias propriamente ditas que o regime fazia com o país fora das salas de cinema.

Veja o trailer, clique AQUI

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Roberto Muggiati escreve: A primeira sessão de cinema

ACONTECEU HÁ QUASE 60 ANOS - Uma das primeiras projeções da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio,
no Auditório Oscar Guanabarino, da ABI, em 13 de maio de 1958. O filme exibido foi O ferroviário, de Pietro Germi.
Na primeira fila, no centro (de óculos e bigode), Dejean Magno Pellegrin, um dos maiores incentivadores do cineclubismo no Brasil. Na extrema esquerda, Mary (futura Sra. Zuenir) Ventura. Na segunda fila, Leon Hirszman, futuro cineasta. Na terceira (ao centro, de óculos), Walter Lima Jr., idem. Ainda na terceira fila, Sarah de Castro Barbosa (futura Sra. Joaquim Pedro de Andrade). Na quarta fila, o jornalista Cláudio Mello e Souza, que dirigiu a Fatos & Fotos e foi apelidado de "O Remador do Ben-Hur" por Nelson Rodrigues. Também nessa fila, os futuros cineastas Carlos Diegues e David Neves. Na sexta fila, Tereza Aragão (futura Sra. Ferreira Gullar).
Foto de Robert Léon Chauvière * Arquivo Pessoal de Djean Magno Pellegrin


Por Roberto Muggiati

Sou de uma geração perdida – não aquela do Hemingway – mas perdida de amor pelo cinema, uma geração com o coração de celuloide. Desde o primeiro filme, embaçado nas névoas da memória – O mágico de Oz, primeiro filme também de Salman Rushdie, que escreveu um livro a respeito – desde aquela primeira viagem fantástica com Judy Garland não me afastei mais do escurinho do cinema.

Ainda de calças curtas, escambava gibis na calçada do Cine Broadway, em Curitiba, antes de encarar a matinê de domingo, que começava às duas e ia até o fim da tarde, com direito a trailers, cinejornais, filme de abertura, filme principal e os seriados tipo Flash Gordon (“Continua na próxima semana...”)

Dejean Magno Pellegrin
Como cinéfilo, ganhei um upgrade no meu ano e meio de Paris, de fins de 1960 a começo de 1962: via dois filmes por dia, um deles inevitavelmente na Cinémathèque. Foi também lá que conheci Dejean Magno Pellegrin, que se tornaria meu personal de cinema (na época não se usava essa expressão, nem guru). Um dia ainda vou fazer um perfil mais aprofundado com o título Dejean: Le Chevalier Galant du Septième Art.

Nos primeiros meses de Paris, morei na Cité Universitaire, na Maison du Brésil: uma máquina de morar tramada em 1957 por Lúcio Costa e Le Corbusier. Era acolhedora, cada quarto com calefação e seu chuveiro próprio – uma dádiva em Paris – mas a gente pagava um preço por aquele conforto. A Cidade Universitária ficava quase fora de Paris, confinava com o Boulevard Périphérique, isso diz tudo: pertencia à periferia. E a Casa do Brasil era um gueto tupiniquim, com feijoada e rodas de violão aos sábados.

Em fevereiro de 1961, com uma primavera precoce, temperatura de vinte graus e alguns afoitos nadando nas águas do Sena, eu já estava instalado num hotelzinho barato, mas admiravelmente bem situado, no coração de Paris, na Place Dauphine, vizinho do casal Yves Montand-Simone Signoret.

Conheci Dejean ainda na Cité Universitaire, num bistrô das redondezas frequentado por cineastas e cinéfilos brasileiros. Joaquim Pedro morava lá, estudava no IDHEC (Institut de Hautes Études Cinematographiques), ficamos amigos. No fim do ano foi um festival, vieram de Roma Paulo César Sarraceni e Gustavo Dahl, que estudavam cinema em Roma, tinham um colega italiano chamado Bernardo Bertolucci. Déjean morava perto, dividia um apartamento com o pianista Artur Moreira Lima em Montrouge.

Le Champo ou Le Champollion, em Paris.
Hoje é o Espace Jacques Tati

Minha mudança de endereço para a Place Dauphine, na Île de la Cité, não rompeu meu contato com Dejean. Bolsista do governo francês, eu só tinha aulas à noite, no Centre de Formation des Journalistes. Uma de nossas ocupações era caçar filmes de Ingmar Berman por toda a cidade. Dejean aparecia com a revistinha La Semaine de Paris debaixo do braço: “Está passando Törst num cinema de bairro perto da Mairie du 9ème, cara, vamos nessa.”

E lá íamos nós, fazendo três ou quatro “correspondances” (trocas de trem) no metrô de Paris. Törst, de 1949, era Sede em português, no Brasil se chamaria Sede de Paixões. Na França tinha o título poético de La Fontaine d’Arethuse, alusão a um recanto da Sicília mencionado no filme, que trata basicamente da DR de um casal numa viagem de trem da Itália à Suécia, atravessando a Alemanha devastada pela guerra. A evocação da ninfa Aretusa seria a metáfora da impossibilidade do amor.

O filme, embora um Bergman menor, me tocou fundo e levou a visitar a Fonte de Aretusa, em Siracusa, no meu Grand Tour daquele verão. E a revisitar Siracusa em 1999, 38 anos depois.

Havia muito Bergman a descobrir. Antes de Morangos silvestres, de 1957, ele tinha rodado dezessete longas. Fazíamos também concursos para ver quem lembrava mais títulos originais: Det regnar på vår kärle (Chove sobre nosso amor), Kvinnors väntan (Quando as mulheres esperam) En lektion i kärlek (Uma lição de amor) Sommarnattens leende (Sorrisos de uma noite de amor), o quebra-línguas Smultronstället (Morangos silvestres), Ansiktet (O rosto) e o belíssimo Gycklarnas afton (Noites de circo), que teve traduções inspiradas em francês (La Nuit des Forains/A noite dos circenses) e inglês (Sawdust and Tinsel/Serragem e purpurina). Eu levaria a mania pela vida afora: um dos títulos mais geniais para mim é o de Gritos e sussurros (1972): Viskningar och Rop. Claro, os franceses, inventores e cultores da sacrossanta Sétima Arte, projetavam estes filmes em v.o. – versão original – o áudio em sueco, com legendas. Assim, pela persistência das falas, sempre aprendíamos alguma coisa: Jag älskar dig (Eu te amo); ingen tingen (nada).



Outro cineasta que me arrebatou na época foi Michelangelo Antonioni, com L’Avventura, de 1960. Eu ignorava que ele tinha feito anteriormente dezessete filmes, começando em 1943. Dejean me apresentou a La Signora senza camelie/A dama sem camélias (1953), Le Amiche/As amigas (1955), baseado numa história de Cesare Pavese, e Il Grido/O grito (1957), já inserido no hábito italiano de usar atores americanos, nesse caso Steve Cochran (atuou em Copacabana com Groucho Marx e Carmen Miranda) e Betsy Blair (ex-Sra. Gene Kelly). Talvez eu tenha levado o título no meu inconsciente para o do meu livro Rock: o grito e o mito (1973).

Estranha coincidência naquela nossa escolha de colecionar Bergmans e Antonionis. Os dois diretores morreram com horas de diferença em 30 de julho de 2007: Bergman no começo da manhã, aos 89; Antonioni poucas horas depois, aos 95. Ambos com uma obra sólida: Antonioni com sua Trilogia da Incomunicabilidade (A aventura, A noite, O eclipse), de 1960-62; Bergman com sua Trilogia do Silêncio (Através de um espelho, Luz de inverno, O silêncio), de 1961-62. Escrevendo sobre as analogias na obra de ambos e a sincronicidade de sua morte, um crítico definiu sua obra como “um retrato da alienação do homem moderno num universo sem Deus.”

Em Paris, Dejean trabalhava na Radiodiffusion Télévision Française, fazendo programas em português para o Brasil. Amigo generoso, me encaminhou para uns frilas na RTF, mas não me dei bem na estreia e não me chamaram mais. Eu mal podia imaginar que no ano seguinte, 1962, seria contratado para trabalhar durante três anos no Serviço Brasileiro da BBC de Londres. Uma experiência inesquecível: cheguei numa Inglaterra ainda vitoriana, saí de lá com a Swinging London a todo vapor. Pertencíamos ao que eu chamo de A Legião Estrangeira do Rádio. Tive colegas que trabalharam em The Voice of America em Washington e na BBC de Londres: o saudoso Telmo Martino e José Guilherme Correa.

Quando fui conhecer Estocolmo no verão, Dejean me encaminhou ao carioca Jack Soifer, que trabalhava na Rádio Suécia e foi para mim um cicerone generoso e hospitaleiro. Havia ainda a Rádio Canadá (nosso chefe de reportagem da Manchete, João Resende, quase foi parar lá) e a Deutsche Welle, em Colônia, para os mais afoitos que conheciam o alemão, em geral descendentes. Mas Dejean parece que levou a coisa da Legião Estrangeira a sério, inspirado também naqueles filmes épicos da antiga como Beau Geste, Lanceiros da Índia e As quatro penas brancas. (Quando você é cinéfilo de verdade, a ficção das telas muitas vezes comanda suas escolhas no mundo real.) Ele foi trabalhar no Serviço Brasileiro da Rádio do Cairo, onde se tornaria parceiro de transmissão do gaúcho Francisco Bittencourt, crítico de arte que se tornaria meu amigo em 1970. Imaginem só o que é viver na cidade do Cairo no final dos anos 1960, na república presidida por Gamal Abdel Nasser, que destronou o Rei Faruk. (Bem humorado, Faruk comentou: “Em breve só haverá quatro reis: o Rei da Inglaterra e os quatro reis do baralho…”)

Um corte rápido, coisa de cinema. Em 1969, Dejean está morando em Moscou como oficial de chancelaria na Embaixada do Brasil. Na época, uma das grandes salas moscovitas exibia em noite de gala 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick. Ao final da sessão, os russos na plateia vaiaram o filme, que acharam recheado de mensagens religiosas, principalmente no destaque dado ao misterioso monólito negro. Irritado, Dejean fez um tremendo discurso em inglês, arrasando com os comunistas: “Vocês são uns ignorantes, não entenderam porra nenhuma!”

Foi em Moscou que Dejean conheceu sua primeira e única mulher, Michèlle, uma francesa que trabalhava na Embaixada da França. Tiveram uma filha, cujo nome Dejean tirou – é claro – de um filme, On a Clear Day You Can See Forever/Num dia claro de verão (1970), de Vincente Minnelli: Melinda, a protagonista interpretada por Barbra Streisand. Belo nome. Woody Allen o escolheu para um filme genial de 2004, Melinda e Melinda. Pura coincidência.

Cassado pela ditadura militar, Dejean teria seus direitos parcialmente reintegrados em 1990, mas a família ainda hoje continua lutando por seus direitos. Demitido, Dejean seguiu com Michèlle para uma segunda temporada na Rádio do Cairo.

Humano, muito humano, Dejean era uma contradição ambulante. Esquerdista ferrenho, adorava o cinema americano acima de todas as coisas.  E sua cultura era assombrosa. Há uns dez anos, propus a uma destas “casas do saber” cariocas um curso de quatro palestras sobre O filme noir e os Caminhos do cinema. Convidei Dejean para ser meu parceiro. Eu achava que sabia tudo de noir, mas ele me veio com uma peça rara: um filme de 1952, The Thief/O espião invisível, com Ray Milland, só de música e ruídos, sem nenhuma fala.

De volta ao Brasil, Dejean coordenou um festival de cinema que teve como convidada especial a musa da nouvelle vague Bernadette Lafont. Uma paixonite o levou a morar de novo em Paris, mas o timing conspirou contra ele: Bernadette na época ficou terrivelmente abalada com o desaparecimento da filha caçula, Pauline Lafont, 25 anos também atriz, que percorria sozinha trilhas do sul da França. Caiu de um penhasco e seu corpo só foi encontrado vinte dias depois. Dejean se deixou ficar por alguns tempos na Rue des Entrepreneurs, na Paris que tanto amávamos. Nos últimos anos nos víamos esporadicamente, seu endereço dificultava bastante os encontros:

Dejean morava num belo condomínio na Floresta da Tijuca, dez minutos de táxi além do Museu do Açude. Fui lá uma vez só, a vista era realmente magnífica, do alto das montanhas da Mata Atlântica num dia claro você podia ver o mar da Barra da Tijuca. As paredes do apartamento eram forradas pelos doze mil filmes de Dejean – e a coleção não parava de se avolumar, com as doações dos companheiros que já iam partindo. Antes, almoçamos no Bar da Pracinha, diante da entrada da Floresta da Tijuca, dividimos um belo filé à francesa (évidemment) com chope, discutindo apaixonadamente, como sempre, nosso assunto predileto.


A última vez que vi Dejean foi na ABI, no centro do Rio, em setembro de 2010, na cerimônia de descerramento da foto famosa que abre esta matéria, seguida da projeção do mesmo Il Ferroviere, de Pietro Germi, exibido na sessão histórica de 1958 – sutileza típica do Dejean. O amigo cinéfilo morreu do coração um ano e meio depois, aos 81, e sua cremação, no Cemitério do Caju, foi a única a que compareci até hoje.

No dia seguinte, um domingo, um incêndio destruíu totalmente o Cine Teatro Ouro Verde, um dos templos da minha adolescência cinéfila. Vi naquilo não uma mera coincidência, mas uma imolação do destino à altura do querido Dejean.


sexta-feira, 7 de julho de 2017

Novo cinema brasileiro fracassa nas bilheterias. Espectadores poderão ser conduzidos coercitivamente às salas de exibição

por O.V.Pochê

O público não embarcou na onda do filme-panfleto tucano “Real: o plano por trás da História”. Em um mês de exibição, o longa já deu bye  bye da maioria das salas e não atraiu nem 50 mil espectadores, segundo a FilmeB, portal de mercado de cinema.

Com o alto índice de rejeição do atual governo do PMDB-PSDB+Temer+Moreira+Geddel-Eduardo Cunha+Eliseu Padilha+Aécio etc, a produção, que teria custado 8 milhões, não arrecadou nem 10% do total.

Provavelmente será relançado às vésperas das eleições de 2018.

Tudo indica que nem Aécio Neves viu o filme, já que o presidente do PSDB estava enclausurado em casa até a semana passada, antes do STF dizer que tudo bem quanto à acusação de Joesley sobre propinodutos de alta potência.

O filme-exaltação dos tucanos faz parte do movimento cultural-cinematográfico a que se tem dado o nome de Neocoxismo Brasileiro. Em breve chegará às salas de exibição o filme “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”, sobre os bastidores da Operação Lava Jato. O diretor José Padilha fará uma série sobre a Lava Jato. Moro e Dalagnol estariam na fila de roteiros, além do documentário "Em meu coração bate uma panela" em fase de pré-captação sobre o engajamento político da classe média na "revolução" que levou Temer ao poder. O "Jardim das Aflições" sobre o guru da direita Olavo de Carvalho é outra peça do Neocoxismo, movimento já reconhecido pelo Cine PE, que premiou a história do ideólogo das multidões que foram às pedir "Dentro Temer". O doc teria emocionado o ilustre júri formado por Manoel Freitas (ator, diretor artístico, gestor e produtor de eventos), Indaiá Freire (jornalista, produtora cultural, mestra em literatura e cinema), Tony Tramell (jornalista, ativista cultural e assistente de direção), Caio Julio Cesano (Secretário Municipal de Cultura de Londrina, doutor em multimeios, mestre em Comunicação e Mercado), Naura Schneider (atriz, produtora e jornalista) e Vladimir Carvalho (documentarista, cineasta e escritor). A premiação foi praticamente um aval acadêmico ao Neocoxismo, tendência que marcará culturalmente a Era Temer.

A expectativa do mercado é que em 2018, ano de eleições presidenciais, longas sobre João Dória e Bolsonaro fiquem prontos a tempo. Caso o STF conclua pela inocência de Temer, Aécio, Geddel e outros, haveria uma ideia de juntá-los em um documentário sobre os dias de injustiça que terão vivido. Seus apoiadores veem semelhanças entre o drama experimentado por eles e o célebre Caso Dreyfus, que condenou um inocente e, provou-se depois, as acusações haviam sido forjadas pelo exército francês.

A má performance do filme tucano nas bilheterias decepcionou a cúpula cultural do movimento. Mas providências já estão sendo tomadas para que o mesmo não aconteça com "Polícia Federal - A Lei é Para Todos". Segundo o colunista de TV Flávio Ricco, um mega campanha de lançamento está sendo preparada para evitar o fiasco.

Deve ser exagero, mas corre o boato de que caso as bilheterias não sejam excelentes nos primeiros dias de exibição, espectadores poderão ser conduzidos coercitivamente às salas de exibição.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Cinema cria um novo movimento: o Neoadesismo Brasileiro. São os filmes-exaltação do golpe que vão representar o Brasil no Oscar do ano que vem...

por O.V.Pochê

O cinema já conheceu muitos movimentos. O Neorealismo italiano, a Nouvelle Vague, o Cinema Novo.

Alguns cineastas estão com as câmeras ligadas para dar mais uma contribuição à nomenclatura da linguagem cinematográfica: vem aí o Neoadesismo brasileiro.

Longas sobre as investigações políticas e Lava Jato seriam os filmes-manifesto do novo movimento, levando-se em conta o teor das declarações dos realizadores sobre os respectivos temas.

É política, mas também é business.

Um dos diretores do movimento
cinematográfico Neoadesismo Brasileiro
a caminho do Oscar. Reproduçõa
O cinema-exaltação do golpe conta com um público potencial representado pelo "Brasil dividido" e pela ascensão da direita sacramentada pelo voto nas últimas eleições.

Caso a resposta na bilheteria seja boa, estará aberto um novo filão. Já estão em fase de roteirização "Bolsonaro, a epopeia", sobre o futuro candidato a presidente que tentará repetir no Brasil o fenômeno Trump; "Sheherazade, profissão guerreira", sobre episódios de coragem protagonizados por uma jornalista;  "A saga da Bancada da Bala", sobre o grupo que luta pelos direitos sociais da Colt, Beretta e AR15; "Coração Verde, Amarelo, Branco, Azul Anil", este sobre os líderes das passeatas coxinhas; "11 Homens e um Pepino", sobre as votações do STF durante a conspiração; "Legião de Herois", sobre o governo pós-golpe e seus ministros; "A Garganta Profunda que Salvou uma Nação", sobre o destemor e o patriotismo dos caguetas premiados; e "O Calvário do Milionário", sobre a prisão de um dos homens mais ricos do mundo.

Não se pode dizer que o golpe não está dando sua contribuição à Cultura. Tanto que cada um desses filmes já desponta como candidato a representar o Brasil no Oscar do ano que vem.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Filmes clássicos serão reexibidos em circuitos de cinemas americanos...





por Ed Sá
Apesar da era do streaming, as salas de cinema resistem.
A Turner Classic Movies em parceria com a Fathom Events vai exibir em circuitos, entre janeiro e outubro de 2017, clássicos de décadas passadas.
A ideia é que novos públicos possam viver a experiência de assistir a grandes filmes fora da TV, dos tablets e computadores.
Entre os filmes do pacote-revival estão: Cantando na Chuva, A Primeira Noite de um Homem, Poderoso Chefão, Adivinhe Quem Vem para Jantar, Casablanca, Tarde Demais para Esquecer, A Malvada e Quanto Mais Quente Melhor.
A informação é do site Mashable.
Uma boa ideia. Não custa imitar. Alô produtores e distribuidores brasileiros.

sábado, 21 de maio de 2016

As "surpresas" do Brasil em Cannes e a falta de espaço na mídia para a cultura alternativa

Cena de "Cinema Novo", documentário brasileiro premiado no Festival de Cannes 2016. Foto:Divulgação

por José Esmeraldo Gonçalves
Especulando: se o Cinema Novo começasse hoje, no Brasil, provavelmente só seria percebido cerca de dez  anos depois quando ganhasse um prêmio no Festival de Cannes. Talvez a mídia, na época, fosse mais generosa com a Cultura, especialmente com os projetos alternativos ou ideológicos. 

Quando Glauber ganhou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1969, o Cinema Novo recebia, havia muito tempo, ampla cobertura das revistas e dos cadernos culturais dos jornais. Não apenas o Cinema, como a Música, as Artes Plásticas, a Literatura, a Arquitetura, o Design, o Teatro. 

E não apenas projetos de potencial comercial, como a Jovem Guarda e os Festivais da Canção, mas iniciativas quase artesanais que, a partir da ação ainda visionária de pequenos grupos, fariam o Brasil entrar na era da arte engajada e, paralelamente, em seu primeiro modelo de cultura de massa. 

Ruth de Souza, atriz egressa do Teatro Experimental do Negro, foi entrevistada em 1953.
Foi a primeira negra, e por muito tempo a única, a ilustrar a capa de um revista brasileira,
fato raríssimo ao longo da história da própria Manchete. 

A "História do Cinema Brasileiro", segundo Manchete, nos anos 50. 

Em 1961, Luiza Maranhão na capa de O Cruzeiro. O assunto?
As filmagens de "Barravento", de Glauber, diretor ainda desconhecido
para o grande público.
Em 1953, a Manchete cobria regularmente em reportagens e colunas especializadas, cinema, teatro e artes plásticas. Com pouco mais de uma ano de existência, publicou uma História do Cinema Brasileiro assinada pelo crítico e pesquisador Salvyano Cavalcanti de Paiva.

Justino Martins, que assumiu a direção da Manchete em 1958, vindo de Paris, onde vivera a efervescência cultural da cidade, abriu amplo espaço na revista para movimentos que nasceram na virada para a década de 1960 e revelaram um Brasil que, se dependesse da comunidade cultural conservadora, permaneceria confortavelmente oculto naqueles dias em que a urbanização "modernizava" o país e o consumo, na forma de automóveis, eletrodomésticos, vestuário, utensílios, acessórios importados e um varejo anabolizado pelo crediário seduzia a classe média. 

Justino frequentou Cannes durante décadas e foi jurado do Festival. Tinha um grande interesse por cinema, especialmente a Nouvelle Vague e o Neorrealismo, mas as coleções da Manchete e seu fabuloso arquivo fotográfico hoje dado como desaparecido registram passo a passo cada um daqueles movimentos de todas as artes. 

Entrevistas, bastidores de filmagens, estreias de filmes, peças e espetáculos musicais, perfis de diretores, escritores, cantores, compositores artistas plásticos, na maioria das vezes fotografados na intimidade dos seus redutos de criação, fossem estúdios, ateliês ou casas eram pautas presentes nas edições de Manchete na década que Rubem Gershman nomeou de "utopia absoluta".  

No Brasil, a vida nunca foi fácil para os criadores e promotores culturais fora do main stream. Hoje, parece ainda mais complicada. Divulgar ou obter financiamento para um filme que não tenha um nome nacionalmente conhecido, um ídolo, geralmente formado pela TV, é missão difícil.


O atual Festival de Cannes já ofereceu duas "surpresas" aos brasileiros: a indicação para a Palma de Ouro, com repercussão positiva e elogios da crítica para o filme "Aquarius", do pernambucano Kleber Mendonça Filho, e o Prêmio Olho de Ouro, na Mostra Cannes Classic, evento oficial fora da competição, para o documentário "Cinema Novo", de Eryk Rocha, que faz uma jornada no tempo rumo à cena épica de realizadores como Ruy Guerra, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues e Glauber Rocha, pai de Eryk. 

Os dois filmes viajaram para a França praticamente em silêncio. Nas redes sociais, houve quem se surpreendesse com a "volta" de Sonia Braga, que está no elenco de "Aquarius". Para muitos, ela estava aposentada e recolhida a um apartamento em Niterói. 

Quanto ao filme de Eryk Rocha, basta dar um google agora para ver que ganhou visibilidade apenas a partir da premiação divulgada há poucas horas. 

A Cultura vem perdendo nos últimos anos mais do que verbas e ministério. A maioria dos jornais cancelou, reduziu ou fundiu seus cadernos culturais. Com menos espaço na mídia, produto que não arrasa quarteirão só vira notícia quando é referendado por  "resultados". Antes disso, só se trouxer um ex-BBB no elenco. 

Sem divulgação, os patrocinadores não aparecem. Faz falta, talvez, um "occupy internet" por parte dos realizadores para divulgar seus projetos e tudo o que acontece com os seus produtos durante a maturação, depois de prontos etc. Se não, quase tudo será "surpresa": um filme brasileiro estar entre os concorrentes à Palma de Ouro, um desenho brasileiro ("O menino e o mundo") concorrer a um Oscar de Melhor Animação, um documentário brasileiro ser premiado em Cannes...  

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Nicole Puzzi: musa do cinema revela a epopeia das pornochanchadas e homenageia gênero recordista de bilheterias do cinema brasileiro

Os bastidores do cinema em livro. 
Nicole Puzzi na capa da Status e...
... em destaque e...

...matéria na revista Amiga, da Bloch Editores.
A atriz e apresentadora do Canal Brasil, Nicole Puzzi, que foi estrela da era da pornochanchada, lança o livro "A Boca de São Paulo", onde revela os bastidores de um tempo em que o cinema brasileiro ousava e faturava com produções como "Damas do Prazer", "O prisioneiro do sexo", "Ariella", "O Convite ao Prazer", "Perdida em Sodoma", "Tessa, a gata" e dezenas de outros filmes. Atualmente, Nicolo apresenta o programa "Pornolândia" no Canal Brasil. No livro, ela ressalta o cinema da época e homenageia os profissionais que encararam o desafio de levar filmes brasileiros a milhões de espectadores.