por Guina Araújo Ramos (do Blog Bonecos da História)
Fico sabendo que, nesta data (ontem, 21) , há 38 anos, em 1980, a morte fechava o pano da peça, daquela peça que ele era, o famoso “teatrólogo, jornalista, romancista, folhetinista e cronista de costumes e de futebol brasileiro, e tido como o mais influente dramaturgo do Brasil” (nos termos da Wikipédia), ou seja, o “reacionário” Nelson Rodrigues.
E ele até gostava de se intitular assim... Fez altos elogios aos governos militares, inclusive o do Gal. Médici, o mais radical deles.
Porém, a vida é assim, a vida é como ela é... O destino sabe ser cruel também fora das peças de Nelson Rodrigues... Eis que seu filho Nelsinho passou a lutar contra a ditadura, foi membro do MR-8, e daí preso, torturado, processado várias vezes. Pai e filho, juntos: seu pai não o abandonou, até conseguiu que fosse libertado. Só que o filho não aceitou e ainda fez greve de fome, com outros presos, e foi solto em 1979. E o próprio Nelsinho fala de Nelson Rodrigues: ““O velho já falava em amnistia desde 1975, e escrevera que eu tinha sido torturado, e era contra amnistiar torturadores. Então você já vê que reaccionário era. Ele se dava esse adjectivo por ser contra o comunismo. Era um artista. Foi o cara mais censurado do Brasil.””
Se até Nelson Rodrigues era, será que todo artista, afinal, também não será sempre progressista?
Fotografei Nelson Rodrigues apenas esta vez, para a Amiga, da Bloch Editores. Lembro-me apenas vagamente das circunstâncias... Terá sido uma reunião de artistas para tratar da questão da censura às peças de teatro. E o destaque foi justamente a presença de Nelson Rodrigues, certeza de mais estofo à causa, pela sua importância como o mais importante dramaturgo do Brasil.
É a única foto que me restou, uma ponta de filme que ficou rajada pelo efeito, não sei, do revelador ou do fixador, talvez. Nela, consigo reconhecer, à sua frente, Daniel Filho. E, ao seu lado, José Wilker e Lucélia Santos.
E quem, ao fundo, de camisa listrada? E a loura de blusa estampada, quem será?
ATUALIZAÇÃO EM 8/2/2019
por Guina Araújo Ramos
Bonecos em errata...
Eis que neste início de Janeiro de 2019 surge esta informação: toda a coleção da revista Manchete foi digitalizada pela Biblioteca Nacional!
Ótima notícia!... Ora, tratei de dar uma olhada no material publicado com o crédito “Aguinaldo Ramos”, e tomo conhecimento da pauta que me levou a esta foto do gênio Nelson Rodrigues cercado por artistas de teatro e de cinema. Mesmo que o assunto tenha sido coberto para a revista Amiga, uma das fotos foi publicada na Manchete, na coluna Gente.
Foto: Reprodução: Manchete # 1853, 1980.
Muito “vagamente”, como escrevi, eu me lembrava das circunstâncias da foto (e foi bom ter alertado logo)... Reconheço o exagero. O tema não era tão dramático como imaginei (“a questão da censura às peças de teatro”), ainda que tendo algo de polêmico...
O motivo era profissional, diz a matéria: um encontro do elenco, mais o diretor Braz Chediak e do produtor Pedro Carlos Rovai, com o autor Nelson Rodrigues. Tratava-se da preparação da nova versão cinematográfica da peça Bonitinha Mas Ordinária (grafada assim na revista), a ser filmada naquele ano de 1980 (mais uma correção a fazer: esta data, na legenda da foto).
Teria sido uma reunião para “debater o texto e estudar aspectos técnicos da obra”, mas, é evidente, não passou de uma forma de divulgar o projeto...
O filme, que recebeu o título “Bonitinha, mas Ordinária ou Otto Lara Resende” (fazendo jus ao da peça), foi lançado em 1981. É a segunda versão para o cinema da peça, escrita em 1962 e que foi imediatamente encenada, com Teresa Rachel no papel-título. A referência a Otto Lara Resende se deve à frase “o mineiro só é solidário no câncer”, atribuída por Nelson Rodrigues a ele, repetida muitas vezes na peça.
Nelson Rodrigues com o elenco de filme - Rio, 1980 - Foto Guina Araújo Ramos
O primeiro filme da série “Bonitinha mas Ordinária” é de 1963, na esteira do sucesso no teatro, com a dupla Odete Lara e Jece Valadão. Uma terceira versão de “Bonitinha mas Ordinária”, com direção de Moacyr Góes, com Leandra Leal, foi filmada em 2007 e 2008, e lançada apenas em 2013, parece que sem muito sucesso.
Por aí se vê que nem todo registro fotográfico guarda em si a síntese (ou o sentido) do evento que lhe deu origem (outro bom exemplo pode ser a foto de Nelson Rodrigues com a camisa do Flamengo ao lado de Zico), nem dá certeza a qualquer interpretação subjetiva, nem mesmo do autor, e ainda mais quando se tem apenas uma única foto remanescente...
A aparente dramaticidade desta imagem que me restara (um fotograma, ponta de filme, e em preto e branco, o que potencializa ainda mais a sensação) não correspondia ao tipo de encontro que fotografei, informação que outra fonte de informação, a cópia da revista, bem o demonstra.
A História é assim mesmo, sempre duvidosa...